Qual a diferença entre o G-7 de hoje e os da gestão passada do Lula? O que mudou? Entenda


O presidente Luiz Inácio Lula da Silva volta a uma reunião da cúpula para continuar reatando laços internacionais em meio a clima tenso entre potencias, com guerra na Ucrânia e escalada nas tensões com a China

Por Daniel Gateno
Atualização:

O ano era 2009. A covid-19 e o ChatGPT não existiam. As mudanças climáticas já eram uma preocupação, mas a guerra na Ucrânia era apenas um pesadelo distante. O mundo se recuperava da crise financeira de 2008 e o Brasil inspirava entusiasmo em seus parceiros internacionais.

Foi neste ano que a revista The Economist publicou a famosa capa com o retrato do Cristo Redentor decolando como um foguete e com o título otimista “Brazil Takes Off” (“O Brasil Decola”, em tradução livre). A revista destacava o Brasil como uma “história de sucesso na América Latina”, com a previsão de forte crescimento econômico e “uma entrada no palco mundial”, num momento em que o País superara a crise de forma positiva.

Aquele ano também marcou a última participação de um presidente brasileiro em uma reunião do grupo dos sete países mais ricos do mundo, o G-7. Na ocasião, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva participou do encontro em L’Aquila, na Itália, a convite do primeiro-ministro Silvio Berlusconi. Depois de 14 anos, Lula vai à cúpula de Hiroshima, no Japão, entre os dias 20 e 21 de maio, num cenário diverso, tanto no contexto internacional quanto doméstico.

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O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, participa da foto oficial da reunião do G-20 em Pittsburgh, Estados Unidos, ao lado do ex-presidente dos Estados Unidos Barack Obama e o ex-presidente da China Hu Jintão no dia 25 de setembro de 2009  Foto: Jim Bourg / REUTERS

“Existia uma percepção muito positiva do Brasil, que se apresentava como uma potência emergente depois de uma década excelente de crescimento nos anos 2000 e muita expectativa para a década seguinte”, avalia o professor de relações internacionais da FGV e colunista do Estadão, Oliver Stuenkel.

Em 2009, os países mais ricos do mundo viviam uma aproximação com os emergentes. Tanto que o G-7 na época se chamava G-8 para incluir a Rússia, uma importante potência militar e parceira estratégica do Ocidente nos setores de energia e grãos. A China vivia seu milagre econômico e se transformava num dos principais parques industriais do planeta. Já os países europeus apostavam na integração cada vez maior da União Europeia

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“Ainda havia uma crença de que seria possível incluir a China, Rússia e outros países emergentes em um sistema liberal voltado para o Ocidente. O clima internacional era marcado pelo otimismo e fé na globalização e na possibilidade da comunidade internacional de lidar com os grandes desafios, apesar da experiência negativa com a crise financeira de 2008″, resume Stuenkel.

Hoje, a presença de Vladimir Putin na sala de reuniões do G-7 é inviável. Tão inviável que, em vez de participar do encontro, a Rússia foi alvo de sanções do grupo. Já a China se distancia do Ocidente e muitos analistas já falam em uma ‘nova guerra fria’ entre Pequim e Washington. Reino Unido, Itália e França têm de lidar com uma guerra no leste europeu, uma população cada vez mais envelhecida e os efeitos do Brexit ainda prejudicam a economia do continente.

Brasil não soube acompanhar o crescimento de outros países emergentes. O País teve uma trajetória econômica decepcionante.

Oliver Stuenkel, professor da FGV e colunista do Estadão

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Instabilidade no Brasil

A ideia de que o Brasil decolaria foi por água abaixo. Após a capa otimista de 2009, a The Economist fez mais duas capas sobre o Brasil, mas dessa vez com um tom mais negativo. Em 2013, a revista publicou uma capa em que o Cristo Redentor aparecia como um foguete em queda com o título: “Has Brazil blown it?” (“O Brasil estragou tudo” em tradução livre). Em 2016, a The Economist voltou a publicar uma capa para falar do Brasil, dessa vez com o Cristo Redentor segurando uma placa escrita “SOS” e o título “The Betrayal of Brasil” (“A traição do Brasil”, em tradução livre).

