BRASÍLIA - O ministro da Defesa Civil da Suécia, Carl-Oskar Bohlin, afirmou em entrevista ao Estadão que a retirada completa das tropas russas de território ucraniano é uma condição para que se chegue a um acordo de paz no Leste Europeu. Segundo o ministro sueco, a Ucrânia não pode baixar as armas, sob o risco de ser totalmente tomada pela Rússia e eliminada.
“A Rússia deve se retirar imediatamente e incondicionalmente de todo o território ucraniano. Qualquer discussão deve seguir com essa base”, disse Bohlin, durante sua passagem pelo Brasil, nesta terça-feira, dia 9. “A única maneira de acabar com a guerra, é forçar a Rússia a depor as armas. Se a Ucrânia baixar as armas, ela deixará de existir. Porque aí a Rússia vai tomar todo o país.”
O ministro afirmou que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com quem se encontrou, é considerado um amigo de longa data na Suécia, e esquivou-se de comentar as recentes declarações do líder brasileiro sobre o conflito militar. Lula disse que líderes dos Estados Unidos e da Europa incentivavam o prolongamento da guerra, ao apoiar a defesa da Ucrânia.
A fala foi interpretada em Washington e Bruxelas como sinais favoráveis ao discurso da Rússia. Atualmente, a Suécia exerce a presidência rotativa da União Europeia. Segundo Bohlin, o envio de caças Gripen de fabricação sueca, para defesa aérea de Kiev, não vai ocorrer no curto prazo e deve ser discutido por todo o bloco, em conjunto. Leia trechos da entrevista:
Como foi seu encontro com o presidente Lula?
Tivemos um encontro muito frutífero, que sublinha como nossa cooperação é importante para os dois países. O presidente foi visitar as instalações onde o caça Gripen vai ser fabricado, em Gavião Peixoto. Foi uma honra estar presente como representante do governo sueco, mostrando que se trata de uma relação entre dois países. Ela começou em 2009, quando Lula lançou a parceria estratégica com a Suécia. Lula é visto como um amigo de longa data da Suécia. Foi o que ele disse quando pude conversar com ele, o que eu agradeço muito. A parceria estratégica entre os países alcançou um marco, estamos celebrando o lançamento da fábrica para a produção do Gripen.
O senhor falou na amizade e na parceira estratégica. Como as declarações recentes de Lula sobre a guerra na Ucrânia afetam essa parceria?
A posição da Suécia a respeito da agressão russa à Ucrânia não é segredo para ninguém. A Rússia deve sair da Ucrânia, incondicionalmente. Eles estão violando e mostrando um desprezo sem limites pelo Direito Internacional. Eles estão agredindo um país que não tem nenhum outro interesse que não seja garantir sua integridade estrutural e territorial. A despeito das declarações de Lula, o que tenho satisfação de dizer que o Brasil votou a favor da resolução dizendo que a Rússia tem que se retirar da Ucrânia, sem impor condições. É importante. O Brasil foi o único país dos BRICS a fazer isso, e isso é algo que vemos de forma positiva.
O presidente Lula disse durante a viagem à China e aos Emirados Árabes que a União Europeia e os Estados Unidos incentivam a guerra, que os presidentes Volodmir Zelenski e Vladimir Putin não querem parar a guerra e têm responsabilidades conjuntas. Qual a visão do governo sueco sobre isso?
Temos que separar as coisas. Nossa posição é clara. Houve muitas declarações, como a que você menciona, não quero entrar em detalhes sobre elas. Mas, eu entendo que, quando chegamos ao que interessa, o Brasil apoiou as resoluções das Nações Unidas em defesa do Direito Internacional, o que foi positivo.
O senhor pode conversar sobre isso com Lula?
Tivemos muitas conversas, mas foi um encontro muito amigável e ficou claro para todos que a relação entre Brasil e Suécia é muito forte e frutífera para todos. Quero destacar isso.
