Putin tenta se distanciar de derrotas na Ucrânia para evitar desgaste; leia análise


Presidente da Rússia fez aparições públicas para anunciar anexações na Ucrânia, mas silencia durante retirada russa de Kherson

Por Neil Macfarquhar

Quando o general Serguei Surovikin foi nomeado comandante-geral das forças russas na Ucrânia há um mês, os apoiadores do Kremlin nos meios de comunicação russos o louvaram como exatamente o tipo de guerreiro cruel necessário para levar ordem à atrapalhada invasão. Alguns o chamaram de “general Armageddon”.

Mas o comandante apareceu na TV nacionalmente na quarta-feira em um papel diferente, de portador-designado das notícias ruins, anunciando que a Rússia deveria abandonar a capital regional de Kherson, no sul ucraniano, para poupar as vidas de seus soldados na cidade.

O presidente Vladimir Putin, que em uma beligerante aparição na Praça Vermelha, em Moscou, poucas semanas antes, havia declarado Kherson parte da Rússia por toda a eternidade, estava em outro lugar — celebrando o 75.º aniversário da Agência Federal de Medicina e Biologia.

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Imagem divulgada pela imprensa oficial do Kremlin mostra general Serguei Surovikin em apresentação sobre a guerra na Ucrânia, no dia 9 deste mês Foto: Ministério da Defesa da Rússia / via EFE

A distância foi deliberada. A cada novo percalço pronunciado na Ucrânia, porém, está ficando mais difícil para Putin se dissociar da pecha de fracassado, que gradualmente erode sua imagem de líder decisivo e irrefreável.

“Trata-se de um regime personalista, e em geral o público entende muito bem que Putin está por trás de todas as decisões importantes”, afirmou Abbas Galliamov, ex-redator de discursos de Putin que se tornou consultor político. “Ele é o pilar central da construção do sistema, e se ele está balança, todo o sistema oscila.”

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Certamente não existe nenhum desafio imediato ao considerável poder de Putin, e a combinação entre uma robusta máquina de propaganda e leis draconianas para silenciar a dissidência garante uma ausência quase total de protestos do público. Mas depois de apresentar Kherson como um grande prêmio conquistado no início da guerra, que conformaria o caminho das pedras para reivindicar toda a costa do Mar Negro, cada novo retrocesso levanta dúvidas sobre por que os Rússia deveriam confiar no Kremlin.

“Isso desgastará a narrativa de Putin enquanto grande líder”, afirmou Cliff Kupchan, presidente da firma de classificação de risco político Grupo Eurásia, com sede em Washington. “Será um outro problema para Putin enquanto ele tenta unir o povo russo em apoio ao seu esforço de guerra. Você não perde o grande prêmio sem sofrer algum desgaste.”

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Para acabar com uma guerra que se tornou infame, Putin precisa triunfar de alguma maneira, afirmaram analistas. Continuar lutando arrisca fracassos maiores, mas parar os combates com pouco a mostrar para justificar sua invasão poderia minar sua principal justificativa para seus mais de 20 anos no comando do país: reconstruir a Rússia como grande potência.

Putin não precisa de uma vitória real, afirmou Gallimov, precisa apenas vender algo como um benefício para a Rússia, que tenha deixado o país em uma posição melhor do que antes. “Ele não pode parar e não pode continuar”, afirmou o analista, “então, ele vive um impasse”.

A máquina de propaganda do Kremlin entrou em ação para tentar abafar qualquer crítica a respeito da retirada russa dos territórios ocupados a oeste do Rio Dnieper, incluindo Kherson. Na TV estatal, Vladimir Soloviov, um proeminente apresentador de talk-shows, qualificou a decisão como “difícil” e exortou: “Confiem nos generais”.

