Qual é o plano de Putin para destronar o dólar e como pode afetar o mundo?


Ele espera que a cúpula dos BRICS desta semana desencadeie uma grande revolução para superar as sanções

Por The Economist

Vladimir Putin, presidente da Rússia, estava animado em 22 de outubro quando recebeu líderes mundiais, incluindo Narendra Modi da Índia e Xi Jinping da China, na cúpula dos BRICS em Kazan, no rio Volga. No ano passado, quando o bloco se reuniu na África do Sul e se expandiu de cinco para dez membros, Putin teve que ficar em casa para evitar ser preso por um mandado emitido pelo Tribunal Penal Internacional em Haia. Desta vez, ele foi o anfitrião do clube em rápido crescimento que está desafiando o domínio da ordem liderada pelo Ocidente.

Agora em seu 15º ano juntos, os BRICS originais (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) conquistaram pouco. No entanto, Putin espera dar peso ao bloco, fazendo-o construir um novo sistema de pagamentos internacionais para atacar o domínio dos Estados Unidos nas finanças globais e proteger a Rússia e seus amigos das sanções. “Todos entendem que qualquer um pode ser submetido a sanções dos EUA ou de outros países ocidentais”, disse Sergei Lavrov, ministro das Relações Exteriores da Rússia, no mês passado.

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Um sistema de pagamentos dos BRICS permitiria “operações econômicas sem depender daqueles que decidiram transformar dólar e euro em armas”. Este sistema, que a Rússia chama de “Ponte dos BRICS”, deve ser construído dentro de um ano e permitiria que os países conduzissem liquidações transnacionais usando plataformas digitais administradas por seus bancos centrais. Surpreendentemente, ele pode tomar emprestado conceitos de um projeto diferente chamado mBridge, parcialmente administrado por um bastião da ordem liderada pelo Ocidente, o Banco de Compensações Internacionais (BIS), sediado na Suíça.

O presidente da Rússia, Vladimir Putin, discursa na cúpula do BRICS, em Moscou, Rússia  Foto: Alexander Zemlianichenko/AP

As negociações elucidarão um pouco a corrida para refazer os circuitos financeiros do mundo. A China há muito aposta que a tecnologia de pagamentos — não uma rebelião de credores ou conflito armado — reduzirá o poder que os EUA derivam do fato de estarem no centro das finanças globais. O plano dos BRICS pode tornar as transações mais baratas e rápidas. Esses benefícios podem ser suficientes para atrair economias emergentes. Em um sinal de que o esquema tem potencial genuíno, as autoridades ocidentais estão cautelosas de que ele seja projetado para escapar de sanções. Alguns estão frustrados com o papel não intencional do BIS, conhecido como o banco central dos bancos centrais.

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O domínio americano do sistema financeiro global, centrado no dólar, tem sido um pilar da ordem do pós-guerra e colocou os bancos americanos no centro dos pagamentos internacionais. Enviar dinheiro ao redor do mundo é um pouco como pegar um voo de longa distância; se dois aeroportos não estiverem conectados, os passageiros precisam trocar de voo, de preferência em um hub movimentado. No mundo dos pagamentos internacionais, o maior hub são os EUA.

A centralidade do dólar fornece o que Henry Farrell e Abraham Newman, dois acadêmicos, chamam de efeitos “panóptico” e de “ponto de estrangulamento”. Como quase todos os bancos que fazem transações em dólares têm que fazê-lo por meio de um banco correspondente nos EUA, o país é capaz de monitorar os fluxos em busca de sinais de financiamento terrorista e evasão de sanções. Isso fornece aos líderes americanos uma enorme alavanca de poder.

O presidente da Rússia, Vladimir Putin, bebe ao lado do presidente da China, Xi Jinping, na cúpula dos BRICS, em Kazan, Rússia  Foto: Alexander Zemlianichenko/AP
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Após a invasão da Ucrânia pela Rússia em 2022, o Ocidente congelou US$ 282 bilhões em ativos russos mantidos no exterior e desconectou os bancos russos do SWIFT, que é usado por cerca de 11.000 bancos para pagamentos internacionais. Os EUA também ameaçaram “sanções secundárias” a bancos em outros países que apoiem o esforço de guerra da Rússia. Esse tsunami levou os bancos centrais a acumular ouro, e levou os adversários dos EUA a deixarem de usar o dólar para pagamentos, o que a China vê como uma de suas maiores vulnerabilidades.

Putin espera capitalizar essa insatisfação em relação ao dólar na cúpula dos BRICS. Para ele, criar um novo esquema é uma prioridade prática urgente, bem como uma estratégia geopolítica. Os mercados de câmbio da Rússia agora negociam quase exclusivamente em yuans, mas, como o país não consegue obter o suficiente dessa moeda para pagar todas as suas importações, a Rússia foi reduzida às trocas.

Putin quer que a cúpula avance os planos para o BRICS Bridge, um sistema de pagamentos que usaria dinheiro digital emitido por bancos centrais e apoiado por moedas fiduciárias. Isso colocaria bancos centrais no meio de transações transnacionais, e não bancos correspondentes com acesso ao sistema de compensação de dólares nos EUA. A maior vantagem para ele é que nenhum país poderia impor sanções a outro. A mídia estatal chinesa diz que o novo plano dos BRICS “provavelmente se baseará nas lições aprendidas” com o mBridge, uma plataforma de pagamentos experimental desenvolvida pelo BIS junto com os bancos centrais da China, Hong Kong, Tailândia e Emirados Árabes Unidos.

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O presidente da China, Xi Jinping, e o presidente da Rússia, Vladimir Putin, conversam durante a cúpula dos BRICS, em Kazan, Rússia  Foto: Maxim Shemetov/AP

O experimento do BIS foi inocente em seus objetivos e teve início em 2019, antes da invasão em larga escala da Rússia. Ele tem sido incrivelmente bem-sucedido, de acordo com várias pessoas envolvidas no projeto. Poderia reduzir o tempo de transação de dias para segundos e os custos de transação para quase nada. Em junho, o BIS disse que o mBridge havia atingido o “estágio mínimo de produto viável” e o banco central da Arábia Saudita se juntou como um quinto parceiro no esquema. Esta semana, uma autoridade dos Emirados disse que a plataforma já processou centenas de transações no valor total de bilhões de dólares — um valor que está crescendo rapidamente. Ao criar um sistema que poderia ser mais eficiente do que o atual — e que enfraqueceria o domínio do dólar — o BIS involuntariamente entrou em um campo minado geopolítico.

“Se alguém está fazendo transações fora do sistema do dólar por razões políticas, queremos que isso seja mais caro para eles do que o sistema do dólar”, diz Jay Shambaugh, um funcionário do Departamento do Tesouro. Os ganhos de eficiência de novos tipos de dinheiro digital podem corroer o uso do dólar no comércio internacional, de acordo com o Fed. Reciprocamente, eles poderiam impulsionar a moeda da China. Falando com banqueiros e autoridades sobre o mBridge em setembro, um funcionário de Hong Kong disse que ele “oferece outra oportunidade para permitir o uso mais fácil do renminbi em pagamentos internacionais, e Hong Kong deve se beneficiar como um centro offshore”.

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A maioria dos pagamentos internacionais é em dólares e normalmente ocorre em uma cadeia de bancos intermediários. Em vez disso, o projeto mBridge depende de bancos centrais e lhes dá visibilidade e algum controle sobre os bancos nacionais e sobre o uso de suas moedas digitais por bancos estrangeiros. Na etapa 1, um banco que envia um pagamento internacional trocaria a moeda normal (A$) por uma moeda digital (e-A$) emitida diretamente pelo banco central. Na etapa 2, o banco a trocaria por uma moeda digital estrangeira (e-B$), que enviaria na etapa 3. O banco estrangeiro trocaria isso de volta para dinheiro normal na etapa 4.

