Bem, tentamos a ambiguidade criativa e vemos agora onde isso nos levou. Durante décadas, usamos um duplo discurso diplomático sobre o assunto Ucrânia na Otan - e terminou em desastre total.
Passamos anos dizendo aos ucranianos que temos uma política de “portas abertas” na Otan e que eles têm o direito de “escolher seu próprio destino” e a Rússia não deveria poder vetar.
E todo esse tempo sinalizamos abertamente a Moscou que a Ucrânia nunca se juntaria à aliança - porque muitos membros da Otan simplesmente exercerão seu veto por conta própria.
Em princípio, sim; na prática, não. Essa tem sido a mensagem. E qual é o resultado de toda esse morde e assopra simultâneo? O que conseguimos falando com os dois cantos da boca?
O resultado é a pior guerra na Europa em 80 anos. O presidente russo, Vladimir Putin, destruiu inúmeras vidas, lares, esperanças e sonhos. Ele também destruiu o menor motivo para simpatizar com ele ou agradá-lo em sua paranoia.
Ao longo do caminho, ele vaporizou sua tese contra a adesão da Ucrânia à Otan. As pessoas costumavam dizer que a população ucraniana estava muito dividida sobre o assunto da adesão à Otan; e antes de 2014 você certamente poderia defender esse argumento. Veja os números agora. O apoio à adesão à Otan na Ucrânia é estratosférico - 83%, de acordo com uma pesquisa recente.
As pessoas costumavam alegar que a Ucrânia não era militarmente compatível com a Otan. Hoje, os ucranianos estão mobilizando uma variedade absurda de equipamentos dos países da Otan, com a maior habilidade e bravura.
Não há absolutamente nada que a Otan possa ensinar aos ucranianos sobre como travar uma guerra - na verdade, há muito que eles poderiam nos ensinar. Acima de tudo, as pessoas costumavam argumentar que a perspectiva de adesão da Ucrânia à Otan era “provocativa” para Putin e para a Rússia. Na verdade, nunca deveríamos ter aceitado esse argumento.
Deveríamos ter insistido na realidade - que o Kremlin não tinha nada a temer da Otan porque ela se trata de uma aliança defensiva. Mas os países membros aceitaram esse ponto falso. Confesso que por um tempo aceitei.
Guerra na Ucrânia
Então veja o que aconteceu quando nos esforçamos para não provocar Putin. Nós o acalmamos na cúpula da Otan em Bucareste em 2008. Os ucranianos queriam um Plano de Ação para Adesão à Otan (MAP). Eles receberam algumas palavras calorosas sobre a eventual adesão, mas nenhum MAP. Putin participou dessa cúpula e se declarou satisfeito com o resultado.
O que ele fez a seguir? Em 2014, invadiu o Donbas e tomou a Crimeia, com sua combinação de mentiras descaradas e brutalidade. Em vez de puni-lo adequadamente, respondemos com uma política de apaziguamento covarde.
Longe de ajudar os ucranianos a expulsá-lo de seu país, montamos o tragicômico “Formato da Normandia”, sob o qual a Rússia e a Ucrânia foram tratadas como se fossem igualmente culpadas, quando a Rússia era claramente o agressor e a Ucrânia, a vítima. Desde então, a adesão à Otan tem estado teoricamente na agenda, mas todos sabem que isso simplesmente não iria acontecer, ou pelo menos não durante a vida política de ninguém ao redor da mesa.
Assim, os ucranianos tinham o pior dos dois mundos. A Otan havia jorrado frases bonitas o suficiente sobre a filiação ucraniana para Putin usar em sua propaganda e alegar que a Rússia estava sendo ameaçada de cerco. Ao mesmo tempo, a realidade era que a Otan não havia feito nada para proteger a Ucrânia e nada para promover a causa da adesão ucraniana.
A verdade: se você tivesse me perguntado antes da invasão de Putin quando a Ucrânia se juntaria à Otan, eu teria dito: “Aproximadamente quando o inferno congelar, ou não por pelo menos 10 anos”.
Se você me perguntasse então se enviaríamos tanques Challenger para a Ucrânia, ou tanques Abrams, ou se os alemães enviariam tanques Leopard - eu teria pensado que você estava louco. Assim como eu teria pensado que você estava louco se tivesse me dito que Putin iria invadir a Ucrânia.
Putin não invadiu porque pensou que a Ucrânia iria se juntar à Otan. Ele sempre soube que isso era extremamente improvável. Ele atacou a Ucrânia porque acreditava – com evidências abundantes – que não levávamos a sério a proteção da Ucrânia. Ele atacou porque queria reconstruir o antigo império soviético e porque acreditava - tolamente - que iria vencer.
Se tivéssemos sido corajosos e consistentes o suficiente para trazer a Ucrânia para a Otan - se realmente quiséssemos o que dissemos - então esta catástrofe total teria sido evitada.
Sei que, em algumas capitais europeias, este resultado parecerá difícil de digerir. Mas a lógica é inevitável.
Em prol da estabilidade e da paz, a Ucrânia agora precisa de clareza sobre sua posição na arquitetura de segurança euro-atlântica. Todas as nossas esquivas e ziguezagues terminaram em matança.
Os ucranianos devem receber tudo o que precisam para terminar esta guerra, o mais rápido possível, e devemos começar o processo de admissão da Ucrânia na Otan - e começar agora.
Não adianta Moscou reclamar. Eles tinham uma tese defensável antes e foram ouvidos com respeito. Essa tese foi pulverizada pelas bombas e mísseis de Putin.
*Boris Johnson é ex-primeiro-ministro do Reino Unido