Para além dos votos nas Nações Unidas, Lula fala em mediar a paz. Gostaria de saber sua visão sobre isso.
Esse seria um assunto para nosso chanceler comentar.
A Europa aceitaria que a Rússia ficasse com a Crimeia, num acordo eventual para estabelecer a paz? Pergunto porque Lula chegou a sugerir que a Ucrânia deveria considerar essa opção.
A Rússia deve se retirar imediatamente e incondicionalmente de todo o território ucraniano. Isso está claro na resolução das Nações Unidas. E o Brasil votou a favor. Qualquer discussão deve seguir com essa base. O agressor deve ir embora, deve abandonar o território ocupado. É a posição sueca. Nós fornecemos apoio militar e enviamos ajuda humanitária para que a Ucrânia tenha condições de fazer o agressor recuar.
O Brasil recusou um pedido da Alemanha para fornecer munição à Ucrânia e agora recebeu um pedido de venda de blindados Guarani. O Brasil deveria atender?
Esse é uma questão para a política externa brasileira. Eu poderia falar sobre o que a Suécia faz.
Autoridades da Ucrânia já disseram publicamente que seria muito importante e ficariam agradecidos se recebessem caças suecos Gripen. Não foram enviados, não é?
Não enviamos caças, mas mandamos blindados, tanques e peças de artilharia. A respeito dos caças, essa é uma discussão que deveria ser feita pela União Europeia como um todo. E teremos que fazer isso de uma maneira que seja possível e eficaz. Nós não dissemos que enviaríamos caças para a Ucrânia, mas também não dissemos que não. Nada está descartado.
Então ainda é possível enviar caças Gripen para Ucrânia, que eles sejam colocados em combate?
No curto prazo, não seria possível. Mas não descartamos no longo prazo.
Quantos caças Gripen a Ucrânia pediu?
Não posso revelar os números específicos.
Quão importante é a defesa da Ucrânia para a realidade mundial atualmente?
O que está acontecendo na Ucrânia agora traz o risco de desestabilizar toda a Europa. Ucrânia está trava uma luta que preocupa todo o continente. Estamos ansiosos em fornecer apoio e estamos fazendo isso. Se a Rússia vencer essa agressão, isso estabeleceria uma ordem baseada em regras... Haveria um desequilíbrio. E nos colaria em um novo mundo. Não queremos ver isso acontecer. Nós nos opomos fortemente à Rússia tentar ultrapassar o território de outro país pela força, é um desrespeito sem limites ao Direito Internacional. E somos defensores da Carta das Nações Unidas.
Do ponto de vista europeu, qual seria o maior risco, uma paz mal calculada ou o prolongamento da guerra?
Claro que queremos a paz, ninguém quer a guerra se arraste por mais um único dia. Mas a única maneira de acabar com a guerra, é forçar a Rússia a depor as armas. Se a Ucrânia baixar as armas, ela deixará de existir. Porque aí a Rússia vai tomar todo o país. E jamais poderemos aceitar isso. É muito importante dizer isso: a paz só pode ser alcançada se a Rússia parar a agressão. Não houve agressão do lado ucraniano. Eles estão tentando defender o território deles, que foi ilegalmente atacado.
A Suécia pediu ingresso na Otan e haverá uma cúpula do tratado no mês de junho. Pelo que vi será difícil que o país se torne membro até lá. Como está o andamento do processo?
Nós pedimos para ingressar na Otan, com um acordo trilateral, com a Turquia e a Finlândia. Cumprimos a nossa parte e estamos aguardando a ratificação de todos os Estados-membros. Agora restam dois Estados-membros: Turquia e Hungria. Esperamos que ocorra o mais rápido possível. A Hungria nunca mostrou discordância, nem pediu que fizéssemos nada. Esperamos que a Turquia ratifique nossa adesão o quanto antes. As eleições na Turquia estão chegando e espero que logo depois o país ratifique nossa adesão à Otan.
