Putin ficou ‘paralisado’ e ‘incapaz de agir’ nas primeiras horas da rebelião do Grupo Wagner


O presidente tinha sido alertado pelos serviços de segurança russos ao menos dois ou três dias antes da rebelião que Prigozhin preparava-se para se insurgir, de acordo com relatórios de inteligência

Por Catherine Belton, Shane Harris e Greg Miller
Atualização:

LONDRES — Quando Ievgeni Prigozhin, chefe do grupo mercenário Wagner lançou seu motim, na manhã de 24 de junho, Vladimir Putin ficou paralisado, incapaz de agir decisivamente, de acordo com autoridades ucranianas e de outros países europeus. Nenhuma ordem foi emitida durante grande parte do dia, afirmaram as fontes.

O presidente tinha sido alertado pelos serviços de segurança russos ao menos dois ou três dias antes da rebelião que Prigozhin preparava-se para se insurgir, de acordo com relatórios de inteligência compartilhados com o Washington Post. Medidas foram tomadas para intensificar a segurança em várias instalações estratégicas, incluindo no Kremlin, onde o número de agentes da guarda presidencial foi aumentado e mais armas lhes foram entregues, mas nenhuma outra ação foi aplicada em outras áreas, afirmaram essas autoridades.

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“Putin teve tempo para tomar a decisão de liquidar (a rebelião) e prender os organizadores”, afirmou uma das autoridades de segurança europeias ouvidas pela reportagem, que, como as outras fontes, falou sob condição de anonimato para discutir informações de inteligência sensíveis. “Então, quando a rebelião começou, houve paralisia em todos os níveis, (…) desânimo e confusão. Por um longo tempo, eles não souberam como reagir.”

O presidente da Rússia, Vladimir Putin, participa de uma reunião por videoconferência no Kremlin  Foto: Alexander Kazakov/ AP

Este relato a respeito do motim, corroborado por autoridades de governos ocidentais, fornece a percepção mais detalhada até aqui sobre a paralisia e a desordem que acometeram o Kremlin durante as primeiras horas da mais grave afronta ao poder de Putin nos 23 anos que ele lidera a Rússia. O relato é consistente com declarações públicas pronunciadas na semana passada pelo diretor da CIA, William Burns, afirmando que, durante grande parte das 36 horas de rebelião, os serviços de segurança, as Forças Armadas e os tomadores de decisão da Rússia “pareceram à deriva”.

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O relato também parece revelar o medo de Putin de confrontar diretamente o senhor da guerra renegado que vinha obtendo apoio do establishment russo de segurança havia mais de uma década. Prigozhin tinha se tornado parte integrante das operações globais do Kremlin, administrando fazendas de trolls que disseminaram desinformação nos Estados Unidos e comandando operações paramilitares no Oriente Médio e na África, antes de assumir oficialmente uma posição de vanguarda na guerra da Rússia contra a Ucrânia.

O porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, disse ao Post que os relatórios de inteligência são “absurdos” e foram fornecidos “por indivíduos sem nenhuma informação”.

Sistema

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A simbiose de longa data entre Putin e Prigozhin, que se conheceram em São Petersburgo no início dos anos 90, expõe as fraquezas de um sistema regido por compadrios, em que clãs rivais são colocados para brigar entre si e que tem sido tensionado pela guerra até um ponto crítico de rompimento.

A ausência de ordens do comando superior do Kremlin permitiu que autoridades locais decidissem como agir, de acordo com autoridades de segurança europeias, quando as tropas do Grupo Wagner de Prigozhin chocaram o mundo ao ocupar a cidade russa de Rostov nas primeiras horas de 24 de junho, tomando controle do principal centro de comando militar na região e avançando então para Voronezh, antes de rumar mais para norte, em direção a Moscou.

Sem nenhuma ordem clara, as forças militares e os chefes de segurança locais decidiram não tentar impedir as tropas Wagner fortemente armadas, afirmaram autoridades de segurança.

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O chefe do Grupo Wagner, Ievgeni Prigozhin, já vinha criticando diversas autoridades do governo russo por conta da suposta falta de ajuda militar ao Grupo Wagner durante o período em que os mercenários estavam em Bakhmut  Foto: Assessoria de imprensa de Ievgeni Prigozhin / AP

Muitos nos níveis locais não conseguiam acreditar que a rebelião Wagner podia estar acontecendo sem algum grau de anuência do Kremlin, afirmaram autoridades de segurança — apesar do discurso emergencial de Putin televisionado a toda nação na manhã do motim, no qual ele prometeu agir contra os rebeldes; e apesar do mandato de prisão emitido contra Prigozhin por “incitação à insurreição” na véspera de sua marcha a Moscou.

“As autoridades locais não receberam nenhum comando da liderança”, afirmou uma graduada autoridade de segurança da Ucrânia. “Do nosso ponto de vista, este é o principal sinal da situação insalubre dentro da Rússia. O sistema autoritário é formado de tal maneira que, sem um comando muito claro da liderança, os indivíduos não fazem nada. Até a liderança passa por turbulência e confusão; a situação é a mesma no nível local, até pior.”

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As informações de inteligência ajudam a explicar o que tem sido visto como o maior desafio ao poder de Putin: como o bando de combatentes armados de Prigozhin, exigindo a saída do ministro da Defesa, Sergei Shoigu, e do chefe do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas da Rússia, Valeri Gerasimov, conseguiu chegar a até 193 quilômetros de Moscou sem enfrentar nenhuma resistência, até acabar concordando em retroceder depois de um acordo intermediado pelo presidente belarusso, Alexander Lukashenko.

A desordem no Kremlin também reflete uma divisão que se aprofunda dentro do establishment russo de segurança e militar em relação à condução da guerra na Ucrânia, com muitos, incluindo nos níveis mais elevados dos serviços de segurança e das Forças Armadas, apoiando a tentativa de Prigozhin de derrubar os comandantes militares mais graduados da Rússia, afirmaram autoridades europeias de segurança.

“Alguns apoiaram Prigozhin e a ideia de que a liderança precisa ser extirpada, de que o peixe está apodrecendo a partir da cabeça”, afirmou uma das fontes.

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Apoio a Prigozhin

Uma alta autoridade da Otan afirmou que algumas figuras graduadas em Moscou pareceram dispostas a unir-se em apoio a Prigozhin se ele tivesse sido bem-sucedido em alcançar suas demandas. “Parece ter havido gente importante nas estruturas de poder (…) indivíduos que pareciam estar esperando por isso, de certa maneira; e que, se sua tentativa tivesse sido mais bem-sucedida, também” se juntariam à conspiração, afirmou esta autoridade.

As declarações cada vez mais cáusticas de Prigozhin responsabilizando corrupção e má gestão no alto comando militar russo pelas derrotas e pelo grande número de baixas na guerra contra a Ucrânia ressoaram em muitos setores da sociedade russa. Muitos militares russos de patentes mais baixas também quiseram que Prigozhin fosse bem-sucedido em derrubar o alto comando das Forças Armadas acreditando que a mudança “facilitaria para eles lutar”, afirmou esta autoridade.

Mercenários do Grupo Wagner participam de treinamentos em Belarus  Foto: Ministério da Defesa de Belarus / AP

Mas outros no establishment de segurança ficaram horrorizados com o motim e com a reação frouxa do Kremlin, convencidos de que o governo russo está conduzindo o país para um período de turbulência profunda.

“Houve confusão. Pode-se discordar a respeito da profundidade, mas realmente faltou ordem”, afirmou um frequentador dos círculos diplomáticos mais graduados da Rússia. “Nós ouvimos várias narrativas, nem sempre consistentes. Por algum tempo eles não souberam como reagir”, afirmou ele. Putin tinha prometido esmagar a rebelião na manhã que o movimento se iniciou, mas quando finalmente reapareceu ao público, mais de 48 horas depois, afirmou que todos os passos para evitar um grande derramamento de sangue tinham sido dados sob sua “ordem direta”.

