TORONTO (WASHINGTON POST) - A posse de pequenas quantidades de várias drogas ilícitas, incluindo cocaína e opiáceos como fentanil e heroína, vai ser temporariamente descriminalizada na Colúmbia Britânica, província do Canadá. A medida foi anunciada pelo país nesta terça-feira, 31, e descrita como “ousada” para “virar a maré” na crise de overdoses enfrentada pelo governo da província.
A ministra da saúde mental e vícios do Canadá, Carolyn Bennett, afirmou que o governo de Justin Trudeau atendeu o pedido da gestão local da Colúmbia Britânica para ter isenção da Lei Federal de Drogas e Substâncias Controladas. A medida entra em vigor a partir do dia 31 de janeiro de 2023 e vale por três anos. “Não tomamos esta decisão de forma fácil”, declarou Bennett.
Com a nova regra, pessoas com 18 ou mais poderão transportar um total de até 2,5 gramas de algumas drogas para uso pessoal, sem ser presos, acusados ou terem as drogas apreendidas. Essa quantia é cumulativa - ou seja, diz respeito à quantidade de todas as drogas somadas. A permissão inclui opioides, cocaína, metanfetamina e MDMA, conhecida como ecstasy.
O tráfico, produção, exportação e importação dessas drogas permanecerão ilegais, assim como a posse de qualquer quantidade dessas drogas em aeroportos, perto de creches e escolas primárias e secundárias. Os militares também continuam proibidos de portar as drogas. “Isso não é legalização”, disse a ministra.
A medida, a primeira deste tipo no Canadá, ocorre seis anos depois que a Colúmbia Britânica declarou emergência de saúde pública em função do aumento das mortes por overdose. Esse número continuou em crescimento desde então. Em 2021, a Colúmbia Britânica chegou ao recorde de 2.236 pessoas mortas por overdose - um aumento de 125% em relação à 2016, ano que a província declarou emergência,
As overdoses de drogas são a principal causa de morte de pessoas com idades entre 19 e 39 anos na província, de acordo com as autoridades canadenses. A crise levou a um declínio na expectativa de vida dos homens nos últimos anos.
Em todo o Canadá, quase 27 mil pessoas morreram de overdose entre janeiro de 2016 e setembro de 2021.
A situação fez com que cada vez mais pessoas do Canadá, incluindo chefes de polícia do país, pedissem a descriminalização do porte de drogas ilícitas para o uso pessoal. Apesar disso, o primeiro-ministro Justin Trudeau evita a questão há muito tempo.
Kennedy Stewart, prefeito de Vancouver, uma das cidades mais importantes da província, está entre as autoridades que defendem a medida. Semanalmente, ele recebe um e-mail com o número de pessoas que sofreram overdose e o número de mortos em decorrência dela. Em uma destas vezes, ele se deparou com o nome de um parente entre as vítimas, segundo contou a repórteres.
Na segunda-feira, 30, o prefeito soube do acordo de descriminalização na província. “Posso dizer que senti vontade de chorar e ainda sinto vontade de chorar”, disse Stewart. “Isso é uma grande, grande coisa. (...) Marca um passo fundamental para repensar a política de drogas de modo que os cuidados de saúde tenha mais prioridade que a prisão”.
Na solicitação feita ao Ministério de Saúde do Canadá, o governo de Colúmbia Britânica afirmou que as políticas punitivas de drogas afetam desproporcionalmente as comunidades mais marginalizadas e não abarcam o que deve ser tratado como problema de saúde pública. Em seguida, acrescentaram que as leis federais sobre drogas estavam tendo o efeito oposto do esperado e aumentando as chances de overdose.
“A criminalização e o estigma levam muitos a esconder o uso de drogas de familiares e amigos e a evitar o tratamento, criando assim situações em que o risco de morte por intoxicação de drogas é maior”, afirmou.
Segundo o governo provinciano, a pandemia aumentou ainda mais a crise por reduzir o acesso à serviços de tratamento. Durante esse período, as pessoas também passaram a usar drogas sozinhas e em situações perigosas; e o abastecimento do tráfico nas ruas se tornou mais imprevisível devido ao fechamento das fronteiras.
O limite estabelecido para o porte, de 2,5 g, está abaixo do solicitado inicialmente, de 4,5 g. Na solicitação, a província afirmou que os limites muito baixos tem sido ineficazes e “diminuído o progresso” nos objetivos de descriminalização. Entretanto, a ministra Carolyn Bennett argumentou que 85% das apreensões de drogas no país são de quantias inferiores a 2 g. “Por isso estamos encaminhando dessa forma”, disse.
Bennett afirmou ainda que o governo irá monitorar o limite e observar se os objetivos da descriminalização estão sendo atingidos.
O Canadá, que em 2018 legalizou a maconha para uso recreativo, tem sido mais receptivo a uma abordagem de redução de danos às overdoses do que os Estados Unidos, que também vivem uma crise de saúde pública gerada pelo uso excessivo de drogas.
No ano passado, as autoridades da província alteraram as diretrizes de saúde para que os médicos pudessem prescrever a alguns pacientes um “fornecimento seguro” de medicamentos como metadona e hidromorfona opioides - eles temiam que houvesse um novo crescimento de mortes devido à pandemia. Já em Vancouver, uma clínica fornece heroína de grau farmacêutico a pacientes para os quais outros tipos de tratamento se mostraram ineficazes. O objetivo dessas políticas é reduzir o uso de drogas que contenham outras substâncias misturadas, o que eleva o risco de overdose.