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Soldados russos são vistos próximos a caminhões militares durante a chegada em Kherson, em imagem de 7 de março deste ano. Após oito meses, russos desocuparam local Foto: Associated Press

Putin relegou há muito os generais russos à obscuridade, preocupado com qualquer um que pudesse roubar-lhe os holofotes. Mas a Surovikin foi conferido grande reconhecimento público, especialmente durante a teatralidade envolvida em recomendar a retirada durante um comunicado militar ao ministro da Defesa, Serguei Shoigu, que posteriormente deu a ordem. O presidente prefere que outra pessoa seja a face da derrota.

Os meios de comunicação estatais — e todos os meios de imprensa são basicamente controlados pelo Estado desde o início da guerra — esmeraram-se em eufemismos e qualificaram a retirada como “manobra Kherson” ou “reagrupamento”, insistindo se tratar de um revés temporário.

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O Kremlin também pareceu ter se movimentado de antemão para dissipar qualquer comentário negativo dos críticos mais duros do desempenho militar russo: Ramzan Kadirov, o belicoso líder da República da Chechênia, e Yevgeni Prigozhin, o fundador da empresa de serviços militares Wagner Group. Kadirov afirmou que Surovikin agiu como um “verdadeiro general de combate”, enquanto Prigozhin, aliado do general desde os anos que eles trabalharam juntos aniquilando a oposição na Síria, também elogiou a decisão.

Comentaristas russos têm afirmado a cada nova derrota que a Rússia combate todo o Ocidente, cuja frente unificada se romperá proximamente. Desta vez, os defensores públicos do Kremlin também notaram que há séculos forças russas emergem vitoriosas de guerras que inicialmente pareceram derrotas desastrosas, entre elas a 2.ª Guerra.

Presidente russo Vladimir Putin durante reunião com presidente da Academia de Ciências da Rússia, Gennady Krasnikov (fora da imagem). Encontro aconteceu nesta sexta-feira, 11 Foto: Aleksei Babushkin / via EFE
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Do ponto de vista militar, a retirada realmente faz sentido, afirmaram analistas, assumindo que isso não resulte em simulacro. Os estimados 15 mil a 20 mil soldados russos que ocupavam Kherson e seu entorno estavam entre os melhores e mais experientes que a Rússia ainda possui, depois do país perder tantas unidades em combate anteriormente este ano em Kiev e Kharkiv, afirmou Edward Arnold, ex-oficial de infantaria britânico e pesquisador de segurança europeia do Royal United Services Institute, em Londres.

Apesar de retirar tropas das margens do Dnipro sob fogo ser uma operação arriscada, afirmou ele, uma retirada bem-sucedida significa que “eles serão capazes de preservar seu poder de combate, o que é realmente necessário”.

As tropas russas estão profundamente entrincheiradas na margem oriental do rio, e a partir de lá a linha de frente se estende a nordeste por centenas de quilômetros. Atrás dessa linha fica o Donbas, a região industrializada do sudeste ucraniano pela qual ambos os lados têm lutado há oito anos, além da ponte terrestre que liga a Rússia à Crimeia e o canal que fornece água à península anexada ilegalmente.

Preservar esse território é muito mais importante para Putin e seus objetivos de guerra do que a cidade de Kherson, notaram analistas.

Alguns sugerem que a manobra deve ser interpretada por seu valor de face; que a margem oriental do Rio Dnipro deve ser muito mais fácil defender. Se os combates ficarem menos intensos durante o inverno, a Rússia poderia se valer da pausa para consolidar sua ocupação sobre esse território e dar mais treinamento a novos soldados do que estão recebendo os inexperientes recrutas sendo despejados nas linhas de frente para tapar buracos.