Membros da elite russa afirmaram que a discordância em torno da condução da guerra por Moscou e da maneira com que o comando militar russo lida com o conflito continuará, apesar do impulso de relações públicas do Kremlin no sentido de demonstrar que Putin está no controle e do lançamento de uma campanha de expurgo de críticos das fileiras militares da Rússia e de apoiadores de Prigozhin entre os ultranacionalistas russos.

Na sexta-feira, Igor Girkin, um controvertido ex-comandante russo na Ucrânia que vinha denunciado publicamente a corrupção na liderança militar da Rússia, foi preso. Vários generais estrelados percebidos como próximos a Prigozhin, incluindo o general Sergei Surovikin, que com frequência era elogiado pelo líder Wagner, desapareceram da vista do público.

A ausência de ordens do Kremlin durante a crise enfraqueceu Putin significativamente, de acordo com seus críticos. “Putin mostrou-se incapaz de tomar decisões sérias, importantes e rápidas em situações críticas. Ele só se escondeu”, afirmou o ex-coronel russo Gennadi Gudkov, que trabalhou nos serviços de segurança russos e agora atua como político opositor no exílio. “A maioria da população russa não entendeu isso. Mas a elite de Putin entendeu muito bem. Ele não é mais garantidor de sua segurança e da preservação do sistema.”

“A Rússia é um país governado por máfias. E Putin cometeu um erro imperdoável”, afirmou um graduado financiador de Moscou ligado a serviços de inteligência. “Ele perdeu a reputação de homem mais durão da cidade.”

O conflito entre Prigozhin e a liderança militar russa vinha se intensificando há meses, e a possibilidade de conflito aumentou acentuadamente quando o Ministério da Defesa da Rússia decretou, em 10 de junho, que os combatentes Wagner teriam de assinar contratos com o governo russo a partir de 1.º de julho; pondo fim, essencialmente, ao controle de Prigozhin sobre o grupo mercenário — e aos contratos de bilhões de dólares que o Kremlin mantinha com a milícia.

Quando emergiram alertas dos serviços de segurança a respeito de Prigozhin poder estar montando algum tipo de rebelião, alguns no establishment de segurança acreditaram que os preparativos poderiam não passar de um blefe para intensificar sua pressão e ganhar mais peso para assegurar seu controle do Grupo Wagner, afirmou uma das autoridades de segurança europeias.

O presidente da Rússia, Vladimir Putin, teve uma reunião bilateral com o presidente de Belarus, Alexander Lukashenko  Foto: Alexandr Demyanchuk/ AFP

O motim de Prigozhin foi uma tentativa de obter influência que, em certa medida, funcionou. Putin foi aparentemente forçado a abrir concessões para o líder renegado, permitindo-lhe viajar através da Rússia por dias após o motim, porque o trabalho de Prigozhin é amarrado estreitamente aos interesses do regime de Putin, de acordo com várias autoridades de segurança e Vladimir Osechkin, ativista russo no exílio, defensor dos direitos humanos, que entrevistou vários ex-combatentes Wagner. Em vez de processar Prigozhin por liderar a insurreição armada, Putin concordou em abandonar as acusações. Em troca, Prigozhin ordenou que seus homens desocupassem instalações militares críticas e concordou em rumar para Belarus, deixando pelo menos parte do Grupo Wagner intacta.

A Rússia acionou grupos militares privados como um braço secreto do regime para proteger interesses do Kremlin “onde o Estado (russo) não tem força ou não pode agir oficialmente”, de acordo com um relatório redigido para uma mesa de discussão parlamentar a respeito da legalização de organizações paramilitares privadas de 2015. O relatório foi obtido pelo grupo investigativo Dossier Center — fundado pelo opositor de Putin no exílio Mikhail Khodorkovsky — e compartilhado com o Post.

“Grupos militares podem se tornar instrumentos eficientes de política externa”, afirma o relatório. “A presença de grupos paramilitares privados nas regiões de conflito ‘mais quentes’ do planeta aumentará a esfera de influência da Rússia, conquistará novos aliados para o país e permitirá a obtenção de dados de inteligência de interesse e informações diplomática adicionais que, em última instância, incrementarão a influência da Rússia globalmente.”

O entrelaçamento aos interesses russos de inteligência do Grupo Wagner — com seus níveis mais graduados preenchidos por ex-espiões militares russos e seu papel em operações na Síria, na Líbia e por toda a África, onde os russos obtiveram acesso a amplas concessões de exploração de mineração — significa que é impossível para Putin encerrar definitivamente as operações de Prigozhin, afirmou Osechkin. Prigozhin “trabalhou mais de 20 anos para o time de Putin, fez muito por seus interesses em uma série de países. E tem uma enorme quantidade de informação” relativa a essas atividades, afirmou Osechkin. “Eles criaram um monstro para si mesmos”, afirmou uma autoridade europeia de segurança. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

LONDRES — Quando Ievgeni Prigozhin, chefe do grupo mercenário Wagner lançou seu motim, na manhã de 24 de junho, Vladimir Putin ficou paralisado, incapaz de agir decisivamente, de acordo com autoridades ucranianas e de outros países europeus. Nenhuma ordem foi emitida durante grande parte do dia, afirmaram as fontes.

O presidente tinha sido alertado pelos serviços de segurança russos ao menos dois ou três dias antes da rebelião que Prigozhin preparava-se para se insurgir, de acordo com relatórios de inteligência compartilhados com o Washington Post. Medidas foram tomadas para intensificar a segurança em várias instalações estratégicas, incluindo no Kremlin, onde o número de agentes da guarda presidencial foi aumentado e mais armas lhes foram entregues, mas nenhuma outra ação foi aplicada em outras áreas, afirmaram essas autoridades.

“Putin teve tempo para tomar a decisão de liquidar (a rebelião) e prender os organizadores”, afirmou uma das autoridades de segurança europeias ouvidas pela reportagem, que, como as outras fontes, falou sob condição de anonimato para discutir informações de inteligência sensíveis. “Então, quando a rebelião começou, houve paralisia em todos os níveis, (…) desânimo e confusão. Por um longo tempo, eles não souberam como reagir.”

O presidente da Rússia, Vladimir Putin, participa de uma reunião por videoconferência no Kremlin  Foto: Alexander Kazakov/ AP

Este relato a respeito do motim, corroborado por autoridades de governos ocidentais, fornece a percepção mais detalhada até aqui sobre a paralisia e a desordem que acometeram o Kremlin durante as primeiras horas da mais grave afronta ao poder de Putin nos 23 anos que ele lidera a Rússia. O relato é consistente com declarações públicas pronunciadas na semana passada pelo diretor da CIA, William Burns, afirmando que, durante grande parte das 36 horas de rebelião, os serviços de segurança, as Forças Armadas e os tomadores de decisão da Rússia “pareceram à deriva”.

O relato também parece revelar o medo de Putin de confrontar diretamente o senhor da guerra renegado que vinha obtendo apoio do establishment russo de segurança havia mais de uma década. Prigozhin tinha se tornado parte integrante das operações globais do Kremlin, administrando fazendas de trolls que disseminaram desinformação nos Estados Unidos e comandando operações paramilitares no Oriente Médio e na África, antes de assumir oficialmente uma posição de vanguarda na guerra da Rússia contra a Ucrânia.

O porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, disse ao Post que os relatórios de inteligência são “absurdos” e foram fornecidos “por indivíduos sem nenhuma informação”.

Sistema

A simbiose de longa data entre Putin e Prigozhin, que se conheceram em São Petersburgo no início dos anos 90, expõe as fraquezas de um sistema regido por compadrios, em que clãs rivais são colocados para brigar entre si e que tem sido tensionado pela guerra até um ponto crítico de rompimento.

