Mais de 53 mil pessoas que viviam no enclave de Nagorno-Karabakh saíram do local e se refugiaram na Armênia após o ataque surpresa do Azerbaijão na semana passada, segundo afirmou o governo armênio. Isso representa a saída de 4 a cada 10 pessoas da população do enclave, formada por 120 mil armênios até semana passada.
A operação militar, que começou no dia 19, dia da Assembleia-Geral da ONU, deixou mais de 400 mortos em ambos lados e destruiu a busca por independência dos militantes armênios. Além disso, quase 100 pessoas são consideradas desaparecidas no enclave após a explosão de um depósito de combustíveis na segunda-feira, que deixou 68 mortos e 290 feridos.
No dia anterior à explosão, dia 24, o Azerbaijão abriu a única estrada que interliga Nagorno-Karabakh e Armênia. Os separatistas se renderam no dia 20 e um cessar-fogo foi acordado, dando ao Azerbaijão o controle da região.
A Armênia, majoritariamente cristã, e o Azerbaijão, muçulmano, travaram duas guerras na região de Nagorno-Karabakh desde o colapso da União Soviética em 1991.
Em meio ao êxodo, os guardas de fronteira do Azerbaijão tentam detectar supostos “criminosos de guerra” entre os refugiados, afirmou à Agência France-Press uma fonte do governo de Baku. Um ex-líder separatista armênio, Ruben Varadanyan, que chefiou o governo separatista do enclave entre novembro de 2022 e fevereiro deste ano, foi detido indo para a Armênia pela estrada reaberta, disseram as autoridades do Azerbaijão.
Crise humanitária
O vilarejo armênio de Goris, próximo à fronteira entre os dois países, está quase irreconhecível com a chegada dos milhares de refugiados. É lá que a maioria faz a primeira parada. Centenas de veículos invadiram as ruas e o caos tem reinado, diante dos olhares atônitos de policiais com megafones na mão, incapazes de controlar o trânsito.
Muitos refugiados, famintos, passam a noite dentro de seus veículos e explicam que não tem onde dormir ou para onde ir na Armênia.
Alekhan Hambardzyumyan, de 72 anos, dorme em sua van desde que chegou a Goris. Conta que escapou por pouco de um bombardeio enquanto procurava o irmão, ferido no front de batalha em 20 de setembro. Está sozinho. Seu filho morreu nos últimos combates, que deixaram 213 separatistas armênios mortos de um lado e 192 soldados e 1 civil do Azerbaijão do outro. “Quero ir para Ierevan (capital da Armênia), mas não sei o que o Estado pode me oferecer”, disse.
O primeiro-ministro armênio, Nikol Pashinyan, disse estar disposto a acolher 40 mil refugiados no país, que tem 2,9 milhões de habitantes. Até o momento, no entanto, o governo conseguiu alojar apenas 2.850 pessoas, aumentando o temor de uma crise humanitária.
Descontentamento
Segundo o analista político Boris Navasardyan, a Armênia não tem recursos para administrar a chegada de milhares de refugiados e não vai conseguir sem ajuda externa. A situação, acrescenta o analista, vai repercutir gravemente no cenário político por causa do descontentamento generalizado.
Nos últimos dias foram registradas manifestações em Ierevan contra o primeiro-ministro, a quem parte da população acusa de adotar uma atitude passiva em relação ao Azerbaijão.
Nikol Pashinyan também precisa lidar com a Rússia, que tem uma importante base militar na Armênia, embora a influência de Moscou no Cáucaso tenha diminuído desde a invasão da Ucrânia.
O líder armênio culpou implicitamente a Rússia por não ter apoiado seu país de maneira suficiente, ao chamar as atuais alianças de Ierevan, especialmente com a Rússia, de “ineficazes”, o que o Kremlin rebateu.
O presidente do Azerbaijão, Ilham Aliyev, prometeu que os direitos dos armênios que decidirem permanecer no enclave, anexado ao país em 1921 pela União Soviética, serão “garantidos”.
Na terça-feira, o chefe da diplomacia americana, Antony Blinken, fez um apelo e pediu a proteção dos civis e, nesta quarta-feira, sua homóloga alemã, Annalena Baerbok, pediu a Baku que autorize a entrada de observadores internacionais no enclave. /AFP