Moscou poderia até propor um cessar-fogo e negociações, apesar do presidente da Ucrânia, Volodmir Zelenski, rejeitar absolutamente qualquer movimento do tipo enquanto a Rússia ainda ocupar vastas fatias do território ucraniano. Segundo relatos, autoridades americanas tentaram apontar Kiev para essa direção, ainda que neguem isso publicamente; o general Mark Milley, chefe do Estado-Maior Conjunto dos EUA, afirmou na quinta-feira que uma trégua no inverno poderia apresentar oportunidade para negociações de paz. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

Quando o general Serguei Surovikin foi nomeado comandante-geral das forças russas na Ucrânia há um mês, os apoiadores do Kremlin nos meios de comunicação russos o louvaram como exatamente o tipo de guerreiro cruel necessário para levar ordem à atrapalhada invasão. Alguns o chamaram de “general Armageddon”.

Mas o comandante apareceu na TV nacionalmente na quarta-feira em um papel diferente, de portador-designado das notícias ruins, anunciando que a Rússia deveria abandonar a capital regional de Kherson, no sul ucraniano, para poupar as vidas de seus soldados na cidade.

O presidente Vladimir Putin, que em uma beligerante aparição na Praça Vermelha, em Moscou, poucas semanas antes, havia declarado Kherson parte da Rússia por toda a eternidade, estava em outro lugar — celebrando o 75.º aniversário da Agência Federal de Medicina e Biologia.

Imagem divulgada pela imprensa oficial do Kremlin mostra general Serguei Surovikin em apresentação sobre a guerra na Ucrânia, no dia 9 deste mês Foto: Ministério da Defesa da Rússia / via EFE

A distância foi deliberada. A cada novo percalço pronunciado na Ucrânia, porém, está ficando mais difícil para Putin se dissociar da pecha de fracassado, que gradualmente erode sua imagem de líder decisivo e irrefreável.

“Trata-se de um regime personalista, e em geral o público entende muito bem que Putin está por trás de todas as decisões importantes”, afirmou Abbas Galliamov, ex-redator de discursos de Putin que se tornou consultor político. “Ele é o pilar central da construção do sistema, e se ele está balança, todo o sistema oscila.”

Certamente não existe nenhum desafio imediato ao considerável poder de Putin, e a combinação entre uma robusta máquina de propaganda e leis draconianas para silenciar a dissidência garante uma ausência quase total de protestos do público. Mas depois de apresentar Kherson como um grande prêmio conquistado no início da guerra, que conformaria o caminho das pedras para reivindicar toda a costa do Mar Negro, cada novo retrocesso levanta dúvidas sobre por que os Rússia deveriam confiar no Kremlin.

“Isso desgastará a narrativa de Putin enquanto grande líder”, afirmou Cliff Kupchan, presidente da firma de classificação de risco político Grupo Eurásia, com sede em Washington. “Será um outro problema para Putin enquanto ele tenta unir o povo russo em apoio ao seu esforço de guerra. Você não perde o grande prêmio sem sofrer algum desgaste.”

Para acabar com uma guerra que se tornou infame, Putin precisa triunfar de alguma maneira, afirmaram analistas. Continuar lutando arrisca fracassos maiores, mas parar os combates com pouco a mostrar para justificar sua invasão poderia minar sua principal justificativa para seus mais de 20 anos no comando do país: reconstruir a Rússia como grande potência.

Putin não precisa de uma vitória real, afirmou Gallimov, precisa apenas vender algo como um benefício para a Rússia, que tenha deixado o país em uma posição melhor do que antes. “Ele não pode parar e não pode continuar”, afirmou o analista, “então, ele vive um impasse”.

A máquina de propaganda do Kremlin entrou em ação para tentar abafar qualquer crítica a respeito da retirada russa dos territórios ocupados a oeste do Rio Dnieper, incluindo Kherson. Na TV estatal, Vladimir Soloviov, um proeminente apresentador de talk-shows, qualificou a decisão como “difícil” e exortou: “Confiem nos generais”.