A ausência de ordens do comando superior do Kremlin permitiu que autoridades locais decidissem como agir, de acordo com autoridades de segurança europeias, quando as tropas do Grupo Wagner de Prigozhin chocaram o mundo ao ocupar a cidade russa de Rostov nas primeiras horas de 24 de junho, tomando controle do principal centro de comando militar na região e avançando então para Voronezh, antes de rumar mais para norte, em direção a Moscou.

Sem nenhuma ordem clara, as forças militares e os chefes de segurança locais decidiram não tentar impedir as tropas Wagner fortemente armadas, afirmaram autoridades de segurança.

O chefe do Grupo Wagner, Ievgeni Prigozhin, já vinha criticando diversas autoridades do governo russo por conta da suposta falta de ajuda militar ao Grupo Wagner durante o período em que os mercenários estavam em Bakhmut  Foto: Assessoria de imprensa de Ievgeni Prigozhin / AP

Muitos nos níveis locais não conseguiam acreditar que a rebelião Wagner podia estar acontecendo sem algum grau de anuência do Kremlin, afirmaram autoridades de segurança — apesar do discurso emergencial de Putin televisionado a toda nação na manhã do motim, no qual ele prometeu agir contra os rebeldes; e apesar do mandato de prisão emitido contra Prigozhin por “incitação à insurreição” na véspera de sua marcha a Moscou.

“As autoridades locais não receberam nenhum comando da liderança”, afirmou uma graduada autoridade de segurança da Ucrânia. “Do nosso ponto de vista, este é o principal sinal da situação insalubre dentro da Rússia. O sistema autoritário é formado de tal maneira que, sem um comando muito claro da liderança, os indivíduos não fazem nada. Até a liderança passa por turbulência e confusão; a situação é a mesma no nível local, até pior.”

As informações de inteligência ajudam a explicar o que tem sido visto como o maior desafio ao poder de Putin: como o bando de combatentes armados de Prigozhin, exigindo a saída do ministro da Defesa, Sergei Shoigu, e do chefe do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas da Rússia, Valeri Gerasimov, conseguiu chegar a até 193 quilômetros de Moscou sem enfrentar nenhuma resistência, até acabar concordando em retroceder depois de um acordo intermediado pelo presidente belarusso, Alexander Lukashenko.

A desordem no Kremlin também reflete uma divisão que se aprofunda dentro do establishment russo de segurança e militar em relação à condução da guerra na Ucrânia, com muitos, incluindo nos níveis mais elevados dos serviços de segurança e das Forças Armadas, apoiando a tentativa de Prigozhin de derrubar os comandantes militares mais graduados da Rússia, afirmaram autoridades europeias de segurança.

“Alguns apoiaram Prigozhin e a ideia de que a liderança precisa ser extirpada, de que o peixe está apodrecendo a partir da cabeça”, afirmou uma das fontes.

Apoio a Prigozhin

Uma alta autoridade da Otan afirmou que algumas figuras graduadas em Moscou pareceram dispostas a unir-se em apoio a Prigozhin se ele tivesse sido bem-sucedido em alcançar suas demandas. “Parece ter havido gente importante nas estruturas de poder (…) indivíduos que pareciam estar esperando por isso, de certa maneira; e que, se sua tentativa tivesse sido mais bem-sucedida, também” se juntariam à conspiração, afirmou esta autoridade.

As declarações cada vez mais cáusticas de Prigozhin responsabilizando corrupção e má gestão no alto comando militar russo pelas derrotas e pelo grande número de baixas na guerra contra a Ucrânia ressoaram em muitos setores da sociedade russa. Muitos militares russos de patentes mais baixas também quiseram que Prigozhin fosse bem-sucedido em derrubar o alto comando das Forças Armadas acreditando que a mudança “facilitaria para eles lutar”, afirmou esta autoridade.

Mercenários do Grupo Wagner participam de treinamentos em Belarus  Foto: Ministério da Defesa de Belarus / AP

Mas outros no establishment de segurança ficaram horrorizados com o motim e com a reação frouxa do Kremlin, convencidos de que o governo russo está conduzindo o país para um período de turbulência profunda.

“Houve confusão. Pode-se discordar a respeito da profundidade, mas realmente faltou ordem”, afirmou um frequentador dos círculos diplomáticos mais graduados da Rússia. “Nós ouvimos várias narrativas, nem sempre consistentes. Por algum tempo eles não souberam como reagir”, afirmou ele. Putin tinha prometido esmagar a rebelião na manhã que o movimento se iniciou, mas quando finalmente reapareceu ao público, mais de 48 horas depois, afirmou que todos os passos para evitar um grande derramamento de sangue tinham sido dados sob sua “ordem direta”.

Membros da elite russa afirmaram que a discordância em torno da condução da guerra por Moscou e da maneira com que o comando militar russo lida com o conflito continuará, apesar do impulso de relações públicas do Kremlin no sentido de demonstrar que Putin está no controle e do lançamento de uma campanha de expurgo de críticos das fileiras militares da Rússia e de apoiadores de Prigozhin entre os ultranacionalistas russos.

Na sexta-feira, Igor Girkin, um controvertido ex-comandante russo na Ucrânia que vinha denunciado publicamente a corrupção na liderança militar da Rússia, foi preso. Vários generais estrelados percebidos como próximos a Prigozhin, incluindo o general Sergei Surovikin, que com frequência era elogiado pelo líder Wagner, desapareceram da vista do público.

A ausência de ordens do Kremlin durante a crise enfraqueceu Putin significativamente, de acordo com seus críticos. “Putin mostrou-se incapaz de tomar decisões sérias, importantes e rápidas em situações críticas. Ele só se escondeu”, afirmou o ex-coronel russo Gennadi Gudkov, que trabalhou nos serviços de segurança russos e agora atua como político opositor no exílio. “A maioria da população russa não entendeu isso. Mas a elite de Putin entendeu muito bem. Ele não é mais garantidor de sua segurança e da preservação do sistema.”

“A Rússia é um país governado por máfias. E Putin cometeu um erro imperdoável”, afirmou um graduado financiador de Moscou ligado a serviços de inteligência. “Ele perdeu a reputação de homem mais durão da cidade.”

O conflito entre Prigozhin e a liderança militar russa vinha se intensificando há meses, e a possibilidade de conflito aumentou acentuadamente quando o Ministério da Defesa da Rússia decretou, em 10 de junho, que os combatentes Wagner teriam de assinar contratos com o governo russo a partir de 1.º de julho; pondo fim, essencialmente, ao controle de Prigozhin sobre o grupo mercenário — e aos contratos de bilhões de dólares que o Kremlin mantinha com a milícia.

Quando emergiram alertas dos serviços de segurança a respeito de Prigozhin poder estar montando algum tipo de rebelião, alguns no establishment de segurança acreditaram que os preparativos poderiam não passar de um blefe para intensificar sua pressão e ganhar mais peso para assegurar seu controle do Grupo Wagner, afirmou uma das autoridades de segurança europeias.

O presidente da Rússia, Vladimir Putin, teve uma reunião bilateral com o presidente de Belarus, Alexander Lukashenko  Foto: Alexandr Demyanchuk/ AFP

O motim de Prigozhin foi uma tentativa de obter influência que, em certa medida, funcionou. Putin foi aparentemente forçado a abrir concessões para o líder renegado, permitindo-lhe viajar através da Rússia por dias após o motim, porque o trabalho de Prigozhin é amarrado estreitamente aos interesses do regime de Putin, de acordo com várias autoridades de segurança e Vladimir Osechkin, ativista russo no exílio, defensor dos direitos humanos, que entrevistou vários ex-combatentes Wagner. Em vez de processar Prigozhin por liderar a insurreição armada, Putin concordou em abandonar as acusações. Em troca, Prigozhin ordenou que seus homens desocupassem instalações militares críticas e concordou em rumar para Belarus, deixando pelo menos parte do Grupo Wagner intacta.