É possível que os conceitos e o código do mBridge sejam replicados pelos BRICS, China ou Rússia? O BIS sem dúvida vê o mBridge como um projeto conjunto e acredita que tem a palavra final a respeito de quem pode participar. No entanto, algumas autoridades ocidentais dizem que os participantes do teste do mBridge podem ser capazes de repassar o capital intelectual que ele envolve para outros, incluindo participantes do BRICS Bridge. De acordo com várias fontes, a China assumiu a liderança no software e código por trás do projeto mBridge. O Banco Popular da China (PBOC), o banco central chinês, lidera seu subcomitê de tecnologia e, de acordo com comentários feitos por um funcionário do BIS em 2023, seu livro-razão digital “foi construído pelo” PBOC. Talvez essa tecnologia e know-how pudessem ser usados para construir um sistema paralelo além do alcance do BIS ou de seus membros ocidentais. O BIS se recusou a comentar quaisquer semelhanças entre seu experimento e o plano de Putin.

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A incursão dos BRICS na corrida de pagamentos revela os novos desafios geopolíticos enfrentados por organizações multilaterais. Em uma reunião do grupo G20 de grandes economias em 2020, o BIS recebeu a tarefa de melhorar o sistema existente e, a pedido da China, de experimentar moedas digitais. No início deste ano, Agustín Carstens, seu chefe, pediu “arquiteturas inteiramente novas” e uma “reformulação fundamental do sistema financeiro”. Como diferentes membros da organização têm objetivos concorrentes, manter-se acima da briga está ficando mais difícil. O mundo se tornou mais difícil de navegar, reconhece Cecilia Skingsley, chefe do BIS Innovation Hub. Mas ela diz que o BIS ainda tem um papel a desempenhar na resolução de problemas para todos os países “quase independentemente de outras pautas que eles tenham”.

Uma opção para os EUA e seus aliados é tentar dificultar novos sistemas de pagamento que competem com o dólar. Autoridades ocidentais alertaram o BIS que o projeto poderia ser mal utilizado por países com motivos malignos. O BIS desde então desacelerou seu trabalho no mBridge, de acordo com alguns ex-funcionários e consultores, e é improvável que admita novos membros no projeto.

Outra opção é melhorar o sistema baseado em dólar para que seja tão eficiente quanto os novos rivais. Em abril, o Fed de Nova York se juntou a seis outros bancos centrais em um projeto do BIS com o objetivo de tornar o sistema existente mais rápido e barato. O Federal Reserve também pode vincular seu sistema doméstico de pagamentos instantâneos àqueles de outros países. O SWIFT planeja conduzir testes de transações digitais no ano que vem, alavancando algumas de suas vantagens atuais, incluindo fortes efeitos de rede e confiança, diz Tom Zschach, seu chefe de inovação.

O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, participa de um evento para o cancelamento de dividas estudantis, em Madison, Wisconsin  Foto: Evan Vucci/AP

Qualquer sistema de pagamento rival dos BRICS ainda enfrentará enormes desafios. Garantir liquidez será difícil ou exigirá grandes subsídios governamentais implícitos. Se os fluxos subjacentes de capital e comércio entre dois países estiverem desequilibrados, o que geralmente acontece, eles terão que acumular ativos ou passivos nas moedas um do outro, o que pode ser desagradável. E para ampliar um sistema de moeda digital, os países devem concordar com regras complexas para governar a liquidação e o crime financeiro. É improvável que tal unanimidade saia vitoriosa em Kazan.

Por tudo isso, o esquema dos BRICS pode ter força. Há um amplo consenso de que os atuais pagamentos transnacionais são muito lentos e caros. Embora os países ricos tendam a se concentrar em torná-los mais rápidos, muitos outros querem derrubar o sistema atual completamente. Pelo menos 134 bancos centrais estão experimentando dinheiro digital, principalmente para fins domésticos, avalia o Atlantic Council, um think tank em Washington. O número trabalhando em tais moedas para transações transnacionais dobrou para 13 desde que a Rússia invadiu a Ucrânia.

A cúpula dos BRICS desta semana não é Bretton Woods. Tudo que a Rússia e seus amigos precisam fazer é mover um número relativamente pequeno de transações relacionadas a sanções para além do alcance dos Estados Unidos. Ainda assim, muitos estão mirando mais alto. No ano que vem, a cúpula dos BRICS será realizada no Brasil, recebida por seu presidente, Luiz Inácio Lula da Silva, que se queixa do poder do dólar. “Toda noite eu me pergunto por que todos os países têm que basear seu comércio no dólar”, ele disse no ano passado. “Quem foi que decidiu isso?” / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

Vladimir Putin, presidente da Rússia, estava animado em 22 de outubro quando recebeu líderes mundiais, incluindo Narendra Modi da Índia e Xi Jinping da China, na cúpula dos BRICS em Kazan, no rio Volga. No ano passado, quando o bloco se reuniu na África do Sul e se expandiu de cinco para dez membros, Putin teve que ficar em casa para evitar ser preso por um mandado emitido pelo Tribunal Penal Internacional em Haia. Desta vez, ele foi o anfitrião do clube em rápido crescimento que está desafiando o domínio da ordem liderada pelo Ocidente.

Agora em seu 15º ano juntos, os BRICS originais (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) conquistaram pouco. No entanto, Putin espera dar peso ao bloco, fazendo-o construir um novo sistema de pagamentos internacionais para atacar o domínio dos Estados Unidos nas finanças globais e proteger a Rússia e seus amigos das sanções. “Todos entendem que qualquer um pode ser submetido a sanções dos EUA ou de outros países ocidentais”, disse Sergei Lavrov, ministro das Relações Exteriores da Rússia, no mês passado.

Um sistema de pagamentos dos BRICS permitiria “operações econômicas sem depender daqueles que decidiram transformar dólar e euro em armas”. Este sistema, que a Rússia chama de “Ponte dos BRICS”, deve ser construído dentro de um ano e permitiria que os países conduzissem liquidações transnacionais usando plataformas digitais administradas por seus bancos centrais. Surpreendentemente, ele pode tomar emprestado conceitos de um projeto diferente chamado mBridge, parcialmente administrado por um bastião da ordem liderada pelo Ocidente, o Banco de Compensações Internacionais (BIS), sediado na Suíça.

O presidente da Rússia, Vladimir Putin, discursa na cúpula do BRICS, em Moscou, Rússia  Foto: Alexander Zemlianichenko/AP

As negociações elucidarão um pouco a corrida para refazer os circuitos financeiros do mundo. A China há muito aposta que a tecnologia de pagamentos — não uma rebelião de credores ou conflito armado — reduzirá o poder que os EUA derivam do fato de estarem no centro das finanças globais. O plano dos BRICS pode tornar as transações mais baratas e rápidas. Esses benefícios podem ser suficientes para atrair economias emergentes. Em um sinal de que o esquema tem potencial genuíno, as autoridades ocidentais estão cautelosas de que ele seja projetado para escapar de sanções. Alguns estão frustrados com o papel não intencional do BIS, conhecido como o banco central dos bancos centrais.

O domínio americano do sistema financeiro global, centrado no dólar, tem sido um pilar da ordem do pós-guerra e colocou os bancos americanos no centro dos pagamentos internacionais. Enviar dinheiro ao redor do mundo é um pouco como pegar um voo de longa distância; se dois aeroportos não estiverem conectados, os passageiros precisam trocar de voo, de preferência em um hub movimentado. No mundo dos pagamentos internacionais, o maior hub são os EUA.

