Quanto devemos nos preocupar com ameaça nuclear de Putin? Leia análise


A ameaça nuclear sempre esteve ligada ao desespero russo no conflito com a Ucrânia, e a iniciativa de Putin foi sem dúvida um ato de desespero

Por Ross Douthat*
Atualização:

Num banquete em 1985 para celebrar o 30º aniversário da revista National Review, com a presença de Ronald Reagan, William F. Buckley Jr. fez um discurso sobre o poder de dissuasão nuclear americano e a disposição do presidente americano de fazer uso dele.

Essas armas e essa disposição, declarou, protegeram a liberdade americana ao longo da Guerra Fria, para que gerações futuras pudessem olhar para trás e ficar gratas porque “diante da ameaça das trevas, elas demonstraram a mesma coragem que seus antepassados”.

Algumas décadas mais tarde, após a morte de Reagan, Buckley escreveria que havia mudado de opinião. Ele agora pensava que “se o momento crítico tivesse chegado”, Reagan “na realidade não teria lançado nossas grandes bombas, não importa o que a União Soviética tivesse feito”.

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Imagem do teste da maior bomba de hidrogênio feita pela União Soviética em 1961. Após Guerra Fria, temores de uma guerra nuclear volta com ameaças da Rússia Foto: Rosatom

Essa história corresponde à evolução geral na visão que as pessoas têm da Presidência de Reagan. Enquanto presidente, ele foi amado ou temido como líder de linha dura e belicista; hoje, é cada vez mais lembrado como pacificador. Mas a história também ilustra a profunda incerteza inerente a cada tentativa de analisar ou traçar previsões sobre a utilização de armas nucleares.

Ao longo de quase oito décadas, a possibilidade de guerra nuclear tem sido ligada a cálculos estratégicos complexos, embutida em sistemas de comando e controle e sujeita a exercícios de guerra exaustivos. Mas toda análise também envolve fatores humanos insondáveis: diante da crise, do momento terrível, que escolha fará um ator humano com poder decisivo?

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Vale a pena refletir sobre esse problema porque o mundo provavelmente está mais perto de ver armas nucleares sendo postas em ação hoje do que esteve em qualquer ponto em décadas. E exatamente quão perto está talvez dependa dos estados mentais insondáveis do ditador russo.

Em um sentido, o discurso do presidente Vladimir Putin anunciando uma mobilização pode ter afastado um pouco o perigo nuclear, já que o comprometeu com o aprofundamento do conflito convencional. Mas a ameaça nuclear sempre esteve ligada ao desespero russo nesse conflito, e a iniciativa de Putin foi sem dúvida um ato de desespero.

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A profunda impopularidade da medida promete tornar o governo de Putin muito mais vulnerável internamente. Além disso, não promete nenhuma certeza de vitória militar. Na melhor das hipóteses, a mobilização pode ajudar a Rússia a conservar suas conquistas limitadas, que já tiveram custo muito alto. Na pior, vai apenas levar recrutas miseráveis a uma frente de guerra em colapso.

E o discurso da mobilização foi explícito ao prometer que um colapso total simplesmente não será permitido, nem que para isso seja preciso empregar armas nucleares. Ao anunciar a realização de referendos nas regiões ocupadas da Ucrânia, Putin essencialmente estava declarando que a Rússia pretende absorver essas regiões e fazê-las parte de seu território. Ao prometer defender o território russo “com todos os meios que temos à disposição”, ele prometeu defender as conquistas com, no mínimo, ataques nucleares táticos.

Isso cria uma dinâmica incomumente perigosa. Não estamos numa situação tradicional de equilíbrio de terror, em que as superpotências nucleares estão ameaçando uma à outra com retaliação e o maior perigo é o tipo de erro de cálculo ou simples acidente que nos trouxe para perto do precipício algumas vezes.

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Em vez disso temos um conflito ativo em que uma potência não nuclear está tentando conquistar uma vitória com forças convencionais, enquanto o outro lado procura traçar um limite que, se for transposto, resultará no uso de armas nucleares. Quer dizer que, se a guerra seguir em sua trajetória atual, esse lado terá que demonstrar se está blefando ou não. Terá que fazer uma escolha imediata: partir para a opção nuclear ou reconhecer a derrota.

Os paralelos mais próximos da Guerra Fria podem ser o desejo de Fidel Castro por armas nucleares soviéticas para defender seu regime contra uma invasão ou o pedido de Douglas MacArthur de autorização para usar armas nucleares para impedir uma derrota americana na Guerra da Coreia. Ambos foram casos como o atual, em que não se contemplava um enfrentamento nuclear completamente destrutivo do tipo “Dr. Strangelove” (“Dr. Fantástico”), mas uma intervenção tática para prevenir uma derrota convencional.