A Rússia acionou grupos militares privados como um braço secreto do regime para proteger interesses do Kremlin “onde o Estado (russo) não tem força ou não pode agir oficialmente”, de acordo com um relatório redigido para uma mesa de discussão parlamentar a respeito da legalização de organizações paramilitares privadas de 2015. O relatório foi obtido pelo grupo investigativo Dossier Center — fundado pelo opositor de Putin no exílio Mikhail Khodorkovsky — e compartilhado com o Post.

“Grupos militares podem se tornar instrumentos eficientes de política externa”, afirma o relatório. “A presença de grupos paramilitares privados nas regiões de conflito ‘mais quentes’ do planeta aumentará a esfera de influência da Rússia, conquistará novos aliados para o país e permitirá a obtenção de dados de inteligência de interesse e informações diplomática adicionais que, em última instância, incrementarão a influência da Rússia globalmente.”

O entrelaçamento aos interesses russos de inteligência do Grupo Wagner — com seus níveis mais graduados preenchidos por ex-espiões militares russos e seu papel em operações na Síria, na Líbia e por toda a África, onde os russos obtiveram acesso a amplas concessões de exploração de mineração — significa que é impossível para Putin encerrar definitivamente as operações de Prigozhin, afirmou Osechkin. Prigozhin “trabalhou mais de 20 anos para o time de Putin, fez muito por seus interesses em uma série de países. E tem uma enorme quantidade de informação” relativa a essas atividades, afirmou Osechkin. “Eles criaram um monstro para si mesmos”, afirmou uma autoridade europeia de segurança. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

LONDRES — Quando Ievgeni Prigozhin, chefe do grupo mercenário Wagner lançou seu motim, na manhã de 24 de junho, Vladimir Putin ficou paralisado, incapaz de agir decisivamente, de acordo com autoridades ucranianas e de outros países europeus. Nenhuma ordem foi emitida durante grande parte do dia, afirmaram as fontes.

O presidente tinha sido alertado pelos serviços de segurança russos ao menos dois ou três dias antes da rebelião que Prigozhin preparava-se para se insurgir, de acordo com relatórios de inteligência compartilhados com o Washington Post. Medidas foram tomadas para intensificar a segurança em várias instalações estratégicas, incluindo no Kremlin, onde o número de agentes da guarda presidencial foi aumentado e mais armas lhes foram entregues, mas nenhuma outra ação foi aplicada em outras áreas, afirmaram essas autoridades.

“Putin teve tempo para tomar a decisão de liquidar (a rebelião) e prender os organizadores”, afirmou uma das autoridades de segurança europeias ouvidas pela reportagem, que, como as outras fontes, falou sob condição de anonimato para discutir informações de inteligência sensíveis. “Então, quando a rebelião começou, houve paralisia em todos os níveis, (…) desânimo e confusão. Por um longo tempo, eles não souberam como reagir.”

O presidente da Rússia, Vladimir Putin, participa de uma reunião por videoconferência no Kremlin  Foto: Alexander Kazakov/ AP

Este relato a respeito do motim, corroborado por autoridades de governos ocidentais, fornece a percepção mais detalhada até aqui sobre a paralisia e a desordem que acometeram o Kremlin durante as primeiras horas da mais grave afronta ao poder de Putin nos 23 anos que ele lidera a Rússia. O relato é consistente com declarações públicas pronunciadas na semana passada pelo diretor da CIA, William Burns, afirmando que, durante grande parte das 36 horas de rebelião, os serviços de segurança, as Forças Armadas e os tomadores de decisão da Rússia “pareceram à deriva”.

O relato também parece revelar o medo de Putin de confrontar diretamente o senhor da guerra renegado que vinha obtendo apoio do establishment russo de segurança havia mais de uma década. Prigozhin tinha se tornado parte integrante das operações globais do Kremlin, administrando fazendas de trolls que disseminaram desinformação nos Estados Unidos e comandando operações paramilitares no Oriente Médio e na África, antes de assumir oficialmente uma posição de vanguarda na guerra da Rússia contra a Ucrânia.

O porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, disse ao Post que os relatórios de inteligência são “absurdos” e foram fornecidos “por indivíduos sem nenhuma informação”.

Sistema

A simbiose de longa data entre Putin e Prigozhin, que se conheceram em São Petersburgo no início dos anos 90, expõe as fraquezas de um sistema regido por compadrios, em que clãs rivais são colocados para brigar entre si e que tem sido tensionado pela guerra até um ponto crítico de rompimento.

A ausência de ordens do comando superior do Kremlin permitiu que autoridades locais decidissem como agir, de acordo com autoridades de segurança europeias, quando as tropas do Grupo Wagner de Prigozhin chocaram o mundo ao ocupar a cidade russa de Rostov nas primeiras horas de 24 de junho, tomando controle do principal centro de comando militar na região e avançando então para Voronezh, antes de rumar mais para norte, em direção a Moscou.

Sem nenhuma ordem clara, as forças militares e os chefes de segurança locais decidiram não tentar impedir as tropas Wagner fortemente armadas, afirmaram autoridades de segurança.

O chefe do Grupo Wagner, Ievgeni Prigozhin, já vinha criticando diversas autoridades do governo russo por conta da suposta falta de ajuda militar ao Grupo Wagner durante o período em que os mercenários estavam em Bakhmut  Foto: Assessoria de imprensa de Ievgeni Prigozhin / AP

Muitos nos níveis locais não conseguiam acreditar que a rebelião Wagner podia estar acontecendo sem algum grau de anuência do Kremlin, afirmaram autoridades de segurança — apesar do discurso emergencial de Putin televisionado a toda nação na manhã do motim, no qual ele prometeu agir contra os rebeldes; e apesar do mandato de prisão emitido contra Prigozhin por “incitação à insurreição” na véspera de sua marcha a Moscou.

“As autoridades locais não receberam nenhum comando da liderança”, afirmou uma graduada autoridade de segurança da Ucrânia. “Do nosso ponto de vista, este é o principal sinal da situação insalubre dentro da Rússia. O sistema autoritário é formado de tal maneira que, sem um comando muito claro da liderança, os indivíduos não fazem nada. Até a liderança passa por turbulência e confusão; a situação é a mesma no nível local, até pior.”

As informações de inteligência ajudam a explicar o que tem sido visto como o maior desafio ao poder de Putin: como o bando de combatentes armados de Prigozhin, exigindo a saída do ministro da Defesa, Sergei Shoigu, e do chefe do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas da Rússia, Valeri Gerasimov, conseguiu chegar a até 193 quilômetros de Moscou sem enfrentar nenhuma resistência, até acabar concordando em retroceder depois de um acordo intermediado pelo presidente belarusso, Alexander Lukashenko.

A desordem no Kremlin também reflete uma divisão que se aprofunda dentro do establishment russo de segurança e militar em relação à condução da guerra na Ucrânia, com muitos, incluindo nos níveis mais elevados dos serviços de segurança e das Forças Armadas, apoiando a tentativa de Prigozhin de derrubar os comandantes militares mais graduados da Rússia, afirmaram autoridades europeias de segurança.

“Alguns apoiaram Prigozhin e a ideia de que a liderança precisa ser extirpada, de que o peixe está apodrecendo a partir da cabeça”, afirmou uma das fontes.

Apoio a Prigozhin

Uma alta autoridade da Otan afirmou que algumas figuras graduadas em Moscou pareceram dispostas a unir-se em apoio a Prigozhin se ele tivesse sido bem-sucedido em alcançar suas demandas. “Parece ter havido gente importante nas estruturas de poder (…) indivíduos que pareciam estar esperando por isso, de certa maneira; e que, se sua tentativa tivesse sido mais bem-sucedida, também” se juntariam à conspiração, afirmou esta autoridade.