A centralidade do dólar fornece o que Henry Farrell e Abraham Newman, dois acadêmicos, chamam de efeitos “panóptico” e de “ponto de estrangulamento”. Como quase todos os bancos que fazem transações em dólares têm que fazê-lo por meio de um banco correspondente nos EUA, o país é capaz de monitorar os fluxos em busca de sinais de financiamento terrorista e evasão de sanções. Isso fornece aos líderes americanos uma enorme alavanca de poder.

O presidente da Rússia, Vladimir Putin, bebe ao lado do presidente da China, Xi Jinping, na cúpula dos BRICS, em Kazan, Rússia  Foto: Alexander Zemlianichenko/AP

Após a invasão da Ucrânia pela Rússia em 2022, o Ocidente congelou US$ 282 bilhões em ativos russos mantidos no exterior e desconectou os bancos russos do SWIFT, que é usado por cerca de 11.000 bancos para pagamentos internacionais. Os EUA também ameaçaram “sanções secundárias” a bancos em outros países que apoiem o esforço de guerra da Rússia. Esse tsunami levou os bancos centrais a acumular ouro, e levou os adversários dos EUA a deixarem de usar o dólar para pagamentos, o que a China vê como uma de suas maiores vulnerabilidades.

Putin espera capitalizar essa insatisfação em relação ao dólar na cúpula dos BRICS. Para ele, criar um novo esquema é uma prioridade prática urgente, bem como uma estratégia geopolítica. Os mercados de câmbio da Rússia agora negociam quase exclusivamente em yuans, mas, como o país não consegue obter o suficiente dessa moeda para pagar todas as suas importações, a Rússia foi reduzida às trocas.

Putin quer que a cúpula avance os planos para o BRICS Bridge, um sistema de pagamentos que usaria dinheiro digital emitido por bancos centrais e apoiado por moedas fiduciárias. Isso colocaria bancos centrais no meio de transações transnacionais, e não bancos correspondentes com acesso ao sistema de compensação de dólares nos EUA. A maior vantagem para ele é que nenhum país poderia impor sanções a outro. A mídia estatal chinesa diz que o novo plano dos BRICS “provavelmente se baseará nas lições aprendidas” com o mBridge, uma plataforma de pagamentos experimental desenvolvida pelo BIS junto com os bancos centrais da China, Hong Kong, Tailândia e Emirados Árabes Unidos.

O presidente da China, Xi Jinping, e o presidente da Rússia, Vladimir Putin, conversam durante a cúpula dos BRICS, em Kazan, Rússia  Foto: Maxim Shemetov/AP

O experimento do BIS foi inocente em seus objetivos e teve início em 2019, antes da invasão em larga escala da Rússia. Ele tem sido incrivelmente bem-sucedido, de acordo com várias pessoas envolvidas no projeto. Poderia reduzir o tempo de transação de dias para segundos e os custos de transação para quase nada. Em junho, o BIS disse que o mBridge havia atingido o “estágio mínimo de produto viável” e o banco central da Arábia Saudita se juntou como um quinto parceiro no esquema. Esta semana, uma autoridade dos Emirados disse que a plataforma já processou centenas de transações no valor total de bilhões de dólares — um valor que está crescendo rapidamente. Ao criar um sistema que poderia ser mais eficiente do que o atual — e que enfraqueceria o domínio do dólar — o BIS involuntariamente entrou em um campo minado geopolítico.

“Se alguém está fazendo transações fora do sistema do dólar por razões políticas, queremos que isso seja mais caro para eles do que o sistema do dólar”, diz Jay Shambaugh, um funcionário do Departamento do Tesouro. Os ganhos de eficiência de novos tipos de dinheiro digital podem corroer o uso do dólar no comércio internacional, de acordo com o Fed. Reciprocamente, eles poderiam impulsionar a moeda da China. Falando com banqueiros e autoridades sobre o mBridge em setembro, um funcionário de Hong Kong disse que ele “oferece outra oportunidade para permitir o uso mais fácil do renminbi em pagamentos internacionais, e Hong Kong deve se beneficiar como um centro offshore”.

A maioria dos pagamentos internacionais é em dólares e normalmente ocorre em uma cadeia de bancos intermediários. Em vez disso, o projeto mBridge depende de bancos centrais e lhes dá visibilidade e algum controle sobre os bancos nacionais e sobre o uso de suas moedas digitais por bancos estrangeiros. Na etapa 1, um banco que envia um pagamento internacional trocaria a moeda normal (A$) por uma moeda digital (e-A$) emitida diretamente pelo banco central. Na etapa 2, o banco a trocaria por uma moeda digital estrangeira (e-B$), que enviaria na etapa 3. O banco estrangeiro trocaria isso de volta para dinheiro normal na etapa 4.

É possível que os conceitos e o código do mBridge sejam replicados pelos BRICS, China ou Rússia? O BIS sem dúvida vê o mBridge como um projeto conjunto e acredita que tem a palavra final a respeito de quem pode participar. No entanto, algumas autoridades ocidentais dizem que os participantes do teste do mBridge podem ser capazes de repassar o capital intelectual que ele envolve para outros, incluindo participantes do BRICS Bridge. De acordo com várias fontes, a China assumiu a liderança no software e código por trás do projeto mBridge. O Banco Popular da China (PBOC), o banco central chinês, lidera seu subcomitê de tecnologia e, de acordo com comentários feitos por um funcionário do BIS em 2023, seu livro-razão digital “foi construído pelo” PBOC. Talvez essa tecnologia e know-how pudessem ser usados para construir um sistema paralelo além do alcance do BIS ou de seus membros ocidentais. O BIS se recusou a comentar quaisquer semelhanças entre seu experimento e o plano de Putin.

A incursão dos BRICS na corrida de pagamentos revela os novos desafios geopolíticos enfrentados por organizações multilaterais. Em uma reunião do grupo G20 de grandes economias em 2020, o BIS recebeu a tarefa de melhorar o sistema existente e, a pedido da China, de experimentar moedas digitais. No início deste ano, Agustín Carstens, seu chefe, pediu “arquiteturas inteiramente novas” e uma “reformulação fundamental do sistema financeiro”. Como diferentes membros da organização têm objetivos concorrentes, manter-se acima da briga está ficando mais difícil. O mundo se tornou mais difícil de navegar, reconhece Cecilia Skingsley, chefe do BIS Innovation Hub. Mas ela diz que o BIS ainda tem um papel a desempenhar na resolução de problemas para todos os países “quase independentemente de outras pautas que eles tenham”.

Uma opção para os EUA e seus aliados é tentar dificultar novos sistemas de pagamento que competem com o dólar. Autoridades ocidentais alertaram o BIS que o projeto poderia ser mal utilizado por países com motivos malignos. O BIS desde então desacelerou seu trabalho no mBridge, de acordo com alguns ex-funcionários e consultores, e é improvável que admita novos membros no projeto.

Outra opção é melhorar o sistema baseado em dólar para que seja tão eficiente quanto os novos rivais. Em abril, o Fed de Nova York se juntou a seis outros bancos centrais em um projeto do BIS com o objetivo de tornar o sistema existente mais rápido e barato. O Federal Reserve também pode vincular seu sistema doméstico de pagamentos instantâneos àqueles de outros países. O SWIFT planeja conduzir testes de transações digitais no ano que vem, alavancando algumas de suas vantagens atuais, incluindo fortes efeitos de rede e confiança, diz Tom Zschach, seu chefe de inovação.