As capas refletem a instabilidade política que acompanhou o País nos últimos dez anos. Após protestos de junho de 2013 contra a má qualidade dos serviços públicos, Dilma Rousseff foi afastada do cargo por um processo de impeachment em 2016, em meio às denúncias de corrupção da Operação Lava Jato. Lula foi preso e condenado na esteira da mesmo operação em 2018. Jair Bolsonaro chegou ao Planalto naquele ano. Lula teve as sentenças anuladas em 2021 e venceu o próprio Bolsonaro no ano passado, em uma disputa apertada.

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Declínio no prestígio internacional brasileiro

Foi neste período, durante as gestões de Dilma, Michel Temer e Bolsonaro, que o Brasil não recebeu convites para as reuniões do G-7.

“O Brasil não soube acompanhar o crescimento de outros países emergentes e era muito mais relevante em 2009 do que é hoje na arena internacional. O País teve uma trajetória econômica decepcionante. A única questão que torna o Brasil mais importante é a questão climática, que é ainda mais relevante agora do que em 2009″, avalia Stuenkel.

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O primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orbán, era um dos poucos aliados internacionais do ex-presidente do Brasil Jair Bolsonaro  Foto: Alan Santos/PR

Para a professora de relações internacionais da ESPM, Denilde Holzhacker, o governo Dilma Rousseff não foi marcado por uma grande atuação em política externa, reduzindo a possibilidade de o Brasil ter tido um papel internacional importante durante seus anos de governo. A professora de relações internacionais aponta também que após o impeachment de Dilma em 2016, o ex-presidente Michel Temer não conseguiu se aproximar dos líderes internacionais.

“Já o presidente Jair Bolsonaro teve uma política de confrontação com vários líderes internacionais, o que contribuiu para a imagem negativa do Brasil durante o seu governo”, avalia Holzhacker. “A posição de Bolsonaro durante a pandemia afastou o ex-presidente dos principais debates internacionais do momento, que buscavam uma maior cooperação para a obtenção de vacinas contra a covid-19. Além de uma visão negativa internacionalmente sobre as falas do Bolsonaro em relação à questão ambiental”.

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Guerra na Ucrânia e conflitos entre China e EUA

As relações internacionais em 2009 eram menos complexas do que no atual cenário. A cúpula de Hiroshima será marcada pelas discussões sobre a guerra na Ucrânia e tensões diplomáticas envolvendo os Estados Unidos e China na região do Indo-Pacífico.

“O mundo hoje é marcado por tensões geopolíticas mais especificas, com um pessimismo em relação à globalização e a possibilidade de um conflito entre o Ocidente e a China”, afirma Stuenkel.

O analista destaca também o aumento de gastos militares por conta do apoio dos Estados Unidos e União Europeia (UE) para a Ucrânia e a tentativa chinesa de se equiparar a Washington como força militar.

O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, se encontrou com o presidente da China, Xi Jinping, na reunião do G-20 em Bali, Indonésia  Foto: Saul Loeb / AFP

“Em todas as reuniões anteriores que o Lula participou, havia uma atmosfera de paz, segurança internacional e dialogo ativo entre a Rússia e o Ocidente, então esta cúpula será diferente para o presidente”, lembra o ex-embaixador do Brasil nos Estados Unidos e na China, Roberto Abdenur.

Na reunião, os países do G-7 irão assinar uma declaração final que necessariamente irá falar sobre a guerra na Ucrânia. Em uma das declarações, todos os países membros do G-7 e convidados, o que inclui o Brasil, irão assinar o documento. A segunda declaração será assinada apenas por países membros do G-7.

O Brasil vem tentando se colocar em uma posição de neutralidade em relação a guerra na Ucrânia, com o intuito de conseguir negociar uma paz entre Kiev e Moscou. Por isso, o presidente irá se opor a um tom mais duro contra a Rússia.

O então presidente da Argélia Abdelaziz Bouteflika segura o presidente da Rússia, Vladimir Putin, pelo braço enquanto o presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva e o ex-primeiro-ministro italiano Silvio Berlusconi seguem atrás durante a Cúpula do G8 em Evian em 1º de junho de 2003 Foto: Alexander Natruskin/ REUTERS

“Lula quer preservar as suas credenciais de um negociador da paz entre Rússia e Ucrânia, por isso não pode aceitar uma declaração mais condenatória da cúpula”, aponta Abdenur. “Acredito que essa postura de neutralidade de Brasil em relação a guerra é muito errada. O presidente já havia tido uma postura imprópria ao declarar que Kiev e Moscou tinham culpa pelo conflito e que a União Europeia e os Estados Unidos estavam propagando a guerra, e teve muita repercussão negativa em Washington e Bruxelas”, avalia o ex-embaixador.