As declarações cada vez mais cáusticas de Prigozhin responsabilizando corrupção e má gestão no alto comando militar russo pelas derrotas e pelo grande número de baixas na guerra contra a Ucrânia ressoaram em muitos setores da sociedade russa. Muitos militares russos de patentes mais baixas também quiseram que Prigozhin fosse bem-sucedido em derrubar o alto comando das Forças Armadas acreditando que a mudança “facilitaria para eles lutar”, afirmou esta autoridade.

Mercenários do Grupo Wagner participam de treinamentos em Belarus  Foto: Ministério da Defesa de Belarus / AP

Mas outros no establishment de segurança ficaram horrorizados com o motim e com a reação frouxa do Kremlin, convencidos de que o governo russo está conduzindo o país para um período de turbulência profunda.

“Houve confusão. Pode-se discordar a respeito da profundidade, mas realmente faltou ordem”, afirmou um frequentador dos círculos diplomáticos mais graduados da Rússia. “Nós ouvimos várias narrativas, nem sempre consistentes. Por algum tempo eles não souberam como reagir”, afirmou ele. Putin tinha prometido esmagar a rebelião na manhã que o movimento se iniciou, mas quando finalmente reapareceu ao público, mais de 48 horas depois, afirmou que todos os passos para evitar um grande derramamento de sangue tinham sido dados sob sua “ordem direta”.

Membros da elite russa afirmaram que a discordância em torno da condução da guerra por Moscou e da maneira com que o comando militar russo lida com o conflito continuará, apesar do impulso de relações públicas do Kremlin no sentido de demonstrar que Putin está no controle e do lançamento de uma campanha de expurgo de críticos das fileiras militares da Rússia e de apoiadores de Prigozhin entre os ultranacionalistas russos.

Na sexta-feira, Igor Girkin, um controvertido ex-comandante russo na Ucrânia que vinha denunciado publicamente a corrupção na liderança militar da Rússia, foi preso. Vários generais estrelados percebidos como próximos a Prigozhin, incluindo o general Sergei Surovikin, que com frequência era elogiado pelo líder Wagner, desapareceram da vista do público.

A ausência de ordens do Kremlin durante a crise enfraqueceu Putin significativamente, de acordo com seus críticos. “Putin mostrou-se incapaz de tomar decisões sérias, importantes e rápidas em situações críticas. Ele só se escondeu”, afirmou o ex-coronel russo Gennadi Gudkov, que trabalhou nos serviços de segurança russos e agora atua como político opositor no exílio. “A maioria da população russa não entendeu isso. Mas a elite de Putin entendeu muito bem. Ele não é mais garantidor de sua segurança e da preservação do sistema.”

“A Rússia é um país governado por máfias. E Putin cometeu um erro imperdoável”, afirmou um graduado financiador de Moscou ligado a serviços de inteligência. “Ele perdeu a reputação de homem mais durão da cidade.”

O conflito entre Prigozhin e a liderança militar russa vinha se intensificando há meses, e a possibilidade de conflito aumentou acentuadamente quando o Ministério da Defesa da Rússia decretou, em 10 de junho, que os combatentes Wagner teriam de assinar contratos com o governo russo a partir de 1.º de julho; pondo fim, essencialmente, ao controle de Prigozhin sobre o grupo mercenário — e aos contratos de bilhões de dólares que o Kremlin mantinha com a milícia.

Quando emergiram alertas dos serviços de segurança a respeito de Prigozhin poder estar montando algum tipo de rebelião, alguns no establishment de segurança acreditaram que os preparativos poderiam não passar de um blefe para intensificar sua pressão e ganhar mais peso para assegurar seu controle do Grupo Wagner, afirmou uma das autoridades de segurança europeias.

O presidente da Rússia, Vladimir Putin, teve uma reunião bilateral com o presidente de Belarus, Alexander Lukashenko  Foto: Alexandr Demyanchuk/ AFP

O motim de Prigozhin foi uma tentativa de obter influência que, em certa medida, funcionou. Putin foi aparentemente forçado a abrir concessões para o líder renegado, permitindo-lhe viajar através da Rússia por dias após o motim, porque o trabalho de Prigozhin é amarrado estreitamente aos interesses do regime de Putin, de acordo com várias autoridades de segurança e Vladimir Osechkin, ativista russo no exílio, defensor dos direitos humanos, que entrevistou vários ex-combatentes Wagner. Em vez de processar Prigozhin por liderar a insurreição armada, Putin concordou em abandonar as acusações. Em troca, Prigozhin ordenou que seus homens desocupassem instalações militares críticas e concordou em rumar para Belarus, deixando pelo menos parte do Grupo Wagner intacta.

A Rússia acionou grupos militares privados como um braço secreto do regime para proteger interesses do Kremlin “onde o Estado (russo) não tem força ou não pode agir oficialmente”, de acordo com um relatório redigido para uma mesa de discussão parlamentar a respeito da legalização de organizações paramilitares privadas de 2015. O relatório foi obtido pelo grupo investigativo Dossier Center — fundado pelo opositor de Putin no exílio Mikhail Khodorkovsky — e compartilhado com o Post.

“Grupos militares podem se tornar instrumentos eficientes de política externa”, afirma o relatório. “A presença de grupos paramilitares privados nas regiões de conflito ‘mais quentes’ do planeta aumentará a esfera de influência da Rússia, conquistará novos aliados para o país e permitirá a obtenção de dados de inteligência de interesse e informações diplomática adicionais que, em última instância, incrementarão a influência da Rússia globalmente.”

O entrelaçamento aos interesses russos de inteligência do Grupo Wagner — com seus níveis mais graduados preenchidos por ex-espiões militares russos e seu papel em operações na Síria, na Líbia e por toda a África, onde os russos obtiveram acesso a amplas concessões de exploração de mineração — significa que é impossível para Putin encerrar definitivamente as operações de Prigozhin, afirmou Osechkin. Prigozhin “trabalhou mais de 20 anos para o time de Putin, fez muito por seus interesses em uma série de países. E tem uma enorme quantidade de informação” relativa a essas atividades, afirmou Osechkin. “Eles criaram um monstro para si mesmos”, afirmou uma autoridade europeia de segurança. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

LONDRES — Quando Ievgeni Prigozhin, chefe do grupo mercenário Wagner lançou seu motim, na manhã de 24 de junho, Vladimir Putin ficou paralisado, incapaz de agir decisivamente, de acordo com autoridades ucranianas e de outros países europeus. Nenhuma ordem foi emitida durante grande parte do dia, afirmaram as fontes.

O presidente tinha sido alertado pelos serviços de segurança russos ao menos dois ou três dias antes da rebelião que Prigozhin preparava-se para se insurgir, de acordo com relatórios de inteligência compartilhados com o Washington Post. Medidas foram tomadas para intensificar a segurança em várias instalações estratégicas, incluindo no Kremlin, onde o número de agentes da guarda presidencial foi aumentado e mais armas lhes foram entregues, mas nenhuma outra ação foi aplicada em outras áreas, afirmaram essas autoridades.

“Putin teve tempo para tomar a decisão de liquidar (a rebelião) e prender os organizadores”, afirmou uma das autoridades de segurança europeias ouvidas pela reportagem, que, como as outras fontes, falou sob condição de anonimato para discutir informações de inteligência sensíveis. “Então, quando a rebelião começou, houve paralisia em todos os níveis, (…) desânimo e confusão. Por um longo tempo, eles não souberam como reagir.”

