O ano era 2009. A covid-19 e o ChatGPT não existiam. As mudanças climáticas já eram uma preocupação, mas a guerra na Ucrânia era apenas um pesadelo distante. O mundo se recuperava da crise financeira de 2008 e o Brasil inspirava entusiasmo em seus parceiros internacionais.
Foi neste ano que a revista The Economist publicou a famosa capa com o retrato do Cristo Redentor decolando como um foguete e com o título otimista “Brazil Takes Off” (“O Brasil Decola”, em tradução livre). A revista destacava o Brasil como uma “história de sucesso na América Latina”, com a previsão de forte crescimento econômico e “uma entrada no palco mundial”, num momento em que o País superara a crise de forma positiva.
Aquele ano também marcou a última participação de um presidente brasileiro em uma reunião do grupo dos sete países mais ricos do mundo, o G-7. Na ocasião, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva participou do encontro em L’Aquila, na Itália, a convite do primeiro-ministro Silvio Berlusconi. Depois de 14 anos, Lula vai à cúpula de Hiroshima, no Japão, entre os dias 20 e 21 de maio, num cenário diverso, tanto no contexto internacional quanto doméstico.
“Existia uma percepção muito positiva do Brasil, que se apresentava como uma potência emergente depois de uma década excelente de crescimento nos anos 2000 e muita expectativa para a década seguinte”, avalia o professor de relações internacionais da FGV e colunista do Estadão, Oliver Stuenkel.
Em 2009, os países mais ricos do mundo viviam uma aproximação com os emergentes. Tanto que o G-7 na época se chamava G-8 para incluir a Rússia, uma importante potência militar e parceira estratégica do Ocidente nos setores de energia e grãos. A China vivia seu milagre econômico e se transformava num dos principais parques industriais do planeta. Já os países europeus apostavam na integração cada vez maior da União Europeia
“Ainda havia uma crença de que seria possível incluir a China, Rússia e outros países emergentes em um sistema liberal voltado para o Ocidente. O clima internacional era marcado pelo otimismo e fé na globalização e na possibilidade da comunidade internacional de lidar com os grandes desafios, apesar da experiência negativa com a crise financeira de 2008″, resume Stuenkel.
Hoje, a presença de Vladimir Putin na sala de reuniões do G-7 é inviável. Tão inviável que, em vez de participar do encontro, a Rússia foi alvo de sanções do grupo. Já a China se distancia do Ocidente e muitos analistas já falam em uma ‘nova guerra fria’ entre Pequim e Washington. Reino Unido, Itália e França têm de lidar com uma guerra no leste europeu, uma população cada vez mais envelhecida e os efeitos do Brexit ainda prejudicam a economia do continente.
Oliver Stuenkel, professor da FGV e colunista do Estadão
Instabilidade no Brasil
A ideia de que o Brasil decolaria foi por água abaixo. Após a capa otimista de 2009, a The Economist fez mais duas capas sobre o Brasil, mas dessa vez com um tom mais negativo. Em 2013, a revista publicou uma capa em que o Cristo Redentor aparecia como um foguete em queda com o título: “Has Brazil blown it?” (“O Brasil estragou tudo” em tradução livre). Em 2016, a The Economist voltou a publicar uma capa para falar do Brasil, dessa vez com o Cristo Redentor segurando uma placa escrita “SOS” e o título “The Betrayal of Brasil” (“A traição do Brasil”, em tradução livre).
As capas refletem a instabilidade política que acompanhou o País nos últimos dez anos. Após protestos de junho de 2013 contra a má qualidade dos serviços públicos, Dilma Rousseff foi afastada do cargo por um processo de impeachment em 2016, em meio às denúncias de corrupção da Operação Lava Jato. Lula foi preso e condenado na esteira da mesmo operação em 2018. Jair Bolsonaro chegou ao Planalto naquele ano. Lula teve as sentenças anuladas em 2021 e venceu o próprio Bolsonaro no ano passado, em uma disputa apertada.
Declínio no prestígio internacional brasileiro
Foi neste período, durante as gestões de Dilma, Michel Temer e Bolsonaro, que o Brasil não recebeu convites para as reuniões do G-7.
“O Brasil não soube acompanhar o crescimento de outros países emergentes e era muito mais relevante em 2009 do que é hoje na arena internacional. O País teve uma trajetória econômica decepcionante. A única questão que torna o Brasil mais importante é a questão climática, que é ainda mais relevante agora do que em 2009″, avalia Stuenkel.