Abdenur afirma que a busca por paz sempre é louvável, mas o Brasil não conseguirá se credenciar como negociador do conflito no Leste Europeu.

2023: Brasil tenta recuperar papel

O presidente brasileiro foi convidado pelo primeiro-ministro japonês, Fumio Kishida, para participar do evento. O Japão ocupa a presidência rotativa do bloco, formado por Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Itália, Japão e Reino Unido. Esta será a sétima vez que Lula participa de uma reunião do G-7.

O Brasil participa da cúpula como convidado, assim como Austrália, Ilhas Comores, Ilhas Cook, Índia, Indonésia, Coreia do Sul e Vietnã.

Para o ex-embaixador do Brasil em Londres e Washington, Rubens Barbosa, o convite ao Brasil mostra um prestigio ao País, que irá suceder a Índia e assumir a presidência do G-20 em dezembro.

“O Brasil foi convidado porque existia a ideia de que com a volta de Lula a presidência o Brasil iria voltar ao cenário internacional e é o que está acontecendo”, afirma Barbosa. “O Brasil é visto como uma força importante na região, os outros países não tem essa presença, então o País está representando a América do Sul”, acrescenta o ex-embaixador.

Para Barbosa, a política externa adotada pelo Brasil até agora no governo Lula foi correta e dentro do esperado pelos aliados internacionais.

“A política externa brasileira teve três grandes ênfases: primeiro a volta do Brasil ao cenário internacional, depois colocar o meio ambiente no centro das preocupações e a terceira prioridade é se voltar para a América do Sul e é isso que os atores internacionais queriam ouvir”.

O ano era 2009. A covid-19 e o ChatGPT não existiam. As mudanças climáticas já eram uma preocupação, mas a guerra na Ucrânia era apenas um pesadelo distante. O mundo se recuperava da crise financeira de 2008 e o Brasil inspirava entusiasmo em seus parceiros internacionais.

Foi neste ano que a revista The Economist publicou a famosa capa com o retrato do Cristo Redentor decolando como um foguete e com o título otimista “Brazil Takes Off” (“O Brasil Decola”, em tradução livre). A revista destacava o Brasil como uma “história de sucesso na América Latina”, com a previsão de forte crescimento econômico e “uma entrada no palco mundial”, num momento em que o País superara a crise de forma positiva.

Aquele ano também marcou a última participação de um presidente brasileiro em uma reunião do grupo dos sete países mais ricos do mundo, o G-7. Na ocasião, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva participou do encontro em L’Aquila, na Itália, a convite do primeiro-ministro Silvio Berlusconi. Depois de 14 anos, Lula vai à cúpula de Hiroshima, no Japão, entre os dias 20 e 21 de maio, num cenário diverso, tanto no contexto internacional quanto doméstico.

O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, participa da foto oficial da reunião do G-20 em Pittsburgh, Estados Unidos, ao lado do ex-presidente dos Estados Unidos Barack Obama e o ex-presidente da China Hu Jintão no dia 25 de setembro de 2009  Foto: Jim Bourg / REUTERS

“Existia uma percepção muito positiva do Brasil, que se apresentava como uma potência emergente depois de uma década excelente de crescimento nos anos 2000 e muita expectativa para a década seguinte”, avalia o professor de relações internacionais da FGV e colunista do Estadão, Oliver Stuenkel.

Em 2009, os países mais ricos do mundo viviam uma aproximação com os emergentes. Tanto que o G-7 na época se chamava G-8 para incluir a Rússia, uma importante potência militar e parceira estratégica do Ocidente nos setores de energia e grãos. A China vivia seu milagre econômico e se transformava num dos principais parques industriais do planeta. Já os países europeus apostavam na integração cada vez maior da União Europeia

“Ainda havia uma crença de que seria possível incluir a China, Rússia e outros países emergentes em um sistema liberal voltado para o Ocidente. O clima internacional era marcado pelo otimismo e fé na globalização e na possibilidade da comunidade internacional de lidar com os grandes desafios, apesar da experiência negativa com a crise financeira de 2008″, resume Stuenkel.