O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, participa de um evento para o cancelamento de dividas estudantis, em Madison, Wisconsin  Foto: Evan Vucci/AP

Qualquer sistema de pagamento rival dos BRICS ainda enfrentará enormes desafios. Garantir liquidez será difícil ou exigirá grandes subsídios governamentais implícitos. Se os fluxos subjacentes de capital e comércio entre dois países estiverem desequilibrados, o que geralmente acontece, eles terão que acumular ativos ou passivos nas moedas um do outro, o que pode ser desagradável. E para ampliar um sistema de moeda digital, os países devem concordar com regras complexas para governar a liquidação e o crime financeiro. É improvável que tal unanimidade saia vitoriosa em Kazan.

Por tudo isso, o esquema dos BRICS pode ter força. Há um amplo consenso de que os atuais pagamentos transnacionais são muito lentos e caros. Embora os países ricos tendam a se concentrar em torná-los mais rápidos, muitos outros querem derrubar o sistema atual completamente. Pelo menos 134 bancos centrais estão experimentando dinheiro digital, principalmente para fins domésticos, avalia o Atlantic Council, um think tank em Washington. O número trabalhando em tais moedas para transações transnacionais dobrou para 13 desde que a Rússia invadiu a Ucrânia.

A cúpula dos BRICS desta semana não é Bretton Woods. Tudo que a Rússia e seus amigos precisam fazer é mover um número relativamente pequeno de transações relacionadas a sanções para além do alcance dos Estados Unidos. Ainda assim, muitos estão mirando mais alto. No ano que vem, a cúpula dos BRICS será realizada no Brasil, recebida por seu presidente, Luiz Inácio Lula da Silva, que se queixa do poder do dólar. “Toda noite eu me pergunto por que todos os países têm que basear seu comércio no dólar”, ele disse no ano passado. “Quem foi que decidiu isso?” / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

Vladimir Putin, presidente da Rússia, estava animado em 22 de outubro quando recebeu líderes mundiais, incluindo Narendra Modi da Índia e Xi Jinping da China, na cúpula dos BRICS em Kazan, no rio Volga. No ano passado, quando o bloco se reuniu na África do Sul e se expandiu de cinco para dez membros, Putin teve que ficar em casa para evitar ser preso por um mandado emitido pelo Tribunal Penal Internacional em Haia. Desta vez, ele foi o anfitrião do clube em rápido crescimento que está desafiando o domínio da ordem liderada pelo Ocidente.

Agora em seu 15º ano juntos, os BRICS originais (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) conquistaram pouco. No entanto, Putin espera dar peso ao bloco, fazendo-o construir um novo sistema de pagamentos internacionais para atacar o domínio dos Estados Unidos nas finanças globais e proteger a Rússia e seus amigos das sanções. “Todos entendem que qualquer um pode ser submetido a sanções dos EUA ou de outros países ocidentais”, disse Sergei Lavrov, ministro das Relações Exteriores da Rússia, no mês passado.

Um sistema de pagamentos dos BRICS permitiria “operações econômicas sem depender daqueles que decidiram transformar dólar e euro em armas”. Este sistema, que a Rússia chama de “Ponte dos BRICS”, deve ser construído dentro de um ano e permitiria que os países conduzissem liquidações transnacionais usando plataformas digitais administradas por seus bancos centrais. Surpreendentemente, ele pode tomar emprestado conceitos de um projeto diferente chamado mBridge, parcialmente administrado por um bastião da ordem liderada pelo Ocidente, o Banco de Compensações Internacionais (BIS), sediado na Suíça.

O presidente da Rússia, Vladimir Putin, discursa na cúpula do BRICS, em Moscou, Rússia  Foto: Alexander Zemlianichenko/AP

As negociações elucidarão um pouco a corrida para refazer os circuitos financeiros do mundo. A China há muito aposta que a tecnologia de pagamentos — não uma rebelião de credores ou conflito armado — reduzirá o poder que os EUA derivam do fato de estarem no centro das finanças globais. O plano dos BRICS pode tornar as transações mais baratas e rápidas. Esses benefícios podem ser suficientes para atrair economias emergentes. Em um sinal de que o esquema tem potencial genuíno, as autoridades ocidentais estão cautelosas de que ele seja projetado para escapar de sanções. Alguns estão frustrados com o papel não intencional do BIS, conhecido como o banco central dos bancos centrais.

O domínio americano do sistema financeiro global, centrado no dólar, tem sido um pilar da ordem do pós-guerra e colocou os bancos americanos no centro dos pagamentos internacionais. Enviar dinheiro ao redor do mundo é um pouco como pegar um voo de longa distância; se dois aeroportos não estiverem conectados, os passageiros precisam trocar de voo, de preferência em um hub movimentado. No mundo dos pagamentos internacionais, o maior hub são os EUA.

A centralidade do dólar fornece o que Henry Farrell e Abraham Newman, dois acadêmicos, chamam de efeitos “panóptico” e de “ponto de estrangulamento”. Como quase todos os bancos que fazem transações em dólares têm que fazê-lo por meio de um banco correspondente nos EUA, o país é capaz de monitorar os fluxos em busca de sinais de financiamento terrorista e evasão de sanções. Isso fornece aos líderes americanos uma enorme alavanca de poder.

O presidente da Rússia, Vladimir Putin, bebe ao lado do presidente da China, Xi Jinping, na cúpula dos BRICS, em Kazan, Rússia  Foto: Alexander Zemlianichenko/AP

Após a invasão da Ucrânia pela Rússia em 2022, o Ocidente congelou US$ 282 bilhões em ativos russos mantidos no exterior e desconectou os bancos russos do SWIFT, que é usado por cerca de 11.000 bancos para pagamentos internacionais. Os EUA também ameaçaram “sanções secundárias” a bancos em outros países que apoiem o esforço de guerra da Rússia. Esse tsunami levou os bancos centrais a acumular ouro, e levou os adversários dos EUA a deixarem de usar o dólar para pagamentos, o que a China vê como uma de suas maiores vulnerabilidades.

Putin espera capitalizar essa insatisfação em relação ao dólar na cúpula dos BRICS. Para ele, criar um novo esquema é uma prioridade prática urgente, bem como uma estratégia geopolítica. Os mercados de câmbio da Rússia agora negociam quase exclusivamente em yuans, mas, como o país não consegue obter o suficiente dessa moeda para pagar todas as suas importações, a Rússia foi reduzida às trocas.

Putin quer que a cúpula avance os planos para o BRICS Bridge, um sistema de pagamentos que usaria dinheiro digital emitido por bancos centrais e apoiado por moedas fiduciárias. Isso colocaria bancos centrais no meio de transações transnacionais, e não bancos correspondentes com acesso ao sistema de compensação de dólares nos EUA. A maior vantagem para ele é que nenhum país poderia impor sanções a outro. A mídia estatal chinesa diz que o novo plano dos BRICS “provavelmente se baseará nas lições aprendidas” com o mBridge, uma plataforma de pagamentos experimental desenvolvida pelo BIS junto com os bancos centrais da China, Hong Kong, Tailândia e Emirados Árabes Unidos.

O presidente da China, Xi Jinping, e o presidente da Rússia, Vladimir Putin, conversam durante a cúpula dos BRICS, em Kazan, Rússia  Foto: Maxim Shemetov/AP

O experimento do BIS foi inocente em seus objetivos e teve início em 2019, antes da invasão em larga escala da Rússia. Ele tem sido incrivelmente bem-sucedido, de acordo com várias pessoas envolvidas no projeto. Poderia reduzir o tempo de transação de dias para segundos e os custos de transação para quase nada. Em junho, o BIS disse que o mBridge havia atingido o “estágio mínimo de produto viável” e o banco central da Arábia Saudita se juntou como um quinto parceiro no esquema. Esta semana, uma autoridade dos Emirados disse que a plataforma já processou centenas de transações no valor total de bilhões de dólares — um valor que está crescendo rapidamente. Ao criar um sistema que poderia ser mais eficiente do que o atual — e que enfraqueceria o domínio do dólar — o BIS involuntariamente entrou em um campo minado geopolítico.