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Só que nesse caso há o detalhe adicional de que os tomadores-chave das decisões se veem mais imediatamente ameaçados —no sentido do perigo para sua sobrevivência no poder e, em última análise, até sua sobrevivência física— pela perspectiva de sofrerem uma derrota convencional do que os EUA estavam pela perspectiva de uma derrota na Coreia ou a União Soviética de Fidel ser derrubado.

Isso não quer dizer que devemos esperar que Putin use armas nucleares (e não está claro, julgando pela cadeia de comando russo, até que ponto tal decisão seria tomada unicamente por ele). A insensatez mundialmente histórica de tal decisão encerraria as próprias consequências de possível fim de seu regime: a possibilidade de escalada para uma guerra com a Otan, o abandono total da Rússia pelos aliados incertos que ainda lhe restam ou o colapso total de sua economia.

É razoável apostar que Putin ou seu regime piscariam, mesmo confrontados com uma derrota.

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Mas não se fazem apostas com guerra nuclear do mesmo modo que se aposta em outras possibilidades. Suponhamos que houvesse “apenas” 20% de chance de o tabu nuclear ser quebrado: ainda assim seria um número assustador, não tranquilizador. Embora os belicistas ocidentais no que diz respeito à Ucrânia —que hoje tendem a fazer pouco caso do risco nuclear— já terem acertado muitos palpites, uma das coisas mais importantes sobre as quais acertaram foi que o Putin envelhecido hoje é mais um apostador insensato, ideologicamente motivado, que um estadista que raciocina com frieza.

O que isso significa para o perigo nuclear? Nada de positivo.

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Medida foi tomada no país pela última vez na 2ª Guerra, quatro regiões controladas por Moscou na Ucrânia anunciaram referendos para integração a Rússia

Assim, volto ao argumento que venho apresentando na guerra: o apoio dos EUA à Ucrânia é bom e é necessário, mas há um ponto no qual os objetivos de Kiev e os interesses de Washington podem divergir, e a combinação de avanços militares ucranianos com ameaças nucleares russas traz isso para mais perto: o ponto no qual ucranianos vão querer lutar para recuperar o país inteiro, enquanto nós necessitamos de negociação e contenção.

Digo isso entendendo que Kiev pode estar disposta a aceitar um grau incomum de risco nuclear, até mesmo a absorver um ataque, em nome de sua integridade territorial. Numa batalha por liberdade, os ucranianos, como Buckley, querem que seus filhos possam olhar para trás e dizer que, no momento da crise maior, eles demonstraram a mesma coragem que seus antepassados.

Porém, do mesmo modo como o horror que Reagan sentia pela guerra nuclear acabou sendo fundamental para seu legado, as políticas do presidente Joe Biden —até agora bem-sucedidas— serão julgadas não apenas pelo que fizerem pelos ucranianos em guerra, mas pela paz do mundo inteiro.

* Colunista do New York Times, é autor de ‘To Change the Church: Pope Francis and the Future of Catholicism’ e ex-editor na revista The Atlantic

Num banquete em 1985 para celebrar o 30º aniversário da revista National Review, com a presença de Ronald Reagan, William F. Buckley Jr. fez um discurso sobre o poder de dissuasão nuclear americano e a disposição do presidente americano de fazer uso dele.

Essas armas e essa disposição, declarou, protegeram a liberdade americana ao longo da Guerra Fria, para que gerações futuras pudessem olhar para trás e ficar gratas porque “diante da ameaça das trevas, elas demonstraram a mesma coragem que seus antepassados”.

Algumas décadas mais tarde, após a morte de Reagan, Buckley escreveria que havia mudado de opinião. Ele agora pensava que “se o momento crítico tivesse chegado”, Reagan “na realidade não teria lançado nossas grandes bombas, não importa o que a União Soviética tivesse feito”.

Imagem do teste da maior bomba de hidrogênio feita pela União Soviética em 1961. Após Guerra Fria, temores de uma guerra nuclear volta com ameaças da Rússia Foto: Rosatom

Essa história corresponde à evolução geral na visão que as pessoas têm da Presidência de Reagan. Enquanto presidente, ele foi amado ou temido como líder de linha dura e belicista; hoje, é cada vez mais lembrado como pacificador. Mas a história também ilustra a profunda incerteza inerente a cada tentativa de analisar ou traçar previsões sobre a utilização de armas nucleares.

Ao longo de quase oito décadas, a possibilidade de guerra nuclear tem sido ligada a cálculos estratégicos complexos, embutida em sistemas de comando e controle e sujeita a exercícios de guerra exaustivos. Mas toda análise também envolve fatores humanos insondáveis: diante da crise, do momento terrível, que escolha fará um ator humano com poder decisivo?

Vale a pena refletir sobre esse problema porque o mundo provavelmente está mais perto de ver armas nucleares sendo postas em ação hoje do que esteve em qualquer ponto em décadas. E exatamente quão perto está talvez dependa dos estados mentais insondáveis do ditador russo.

Em um sentido, o discurso do presidente Vladimir Putin anunciando uma mobilização pode ter afastado um pouco o perigo nuclear, já que o comprometeu com o aprofundamento do conflito convencional. Mas a ameaça nuclear sempre esteve ligada ao desespero russo nesse conflito, e a iniciativa de Putin foi sem dúvida um ato de desespero.

A profunda impopularidade da medida promete tornar o governo de Putin muito mais vulnerável internamente. Além disso, não promete nenhuma certeza de vitória militar. Na melhor das hipóteses, a mobilização pode ajudar a Rússia a conservar suas conquistas limitadas, que já tiveram custo muito alto. Na pior, vai apenas levar recrutas miseráveis a uma frente de guerra em colapso.

E o discurso da mobilização foi explícito ao prometer que um colapso total simplesmente não será permitido, nem que para isso seja preciso empregar armas nucleares. Ao anunciar a realização de referendos nas regiões ocupadas da Ucrânia, Putin essencialmente estava declarando que a Rússia pretende absorver essas regiões e fazê-las parte de seu território. Ao prometer defender o território russo “com todos os meios que temos à disposição”, ele prometeu defender as conquistas com, no mínimo, ataques nucleares táticos.

Isso cria uma dinâmica incomumente perigosa. Não estamos numa situação tradicional de equilíbrio de terror, em que as superpotências nucleares estão ameaçando uma à outra com retaliação e o maior perigo é o tipo de erro de cálculo ou simples acidente que nos trouxe para perto do precipício algumas vezes.

Em vez disso temos um conflito ativo em que uma potência não nuclear está tentando conquistar uma vitória com forças convencionais, enquanto o outro lado procura traçar um limite que, se for transposto, resultará no uso de armas nucleares. Quer dizer que, se a guerra seguir em sua trajetória atual, esse lado terá que demonstrar se está blefando ou não. Terá que fazer uma escolha imediata: partir para a opção nuclear ou reconhecer a derrota.

Os paralelos mais próximos da Guerra Fria podem ser o desejo de Fidel Castro por armas nucleares soviéticas para defender seu regime contra uma invasão ou o pedido de Douglas MacArthur de autorização para usar armas nucleares para impedir uma derrota americana na Guerra da Coreia. Ambos foram casos como o atual, em que não se contemplava um enfrentamento nuclear completamente destrutivo do tipo “Dr. Strangelove” (“Dr. Fantástico”), mas uma intervenção tática para prevenir uma derrota convencional.

Só que nesse caso há o detalhe adicional de que os tomadores-chave das decisões se veem mais imediatamente ameaçados —no sentido do perigo para sua sobrevivência no poder e, em última análise, até sua sobrevivência física— pela perspectiva de sofrerem uma derrota convencional do que os EUA estavam pela perspectiva de uma derrota na Coreia ou a União Soviética de Fidel ser derrubado.

Isso não quer dizer que devemos esperar que Putin use armas nucleares (e não está claro, julgando pela cadeia de comando russo, até que ponto tal decisão seria tomada unicamente por ele). A insensatez mundialmente histórica de tal decisão encerraria as próprias consequências de possível fim de seu regime: a possibilidade de escalada para uma guerra com a Otan, o abandono total da Rússia pelos aliados incertos que ainda lhe restam ou o colapso total de sua economia.

É razoável apostar que Putin ou seu regime piscariam, mesmo confrontados com uma derrota.

Mas não se fazem apostas com guerra nuclear do mesmo modo que se aposta em outras possibilidades. Suponhamos que houvesse “apenas” 20% de chance de o tabu nuclear ser quebrado: ainda assim seria um número assustador, não tranquilizador. Embora os belicistas ocidentais no que diz respeito à Ucrânia —que hoje tendem a fazer pouco caso do risco nuclear— já terem acertado muitos palpites, uma das coisas mais importantes sobre as quais acertaram foi que o Putin envelhecido hoje é mais um apostador insensato, ideologicamente motivado, que um estadista que raciocina com frieza.

O que isso significa para o perigo nuclear? Nada de positivo.

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Medida foi tomada no país pela última vez na 2ª Guerra, quatro regiões controladas por Moscou na Ucrânia anunciaram referendos para integração a Rússia

Assim, volto ao argumento que venho apresentando na guerra: o apoio dos EUA à Ucrânia é bom e é necessário, mas há um ponto no qual os objetivos de Kiev e os interesses de Washington podem divergir, e a combinação de avanços militares ucranianos com ameaças nucleares russas traz isso para mais perto: o ponto no qual ucranianos vão querer lutar para recuperar o país inteiro, enquanto nós necessitamos de negociação e contenção.

Digo isso entendendo que Kiev pode estar disposta a aceitar um grau incomum de risco nuclear, até mesmo a absorver um ataque, em nome de sua integridade territorial. Numa batalha por liberdade, os ucranianos, como Buckley, querem que seus filhos possam olhar para trás e dizer que, no momento da crise maior, eles demonstraram a mesma coragem que seus antepassados.

Porém, do mesmo modo como o horror que Reagan sentia pela guerra nuclear acabou sendo fundamental para seu legado, as políticas do presidente Joe Biden —até agora bem-sucedidas— serão julgadas não apenas pelo que fizerem pelos ucranianos em guerra, mas pela paz do mundo inteiro.

* Colunista do New York Times, é autor de ‘To Change the Church: Pope Francis and the Future of Catholicism’ e ex-editor na revista The Atlantic

Num banquete em 1985 para celebrar o 30º aniversário da revista National Review, com a presença de Ronald Reagan, William F. Buckley Jr. fez um discurso sobre o poder de dissuasão nuclear americano e a disposição do presidente americano de fazer uso dele.

Essas armas e essa disposição, declarou, protegeram a liberdade americana ao longo da Guerra Fria, para que gerações futuras pudessem olhar para trás e ficar gratas porque “diante da ameaça das trevas, elas demonstraram a mesma coragem que seus antepassados”.

Algumas décadas mais tarde, após a morte de Reagan, Buckley escreveria que havia mudado de opinião. Ele agora pensava que “se o momento crítico tivesse chegado”, Reagan “na realidade não teria lançado nossas grandes bombas, não importa o que a União Soviética tivesse feito”.

Imagem do teste da maior bomba de hidrogênio feita pela União Soviética em 1961. Após Guerra Fria, temores de uma guerra nuclear volta com ameaças da Rússia Foto: Rosatom

Essa história corresponde à evolução geral na visão que as pessoas têm da Presidência de Reagan. Enquanto presidente, ele foi amado ou temido como líder de linha dura e belicista; hoje, é cada vez mais lembrado como pacificador. Mas a história também ilustra a profunda incerteza inerente a cada tentativa de analisar ou traçar previsões sobre a utilização de armas nucleares.

Ao longo de quase oito décadas, a possibilidade de guerra nuclear tem sido ligada a cálculos estratégicos complexos, embutida em sistemas de comando e controle e sujeita a exercícios de guerra exaustivos. Mas toda análise também envolve fatores humanos insondáveis: diante da crise, do momento terrível, que escolha fará um ator humano com poder decisivo?

Vale a pena refletir sobre esse problema porque o mundo provavelmente está mais perto de ver armas nucleares sendo postas em ação hoje do que esteve em qualquer ponto em décadas. E exatamente quão perto está talvez dependa dos estados mentais insondáveis do ditador russo.

Em um sentido, o discurso do presidente Vladimir Putin anunciando uma mobilização pode ter afastado um pouco o perigo nuclear, já que o comprometeu com o aprofundamento do conflito convencional. Mas a ameaça nuclear sempre esteve ligada ao desespero russo nesse conflito, e a iniciativa de Putin foi sem dúvida um ato de desespero.

A profunda impopularidade da medida promete tornar o governo de Putin muito mais vulnerável internamente. Além disso, não promete nenhuma certeza de vitória militar. Na melhor das hipóteses, a mobilização pode ajudar a Rússia a conservar suas conquistas limitadas, que já tiveram custo muito alto. Na pior, vai apenas levar recrutas miseráveis a uma frente de guerra em colapso.

E o discurso da mobilização foi explícito ao prometer que um colapso total simplesmente não será permitido, nem que para isso seja preciso empregar armas nucleares. Ao anunciar a realização de referendos nas regiões ocupadas da Ucrânia, Putin essencialmente estava declarando que a Rússia pretende absorver essas regiões e fazê-las parte de seu território. Ao prometer defender o território russo “com todos os meios que temos à disposição”, ele prometeu defender as conquistas com, no mínimo, ataques nucleares táticos.

Isso cria uma dinâmica incomumente perigosa. Não estamos numa situação tradicional de equilíbrio de terror, em que as superpotências nucleares estão ameaçando uma à outra com retaliação e o maior perigo é o tipo de erro de cálculo ou simples acidente que nos trouxe para perto do precipício algumas vezes.

Em vez disso temos um conflito ativo em que uma potência não nuclear está tentando conquistar uma vitória com forças convencionais, enquanto o outro lado procura traçar um limite que, se for transposto, resultará no uso de armas nucleares. Quer dizer que, se a guerra seguir em sua trajetória atual, esse lado terá que demonstrar se está blefando ou não. Terá que fazer uma escolha imediata: partir para a opção nuclear ou reconhecer a derrota.

Os paralelos mais próximos da Guerra Fria podem ser o desejo de Fidel Castro por armas nucleares soviéticas para defender seu regime contra uma invasão ou o pedido de Douglas MacArthur de autorização para usar armas nucleares para impedir uma derrota americana na Guerra da Coreia. Ambos foram casos como o atual, em que não se contemplava um enfrentamento nuclear completamente destrutivo do tipo “Dr. Strangelove” (“Dr. Fantástico”), mas uma intervenção tática para prevenir uma derrota convencional.

Só que nesse caso há o detalhe adicional de que os tomadores-chave das decisões se veem mais imediatamente ameaçados —no sentido do perigo para sua sobrevivência no poder e, em última análise, até sua sobrevivência física— pela perspectiva de sofrerem uma derrota convencional do que os EUA estavam pela perspectiva de uma derrota na Coreia ou a União Soviética de Fidel ser derrubado.

Isso não quer dizer que devemos esperar que Putin use armas nucleares (e não está claro, julgando pela cadeia de comando russo, até que ponto tal decisão seria tomada unicamente por ele). A insensatez mundialmente histórica de tal decisão encerraria as próprias consequências de possível fim de seu regime: a possibilidade de escalada para uma guerra com a Otan, o abandono total da Rússia pelos aliados incertos que ainda lhe restam ou o colapso total de sua economia.

É razoável apostar que Putin ou seu regime piscariam, mesmo confrontados com uma derrota.

Mas não se fazem apostas com guerra nuclear do mesmo modo que se aposta em outras possibilidades. Suponhamos que houvesse “apenas” 20% de chance de o tabu nuclear ser quebrado: ainda assim seria um número assustador, não tranquilizador. Embora os belicistas ocidentais no que diz respeito à Ucrânia —que hoje tendem a fazer pouco caso do risco nuclear— já terem acertado muitos palpites, uma das coisas mais importantes sobre as quais acertaram foi que o Putin envelhecido hoje é mais um apostador insensato, ideologicamente motivado, que um estadista que raciocina com frieza.

O que isso significa para o perigo nuclear? Nada de positivo.

Seu navegador não suporta esse video.

Medida foi tomada no país pela última vez na 2ª Guerra, quatro regiões controladas por Moscou na Ucrânia anunciaram referendos para integração a Rússia

Assim, volto ao argumento que venho apresentando na guerra: o apoio dos EUA à Ucrânia é bom e é necessário, mas há um ponto no qual os objetivos de Kiev e os interesses de Washington podem divergir, e a combinação de avanços militares ucranianos com ameaças nucleares russas traz isso para mais perto: o ponto no qual ucranianos vão querer lutar para recuperar o país inteiro, enquanto nós necessitamos de negociação e contenção.

Digo isso entendendo que Kiev pode estar disposta a aceitar um grau incomum de risco nuclear, até mesmo a absorver um ataque, em nome de sua integridade territorial. Numa batalha por liberdade, os ucranianos, como Buckley, querem que seus filhos possam olhar para trás e dizer que, no momento da crise maior, eles demonstraram a mesma coragem que seus antepassados.

Porém, do mesmo modo como o horror que Reagan sentia pela guerra nuclear acabou sendo fundamental para seu legado, as políticas do presidente Joe Biden —até agora bem-sucedidas— serão julgadas não apenas pelo que fizerem pelos ucranianos em guerra, mas pela paz do mundo inteiro.

* Colunista do New York Times, é autor de ‘To Change the Church: Pope Francis and the Future of Catholicism’ e ex-editor na revista The Atlantic

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