Hoje, a presença de Vladimir Putin na sala de reuniões do G-7 é inviável. Tão inviável que, em vez de participar do encontro, a Rússia foi alvo de sanções do grupo. Já a China se distancia do Ocidente e muitos analistas já falam em uma ‘nova guerra fria’ entre Pequim e Washington. Reino Unido, Itália e França têm de lidar com uma guerra no leste europeu, uma população cada vez mais envelhecida e os efeitos do Brexit ainda prejudicam a economia do continente.

Brasil não soube acompanhar o crescimento de outros países emergentes. O País teve uma trajetória econômica decepcionante.

Oliver Stuenkel, professor da FGV e colunista do Estadão

Instabilidade no Brasil

A ideia de que o Brasil decolaria foi por água abaixo. Após a capa otimista de 2009, a The Economist fez mais duas capas sobre o Brasil, mas dessa vez com um tom mais negativo. Em 2013, a revista publicou uma capa em que o Cristo Redentor aparecia como um foguete em queda com o título: “Has Brazil blown it?” (“O Brasil estragou tudo” em tradução livre). Em 2016, a The Economist voltou a publicar uma capa para falar do Brasil, dessa vez com o Cristo Redentor segurando uma placa escrita “SOS” e o título “The Betrayal of Brasil” (“A traição do Brasil”, em tradução livre).

As capas refletem a instabilidade política que acompanhou o País nos últimos dez anos. Após protestos de junho de 2013 contra a má qualidade dos serviços públicos, Dilma Rousseff foi afastada do cargo por um processo de impeachment em 2016, em meio às denúncias de corrupção da Operação Lava Jato. Lula foi preso e condenado na esteira da mesmo operação em 2018. Jair Bolsonaro chegou ao Planalto naquele ano. Lula teve as sentenças anuladas em 2021 e venceu o próprio Bolsonaro no ano passado, em uma disputa apertada.

Declínio no prestígio internacional brasileiro

Foi neste período, durante as gestões de Dilma, Michel Temer e Bolsonaro, que o Brasil não recebeu convites para as reuniões do G-7.

“O Brasil não soube acompanhar o crescimento de outros países emergentes e era muito mais relevante em 2009 do que é hoje na arena internacional. O País teve uma trajetória econômica decepcionante. A única questão que torna o Brasil mais importante é a questão climática, que é ainda mais relevante agora do que em 2009″, avalia Stuenkel.

O primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orbán, era um dos poucos aliados internacionais do ex-presidente do Brasil Jair Bolsonaro  Foto: Alan Santos/PR

Para a professora de relações internacionais da ESPM, Denilde Holzhacker, o governo Dilma Rousseff não foi marcado por uma grande atuação em política externa, reduzindo a possibilidade de o Brasil ter tido um papel internacional importante durante seus anos de governo. A professora de relações internacionais aponta também que após o impeachment de Dilma em 2016, o ex-presidente Michel Temer não conseguiu se aproximar dos líderes internacionais.

“Já o presidente Jair Bolsonaro teve uma política de confrontação com vários líderes internacionais, o que contribuiu para a imagem negativa do Brasil durante o seu governo”, avalia Holzhacker. “A posição de Bolsonaro durante a pandemia afastou o ex-presidente dos principais debates internacionais do momento, que buscavam uma maior cooperação para a obtenção de vacinas contra a covid-19. Além de uma visão negativa internacionalmente sobre as falas do Bolsonaro em relação à questão ambiental”.

Guerra na Ucrânia e conflitos entre China e EUA

As relações internacionais em 2009 eram menos complexas do que no atual cenário. A cúpula de Hiroshima será marcada pelas discussões sobre a guerra na Ucrânia e tensões diplomáticas envolvendo os Estados Unidos e China na região do Indo-Pacífico.

“O mundo hoje é marcado por tensões geopolíticas mais especificas, com um pessimismo em relação à globalização e a possibilidade de um conflito entre o Ocidente e a China”, afirma Stuenkel.

O analista destaca também o aumento de gastos militares por conta do apoio dos Estados Unidos e União Europeia (UE) para a Ucrânia e a tentativa chinesa de se equiparar a Washington como força militar.

O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, se encontrou com o presidente da China, Xi Jinping, na reunião do G-20 em Bali, Indonésia  Foto: Saul Loeb / AFP

“Em todas as reuniões anteriores que o Lula participou, havia uma atmosfera de paz, segurança internacional e dialogo ativo entre a Rússia e o Ocidente, então esta cúpula será diferente para o presidente”, lembra o ex-embaixador do Brasil nos Estados Unidos e na China, Roberto Abdenur.