“Se alguém está fazendo transações fora do sistema do dólar por razões políticas, queremos que isso seja mais caro para eles do que o sistema do dólar”, diz Jay Shambaugh, um funcionário do Departamento do Tesouro. Os ganhos de eficiência de novos tipos de dinheiro digital podem corroer o uso do dólar no comércio internacional, de acordo com o Fed. Reciprocamente, eles poderiam impulsionar a moeda da China. Falando com banqueiros e autoridades sobre o mBridge em setembro, um funcionário de Hong Kong disse que ele “oferece outra oportunidade para permitir o uso mais fácil do renminbi em pagamentos internacionais, e Hong Kong deve se beneficiar como um centro offshore”.

A maioria dos pagamentos internacionais é em dólares e normalmente ocorre em uma cadeia de bancos intermediários. Em vez disso, o projeto mBridge depende de bancos centrais e lhes dá visibilidade e algum controle sobre os bancos nacionais e sobre o uso de suas moedas digitais por bancos estrangeiros. Na etapa 1, um banco que envia um pagamento internacional trocaria a moeda normal (A$) por uma moeda digital (e-A$) emitida diretamente pelo banco central. Na etapa 2, o banco a trocaria por uma moeda digital estrangeira (e-B$), que enviaria na etapa 3. O banco estrangeiro trocaria isso de volta para dinheiro normal na etapa 4.

É possível que os conceitos e o código do mBridge sejam replicados pelos BRICS, China ou Rússia? O BIS sem dúvida vê o mBridge como um projeto conjunto e acredita que tem a palavra final a respeito de quem pode participar. No entanto, algumas autoridades ocidentais dizem que os participantes do teste do mBridge podem ser capazes de repassar o capital intelectual que ele envolve para outros, incluindo participantes do BRICS Bridge. De acordo com várias fontes, a China assumiu a liderança no software e código por trás do projeto mBridge. O Banco Popular da China (PBOC), o banco central chinês, lidera seu subcomitê de tecnologia e, de acordo com comentários feitos por um funcionário do BIS em 2023, seu livro-razão digital “foi construído pelo” PBOC. Talvez essa tecnologia e know-how pudessem ser usados para construir um sistema paralelo além do alcance do BIS ou de seus membros ocidentais. O BIS se recusou a comentar quaisquer semelhanças entre seu experimento e o plano de Putin.

A incursão dos BRICS na corrida de pagamentos revela os novos desafios geopolíticos enfrentados por organizações multilaterais. Em uma reunião do grupo G20 de grandes economias em 2020, o BIS recebeu a tarefa de melhorar o sistema existente e, a pedido da China, de experimentar moedas digitais. No início deste ano, Agustín Carstens, seu chefe, pediu “arquiteturas inteiramente novas” e uma “reformulação fundamental do sistema financeiro”. Como diferentes membros da organização têm objetivos concorrentes, manter-se acima da briga está ficando mais difícil. O mundo se tornou mais difícil de navegar, reconhece Cecilia Skingsley, chefe do BIS Innovation Hub. Mas ela diz que o BIS ainda tem um papel a desempenhar na resolução de problemas para todos os países “quase independentemente de outras pautas que eles tenham”.

Uma opção para os EUA e seus aliados é tentar dificultar novos sistemas de pagamento que competem com o dólar. Autoridades ocidentais alertaram o BIS que o projeto poderia ser mal utilizado por países com motivos malignos. O BIS desde então desacelerou seu trabalho no mBridge, de acordo com alguns ex-funcionários e consultores, e é improvável que admita novos membros no projeto.

Outra opção é melhorar o sistema baseado em dólar para que seja tão eficiente quanto os novos rivais. Em abril, o Fed de Nova York se juntou a seis outros bancos centrais em um projeto do BIS com o objetivo de tornar o sistema existente mais rápido e barato. O Federal Reserve também pode vincular seu sistema doméstico de pagamentos instantâneos àqueles de outros países. O SWIFT planeja conduzir testes de transações digitais no ano que vem, alavancando algumas de suas vantagens atuais, incluindo fortes efeitos de rede e confiança, diz Tom Zschach, seu chefe de inovação.

O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, participa de um evento para o cancelamento de dividas estudantis, em Madison, Wisconsin  Foto: Evan Vucci/AP

Qualquer sistema de pagamento rival dos BRICS ainda enfrentará enormes desafios. Garantir liquidez será difícil ou exigirá grandes subsídios governamentais implícitos. Se os fluxos subjacentes de capital e comércio entre dois países estiverem desequilibrados, o que geralmente acontece, eles terão que acumular ativos ou passivos nas moedas um do outro, o que pode ser desagradável. E para ampliar um sistema de moeda digital, os países devem concordar com regras complexas para governar a liquidação e o crime financeiro. É improvável que tal unanimidade saia vitoriosa em Kazan.

Por tudo isso, o esquema dos BRICS pode ter força. Há um amplo consenso de que os atuais pagamentos transnacionais são muito lentos e caros. Embora os países ricos tendam a se concentrar em torná-los mais rápidos, muitos outros querem derrubar o sistema atual completamente. Pelo menos 134 bancos centrais estão experimentando dinheiro digital, principalmente para fins domésticos, avalia o Atlantic Council, um think tank em Washington. O número trabalhando em tais moedas para transações transnacionais dobrou para 13 desde que a Rússia invadiu a Ucrânia.

A cúpula dos BRICS desta semana não é Bretton Woods. Tudo que a Rússia e seus amigos precisam fazer é mover um número relativamente pequeno de transações relacionadas a sanções para além do alcance dos Estados Unidos. Ainda assim, muitos estão mirando mais alto. No ano que vem, a cúpula dos BRICS será realizada no Brasil, recebida por seu presidente, Luiz Inácio Lula da Silva, que se queixa do poder do dólar. “Toda noite eu me pergunto por que todos os países têm que basear seu comércio no dólar”, ele disse no ano passado. “Quem foi que decidiu isso?” / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

Vladimir Putin, presidente da Rússia, estava animado em 22 de outubro quando recebeu líderes mundiais, incluindo Narendra Modi da Índia e Xi Jinping da China, na cúpula dos BRICS em Kazan, no rio Volga. No ano passado, quando o bloco se reuniu na África do Sul e se expandiu de cinco para dez membros, Putin teve que ficar em casa para evitar ser preso por um mandado emitido pelo Tribunal Penal Internacional em Haia. Desta vez, ele foi o anfitrião do clube em rápido crescimento que está desafiando o domínio da ordem liderada pelo Ocidente.

Agora em seu 15º ano juntos, os BRICS originais (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) conquistaram pouco. No entanto, Putin espera dar peso ao bloco, fazendo-o construir um novo sistema de pagamentos internacionais para atacar o domínio dos Estados Unidos nas finanças globais e proteger a Rússia e seus amigos das sanções. “Todos entendem que qualquer um pode ser submetido a sanções dos EUA ou de outros países ocidentais”, disse Sergei Lavrov, ministro das Relações Exteriores da Rússia, no mês passado.

Um sistema de pagamentos dos BRICS permitiria “operações econômicas sem depender daqueles que decidiram transformar dólar e euro em armas”. Este sistema, que a Rússia chama de “Ponte dos BRICS”, deve ser construído dentro de um ano e permitiria que os países conduzissem liquidações transnacionais usando plataformas digitais administradas por seus bancos centrais. Surpreendentemente, ele pode tomar emprestado conceitos de um projeto diferente chamado mBridge, parcialmente administrado por um bastião da ordem liderada pelo Ocidente, o Banco de Compensações Internacionais (BIS), sediado na Suíça.