O presidente da Rússia, Vladimir Putin, participa de uma reunião por videoconferência no Kremlin  Foto: Alexander Kazakov/ AP

Este relato a respeito do motim, corroborado por autoridades de governos ocidentais, fornece a percepção mais detalhada até aqui sobre a paralisia e a desordem que acometeram o Kremlin durante as primeiras horas da mais grave afronta ao poder de Putin nos 23 anos que ele lidera a Rússia. O relato é consistente com declarações públicas pronunciadas na semana passada pelo diretor da CIA, William Burns, afirmando que, durante grande parte das 36 horas de rebelião, os serviços de segurança, as Forças Armadas e os tomadores de decisão da Rússia “pareceram à deriva”.

O relato também parece revelar o medo de Putin de confrontar diretamente o senhor da guerra renegado que vinha obtendo apoio do establishment russo de segurança havia mais de uma década. Prigozhin tinha se tornado parte integrante das operações globais do Kremlin, administrando fazendas de trolls que disseminaram desinformação nos Estados Unidos e comandando operações paramilitares no Oriente Médio e na África, antes de assumir oficialmente uma posição de vanguarda na guerra da Rússia contra a Ucrânia.

O porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, disse ao Post que os relatórios de inteligência são “absurdos” e foram fornecidos “por indivíduos sem nenhuma informação”.

Sistema

A simbiose de longa data entre Putin e Prigozhin, que se conheceram em São Petersburgo no início dos anos 90, expõe as fraquezas de um sistema regido por compadrios, em que clãs rivais são colocados para brigar entre si e que tem sido tensionado pela guerra até um ponto crítico de rompimento.

A ausência de ordens do comando superior do Kremlin permitiu que autoridades locais decidissem como agir, de acordo com autoridades de segurança europeias, quando as tropas do Grupo Wagner de Prigozhin chocaram o mundo ao ocupar a cidade russa de Rostov nas primeiras horas de 24 de junho, tomando controle do principal centro de comando militar na região e avançando então para Voronezh, antes de rumar mais para norte, em direção a Moscou.

Sem nenhuma ordem clara, as forças militares e os chefes de segurança locais decidiram não tentar impedir as tropas Wagner fortemente armadas, afirmaram autoridades de segurança.

O chefe do Grupo Wagner, Ievgeni Prigozhin, já vinha criticando diversas autoridades do governo russo por conta da suposta falta de ajuda militar ao Grupo Wagner durante o período em que os mercenários estavam em Bakhmut  Foto: Assessoria de imprensa de Ievgeni Prigozhin / AP

Muitos nos níveis locais não conseguiam acreditar que a rebelião Wagner podia estar acontecendo sem algum grau de anuência do Kremlin, afirmaram autoridades de segurança — apesar do discurso emergencial de Putin televisionado a toda nação na manhã do motim, no qual ele prometeu agir contra os rebeldes; e apesar do mandato de prisão emitido contra Prigozhin por “incitação à insurreição” na véspera de sua marcha a Moscou.

“As autoridades locais não receberam nenhum comando da liderança”, afirmou uma graduada autoridade de segurança da Ucrânia. “Do nosso ponto de vista, este é o principal sinal da situação insalubre dentro da Rússia. O sistema autoritário é formado de tal maneira que, sem um comando muito claro da liderança, os indivíduos não fazem nada. Até a liderança passa por turbulência e confusão; a situação é a mesma no nível local, até pior.”

As informações de inteligência ajudam a explicar o que tem sido visto como o maior desafio ao poder de Putin: como o bando de combatentes armados de Prigozhin, exigindo a saída do ministro da Defesa, Sergei Shoigu, e do chefe do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas da Rússia, Valeri Gerasimov, conseguiu chegar a até 193 quilômetros de Moscou sem enfrentar nenhuma resistência, até acabar concordando em retroceder depois de um acordo intermediado pelo presidente belarusso, Alexander Lukashenko.

A desordem no Kremlin também reflete uma divisão que se aprofunda dentro do establishment russo de segurança e militar em relação à condução da guerra na Ucrânia, com muitos, incluindo nos níveis mais elevados dos serviços de segurança e das Forças Armadas, apoiando a tentativa de Prigozhin de derrubar os comandantes militares mais graduados da Rússia, afirmaram autoridades europeias de segurança.

“Alguns apoiaram Prigozhin e a ideia de que a liderança precisa ser extirpada, de que o peixe está apodrecendo a partir da cabeça”, afirmou uma das fontes.

Apoio a Prigozhin

Uma alta autoridade da Otan afirmou que algumas figuras graduadas em Moscou pareceram dispostas a unir-se em apoio a Prigozhin se ele tivesse sido bem-sucedido em alcançar suas demandas. “Parece ter havido gente importante nas estruturas de poder (…) indivíduos que pareciam estar esperando por isso, de certa maneira; e que, se sua tentativa tivesse sido mais bem-sucedida, também” se juntariam à conspiração, afirmou esta autoridade.

As declarações cada vez mais cáusticas de Prigozhin responsabilizando corrupção e má gestão no alto comando militar russo pelas derrotas e pelo grande número de baixas na guerra contra a Ucrânia ressoaram em muitos setores da sociedade russa. Muitos militares russos de patentes mais baixas também quiseram que Prigozhin fosse bem-sucedido em derrubar o alto comando das Forças Armadas acreditando que a mudança “facilitaria para eles lutar”, afirmou esta autoridade.

Mercenários do Grupo Wagner participam de treinamentos em Belarus  Foto: Ministério da Defesa de Belarus / AP

Mas outros no establishment de segurança ficaram horrorizados com o motim e com a reação frouxa do Kremlin, convencidos de que o governo russo está conduzindo o país para um período de turbulência profunda.

“Houve confusão. Pode-se discordar a respeito da profundidade, mas realmente faltou ordem”, afirmou um frequentador dos círculos diplomáticos mais graduados da Rússia. “Nós ouvimos várias narrativas, nem sempre consistentes. Por algum tempo eles não souberam como reagir”, afirmou ele. Putin tinha prometido esmagar a rebelião na manhã que o movimento se iniciou, mas quando finalmente reapareceu ao público, mais de 48 horas depois, afirmou que todos os passos para evitar um grande derramamento de sangue tinham sido dados sob sua “ordem direta”.

Membros da elite russa afirmaram que a discordância em torno da condução da guerra por Moscou e da maneira com que o comando militar russo lida com o conflito continuará, apesar do impulso de relações públicas do Kremlin no sentido de demonstrar que Putin está no controle e do lançamento de uma campanha de expurgo de críticos das fileiras militares da Rússia e de apoiadores de Prigozhin entre os ultranacionalistas russos.

Na sexta-feira, Igor Girkin, um controvertido ex-comandante russo na Ucrânia que vinha denunciado publicamente a corrupção na liderança militar da Rússia, foi preso. Vários generais estrelados percebidos como próximos a Prigozhin, incluindo o general Sergei Surovikin, que com frequência era elogiado pelo líder Wagner, desapareceram da vista do público.

A ausência de ordens do Kremlin durante a crise enfraqueceu Putin significativamente, de acordo com seus críticos. “Putin mostrou-se incapaz de tomar decisões sérias, importantes e rápidas em situações críticas. Ele só se escondeu”, afirmou o ex-coronel russo Gennadi Gudkov, que trabalhou nos serviços de segurança russos e agora atua como político opositor no exílio. “A maioria da população russa não entendeu isso. Mas a elite de Putin entendeu muito bem. Ele não é mais garantidor de sua segurança e da preservação do sistema.”

“A Rússia é um país governado por máfias. E Putin cometeu um erro imperdoável”, afirmou um graduado financiador de Moscou ligado a serviços de inteligência. “Ele perdeu a reputação de homem mais durão da cidade.”