Na reunião, os países do G-7 irão assinar uma declaração final que necessariamente irá falar sobre a guerra na Ucrânia. Em uma das declarações, todos os países membros do G-7 e convidados, o que inclui o Brasil, irão assinar o documento. A segunda declaração será assinada apenas por países membros do G-7.

O Brasil vem tentando se colocar em uma posição de neutralidade em relação a guerra na Ucrânia, com o intuito de conseguir negociar uma paz entre Kiev e Moscou. Por isso, o presidente irá se opor a um tom mais duro contra a Rússia.

O então presidente da Argélia Abdelaziz Bouteflika segura o presidente da Rússia, Vladimir Putin, pelo braço enquanto o presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva e o ex-primeiro-ministro italiano Silvio Berlusconi seguem atrás durante a Cúpula do G8 em Evian em 1º de junho de 2003 Foto: Alexander Natruskin/ REUTERS

“Lula quer preservar as suas credenciais de um negociador da paz entre Rússia e Ucrânia, por isso não pode aceitar uma declaração mais condenatória da cúpula”, aponta Abdenur. “Acredito que essa postura de neutralidade de Brasil em relação a guerra é muito errada. O presidente já havia tido uma postura imprópria ao declarar que Kiev e Moscou tinham culpa pelo conflito e que a União Europeia e os Estados Unidos estavam propagando a guerra, e teve muita repercussão negativa em Washington e Bruxelas”, avalia o ex-embaixador.

Abdenur afirma que a busca por paz sempre é louvável, mas o Brasil não conseguirá se credenciar como negociador do conflito no Leste Europeu.

2023: Brasil tenta recuperar papel

O presidente brasileiro foi convidado pelo primeiro-ministro japonês, Fumio Kishida, para participar do evento. O Japão ocupa a presidência rotativa do bloco, formado por Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Itália, Japão e Reino Unido. Esta será a sétima vez que Lula participa de uma reunião do G-7.

O Brasil participa da cúpula como convidado, assim como Austrália, Ilhas Comores, Ilhas Cook, Índia, Indonésia, Coreia do Sul e Vietnã.

Para o ex-embaixador do Brasil em Londres e Washington, Rubens Barbosa, o convite ao Brasil mostra um prestigio ao País, que irá suceder a Índia e assumir a presidência do G-20 em dezembro.

“O Brasil foi convidado porque existia a ideia de que com a volta de Lula a presidência o Brasil iria voltar ao cenário internacional e é o que está acontecendo”, afirma Barbosa. “O Brasil é visto como uma força importante na região, os outros países não tem essa presença, então o País está representando a América do Sul”, acrescenta o ex-embaixador.

Para Barbosa, a política externa adotada pelo Brasil até agora no governo Lula foi correta e dentro do esperado pelos aliados internacionais.

“A política externa brasileira teve três grandes ênfases: primeiro a volta do Brasil ao cenário internacional, depois colocar o meio ambiente no centro das preocupações e a terceira prioridade é se voltar para a América do Sul e é isso que os atores internacionais queriam ouvir”.

O ano era 2009. A covid-19 e o ChatGPT não existiam. As mudanças climáticas já eram uma preocupação, mas a guerra na Ucrânia era apenas um pesadelo distante. O mundo se recuperava da crise financeira de 2008 e o Brasil inspirava entusiasmo em seus parceiros internacionais.

Foi neste ano que a revista The Economist publicou a famosa capa com o retrato do Cristo Redentor decolando como um foguete e com o título otimista “Brazil Takes Off” (“O Brasil Decola”, em tradução livre). A revista destacava o Brasil como uma “história de sucesso na América Latina”, com a previsão de forte crescimento econômico e “uma entrada no palco mundial”, num momento em que o País superara a crise de forma positiva.

Aquele ano também marcou a última participação de um presidente brasileiro em uma reunião do grupo dos sete países mais ricos do mundo, o G-7. Na ocasião, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva participou do encontro em L’Aquila, na Itália, a convite do primeiro-ministro Silvio Berlusconi. Depois de 14 anos, Lula vai à cúpula de Hiroshima, no Japão, entre os dias 20 e 21 de maio, num cenário diverso, tanto no contexto internacional quanto doméstico.