O presidente da Rússia, Vladimir Putin, discursa na cúpula do BRICS, em Moscou, Rússia  Foto: Alexander Zemlianichenko/AP

As negociações elucidarão um pouco a corrida para refazer os circuitos financeiros do mundo. A China há muito aposta que a tecnologia de pagamentos — não uma rebelião de credores ou conflito armado — reduzirá o poder que os EUA derivam do fato de estarem no centro das finanças globais. O plano dos BRICS pode tornar as transações mais baratas e rápidas. Esses benefícios podem ser suficientes para atrair economias emergentes. Em um sinal de que o esquema tem potencial genuíno, as autoridades ocidentais estão cautelosas de que ele seja projetado para escapar de sanções. Alguns estão frustrados com o papel não intencional do BIS, conhecido como o banco central dos bancos centrais.

O domínio americano do sistema financeiro global, centrado no dólar, tem sido um pilar da ordem do pós-guerra e colocou os bancos americanos no centro dos pagamentos internacionais. Enviar dinheiro ao redor do mundo é um pouco como pegar um voo de longa distância; se dois aeroportos não estiverem conectados, os passageiros precisam trocar de voo, de preferência em um hub movimentado. No mundo dos pagamentos internacionais, o maior hub são os EUA.

A centralidade do dólar fornece o que Henry Farrell e Abraham Newman, dois acadêmicos, chamam de efeitos “panóptico” e de “ponto de estrangulamento”. Como quase todos os bancos que fazem transações em dólares têm que fazê-lo por meio de um banco correspondente nos EUA, o país é capaz de monitorar os fluxos em busca de sinais de financiamento terrorista e evasão de sanções. Isso fornece aos líderes americanos uma enorme alavanca de poder.

O presidente da Rússia, Vladimir Putin, bebe ao lado do presidente da China, Xi Jinping, na cúpula dos BRICS, em Kazan, Rússia  Foto: Alexander Zemlianichenko/AP

Após a invasão da Ucrânia pela Rússia em 2022, o Ocidente congelou US$ 282 bilhões em ativos russos mantidos no exterior e desconectou os bancos russos do SWIFT, que é usado por cerca de 11.000 bancos para pagamentos internacionais. Os EUA também ameaçaram “sanções secundárias” a bancos em outros países que apoiem o esforço de guerra da Rússia. Esse tsunami levou os bancos centrais a acumular ouro, e levou os adversários dos EUA a deixarem de usar o dólar para pagamentos, o que a China vê como uma de suas maiores vulnerabilidades.

Putin espera capitalizar essa insatisfação em relação ao dólar na cúpula dos BRICS. Para ele, criar um novo esquema é uma prioridade prática urgente, bem como uma estratégia geopolítica. Os mercados de câmbio da Rússia agora negociam quase exclusivamente em yuans, mas, como o país não consegue obter o suficiente dessa moeda para pagar todas as suas importações, a Rússia foi reduzida às trocas.

Putin quer que a cúpula avance os planos para o BRICS Bridge, um sistema de pagamentos que usaria dinheiro digital emitido por bancos centrais e apoiado por moedas fiduciárias. Isso colocaria bancos centrais no meio de transações transnacionais, e não bancos correspondentes com acesso ao sistema de compensação de dólares nos EUA. A maior vantagem para ele é que nenhum país poderia impor sanções a outro. A mídia estatal chinesa diz que o novo plano dos BRICS “provavelmente se baseará nas lições aprendidas” com o mBridge, uma plataforma de pagamentos experimental desenvolvida pelo BIS junto com os bancos centrais da China, Hong Kong, Tailândia e Emirados Árabes Unidos.

O presidente da China, Xi Jinping, e o presidente da Rússia, Vladimir Putin, conversam durante a cúpula dos BRICS, em Kazan, Rússia  Foto: Maxim Shemetov/AP

O experimento do BIS foi inocente em seus objetivos e teve início em 2019, antes da invasão em larga escala da Rússia. Ele tem sido incrivelmente bem-sucedido, de acordo com várias pessoas envolvidas no projeto. Poderia reduzir o tempo de transação de dias para segundos e os custos de transação para quase nada. Em junho, o BIS disse que o mBridge havia atingido o “estágio mínimo de produto viável” e o banco central da Arábia Saudita se juntou como um quinto parceiro no esquema. Esta semana, uma autoridade dos Emirados disse que a plataforma já processou centenas de transações no valor total de bilhões de dólares — um valor que está crescendo rapidamente. Ao criar um sistema que poderia ser mais eficiente do que o atual — e que enfraqueceria o domínio do dólar — o BIS involuntariamente entrou em um campo minado geopolítico.

“Se alguém está fazendo transações fora do sistema do dólar por razões políticas, queremos que isso seja mais caro para eles do que o sistema do dólar”, diz Jay Shambaugh, um funcionário do Departamento do Tesouro. Os ganhos de eficiência de novos tipos de dinheiro digital podem corroer o uso do dólar no comércio internacional, de acordo com o Fed. Reciprocamente, eles poderiam impulsionar a moeda da China. Falando com banqueiros e autoridades sobre o mBridge em setembro, um funcionário de Hong Kong disse que ele “oferece outra oportunidade para permitir o uso mais fácil do renminbi em pagamentos internacionais, e Hong Kong deve se beneficiar como um centro offshore”.

A maioria dos pagamentos internacionais é em dólares e normalmente ocorre em uma cadeia de bancos intermediários. Em vez disso, o projeto mBridge depende de bancos centrais e lhes dá visibilidade e algum controle sobre os bancos nacionais e sobre o uso de suas moedas digitais por bancos estrangeiros. Na etapa 1, um banco que envia um pagamento internacional trocaria a moeda normal (A$) por uma moeda digital (e-A$) emitida diretamente pelo banco central. Na etapa 2, o banco a trocaria por uma moeda digital estrangeira (e-B$), que enviaria na etapa 3. O banco estrangeiro trocaria isso de volta para dinheiro normal na etapa 4.

É possível que os conceitos e o código do mBridge sejam replicados pelos BRICS, China ou Rússia? O BIS sem dúvida vê o mBridge como um projeto conjunto e acredita que tem a palavra final a respeito de quem pode participar. No entanto, algumas autoridades ocidentais dizem que os participantes do teste do mBridge podem ser capazes de repassar o capital intelectual que ele envolve para outros, incluindo participantes do BRICS Bridge. De acordo com várias fontes, a China assumiu a liderança no software e código por trás do projeto mBridge. O Banco Popular da China (PBOC), o banco central chinês, lidera seu subcomitê de tecnologia e, de acordo com comentários feitos por um funcionário do BIS em 2023, seu livro-razão digital “foi construído pelo” PBOC. Talvez essa tecnologia e know-how pudessem ser usados para construir um sistema paralelo além do alcance do BIS ou de seus membros ocidentais. O BIS se recusou a comentar quaisquer semelhanças entre seu experimento e o plano de Putin.

A incursão dos BRICS na corrida de pagamentos revela os novos desafios geopolíticos enfrentados por organizações multilaterais. Em uma reunião do grupo G20 de grandes economias em 2020, o BIS recebeu a tarefa de melhorar o sistema existente e, a pedido da China, de experimentar moedas digitais. No início deste ano, Agustín Carstens, seu chefe, pediu “arquiteturas inteiramente novas” e uma “reformulação fundamental do sistema financeiro”. Como diferentes membros da organização têm objetivos concorrentes, manter-se acima da briga está ficando mais difícil. O mundo se tornou mais difícil de navegar, reconhece Cecilia Skingsley, chefe do BIS Innovation Hub. Mas ela diz que o BIS ainda tem um papel a desempenhar na resolução de problemas para todos os países “quase independentemente de outras pautas que eles tenham”.

