A vitória de Donald Trump nas eleições presidenciais americanas alavancou novamente um sentimento de incerteza no continente europeu. Depois de uma relação conturbada com a Otan e países da Europa em seu primeiro mandato, o republicano volta à Casa Branca com a guerra na Ucrânia a pleno vapor há quase três anos, líderes europeus enfraquecidos e uma aliança militar mais ativa.
Durante a campanha, o republicano mencionou diversas vezes que poderia acabar com a guerra no Leste Europeu antes do início de seu mandato. Ele também questionou a participação dos Estados Unidos na Otan e disse que poderia deixar o presidente da Rússia, Vladimir Putin, fazer “o que quisesse” com qualquer país da Otan que não aumentasse os seus gastos em defesa.
“O que é certo nesta volta de Trump é que ele vai querer concessões econômicas e militares dos países europeus”, avalia Gunther Rudzit, professor de relações internacionais da ESPM-SP. “Não vão ser relações fáceis, ele vai pressionar com tarifas para tirar vantagens comerciais”, disse o especialista.
Em relação a guerra na Ucrânia, a tendência é que Trump pressione o presidente Volodimir Zelenski, a negociar com a Rússia. Quem não aceitar negociar deve sofrer retaliações. “Caso Zelenski se recuse a negociar o republicano deve cortar a ajuda militar. Já se Putin se recusar, o presidente eleito deve armar a Ucrânia ainda mais”, afirmou Rudzit.
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Rússia e Ucrânia
Mesmo sem ter assumido a Casa Branca, o presidente eleito dos Estados Unidos já alterou o panorama da guerra, segundo o especialista. Após a vitória de Trump, Putin acelerou o avanço militar para conquistar mais territórios antes de uma possível negociação por um cessar-fogo. Já Zelenski mudou o tom.
Em entrevista à emissora britânica Sky News, o presidente ucraniano afirmou que estaria disposto a renunciar temporariamente aos territórios ocupados pela Rússia em troca de um convite formal de adesão à Otan. A ideia do ucraniano é retomar o território perdido por vias diplomáticas. Em uma declaração para a agência de notícias japonesa Kyodo News, Zelenski afirmou que a Ucrânia não tem força militar para ganhar a guerra.
“O governo ucraniano já mudou de discurso, até porque o apoio à guerra tem sido cada vez menor”, avalia Rudzit. Segundo uma pesquisa do Instituto Gallup, 52% dos ucranianos querem que a guerra acabe.
O especialista aponta que um cessar-fogo pode ser atingido ao longo do primeiro ano do governo Trump. O republicano anunciou que o general Keith Kellogg será o seu enviado especial para Rússia e Ucrânia. Em abril, Kellogg publicou um relatório no site do America First Policy Institute, organização ligada ao presidente eleito, em que ele dá detalhes sobre um possível plano para acabar com a guerra.
Segundo o relatório, o conflito seria congelado nas fronteiras do momento do acordo por um cessar-fogo e uma zona desmilitarizada seria imposta. Caso Moscou concorde com os termos, Washington iria flexibilizar as sanções e poderia até retirar todas as sanções caso um tratado de paz seja assinado com Kiev. A Ucrânia não precisaria desistir dos territórios anexados pela Rússia formalmente, mas concordaria em reconquista-los apenas pela via diplomática.
O documento aponta que a entrada da Ucrânia na Otan não seria efetuada em troca de um acordo de paz com garantias de segurança. Washington forneceria uma futura ajuda militar a Kiev para que o país possa se defender de avanços russos antes e depois de qualquer acordo de paz.
Mas qualquer negociação deve começar depois de 20 de janeiro, quando Trump assume a Casa Branca, segundo o professor de relações internacionais. “Está claro que Putin prefere Trump no poder do que Biden, que foi muito anti-Rússia e anti-Putin em todo o seu governo. Até por isso não acredito que o presidente russo queira assinar um cessar-fogo durante o governo Biden”.
Otan
Já a aliança militar está apreensiva com a volta de Trump à presidência. O republicano balançou o status quo da entidade em seu primeiro mandato ao ameaçar retirar Washington da Otan e questionar a porcentagem que os países da Otan estavam gastando em defesa. A meta da aliança militar é de que todos os 32 países da entidade gastem 2% de seu PIB com defesa. Até agora, 23 dos 32 países membros estão dentro deste limite.
O professor de relações internacionais da ESPM-SP avalia que Trump não deve sair da Otan, mas pode prejudicar o seu funcionamento. “Trump não precisará sair da Otan para punir os europeus, até mesmo porque esta decisão necessitaria de aprovação de uma super maioria no Senado que ele não tem, mas ele pode não indicar um general americano para o comando das forças militares da aliança ou não autorizar sua ida a Bruxelas”.
Mas até agora o presidente eleito está seguindo os ritos institucionais. Ele anunciou o ex-procurador-geral interino dos Estados Unidos Matthew G. Whitaker como seu embaixador para a Otan e se encontrou com o novo secretário-geral da Otan, Mark Rutte, em Palm Beach. Rutte foi primeiro-ministro da Holanda por 14 anos e teve uma boa relação com o republicano durante o seu primeiro mandato.
Incertezas
O cenário de incertezas exige que a Europa tente avançar sozinha para reforçar sua defesa, sem depender do governo Trump, mas este movimento pode ser dificultado pelo cenário interno na França e na Alemanha, as duas maiores potências da União Europeia (UE). Enquanto o presidente francês, Emmanuel Macron, está envolto em uma guerra política com uma Assembleia Nacional dividida, o chanceler da Alemanha, Olaf Scholz, pode perder o cargo nas eleições de fevereiro.
Países da Otan que estão na órbita de Moscou como Polônia e as repúblicas bálticas Letônia, Lituânia e Estônia temem que podem ser as próximas vítimas de uma invasão de Putin.
Estes quatro países já ultrapassaram a marca de 2% em defesa e devem aumentar nos próximos anos. As três repúblicas do Báltico contam com grandes comunidades russas e foram as primeiras a romper com o Partido Comunista, antes ainda da desintegração completa da União Soviética. Pouco mais de uma década depois, Lituânia, Estônia e Letônia deram entrada na Otan e na União Europeia, o que foi considerado uma espécie de traição por Vladimir Putin.
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União Europeia
A situação não melhora quando o tema é a relação de Trump com a União Europeia. Em seu primeiro mandato, Trump ameaçou entrar em uma guerra tarifária com o bloco porque considerava que a UE favorecia a indústria alemã. Ele chegou a dizer que a Europa era um inimigo “pior que a China, só menor”.
Para o segundo mandato, é consenso que ele voltará a pressionar por acordos que deem maior abertura aos produtos e empresas americanas, como está sendo feito com China, México e Canadá. Caso isto não aconteça, uma guerra comercial deve começar.
Durante a campanha, o republicano ameaçou impor tarifas de 10% a 20% sobre as importações de outros países e expressou uma frustração especial com os desequilíbrios comerciais nos setores automotivo e agrícola. A União Europeia mantém uma tarifa de 10% sobre os carros (em comparação com a taxa de 2,5% dos EUA) e tarifas agrícolas de cerca de 11% (mais do que o dobro da taxa dos EUA).
“Na visão de Trump ele sempre precisa entrar em uma negociação em vantagem. A vantagem dele é que todo mundo quer exportar para o mercado americano, então ele vai usar esta mentalidade ao extremo”, avalia Rudzit.