O conflito entre Prigozhin e a liderança militar russa vinha se intensificando há meses, e a possibilidade de conflito aumentou acentuadamente quando o Ministério da Defesa da Rússia decretou, em 10 de junho, que os combatentes Wagner teriam de assinar contratos com o governo russo a partir de 1.º de julho; pondo fim, essencialmente, ao controle de Prigozhin sobre o grupo mercenário — e aos contratos de bilhões de dólares que o Kremlin mantinha com a milícia.

Quando emergiram alertas dos serviços de segurança a respeito de Prigozhin poder estar montando algum tipo de rebelião, alguns no establishment de segurança acreditaram que os preparativos poderiam não passar de um blefe para intensificar sua pressão e ganhar mais peso para assegurar seu controle do Grupo Wagner, afirmou uma das autoridades de segurança europeias.

O presidente da Rússia, Vladimir Putin, teve uma reunião bilateral com o presidente de Belarus, Alexander Lukashenko  Foto: Alexandr Demyanchuk/ AFP

O motim de Prigozhin foi uma tentativa de obter influência que, em certa medida, funcionou. Putin foi aparentemente forçado a abrir concessões para o líder renegado, permitindo-lhe viajar através da Rússia por dias após o motim, porque o trabalho de Prigozhin é amarrado estreitamente aos interesses do regime de Putin, de acordo com várias autoridades de segurança e Vladimir Osechkin, ativista russo no exílio, defensor dos direitos humanos, que entrevistou vários ex-combatentes Wagner. Em vez de processar Prigozhin por liderar a insurreição armada, Putin concordou em abandonar as acusações. Em troca, Prigozhin ordenou que seus homens desocupassem instalações militares críticas e concordou em rumar para Belarus, deixando pelo menos parte do Grupo Wagner intacta.

A Rússia acionou grupos militares privados como um braço secreto do regime para proteger interesses do Kremlin “onde o Estado (russo) não tem força ou não pode agir oficialmente”, de acordo com um relatório redigido para uma mesa de discussão parlamentar a respeito da legalização de organizações paramilitares privadas de 2015. O relatório foi obtido pelo grupo investigativo Dossier Center — fundado pelo opositor de Putin no exílio Mikhail Khodorkovsky — e compartilhado com o Post.

“Grupos militares podem se tornar instrumentos eficientes de política externa”, afirma o relatório. “A presença de grupos paramilitares privados nas regiões de conflito ‘mais quentes’ do planeta aumentará a esfera de influência da Rússia, conquistará novos aliados para o país e permitirá a obtenção de dados de inteligência de interesse e informações diplomática adicionais que, em última instância, incrementarão a influência da Rússia globalmente.”

O entrelaçamento aos interesses russos de inteligência do Grupo Wagner — com seus níveis mais graduados preenchidos por ex-espiões militares russos e seu papel em operações na Síria, na Líbia e por toda a África, onde os russos obtiveram acesso a amplas concessões de exploração de mineração — significa que é impossível para Putin encerrar definitivamente as operações de Prigozhin, afirmou Osechkin. Prigozhin “trabalhou mais de 20 anos para o time de Putin, fez muito por seus interesses em uma série de países. E tem uma enorme quantidade de informação” relativa a essas atividades, afirmou Osechkin. “Eles criaram um monstro para si mesmos”, afirmou uma autoridade europeia de segurança. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

LONDRES — Quando Ievgeni Prigozhin, chefe do grupo mercenário Wagner lançou seu motim, na manhã de 24 de junho, Vladimir Putin ficou paralisado, incapaz de agir decisivamente, de acordo com autoridades ucranianas e de outros países europeus. Nenhuma ordem foi emitida durante grande parte do dia, afirmaram as fontes.

O presidente tinha sido alertado pelos serviços de segurança russos ao menos dois ou três dias antes da rebelião que Prigozhin preparava-se para se insurgir, de acordo com relatórios de inteligência compartilhados com o Washington Post. Medidas foram tomadas para intensificar a segurança em várias instalações estratégicas, incluindo no Kremlin, onde o número de agentes da guarda presidencial foi aumentado e mais armas lhes foram entregues, mas nenhuma outra ação foi aplicada em outras áreas, afirmaram essas autoridades.

“Putin teve tempo para tomar a decisão de liquidar (a rebelião) e prender os organizadores”, afirmou uma das autoridades de segurança europeias ouvidas pela reportagem, que, como as outras fontes, falou sob condição de anonimato para discutir informações de inteligência sensíveis. “Então, quando a rebelião começou, houve paralisia em todos os níveis, (…) desânimo e confusão. Por um longo tempo, eles não souberam como reagir.”

O presidente da Rússia, Vladimir Putin, participa de uma reunião por videoconferência no Kremlin  Foto: Alexander Kazakov/ AP

Este relato a respeito do motim, corroborado por autoridades de governos ocidentais, fornece a percepção mais detalhada até aqui sobre a paralisia e a desordem que acometeram o Kremlin durante as primeiras horas da mais grave afronta ao poder de Putin nos 23 anos que ele lidera a Rússia. O relato é consistente com declarações públicas pronunciadas na semana passada pelo diretor da CIA, William Burns, afirmando que, durante grande parte das 36 horas de rebelião, os serviços de segurança, as Forças Armadas e os tomadores de decisão da Rússia “pareceram à deriva”.

O relato também parece revelar o medo de Putin de confrontar diretamente o senhor da guerra renegado que vinha obtendo apoio do establishment russo de segurança havia mais de uma década. Prigozhin tinha se tornado parte integrante das operações globais do Kremlin, administrando fazendas de trolls que disseminaram desinformação nos Estados Unidos e comandando operações paramilitares no Oriente Médio e na África, antes de assumir oficialmente uma posição de vanguarda na guerra da Rússia contra a Ucrânia.

O porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, disse ao Post que os relatórios de inteligência são “absurdos” e foram fornecidos “por indivíduos sem nenhuma informação”.

Sistema

A simbiose de longa data entre Putin e Prigozhin, que se conheceram em São Petersburgo no início dos anos 90, expõe as fraquezas de um sistema regido por compadrios, em que clãs rivais são colocados para brigar entre si e que tem sido tensionado pela guerra até um ponto crítico de rompimento.

A ausência de ordens do comando superior do Kremlin permitiu que autoridades locais decidissem como agir, de acordo com autoridades de segurança europeias, quando as tropas do Grupo Wagner de Prigozhin chocaram o mundo ao ocupar a cidade russa de Rostov nas primeiras horas de 24 de junho, tomando controle do principal centro de comando militar na região e avançando então para Voronezh, antes de rumar mais para norte, em direção a Moscou.

Sem nenhuma ordem clara, as forças militares e os chefes de segurança locais decidiram não tentar impedir as tropas Wagner fortemente armadas, afirmaram autoridades de segurança.

O chefe do Grupo Wagner, Ievgeni Prigozhin, já vinha criticando diversas autoridades do governo russo por conta da suposta falta de ajuda militar ao Grupo Wagner durante o período em que os mercenários estavam em Bakhmut  Foto: Assessoria de imprensa de Ievgeni Prigozhin / AP

Muitos nos níveis locais não conseguiam acreditar que a rebelião Wagner podia estar acontecendo sem algum grau de anuência do Kremlin, afirmaram autoridades de segurança — apesar do discurso emergencial de Putin televisionado a toda nação na manhã do motim, no qual ele prometeu agir contra os rebeldes; e apesar do mandato de prisão emitido contra Prigozhin por “incitação à insurreição” na véspera de sua marcha a Moscou.

“As autoridades locais não receberam nenhum comando da liderança”, afirmou uma graduada autoridade de segurança da Ucrânia. “Do nosso ponto de vista, este é o principal sinal da situação insalubre dentro da Rússia. O sistema autoritário é formado de tal maneira que, sem um comando muito claro da liderança, os indivíduos não fazem nada. Até a liderança passa por turbulência e confusão; a situação é a mesma no nível local, até pior.”

