O presidente da Rússia, Vladimir Putin, está apostando que uma infusão iminente de soldados recém-convocados seja capaz de mudar a dinâmica do campo de batalha na Ucrânia, mas analistas afirmam que ele está perdendo tempo, à medida que sua operação militar sucumbe ainda mais aos avanços ucranianos e dá sinais de que precisa mais do que contingente para retomar a iniciativa.
Putin desviou a atenção de seu obscuro panorama no campo de batalha nos dias recentes orquestrando referendos, declarando anexações e fazendo mais ameaças nucleares — tudo parte de uma tentativa de cimentar os ganhos territoriais obtidos desde fevereiro, que têm se desfeito diariamente.
Mas essas maquinações políticas em Moscou, organizadas com muitos alarde e jactância, foram incapazes de mascarar a realidade a mil quilômetros dali, na Ucrânia: o fato de que a força russa está sob ataque e é mal comandada — e, no futuro imediato, pode não haver uma bala de prata capaz de consertar essa situação.
Analistas militares concordam que a mobilização desordenada da Rússia, de pelo menos 300 mil reservistas, dificilmente ajudará Putin no futuro próximo. Ainda não se sabe se essa manobra vai ajudar Moscou a estabilizar a situação no médio prazo — no fim do outono, no inverno e na primavera —, afirmaram eles.
O impacto que os novos soldados surtirão depende parcialmente da capacidade de treiná-los efetivamente — e de como o Exército russo os organize e os acione.
“Pessoas não são feijões. Unidades só são unidades nos mapas”, afirmou Frederick Kagan, pesquisador-sênior e diretor do projeto para ameaças críticas do American Enterprise Institute. “Se você pega homens irritados, desmoralizados, apavorados e sem treinamento, lhes fornece armas e simplesmente os transforma em uma força de combate, você não forma soldados.”
Guerra na Ucrânia
Putin terá de se concentrar primeiramente em restaurar a capacidade de combate de um Exército com unidades severamente desfalcadas, que precisam ser reequipadas em larga escala, o que é difícil, afirmou Kagan. “Antes de falar em encher o front de gente, temos de falar em como restabelecer minimamente a capacidade de combate”, afirmou ele.
A quantidade de território perdida pelos russos antes da chegada dos reforços não se deverá apenas a Moscou. A Ucrânia está fazendo os russos recuar em dois grandes fronts há mais de um mês. Não está claro por quanto tempo mais as forças ucranianas, que também sofrem baixas, são capazes de sustentar o avanço.
“Uma das coisas mais difíceis é saber quando parar”, afirmou Christopher Doherty, pesquisador-sênior do Center for a New American Security. “Assim que você obteve esse enorme ganho, você estirou totalmente sua capacidade logística, e muitas pessoas estiveram em combate por dias a fio. Há um impulso psicológico que você recebe por vencer e estar na ofensiva, mas todos ficam sem energia em algum momento.”
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Medida foi tomada no país pela última vez na 2ª Guerra, quatro regiões controladas por Moscou na Ucrânia anunciaram referendos para integração a Rússia
No momento, a Ucrânia está mantendo a motivação. No leste, suas forças retomaram a cidade de Liman durante o fim de semana e estão avançando mais profundamente em áreas ocupadas da região de Luhansk. Enquanto isso, a contraofensiva ucraniana no sul se acelerou nos dias recentes, com tropas descendo o Rio Dnipro na direção de Kherson.
Onde e quando a contraofensiva ucraniana finalmente fará uma pausa também dependerá de armas e munições, grande parte delas vindas dos Estados Unidos.
Na terça-feira, o governo de Joe Biden anunciou uma ajuda adicional de US$ 625 milhões para a Ucrânia, que inclui o fornecimento de outros quatro lançadores de foguetes himars, mais 16 obuses de 155 milímetros e 75 mil projéteis de artilharia de 155 milímetros. A Ucrânia pediu foguetes com maior alcance e tanques, mas até agora não recebeu. Os EUA destinaram mais de US$ 16,8 bilhões em assistência de segurança para a Ucrânia desde o início da invasão russa, em 24 de fevereiro, de acordo com a Casa Branca.
A Rússia alerta regularmente para consequências caso os EUA e seus aliados continuem a armar a Ucrânia, mas se provou incapaz de interromper o fluxo de armamentos. O Ministério de Relações Exteriores da Rússia afirmou na terça-feira que a quantidade de armas americanas fornecidas para Kiev atingiu um “limite perigoso”.