Uma opção para os EUA e seus aliados é tentar dificultar novos sistemas de pagamento que competem com o dólar. Autoridades ocidentais alertaram o BIS que o projeto poderia ser mal utilizado por países com motivos malignos. O BIS desde então desacelerou seu trabalho no mBridge, de acordo com alguns ex-funcionários e consultores, e é improvável que admita novos membros no projeto.

Outra opção é melhorar o sistema baseado em dólar para que seja tão eficiente quanto os novos rivais. Em abril, o Fed de Nova York se juntou a seis outros bancos centrais em um projeto do BIS com o objetivo de tornar o sistema existente mais rápido e barato. O Federal Reserve também pode vincular seu sistema doméstico de pagamentos instantâneos àqueles de outros países. O SWIFT planeja conduzir testes de transações digitais no ano que vem, alavancando algumas de suas vantagens atuais, incluindo fortes efeitos de rede e confiança, diz Tom Zschach, seu chefe de inovação.

O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, participa de um evento para o cancelamento de dividas estudantis, em Madison, Wisconsin  Foto: Evan Vucci/AP

Qualquer sistema de pagamento rival dos BRICS ainda enfrentará enormes desafios. Garantir liquidez será difícil ou exigirá grandes subsídios governamentais implícitos. Se os fluxos subjacentes de capital e comércio entre dois países estiverem desequilibrados, o que geralmente acontece, eles terão que acumular ativos ou passivos nas moedas um do outro, o que pode ser desagradável. E para ampliar um sistema de moeda digital, os países devem concordar com regras complexas para governar a liquidação e o crime financeiro. É improvável que tal unanimidade saia vitoriosa em Kazan.

Por tudo isso, o esquema dos BRICS pode ter força. Há um amplo consenso de que os atuais pagamentos transnacionais são muito lentos e caros. Embora os países ricos tendam a se concentrar em torná-los mais rápidos, muitos outros querem derrubar o sistema atual completamente. Pelo menos 134 bancos centrais estão experimentando dinheiro digital, principalmente para fins domésticos, avalia o Atlantic Council, um think tank em Washington. O número trabalhando em tais moedas para transações transnacionais dobrou para 13 desde que a Rússia invadiu a Ucrânia.

A cúpula dos BRICS desta semana não é Bretton Woods. Tudo que a Rússia e seus amigos precisam fazer é mover um número relativamente pequeno de transações relacionadas a sanções para além do alcance dos Estados Unidos. Ainda assim, muitos estão mirando mais alto. No ano que vem, a cúpula dos BRICS será realizada no Brasil, recebida por seu presidente, Luiz Inácio Lula da Silva, que se queixa do poder do dólar. “Toda noite eu me pergunto por que todos os países têm que basear seu comércio no dólar”, ele disse no ano passado. “Quem foi que decidiu isso?” / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

Vladimir Putin, presidente da Rússia, estava animado em 22 de outubro quando recebeu líderes mundiais, incluindo Narendra Modi da Índia e Xi Jinping da China, na cúpula dos BRICS em Kazan, no rio Volga. No ano passado, quando o bloco se reuniu na África do Sul e se expandiu de cinco para dez membros, Putin teve que ficar em casa para evitar ser preso por um mandado emitido pelo Tribunal Penal Internacional em Haia. Desta vez, ele foi o anfitrião do clube em rápido crescimento que está desafiando o domínio da ordem liderada pelo Ocidente.

Agora em seu 15º ano juntos, os BRICS originais (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) conquistaram pouco. No entanto, Putin espera dar peso ao bloco, fazendo-o construir um novo sistema de pagamentos internacionais para atacar o domínio dos Estados Unidos nas finanças globais e proteger a Rússia e seus amigos das sanções. “Todos entendem que qualquer um pode ser submetido a sanções dos EUA ou de outros países ocidentais”, disse Sergei Lavrov, ministro das Relações Exteriores da Rússia, no mês passado.

Um sistema de pagamentos dos BRICS permitiria “operações econômicas sem depender daqueles que decidiram transformar dólar e euro em armas”. Este sistema, que a Rússia chama de “Ponte dos BRICS”, deve ser construído dentro de um ano e permitiria que os países conduzissem liquidações transnacionais usando plataformas digitais administradas por seus bancos centrais. Surpreendentemente, ele pode tomar emprestado conceitos de um projeto diferente chamado mBridge, parcialmente administrado por um bastião da ordem liderada pelo Ocidente, o Banco de Compensações Internacionais (BIS), sediado na Suíça.

O presidente da Rússia, Vladimir Putin, discursa na cúpula do BRICS, em Moscou, Rússia  Foto: Alexander Zemlianichenko/AP

As negociações elucidarão um pouco a corrida para refazer os circuitos financeiros do mundo. A China há muito aposta que a tecnologia de pagamentos — não uma rebelião de credores ou conflito armado — reduzirá o poder que os EUA derivam do fato de estarem no centro das finanças globais. O plano dos BRICS pode tornar as transações mais baratas e rápidas. Esses benefícios podem ser suficientes para atrair economias emergentes. Em um sinal de que o esquema tem potencial genuíno, as autoridades ocidentais estão cautelosas de que ele seja projetado para escapar de sanções. Alguns estão frustrados com o papel não intencional do BIS, conhecido como o banco central dos bancos centrais.

O domínio americano do sistema financeiro global, centrado no dólar, tem sido um pilar da ordem do pós-guerra e colocou os bancos americanos no centro dos pagamentos internacionais. Enviar dinheiro ao redor do mundo é um pouco como pegar um voo de longa distância; se dois aeroportos não estiverem conectados, os passageiros precisam trocar de voo, de preferência em um hub movimentado. No mundo dos pagamentos internacionais, o maior hub são os EUA.

A centralidade do dólar fornece o que Henry Farrell e Abraham Newman, dois acadêmicos, chamam de efeitos “panóptico” e de “ponto de estrangulamento”. Como quase todos os bancos que fazem transações em dólares têm que fazê-lo por meio de um banco correspondente nos EUA, o país é capaz de monitorar os fluxos em busca de sinais de financiamento terrorista e evasão de sanções. Isso fornece aos líderes americanos uma enorme alavanca de poder.

O presidente da Rússia, Vladimir Putin, bebe ao lado do presidente da China, Xi Jinping, na cúpula dos BRICS, em Kazan, Rússia  Foto: Alexander Zemlianichenko/AP

Após a invasão da Ucrânia pela Rússia em 2022, o Ocidente congelou US$ 282 bilhões em ativos russos mantidos no exterior e desconectou os bancos russos do SWIFT, que é usado por cerca de 11.000 bancos para pagamentos internacionais. Os EUA também ameaçaram “sanções secundárias” a bancos em outros países que apoiem o esforço de guerra da Rússia. Esse tsunami levou os bancos centrais a acumular ouro, e levou os adversários dos EUA a deixarem de usar o dólar para pagamentos, o que a China vê como uma de suas maiores vulnerabilidades.

Putin espera capitalizar essa insatisfação em relação ao dólar na cúpula dos BRICS. Para ele, criar um novo esquema é uma prioridade prática urgente, bem como uma estratégia geopolítica. Os mercados de câmbio da Rússia agora negociam quase exclusivamente em yuans, mas, como o país não consegue obter o suficiente dessa moeda para pagar todas as suas importações, a Rússia foi reduzida às trocas.