Soldados russos são vistos próximos a caminhões militares durante a chegada em Kherson, em imagem de 7 de março deste ano. Após oito meses, russos desocuparam local Foto: Associated Press

Putin relegou há muito os generais russos à obscuridade, preocupado com qualquer um que pudesse roubar-lhe os holofotes. Mas a Surovikin foi conferido grande reconhecimento público, especialmente durante a teatralidade envolvida em recomendar a retirada durante um comunicado militar ao ministro da Defesa, Serguei Shoigu, que posteriormente deu a ordem. O presidente prefere que outra pessoa seja a face da derrota.

Os meios de comunicação estatais — e todos os meios de imprensa são basicamente controlados pelo Estado desde o início da guerra — esmeraram-se em eufemismos e qualificaram a retirada como “manobra Kherson” ou “reagrupamento”, insistindo se tratar de um revés temporário.

O Kremlin também pareceu ter se movimentado de antemão para dissipar qualquer comentário negativo dos críticos mais duros do desempenho militar russo: Ramzan Kadirov, o belicoso líder da República da Chechênia, e Yevgeni Prigozhin, o fundador da empresa de serviços militares Wagner Group. Kadirov afirmou que Surovikin agiu como um “verdadeiro general de combate”, enquanto Prigozhin, aliado do general desde os anos que eles trabalharam juntos aniquilando a oposição na Síria, também elogiou a decisão.

Comentaristas russos têm afirmado a cada nova derrota que a Rússia combate todo o Ocidente, cuja frente unificada se romperá proximamente. Desta vez, os defensores públicos do Kremlin também notaram que há séculos forças russas emergem vitoriosas de guerras que inicialmente pareceram derrotas desastrosas, entre elas a 2.ª Guerra.

Presidente russo Vladimir Putin durante reunião com presidente da Academia de Ciências da Rússia, Gennady Krasnikov (fora da imagem). Encontro aconteceu nesta sexta-feira, 11 Foto: Aleksei Babushkin / via EFE

Do ponto de vista militar, a retirada realmente faz sentido, afirmaram analistas, assumindo que isso não resulte em simulacro. Os estimados 15 mil a 20 mil soldados russos que ocupavam Kherson e seu entorno estavam entre os melhores e mais experientes que a Rússia ainda possui, depois do país perder tantas unidades em combate anteriormente este ano em Kiev e Kharkiv, afirmou Edward Arnold, ex-oficial de infantaria britânico e pesquisador de segurança europeia do Royal United Services Institute, em Londres.

Apesar de retirar tropas das margens do Dnipro sob fogo ser uma operação arriscada, afirmou ele, uma retirada bem-sucedida significa que “eles serão capazes de preservar seu poder de combate, o que é realmente necessário”.

As tropas russas estão profundamente entrincheiradas na margem oriental do rio, e a partir de lá a linha de frente se estende a nordeste por centenas de quilômetros. Atrás dessa linha fica o Donbas, a região industrializada do sudeste ucraniano pela qual ambos os lados têm lutado há oito anos, além da ponte terrestre que liga a Rússia à Crimeia e o canal que fornece água à península anexada ilegalmente.

Preservar esse território é muito mais importante para Putin e seus objetivos de guerra do que a cidade de Kherson, notaram analistas.

Alguns sugerem que a manobra deve ser interpretada por seu valor de face; que a margem oriental do Rio Dnipro deve ser muito mais fácil defender. Se os combates ficarem menos intensos durante o inverno, a Rússia poderia se valer da pausa para consolidar sua ocupação sobre esse território e dar mais treinamento a novos soldados do que estão recebendo os inexperientes recrutas sendo despejados nas linhas de frente para tapar buracos.

Moscou poderia até propor um cessar-fogo e negociações, apesar do presidente da Ucrânia, Volodmir Zelenski, rejeitar absolutamente qualquer movimento do tipo enquanto a Rússia ainda ocupar vastas fatias do território ucraniano. Segundo relatos, autoridades americanas tentaram apontar Kiev para essa direção, ainda que neguem isso publicamente; o general Mark Milley, chefe do Estado-Maior Conjunto dos EUA, afirmou na quinta-feira que uma trégua no inverno poderia apresentar oportunidade para negociações de paz. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

Quando o general Serguei Surovikin foi nomeado comandante-geral das forças russas na Ucrânia há um mês, os apoiadores do Kremlin nos meios de comunicação russos o louvaram como exatamente o tipo de guerreiro cruel necessário para levar ordem à atrapalhada invasão. Alguns o chamaram de “general Armageddon”.