Para a professora de relações internacionais da ESPM, Denilde Holzhacker, o governo Dilma Rousseff não foi marcado por uma grande atuação em política externa, reduzindo a possibilidade de o Brasil ter tido um papel internacional importante durante seus anos de governo. A professora de relações internacionais aponta também que após o impeachment de Dilma em 2016, o ex-presidente Michel Temer não conseguiu se aproximar dos líderes internacionais.
“Já o presidente Jair Bolsonaro teve uma política de confrontação com vários líderes internacionais, o que contribuiu para a imagem negativa do Brasil durante o seu governo”, avalia Holzhacker. “A posição de Bolsonaro durante a pandemia afastou o ex-presidente dos principais debates internacionais do momento, que buscavam uma maior cooperação para a obtenção de vacinas contra a covid-19. Além de uma visão negativa internacionalmente sobre as falas do Bolsonaro em relação à questão ambiental”.
Guerra na Ucrânia e conflitos entre China e EUA
As relações internacionais em 2009 eram menos complexas do que no atual cenário. A cúpula de Hiroshima será marcada pelas discussões sobre a guerra na Ucrânia e tensões diplomáticas envolvendo os Estados Unidos e China na região do Indo-Pacífico.
“O mundo hoje é marcado por tensões geopolíticas mais especificas, com um pessimismo em relação à globalização e a possibilidade de um conflito entre o Ocidente e a China”, afirma Stuenkel.
O analista destaca também o aumento de gastos militares por conta do apoio dos Estados Unidos e União Europeia (UE) para a Ucrânia e a tentativa chinesa de se equiparar a Washington como força militar.
“Em todas as reuniões anteriores que o Lula participou, havia uma atmosfera de paz, segurança internacional e dialogo ativo entre a Rússia e o Ocidente, então esta cúpula será diferente para o presidente”, lembra o ex-embaixador do Brasil nos Estados Unidos e na China, Roberto Abdenur.
Na reunião, os países do G-7 irão assinar uma declaração final que necessariamente irá falar sobre a guerra na Ucrânia. Em uma das declarações, todos os países membros do G-7 e convidados, o que inclui o Brasil, irão assinar o documento. A segunda declaração será assinada apenas por países membros do G-7.
O Brasil vem tentando se colocar em uma posição de neutralidade em relação a guerra na Ucrânia, com o intuito de conseguir negociar uma paz entre Kiev e Moscou. Por isso, o presidente irá se opor a um tom mais duro contra a Rússia.
“Lula quer preservar as suas credenciais de um negociador da paz entre Rússia e Ucrânia, por isso não pode aceitar uma declaração mais condenatória da cúpula”, aponta Abdenur. “Acredito que essa postura de neutralidade de Brasil em relação a guerra é muito errada. O presidente já havia tido uma postura imprópria ao declarar que Kiev e Moscou tinham culpa pelo conflito e que a União Europeia e os Estados Unidos estavam propagando a guerra, e teve muita repercussão negativa em Washington e Bruxelas”, avalia o ex-embaixador.
Abdenur afirma que a busca por paz sempre é louvável, mas o Brasil não conseguirá se credenciar como negociador do conflito no Leste Europeu.
2023: Brasil tenta recuperar papel
O presidente brasileiro foi convidado pelo primeiro-ministro japonês, Fumio Kishida, para participar do evento. O Japão ocupa a presidência rotativa do bloco, formado por Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Itália, Japão e Reino Unido. Esta será a sétima vez que Lula participa de uma reunião do G-7.
O Brasil participa da cúpula como convidado, assim como Austrália, Ilhas Comores, Ilhas Cook, Índia, Indonésia, Coreia do Sul e Vietnã.
Para o ex-embaixador do Brasil em Londres e Washington, Rubens Barbosa, o convite ao Brasil mostra um prestigio ao País, que irá suceder a Índia e assumir a presidência do G-20 em dezembro.
Saiba mais sobre a viagem de Lula ao G-7
“O Brasil foi convidado porque existia a ideia de que com a volta de Lula a presidência o Brasil iria voltar ao cenário internacional e é o que está acontecendo”, afirma Barbosa. “O Brasil é visto como uma força importante na região, os outros países não tem essa presença, então o País está representando a América do Sul”, acrescenta o ex-embaixador.
Para Barbosa, a política externa adotada pelo Brasil até agora no governo Lula foi correta e dentro do esperado pelos aliados internacionais.
“A política externa brasileira teve três grandes ênfases: primeiro a volta do Brasil ao cenário internacional, depois colocar o meio ambiente no centro das preocupações e a terceira prioridade é se voltar para a América do Sul e é isso que os atores internacionais queriam ouvir”.