Putin quer que a cúpula avance os planos para o BRICS Bridge, um sistema de pagamentos que usaria dinheiro digital emitido por bancos centrais e apoiado por moedas fiduciárias. Isso colocaria bancos centrais no meio de transações transnacionais, e não bancos correspondentes com acesso ao sistema de compensação de dólares nos EUA. A maior vantagem para ele é que nenhum país poderia impor sanções a outro. A mídia estatal chinesa diz que o novo plano dos BRICS “provavelmente se baseará nas lições aprendidas” com o mBridge, uma plataforma de pagamentos experimental desenvolvida pelo BIS junto com os bancos centrais da China, Hong Kong, Tailândia e Emirados Árabes Unidos.

O presidente da China, Xi Jinping, e o presidente da Rússia, Vladimir Putin, conversam durante a cúpula dos BRICS, em Kazan, Rússia  Foto: Maxim Shemetov/AP

O experimento do BIS foi inocente em seus objetivos e teve início em 2019, antes da invasão em larga escala da Rússia. Ele tem sido incrivelmente bem-sucedido, de acordo com várias pessoas envolvidas no projeto. Poderia reduzir o tempo de transação de dias para segundos e os custos de transação para quase nada. Em junho, o BIS disse que o mBridge havia atingido o “estágio mínimo de produto viável” e o banco central da Arábia Saudita se juntou como um quinto parceiro no esquema. Esta semana, uma autoridade dos Emirados disse que a plataforma já processou centenas de transações no valor total de bilhões de dólares — um valor que está crescendo rapidamente. Ao criar um sistema que poderia ser mais eficiente do que o atual — e que enfraqueceria o domínio do dólar — o BIS involuntariamente entrou em um campo minado geopolítico.

“Se alguém está fazendo transações fora do sistema do dólar por razões políticas, queremos que isso seja mais caro para eles do que o sistema do dólar”, diz Jay Shambaugh, um funcionário do Departamento do Tesouro. Os ganhos de eficiência de novos tipos de dinheiro digital podem corroer o uso do dólar no comércio internacional, de acordo com o Fed. Reciprocamente, eles poderiam impulsionar a moeda da China. Falando com banqueiros e autoridades sobre o mBridge em setembro, um funcionário de Hong Kong disse que ele “oferece outra oportunidade para permitir o uso mais fácil do renminbi em pagamentos internacionais, e Hong Kong deve se beneficiar como um centro offshore”.

A maioria dos pagamentos internacionais é em dólares e normalmente ocorre em uma cadeia de bancos intermediários. Em vez disso, o projeto mBridge depende de bancos centrais e lhes dá visibilidade e algum controle sobre os bancos nacionais e sobre o uso de suas moedas digitais por bancos estrangeiros. Na etapa 1, um banco que envia um pagamento internacional trocaria a moeda normal (A$) por uma moeda digital (e-A$) emitida diretamente pelo banco central. Na etapa 2, o banco a trocaria por uma moeda digital estrangeira (e-B$), que enviaria na etapa 3. O banco estrangeiro trocaria isso de volta para dinheiro normal na etapa 4.

É possível que os conceitos e o código do mBridge sejam replicados pelos BRICS, China ou Rússia? O BIS sem dúvida vê o mBridge como um projeto conjunto e acredita que tem a palavra final a respeito de quem pode participar. No entanto, algumas autoridades ocidentais dizem que os participantes do teste do mBridge podem ser capazes de repassar o capital intelectual que ele envolve para outros, incluindo participantes do BRICS Bridge. De acordo com várias fontes, a China assumiu a liderança no software e código por trás do projeto mBridge. O Banco Popular da China (PBOC), o banco central chinês, lidera seu subcomitê de tecnologia e, de acordo com comentários feitos por um funcionário do BIS em 2023, seu livro-razão digital “foi construído pelo” PBOC. Talvez essa tecnologia e know-how pudessem ser usados para construir um sistema paralelo além do alcance do BIS ou de seus membros ocidentais. O BIS se recusou a comentar quaisquer semelhanças entre seu experimento e o plano de Putin.

A incursão dos BRICS na corrida de pagamentos revela os novos desafios geopolíticos enfrentados por organizações multilaterais. Em uma reunião do grupo G20 de grandes economias em 2020, o BIS recebeu a tarefa de melhorar o sistema existente e, a pedido da China, de experimentar moedas digitais. No início deste ano, Agustín Carstens, seu chefe, pediu “arquiteturas inteiramente novas” e uma “reformulação fundamental do sistema financeiro”. Como diferentes membros da organização têm objetivos concorrentes, manter-se acima da briga está ficando mais difícil. O mundo se tornou mais difícil de navegar, reconhece Cecilia Skingsley, chefe do BIS Innovation Hub. Mas ela diz que o BIS ainda tem um papel a desempenhar na resolução de problemas para todos os países “quase independentemente de outras pautas que eles tenham”.

Uma opção para os EUA e seus aliados é tentar dificultar novos sistemas de pagamento que competem com o dólar. Autoridades ocidentais alertaram o BIS que o projeto poderia ser mal utilizado por países com motivos malignos. O BIS desde então desacelerou seu trabalho no mBridge, de acordo com alguns ex-funcionários e consultores, e é improvável que admita novos membros no projeto.

Outra opção é melhorar o sistema baseado em dólar para que seja tão eficiente quanto os novos rivais. Em abril, o Fed de Nova York se juntou a seis outros bancos centrais em um projeto do BIS com o objetivo de tornar o sistema existente mais rápido e barato. O Federal Reserve também pode vincular seu sistema doméstico de pagamentos instantâneos àqueles de outros países. O SWIFT planeja conduzir testes de transações digitais no ano que vem, alavancando algumas de suas vantagens atuais, incluindo fortes efeitos de rede e confiança, diz Tom Zschach, seu chefe de inovação.

O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, participa de um evento para o cancelamento de dividas estudantis, em Madison, Wisconsin  Foto: Evan Vucci/AP

Qualquer sistema de pagamento rival dos BRICS ainda enfrentará enormes desafios. Garantir liquidez será difícil ou exigirá grandes subsídios governamentais implícitos. Se os fluxos subjacentes de capital e comércio entre dois países estiverem desequilibrados, o que geralmente acontece, eles terão que acumular ativos ou passivos nas moedas um do outro, o que pode ser desagradável. E para ampliar um sistema de moeda digital, os países devem concordar com regras complexas para governar a liquidação e o crime financeiro. É improvável que tal unanimidade saia vitoriosa em Kazan.

Por tudo isso, o esquema dos BRICS pode ter força. Há um amplo consenso de que os atuais pagamentos transnacionais são muito lentos e caros. Embora os países ricos tendam a se concentrar em torná-los mais rápidos, muitos outros querem derrubar o sistema atual completamente. Pelo menos 134 bancos centrais estão experimentando dinheiro digital, principalmente para fins domésticos, avalia o Atlantic Council, um think tank em Washington. O número trabalhando em tais moedas para transações transnacionais dobrou para 13 desde que a Rússia invadiu a Ucrânia.

A cúpula dos BRICS desta semana não é Bretton Woods. Tudo que a Rússia e seus amigos precisam fazer é mover um número relativamente pequeno de transações relacionadas a sanções para além do alcance dos Estados Unidos. Ainda assim, muitos estão mirando mais alto. No ano que vem, a cúpula dos BRICS será realizada no Brasil, recebida por seu presidente, Luiz Inácio Lula da Silva, que se queixa do poder do dólar. “Toda noite eu me pergunto por que todos os países têm que basear seu comércio no dólar”, ele disse no ano passado. “Quem foi que decidiu isso?” / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

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