Há cinco meses, o presidente russo Vladimir Putin e o ditador norte-coreano Kim Jong-un assinaram um acordo de defesa mútua e cooperação que aprofundou os laços entre Rússia e Coreia do Norte. Agora, soldados norte-coreanos se encontram na Rússia para auxiliar o país na guerra na Ucrânia, de acordo com informações dos Estados Unidos nesta quarta-feira, 23.
Ao informar a presença das tropas norte-coreanas na Rússia, o secretário de Defesa americano, Lloyd Austin III, afirmou que a cooperação escala a guerra de forma “muito séria” e ecoa tanto na Europa quanto na Ásia. “O que exatamente estão fazendo? Vamos ver”, declarou Austin a repórteres em uma base militar na Itália. O secretário não deu números de tropas que estão em solo russo ou devem chegar nos próximos dias.
A agência de inteligência da Coreia do Sul informou que as tropas norte-coreanas começaram a chegar na região do extremo leste da Rússia no início deste mês, em navios da Marinha russa. Eles estimam a presença de 3 mil soldados, com a expectativa de chegar a 10 mil até o fim do ano. As tropas auxiliariam a Rússia em uma guerra que deixou mais de 600 mil soldados russos mortos em dois anos e meio.
Moscou e Pyongyang negam as alegações. Até o momento, não há informações concretas de que soldados norte-coreanos estejam em campo de batalha.
A Coreia do Norte tem um dos maiores exércitos do mundo, com 1,2 milhão de soldados, mas não luta em uma guerra desde a Guerra da Coreia, entre 1950 e 1953. Durante décadas o governo norte-coreano alegou que o aumento militar possuía a finalidade de dissuasão de guerra com a Coreia do Sul, com quem tem uma trégua, mas não um acordo de paz definitivo. O envio de tropas para a Ucrânia seria a primeira intervenção em larga escala da Coreia do Norte em uma guerra no exterior.
Relações entre Coreia do Norte e Rússia
Como a Coreia do Norte ajuda a Rússia na guerra?
O acordo de defesa entre a Rússia e a Coreia do Norte ofereceu a Putin a garantia de que Kim Jong-un iria repor o arsenal russo, cada vez menor após os dois anos de guerra com a Ucrânia.
Segundo autoridades sul-coreanas, a Coreia do Norte enviou para a Rússia mais de 13 mil contêineres com munição de artilharia, foguetes antitanque e mísseis balísticos de curto alcance desde agosto de 2023. Oficiais e técnicos norte-coreanos também foram para a Rússia para ajudá-los a operar as armas e a coletar dados sobre o desempenho dos mísseis, especialmente contra os sistemas ocidentais de defesa aérea.
Agora, segundo a inteligência sul-coreana, 1,5 mil soldados de operações especiais da Coreia do Norte teriam ido para a cidade de Vladivostok em navios da marinha russa entre os dias 8 e 13 deste mês. De lá, teriam partido para Ussurisk, Khabarosvk e Blagoveschensk, recebido uniformes militares russos, documentos falsos e armas. Eles se passariam por russos nascidos no leste da Sibéria, que possuem traços asiáticos.
A Coreia do Sul também divulgou imagens de satélite que mostram supostos movimentos de embarcações da Marinha russa próximos de um porto da Coreia do Norte e uma reunião de soldados norte-coreanos em Ussurisk e Khabarovsk. “É esperado que as tropas sejam enviadas para as linhas de frente (da Ucrânia) assim que concluírem o treinamento de adaptação”, declarou a agência de inteligência sul-coreana.
Segundo as informações, Pyongyang também estaria preparada para enviar mais tropas em apoio à Rússia. O tráfego de aviões comerciais entre a capital norte-coreana e Vladivostok se tornou frequente, acrescentou.
O que a Coreia do Norte e a Rússia pretendem?
Putin quer repor as baixas que a Rússia sofreu no front da Ucrânia. “Isso indica que a Rússia pode estar em mais problemas do que a maioria das pessoas imagina”, disse Lloyd Austin.
“Ele (Putin) passou de solicitar dinheiro no início para obter armas e equipamentos da Coreia do Norte, depois do Irã, e agora se movimenta para obter mais tropas, se for esse o caso, se as tropas estiverem projetadas para se juntar ao front da Ucrânia”, acrescentou o secretário de defesa americano.
A Coreia do Norte foi um dos poucos países a apoiar publicamente a invasão russa na Ucrânia. O apoio forneceu a Kim Jong-un uma oportunidade para traçar uma estratégia diplomática após o colapso das negociações com o ex-presidente americano Donald Trump. Em troca, Putin deu a garantia de vetar novas tentativas dos EUA de impor novas sanções a Pyongyang no Conselho de Segurança da ONU. A Rússia também passaria a minar as sanções existentes.
O país também passou a negociar o petróleo russo, o que facilita a sustentação da posição anti-Ocidente, de acordo com as autoridades sul-coreanas.
O acordo de cooperação entre os dois países não deixa claro, no entanto, se a Rússia vai auxiliar a Coreia do Norte no desenvolvimento tecnológico e nos programas nucleares e de mísseis balísticos. Pyongyang, apesar dos seis testes nucleares e lançamento de diversos mísseis este ano, ainda não tem a tecnologia necessária para desenvolver mísseis com capacidade de atingir alvos nos Estados Unidos.
Segundo analistas, ao enviar tropas em auxílio da Rússia, a Coreia do Norte imita o gesto da Coreia do Sul durante a Guerra do Vietnã. Na época, Seul consolidou a aliança com Washington ao comprometer quase 320 mil soldados para o conflito, o maior contingente que já lutou ao lado de forças americanas. Em troca, Washington auxiliou a modernizar o Exército sul-coreano e estimulou o crescimento econômico do país com a oferta de empréstimos com juros baixos.
Como o mundo respondeu?
Moscou e Pyongyang negaram a existência de um acordo de armas e os relatos de tropas norte-coreanas na Rússia.
A Coreia do Sul considerou os laços militares entre Moscou e Pyongyang uma “grave ameaça à segurança” e violação de resoluções da ONU que proíbem a cooperação militar de qualquer nação-membro com a Coreia do Norte. O presidente sul-coreano, Yoon Suk Yeol, acusou a ditadura norte-coreana de “levar os jovens a uma guerra injustificável com mercenários”.
O governo sul-coreano também ameaçou responder à cooperação com medidas que incluem o envio de armas para a Ucrânia, segundo autoridades afirmam em anonimato. Até o momento, Seul limitou o apoio à Ucrânia com ajuda humanitária, financeira e equipamentos militares não-letais, como detectores de minas.