Mas o comandante apareceu na TV nacionalmente na quarta-feira em um papel diferente, de portador-designado das notícias ruins, anunciando que a Rússia deveria abandonar a capital regional de Kherson, no sul ucraniano, para poupar as vidas de seus soldados na cidade.

O presidente Vladimir Putin, que em uma beligerante aparição na Praça Vermelha, em Moscou, poucas semanas antes, havia declarado Kherson parte da Rússia por toda a eternidade, estava em outro lugar — celebrando o 75.º aniversário da Agência Federal de Medicina e Biologia.

Imagem divulgada pela imprensa oficial do Kremlin mostra general Serguei Surovikin em apresentação sobre a guerra na Ucrânia, no dia 9 deste mês Foto: Ministério da Defesa da Rússia / via EFE

A distância foi deliberada. A cada novo percalço pronunciado na Ucrânia, porém, está ficando mais difícil para Putin se dissociar da pecha de fracassado, que gradualmente erode sua imagem de líder decisivo e irrefreável.

“Trata-se de um regime personalista, e em geral o público entende muito bem que Putin está por trás de todas as decisões importantes”, afirmou Abbas Galliamov, ex-redator de discursos de Putin que se tornou consultor político. “Ele é o pilar central da construção do sistema, e se ele está balança, todo o sistema oscila.”

Certamente não existe nenhum desafio imediato ao considerável poder de Putin, e a combinação entre uma robusta máquina de propaganda e leis draconianas para silenciar a dissidência garante uma ausência quase total de protestos do público. Mas depois de apresentar Kherson como um grande prêmio conquistado no início da guerra, que conformaria o caminho das pedras para reivindicar toda a costa do Mar Negro, cada novo retrocesso levanta dúvidas sobre por que os Rússia deveriam confiar no Kremlin.

“Isso desgastará a narrativa de Putin enquanto grande líder”, afirmou Cliff Kupchan, presidente da firma de classificação de risco político Grupo Eurásia, com sede em Washington. “Será um outro problema para Putin enquanto ele tenta unir o povo russo em apoio ao seu esforço de guerra. Você não perde o grande prêmio sem sofrer algum desgaste.”

Para acabar com uma guerra que se tornou infame, Putin precisa triunfar de alguma maneira, afirmaram analistas. Continuar lutando arrisca fracassos maiores, mas parar os combates com pouco a mostrar para justificar sua invasão poderia minar sua principal justificativa para seus mais de 20 anos no comando do país: reconstruir a Rússia como grande potência.

Putin não precisa de uma vitória real, afirmou Gallimov, precisa apenas vender algo como um benefício para a Rússia, que tenha deixado o país em uma posição melhor do que antes. “Ele não pode parar e não pode continuar”, afirmou o analista, “então, ele vive um impasse”.

A máquina de propaganda do Kremlin entrou em ação para tentar abafar qualquer crítica a respeito da retirada russa dos territórios ocupados a oeste do Rio Dnieper, incluindo Kherson. Na TV estatal, Vladimir Soloviov, um proeminente apresentador de talk-shows, qualificou a decisão como “difícil” e exortou: “Confiem nos generais”.

Soldados russos são vistos próximos a caminhões militares durante a chegada em Kherson, em imagem de 7 de março deste ano. Após oito meses, russos desocuparam local Foto: Associated Press

Putin relegou há muito os generais russos à obscuridade, preocupado com qualquer um que pudesse roubar-lhe os holofotes. Mas a Surovikin foi conferido grande reconhecimento público, especialmente durante a teatralidade envolvida em recomendar a retirada durante um comunicado militar ao ministro da Defesa, Serguei Shoigu, que posteriormente deu a ordem. O presidente prefere que outra pessoa seja a face da derrota.