Como o ingresso na Otan muda sua capacidade de defesa, após a guerra na Ucrânia, que foi o estopim para o pedido de adesão da Suécia e da Finlândia, abandonando a neutralidade?
O conceito básico na Otan é ter mais força a partir da parceria entre os membros. A Suécia tem muito a agregar à Otan, temos uma defesa militar e civil muito capaz.
E como o ingresso da Suécia, que é uma importante fabricante de armas e equipamentos de Defesa, afeta o equilíbrio de forças militares na Europa, já que Putin usou como pretexto para invadir a Ucrânia a expansão da Otan?
Você tem que seguir a linha do tempo aqui. A expansão da Otan surge como consequência de Putin ter cruzado a fronteira da Ucrânia. Havia muito pouca discussão, na Suécia e na Finlândia, sobre participar da Otan, antes de dezembro de 2017, quando a Rússia fez muitas demandas à Suécia e à Finlândia, dizendo que estávamos na esfera de influência russa, que não tínhamos o direito de ter nossa própria política externa. A invasão em larga escala ocorreu em 24 de fevereiro de 2022 e, depois disso, Suécia e Finlândia decidiram que o melhor para sua segurança era se tornarem membros da Otan, por causa da invasão à Ucrânia. A Rússia não pode fingir que a expansão da Otan criou essa situação.
Existem negociações em andamento para o Brasil adquirir mais quatro caças, além dos 36 previstos no contrato inicial. E a Aeronáutica brasileira fala na necessidade de ter ao menos mais 30 caças. Como estão essas negociações, por que nada foi mencionado?
Não quero entrar em detalhes. Esperamos que o Brasil continue a comprar mais caças Gripen e a ampliar sua Força Aérea. Queremos que mais países na América do Sul comprem o Gripen. O Brasil teria um papel muito importante sendo o hub desse projeto, o geraria oportunidades de emprego aqui, porque os aviões seriam efetivamente fabricados no Brasil, em larga escala. Isso criaria um hub de tecnologia e produção dentro do Brasil, tornando possível exportar para outros países na América do Sul.
O senhor disse países. Sabemos que a Colômbia tem planos de aquisição de caças e avalia a opção do Gripen. Quais seriam os outros países?
Não quero citar nenhum país, nem descartar nada. Mas como você sabe existe interesse da Colômbia e esperamos que eles escolham o Gripen.
Houve certa frustração quando os colombianos anunciaram uma possível opção pelo caça francês Rafale, mas depois retomaram o processo. Qual seria o papel do Brasil e quando eles devem decidir?
Não posso abrir detalhes, mas o Brasil teria um papel fundamental, porque as aeronaves seriam desenvolvidas e produzidas em larga escala aqui. Isso não seria possível sem a parceria estratégica entre Brasil e Suécia. O Brasil está contribuindo em grande parte no desenvolvimento o projeto do Gripen, há intercâmbio profundo entre engenheiros de ambos os países. Nada disso seria possível sem esse hub que estabelecemos no Brasil.
Houve alguma chance de discutir alguma outra cooperação?
A Saab (fabricante do Gripen) firmou um memorando de entendimentos com a Embraer para cooperação no desenvolvimento uma aeronave de transporte, o KC-390. Muitos países estão considerando comprar esse avião, o que é positivo. A Suécia está avaliando suas capacidades estratégicas de transporte, dentro da Força Aérea. Não tomamos nenhuma decisão ainda, mas uma das opções que consideramos é o KC-390.
De quantos aviões KC-390 estamos falando? E quando essa decisão deve ser tomada?
Ainda não sabemos quantos seriam, não temos ainda um orçamento definido para compra de mais aeronaves de transporte para a Força Aérea Sueca. Temos diferentes opções, e o KC-390 é uma delas. Estamos na fase inicial de avaliações. Seria difícil dar um prazo nesse momento.