As informações de inteligência ajudam a explicar o que tem sido visto como o maior desafio ao poder de Putin: como o bando de combatentes armados de Prigozhin, exigindo a saída do ministro da Defesa, Sergei Shoigu, e do chefe do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas da Rússia, Valeri Gerasimov, conseguiu chegar a até 193 quilômetros de Moscou sem enfrentar nenhuma resistência, até acabar concordando em retroceder depois de um acordo intermediado pelo presidente belarusso, Alexander Lukashenko.

A desordem no Kremlin também reflete uma divisão que se aprofunda dentro do establishment russo de segurança e militar em relação à condução da guerra na Ucrânia, com muitos, incluindo nos níveis mais elevados dos serviços de segurança e das Forças Armadas, apoiando a tentativa de Prigozhin de derrubar os comandantes militares mais graduados da Rússia, afirmaram autoridades europeias de segurança.

“Alguns apoiaram Prigozhin e a ideia de que a liderança precisa ser extirpada, de que o peixe está apodrecendo a partir da cabeça”, afirmou uma das fontes.

Apoio a Prigozhin

Uma alta autoridade da Otan afirmou que algumas figuras graduadas em Moscou pareceram dispostas a unir-se em apoio a Prigozhin se ele tivesse sido bem-sucedido em alcançar suas demandas. “Parece ter havido gente importante nas estruturas de poder (…) indivíduos que pareciam estar esperando por isso, de certa maneira; e que, se sua tentativa tivesse sido mais bem-sucedida, também” se juntariam à conspiração, afirmou esta autoridade.

As declarações cada vez mais cáusticas de Prigozhin responsabilizando corrupção e má gestão no alto comando militar russo pelas derrotas e pelo grande número de baixas na guerra contra a Ucrânia ressoaram em muitos setores da sociedade russa. Muitos militares russos de patentes mais baixas também quiseram que Prigozhin fosse bem-sucedido em derrubar o alto comando das Forças Armadas acreditando que a mudança “facilitaria para eles lutar”, afirmou esta autoridade.

Mercenários do Grupo Wagner participam de treinamentos em Belarus  Foto: Ministério da Defesa de Belarus / AP

Mas outros no establishment de segurança ficaram horrorizados com o motim e com a reação frouxa do Kremlin, convencidos de que o governo russo está conduzindo o país para um período de turbulência profunda.

“Houve confusão. Pode-se discordar a respeito da profundidade, mas realmente faltou ordem”, afirmou um frequentador dos círculos diplomáticos mais graduados da Rússia. “Nós ouvimos várias narrativas, nem sempre consistentes. Por algum tempo eles não souberam como reagir”, afirmou ele. Putin tinha prometido esmagar a rebelião na manhã que o movimento se iniciou, mas quando finalmente reapareceu ao público, mais de 48 horas depois, afirmou que todos os passos para evitar um grande derramamento de sangue tinham sido dados sob sua “ordem direta”.

Membros da elite russa afirmaram que a discordância em torno da condução da guerra por Moscou e da maneira com que o comando militar russo lida com o conflito continuará, apesar do impulso de relações públicas do Kremlin no sentido de demonstrar que Putin está no controle e do lançamento de uma campanha de expurgo de críticos das fileiras militares da Rússia e de apoiadores de Prigozhin entre os ultranacionalistas russos.

Na sexta-feira, Igor Girkin, um controvertido ex-comandante russo na Ucrânia que vinha denunciado publicamente a corrupção na liderança militar da Rússia, foi preso. Vários generais estrelados percebidos como próximos a Prigozhin, incluindo o general Sergei Surovikin, que com frequência era elogiado pelo líder Wagner, desapareceram da vista do público.

A ausência de ordens do Kremlin durante a crise enfraqueceu Putin significativamente, de acordo com seus críticos. “Putin mostrou-se incapaz de tomar decisões sérias, importantes e rápidas em situações críticas. Ele só se escondeu”, afirmou o ex-coronel russo Gennadi Gudkov, que trabalhou nos serviços de segurança russos e agora atua como político opositor no exílio. “A maioria da população russa não entendeu isso. Mas a elite de Putin entendeu muito bem. Ele não é mais garantidor de sua segurança e da preservação do sistema.”

“A Rússia é um país governado por máfias. E Putin cometeu um erro imperdoável”, afirmou um graduado financiador de Moscou ligado a serviços de inteligência. “Ele perdeu a reputação de homem mais durão da cidade.”

O conflito entre Prigozhin e a liderança militar russa vinha se intensificando há meses, e a possibilidade de conflito aumentou acentuadamente quando o Ministério da Defesa da Rússia decretou, em 10 de junho, que os combatentes Wagner teriam de assinar contratos com o governo russo a partir de 1.º de julho; pondo fim, essencialmente, ao controle de Prigozhin sobre o grupo mercenário — e aos contratos de bilhões de dólares que o Kremlin mantinha com a milícia.

Quando emergiram alertas dos serviços de segurança a respeito de Prigozhin poder estar montando algum tipo de rebelião, alguns no establishment de segurança acreditaram que os preparativos poderiam não passar de um blefe para intensificar sua pressão e ganhar mais peso para assegurar seu controle do Grupo Wagner, afirmou uma das autoridades de segurança europeias.

O presidente da Rússia, Vladimir Putin, teve uma reunião bilateral com o presidente de Belarus, Alexander Lukashenko  Foto: Alexandr Demyanchuk/ AFP

O motim de Prigozhin foi uma tentativa de obter influência que, em certa medida, funcionou. Putin foi aparentemente forçado a abrir concessões para o líder renegado, permitindo-lhe viajar através da Rússia por dias após o motim, porque o trabalho de Prigozhin é amarrado estreitamente aos interesses do regime de Putin, de acordo com várias autoridades de segurança e Vladimir Osechkin, ativista russo no exílio, defensor dos direitos humanos, que entrevistou vários ex-combatentes Wagner. Em vez de processar Prigozhin por liderar a insurreição armada, Putin concordou em abandonar as acusações. Em troca, Prigozhin ordenou que seus homens desocupassem instalações militares críticas e concordou em rumar para Belarus, deixando pelo menos parte do Grupo Wagner intacta.

A Rússia acionou grupos militares privados como um braço secreto do regime para proteger interesses do Kremlin “onde o Estado (russo) não tem força ou não pode agir oficialmente”, de acordo com um relatório redigido para uma mesa de discussão parlamentar a respeito da legalização de organizações paramilitares privadas de 2015. O relatório foi obtido pelo grupo investigativo Dossier Center — fundado pelo opositor de Putin no exílio Mikhail Khodorkovsky — e compartilhado com o Post.

“Grupos militares podem se tornar instrumentos eficientes de política externa”, afirma o relatório. “A presença de grupos paramilitares privados nas regiões de conflito ‘mais quentes’ do planeta aumentará a esfera de influência da Rússia, conquistará novos aliados para o país e permitirá a obtenção de dados de inteligência de interesse e informações diplomática adicionais que, em última instância, incrementarão a influência da Rússia globalmente.”

O entrelaçamento aos interesses russos de inteligência do Grupo Wagner — com seus níveis mais graduados preenchidos por ex-espiões militares russos e seu papel em operações na Síria, na Líbia e por toda a África, onde os russos obtiveram acesso a amplas concessões de exploração de mineração — significa que é impossível para Putin encerrar definitivamente as operações de Prigozhin, afirmou Osechkin. Prigozhin “trabalhou mais de 20 anos para o time de Putin, fez muito por seus interesses em uma série de países. E tem uma enorme quantidade de informação” relativa a essas atividades, afirmou Osechkin. “Eles criaram um monstro para si mesmos”, afirmou uma autoridade europeia de segurança. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

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