A decepção a respeito da posição de Moscou no campo de batalha tem transbordado para a esfera pública na Rússia, primeiramente por meio de canais de Telegram, mas certas vezes também na rigorosamente controlada TV estatal.
O blogueiro militar russo Maxim Fomin, que posta sob o pseudônimo Vladlen Tatarski, afirmou em um vídeo publicado terça-feira no Telegram que a situação no front para as forças russas, “falando comedidamente, não é nada boa”.
A Rússia não possui forças suficientes no campo de batalha “para resolver a questão ucraniana decisivamente”, afirmou ele, expressando preocupação de que os recém-convocados prestes a ser mandados para o front em muitos casos não estão recebendo treinamento adequado.
“Podemos lutar com gente despreparada, mas isso implica em enormes baixas”, afirmou ele.
Andrei Marochko, autoridade de uma milícia apoiada pela Rússia em Luhansk, disse ao “60 minutes” da TV estatal russa que os ucranianos apoiados pela Otan estão operando com capacidade superior de inteligência no campo de batalha.
“Eles literalmente assistem em tempo real, via satélite, nossas movimentações e fortificações”, afirmou Marochko. “Isso lhes confere certos privilégios e aumenta muito suas chances de sucesso em comparação com as nossas.”
Ele afirmou que o lado russo tem menos forças do que os ucranianos em várias localidades, oferecendo uma justificativa para a mobilização recente chamada por Putin.
Problemas no exército russo
Há poucas indicações de que algum dos principais problemas que perseguem o Exército russo desde o início da invasão tenha sido resolvido. Por meses, os soldados russos têm enfrentado dificuldades para realizar ataques combinados entre forças terrestres e aéreas, deixando os militares com uma vontade inconstante de combater e organizando um complicado fluxo de logística para levar suprimentos ao front.
Mais de sete meses após o início da invasão, nenhum comandante russo envolvido na campanha se destacou publicamente, e relatos recentes sugeriram que Putin está intervindo pessoalmente na tomada de decisões no campo de batalha. Linhas-dura dentro da Rússia têm atacado os generais do país publicamente, acusando-os de incompetência na tomada de decisões.
Os problemas que Putin está enfrentando na Ucrânia são intensificados por riscos domésticos. A mobilização de reservistas tornou a guerra na Ucrânia real para muitos russos que vinham prestando pouca atenção para o conflito.
O resultado tende a ser muito mais russos e russas — incluindo quem tem filhos, irmãos e maridos se encaminhando neste momento para o front — buscando informações a respeito do desempenho das forças de Moscou.
“Deram para as pessoas uma razão para prestar atenção ao que está acontecendo no campo de batalha”, afirmou Sam Greene, que leciona política russa na King’s College London. “Quando não é você que está sendo mandado para a guerra, você pode simplesmente buscar informações na TV, que não lhe dirá muita coisa. Mas agora, de repente isso passa a importar para você.”
Ao mesmo tempo, o Estado russo se atrapalhou na execução do recrutamento, convocando homens tidos como desqualificados.
A Rússia reestruturou seu Exército dez anos atrás e desmantelou grande parte do sistema de mobilização, que era caro de manter e amplamente considerado desnecessário — e agora isso fica evidente, afirmou Dara Massicot, pesquisadora-sênior de políticas da Rand Corp.
Massicot afirmou que há pouca informação pública confiável a respeito de como a Rússia pretende treinar e acionar os novos recrutas, o que torna cedo demais para afirmar exatamente que tipo de impacto a mobilização tende a surtir. Ela afirmou que os novos soldados deverão apresentar pouca capacidade de combate, mas poderiam liberar militares na retaguarda para combater na linha de frente, assumindo-se que esse contingente exista.
“Criar um batalhão terrestre de tanques com esses sujeitos será tão ruim quanto seria de se esperar”, afirmou Massicot. “Mas, se eles os usarem em uma função auxiliar ou fora dos combates, nos territórios ocupados, há provavelmente um benefício significativo no que eles estão tentando fazer — que é assegurar suas posições.”
Essa situação demonstrou os limites da capacidade de Putin de controlar o funcionamento de seu próprio governo e seus militares. “Uma das coisas que deveríamos ter aprendido com isso é que há coisas que Putin não sabe — uma das quais é a eficácia de seu Exército, o estado de suas forças militares”, afirmou Greene. “Ele nunca tentou essas coisas antes. Então não pode saber quão efetivamente isso funcionará diante de dificuldades.” / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL