CIDADE DO PANAMÁ - O número de migrantes que cruzou o Estreito de Darién, um perigoso trecho de selva que separa Colômbia e Panamá, aumentou para quase 250 mil nos primeiros sete meses de 2023, superando toda a cifra de 2022, que já havia sido um recorde. Condições econômicas e de segurança continuam jogando venezuelanos, equatorianos e outras nacionalidades na rota mais perigosa das Américas, apesar dos esforços dos Estados Unidos para conter o fluxo migratório em sua fronteira sul.
Segundo o Serviço Nacional de Imigração do Panamá, 248.901 migrantes utilizaram a rota terrestre entre a América do Sul e Central até 31 de julho deste ano, sendo que 21% deles eram crianças ou adolescentes. Este número é maior que do ano passado inteiro, quando 248.284 pessoas passaram pela selva, segundo dados do Serviço de Migração do governo do Panamá.
O aumento ocorre apesar de um acordo anunciado em abril entre os Estados Unidos, a Colômbia e o Panamá para oferecer alternativas à migração. Em um comunicado conjunto, esses países disseram que usariam “novos caminhos legais e flexíveis para dezenas de milhares de migrantes e refugiados como alternativa à migração irregular”. Também envolveu investimentos para reduzir a pobreza e criar empregos nas comunidades da fronteira colombiana e panamenha, presumivelmente para que menos pessoas trabalhem no contrabando de migrantes.
Este aumento é puxado por migrantes venezuelanos (136.650) que utilizam a inóspita selva para chegar à fronteira dos EUA com o México. Em seguida vêm os equatorianos (34.357) e os haitianos (34.082) - muitos, inclusive, saindo do Brasil. Julho foi o mês de 2023 em que mais pessoas cruzaram a perigosa fronteira com 52.530 migrantes, dos quais 11.926 eram menores de idade, segundo dados oficiais.
O número anunciado na última segunda-feira, 31, é o maior desde que há registros: em 2021, atravessaram a selva de Darién 133.726 pessoas; 6.465 em 2020; 22.102 em 2019; 9.222 em 2018; 6.780 em 2017; 30.055 em 2016 e 29.289 em 2015, quando houve um grande afluxo de cubanos.
Para entender
Crise humanitária crescente
O aumento do fluxo migratório pela região chamou atenção já em janeiro de 2022, quando o governo do Panamá contabilizou mais de 4 mil migrantes utilizando o caminho marcado por sequestros, roubos e pessoas perdidas na selva úmida.
Na época, especialistas explicaram ao Estadão que o endurecimento das regras migratórias dos Estados Unidos favoreceram a migração pela rota. Antes, muitos desses migrantes viajavam de avião até o México ou algum outro país mais próximo da fronteira americana. Mas Washington fez acordos com esses países para endurecer suas regras de vistos, tornando o preço, o tempo e a aprovação da viagem inviável para muitos deles.
Além disso, vídeos sobre a selva de Darién passaram a circular em muitas plataformas de mídias sociais, principalmente o TikTok, onde migrantes ou seus parentes compartilhavam informações sobre como se lançar na perigosa travessia.
As Nações Unidas projetam que, se o ritmo continuar, até 400.000 poderão cruzar o estreito até o final do ano. Estima-se que centenas de pessoas já tenham morrido na rota, mas é difícil precisar números de mortos e desaparecidos, alertou a agência da ONU para as migrações.
Em outubro do ano passado, em meio aos enormes fluxos de venezuelanos, os EUA limitaram o número de venezuelanos que poderiam entrar no país a 24 mil, passaram a exigir entrada legal por avião e um patrocinador dentro do país para mantê-los. A ação, tomada às pressas enquanto os migrantes continuavam a cruzar o Darién, fez com que vários venezuelanos ficassem retidos nos países da rota ou até fossem devolvidos ao México.
A ação levou a uma queda imediata no número de venezuelanos na selva, de 40 mil em outubro para menos de 700 em novembro - impactando menos as demais nacionalidades. Mas os números voltaram a subir já em fevereiro de 2023, com 7 mil venezuelanos na rota e para mais de 20 mil no mês seguinte.
Às vésperas da queda do Título 42 nos EUA, regra da época de Donald Trump que permitia a expulsão automática de quase todos aqueles que chegavam sem visto, os números explodiram novamente, para mais de 40 mil no total.
Selva inóspita
O que preocupa muitos especialistas é que, além da migração em si, cada vez mais famílias inteiras têm se lançado na selva. O fluxo começou em 2022 com um perfil muito claro de homens jovens e com boas condições de saúde para enfrentar uma selva úmida, com muita lama e caminhos perigosos cortados por rios que se enchem repentinamente.
No entanto, ao longo do tempo, o perfil começou a mudar para cada dia mais mulheres, crianças e pessoas idosas, que acabavam sofrendo com caminhadas mais longas, desidratação, violência sexual e roubos. A região é conhecida por abrigar muitos grupos criminosos que exploram a migração irregular.
Em média, a travessia pela selva dura de 7 a 10 dias, podendo durar até duas semanas para pessoas com mobilidade reduzida, como crianças e idosos. Ao chegar do outro lado, na cidade de Bajo Chiquito no Panamá, essas pessoas chegam em péssimas condições de saúde, segundo relatos dos Médicos Sem Fronteiras, que abriu um posto de acolhimento na região.
Ainda assim, eles seguem o caminho, atravessando outros países a pé e de ônibus até o México. A medida que se aproximam da América do Norte, a passagem e as rotas se tornam cada vez mais complexas, como um funil, afirmou Heydi González, do Programa Regional de Migrações da OIM, em entrevista à AFP.
De acordo com números das autoridades citados em outras ocasiões, este ano 40 mil crianças migrantes cruzaram a selva, incluindo algumas que se perderam ou foram encontradas junto ao corpo de suas mães.
Os motivos que levam essas pessoas a se lançarem na floresta são variados. No caso de venezuelanos, muitos estão fugindo da crise em seu país de origem e já possuem família ou conhecidos nos EUA que prometem ajudá-los no percurso e quando chegarem lá. Há também o caso de membros de família que migram na intenção de mandar mais dinheiro para casa na Venezuela.
Já para os equatorianos, segundo grupo mais frente na selva, o aumento da insegurança no Equador aparece como uma causa motivadora, junto com a crise econômica e política que atravessa o país.
“Estamos falando de pessoas que vivem um sofrimento inimaginável”, disse à AFP Martha Keays, diretora da Federação Internacional da Cruz Vermelha no Panamá./Carolina Marins, com AFP, EFE e AP