O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, participa da foto oficial da reunião do G-20 em Pittsburgh, Estados Unidos, ao lado do ex-presidente dos Estados Unidos Barack Obama e o ex-presidente da China Hu Jintão no dia 25 de setembro de 2009  Foto: Jim Bourg / REUTERS

“Existia uma percepção muito positiva do Brasil, que se apresentava como uma potência emergente depois de uma década excelente de crescimento nos anos 2000 e muita expectativa para a década seguinte”, avalia o professor de relações internacionais da FGV e colunista do Estadão, Oliver Stuenkel.

Em 2009, os países mais ricos do mundo viviam uma aproximação com os emergentes. Tanto que o G-7 na época se chamava G-8 para incluir a Rússia, uma importante potência militar e parceira estratégica do Ocidente nos setores de energia e grãos. A China vivia seu milagre econômico e se transformava num dos principais parques industriais do planeta. Já os países europeus apostavam na integração cada vez maior da União Europeia

“Ainda havia uma crença de que seria possível incluir a China, Rússia e outros países emergentes em um sistema liberal voltado para o Ocidente. O clima internacional era marcado pelo otimismo e fé na globalização e na possibilidade da comunidade internacional de lidar com os grandes desafios, apesar da experiência negativa com a crise financeira de 2008″, resume Stuenkel.

Hoje, a presença de Vladimir Putin na sala de reuniões do G-7 é inviável. Tão inviável que, em vez de participar do encontro, a Rússia foi alvo de sanções do grupo. Já a China se distancia do Ocidente e muitos analistas já falam em uma ‘nova guerra fria’ entre Pequim e Washington. Reino Unido, Itália e França têm de lidar com uma guerra no leste europeu, uma população cada vez mais envelhecida e os efeitos do Brexit ainda prejudicam a economia do continente.

Brasil não soube acompanhar o crescimento de outros países emergentes. O País teve uma trajetória econômica decepcionante.

Oliver Stuenkel, professor da FGV e colunista do Estadão

Instabilidade no Brasil

A ideia de que o Brasil decolaria foi por água abaixo. Após a capa otimista de 2009, a The Economist fez mais duas capas sobre o Brasil, mas dessa vez com um tom mais negativo. Em 2013, a revista publicou uma capa em que o Cristo Redentor aparecia como um foguete em queda com o título: “Has Brazil blown it?” (“O Brasil estragou tudo” em tradução livre). Em 2016, a The Economist voltou a publicar uma capa para falar do Brasil, dessa vez com o Cristo Redentor segurando uma placa escrita “SOS” e o título “The Betrayal of Brasil” (“A traição do Brasil”, em tradução livre).

As capas refletem a instabilidade política que acompanhou o País nos últimos dez anos. Após protestos de junho de 2013 contra a má qualidade dos serviços públicos, Dilma Rousseff foi afastada do cargo por um processo de impeachment em 2016, em meio às denúncias de corrupção da Operação Lava Jato. Lula foi preso e condenado na esteira da mesmo operação em 2018. Jair Bolsonaro chegou ao Planalto naquele ano. Lula teve as sentenças anuladas em 2021 e venceu o próprio Bolsonaro no ano passado, em uma disputa apertada.

Declínio no prestígio internacional brasileiro

Foi neste período, durante as gestões de Dilma, Michel Temer e Bolsonaro, que o Brasil não recebeu convites para as reuniões do G-7.

“O Brasil não soube acompanhar o crescimento de outros países emergentes e era muito mais relevante em 2009 do que é hoje na arena internacional. O País teve uma trajetória econômica decepcionante. A única questão que torna o Brasil mais importante é a questão climática, que é ainda mais relevante agora do que em 2009″, avalia Stuenkel.

O primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orbán, era um dos poucos aliados internacionais do ex-presidente do Brasil Jair Bolsonaro  Foto: Alan Santos/PR

Para a professora de relações internacionais da ESPM, Denilde Holzhacker, o governo Dilma Rousseff não foi marcado por uma grande atuação em política externa, reduzindo a possibilidade de o Brasil ter tido um papel internacional importante durante seus anos de governo. A professora de relações internacionais aponta também que após o impeachment de Dilma em 2016, o ex-presidente Michel Temer não conseguiu se aproximar dos líderes internacionais.

“Já o presidente Jair Bolsonaro teve uma política de confrontação com vários líderes internacionais, o que contribuiu para a imagem negativa do Brasil durante o seu governo”, avalia Holzhacker. “A posição de Bolsonaro durante a pandemia afastou o ex-presidente dos principais debates internacionais do momento, que buscavam uma maior cooperação para a obtenção de vacinas contra a covid-19. Além de uma visão negativa internacionalmente sobre as falas do Bolsonaro em relação à questão ambiental”.