Os meios de comunicação estatais — e todos os meios de imprensa são basicamente controlados pelo Estado desde o início da guerra — esmeraram-se em eufemismos e qualificaram a retirada como “manobra Kherson” ou “reagrupamento”, insistindo se tratar de um revés temporário.

O Kremlin também pareceu ter se movimentado de antemão para dissipar qualquer comentário negativo dos críticos mais duros do desempenho militar russo: Ramzan Kadirov, o belicoso líder da República da Chechênia, e Yevgeni Prigozhin, o fundador da empresa de serviços militares Wagner Group. Kadirov afirmou que Surovikin agiu como um “verdadeiro general de combate”, enquanto Prigozhin, aliado do general desde os anos que eles trabalharam juntos aniquilando a oposição na Síria, também elogiou a decisão.

Comentaristas russos têm afirmado a cada nova derrota que a Rússia combate todo o Ocidente, cuja frente unificada se romperá proximamente. Desta vez, os defensores públicos do Kremlin também notaram que há séculos forças russas emergem vitoriosas de guerras que inicialmente pareceram derrotas desastrosas, entre elas a 2.ª Guerra.

Presidente russo Vladimir Putin durante reunião com presidente da Academia de Ciências da Rússia, Gennady Krasnikov (fora da imagem). Encontro aconteceu nesta sexta-feira, 11 Foto: Aleksei Babushkin / via EFE

Do ponto de vista militar, a retirada realmente faz sentido, afirmaram analistas, assumindo que isso não resulte em simulacro. Os estimados 15 mil a 20 mil soldados russos que ocupavam Kherson e seu entorno estavam entre os melhores e mais experientes que a Rússia ainda possui, depois do país perder tantas unidades em combate anteriormente este ano em Kiev e Kharkiv, afirmou Edward Arnold, ex-oficial de infantaria britânico e pesquisador de segurança europeia do Royal United Services Institute, em Londres.

Apesar de retirar tropas das margens do Dnipro sob fogo ser uma operação arriscada, afirmou ele, uma retirada bem-sucedida significa que “eles serão capazes de preservar seu poder de combate, o que é realmente necessário”.

As tropas russas estão profundamente entrincheiradas na margem oriental do rio, e a partir de lá a linha de frente se estende a nordeste por centenas de quilômetros. Atrás dessa linha fica o Donbas, a região industrializada do sudeste ucraniano pela qual ambos os lados têm lutado há oito anos, além da ponte terrestre que liga a Rússia à Crimeia e o canal que fornece água à península anexada ilegalmente.

Preservar esse território é muito mais importante para Putin e seus objetivos de guerra do que a cidade de Kherson, notaram analistas.

Alguns sugerem que a manobra deve ser interpretada por seu valor de face; que a margem oriental do Rio Dnipro deve ser muito mais fácil defender. Se os combates ficarem menos intensos durante o inverno, a Rússia poderia se valer da pausa para consolidar sua ocupação sobre esse território e dar mais treinamento a novos soldados do que estão recebendo os inexperientes recrutas sendo despejados nas linhas de frente para tapar buracos.

Moscou poderia até propor um cessar-fogo e negociações, apesar do presidente da Ucrânia, Volodmir Zelenski, rejeitar absolutamente qualquer movimento do tipo enquanto a Rússia ainda ocupar vastas fatias do território ucraniano. Segundo relatos, autoridades americanas tentaram apontar Kiev para essa direção, ainda que neguem isso publicamente; o general Mark Milley, chefe do Estado-Maior Conjunto dos EUA, afirmou na quinta-feira que uma trégua no inverno poderia apresentar oportunidade para negociações de paz. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

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