Guerra na Ucrânia e conflitos entre China e EUA

As relações internacionais em 2009 eram menos complexas do que no atual cenário. A cúpula de Hiroshima será marcada pelas discussões sobre a guerra na Ucrânia e tensões diplomáticas envolvendo os Estados Unidos e China na região do Indo-Pacífico.

“O mundo hoje é marcado por tensões geopolíticas mais especificas, com um pessimismo em relação à globalização e a possibilidade de um conflito entre o Ocidente e a China”, afirma Stuenkel.

O analista destaca também o aumento de gastos militares por conta do apoio dos Estados Unidos e União Europeia (UE) para a Ucrânia e a tentativa chinesa de se equiparar a Washington como força militar.

O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, se encontrou com o presidente da China, Xi Jinping, na reunião do G-20 em Bali, Indonésia  Foto: Saul Loeb / AFP

“Em todas as reuniões anteriores que o Lula participou, havia uma atmosfera de paz, segurança internacional e dialogo ativo entre a Rússia e o Ocidente, então esta cúpula será diferente para o presidente”, lembra o ex-embaixador do Brasil nos Estados Unidos e na China, Roberto Abdenur.

Na reunião, os países do G-7 irão assinar uma declaração final que necessariamente irá falar sobre a guerra na Ucrânia. Em uma das declarações, todos os países membros do G-7 e convidados, o que inclui o Brasil, irão assinar o documento. A segunda declaração será assinada apenas por países membros do G-7.

O Brasil vem tentando se colocar em uma posição de neutralidade em relação a guerra na Ucrânia, com o intuito de conseguir negociar uma paz entre Kiev e Moscou. Por isso, o presidente irá se opor a um tom mais duro contra a Rússia.

O então presidente da Argélia Abdelaziz Bouteflika segura o presidente da Rússia, Vladimir Putin, pelo braço enquanto o presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva e o ex-primeiro-ministro italiano Silvio Berlusconi seguem atrás durante a Cúpula do G8 em Evian em 1º de junho de 2003 Foto: Alexander Natruskin/ REUTERS

“Lula quer preservar as suas credenciais de um negociador da paz entre Rússia e Ucrânia, por isso não pode aceitar uma declaração mais condenatória da cúpula”, aponta Abdenur. “Acredito que essa postura de neutralidade de Brasil em relação a guerra é muito errada. O presidente já havia tido uma postura imprópria ao declarar que Kiev e Moscou tinham culpa pelo conflito e que a União Europeia e os Estados Unidos estavam propagando a guerra, e teve muita repercussão negativa em Washington e Bruxelas”, avalia o ex-embaixador.

Abdenur afirma que a busca por paz sempre é louvável, mas o Brasil não conseguirá se credenciar como negociador do conflito no Leste Europeu.

2023: Brasil tenta recuperar papel

O presidente brasileiro foi convidado pelo primeiro-ministro japonês, Fumio Kishida, para participar do evento. O Japão ocupa a presidência rotativa do bloco, formado por Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Itália, Japão e Reino Unido. Esta será a sétima vez que Lula participa de uma reunião do G-7.

O Brasil participa da cúpula como convidado, assim como Austrália, Ilhas Comores, Ilhas Cook, Índia, Indonésia, Coreia do Sul e Vietnã.

Para o ex-embaixador do Brasil em Londres e Washington, Rubens Barbosa, o convite ao Brasil mostra um prestigio ao País, que irá suceder a Índia e assumir a presidência do G-20 em dezembro.

“O Brasil foi convidado porque existia a ideia de que com a volta de Lula a presidência o Brasil iria voltar ao cenário internacional e é o que está acontecendo”, afirma Barbosa. “O Brasil é visto como uma força importante na região, os outros países não tem essa presença, então o País está representando a América do Sul”, acrescenta o ex-embaixador.

Para Barbosa, a política externa adotada pelo Brasil até agora no governo Lula foi correta e dentro do esperado pelos aliados internacionais.

“A política externa brasileira teve três grandes ênfases: primeiro a volta do Brasil ao cenário internacional, depois colocar o meio ambiente no centro das preocupações e a terceira prioridade é se voltar para a América do Sul e é isso que os atores internacionais queriam ouvir”.

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