A vice-presidente dos Estados Unidos, Kamala Harris, se tornou em agosto a candidata do Partido Democrata à presidência. A oficialização de sua candidatura ocorreu após meses de campanha para a reeleição do presidente Joe Biden, que desistiu da candidatura após um péssimo debate contra o ex-presidente e candidato republicano Donald Trump. Tim Walz é o companheiro de Kamala e concorre ao cargo de vice-presidente.
Kamala, de 60 anos, estava pronta até julho para concorrer mais uma vez à vice-presidência na chapa de Joe Biden, mas o desempenho questionável do atual presidente durante a campanha se refletiu nas pesquisas e mudou o cenário.
Com o tempo curto para a escolha de um novo candidato através das primárias, como é costume nos EUA, a vice-presidente conseguiu unir o Partido Democrata em torno de sua candidatura. Ela recebeu o apoio de Biden imediatamente após ele anunciar a desistência, evitando o desgaste de um processo mais longo.
A união em torno de Kamala fez com que a sua campanha arrecadasse cifras milionárias que podem fazer a diferença na eleição, sobretudo nos chamados swing-states, Estados-pêndulo em português, que alternam entre eleger republicanos e democratas, ao contrário da maioria dos Estados americanos.
Kamala foi promotora-geral da Califórnia, senadora e a primeira vice-presidente mulher e negra da história dos EUA. Como candidata à presidência, tenta se tornar a primeira mulher a ocupar o cargo.
Histórico
Kamala Harris, filha de imigrantes da Jamaica e da Índia, é pioneira desde o início de sua carreira política. Ela foi a primeira mulher a exercer o cargo de chefe da promotoria de São Francisco entre 2004 e 2010 e em seguida a primeira procuradora-geral da Califórnia, cargo que ocupou até 2017. Além de ser a primeira mulher, também foi a primeira pessoa negra a comandar o Judiciário do Estado mais povoado dos EUA.
A primeira vitória de Kamala Harris como candidata aconteceu em 2003, quando ela derrotou o procurador-geral da Califórnia que havia sido seu chefe.
O primeiro mandato no Senado, que começou em 2017, durante o governo de Donald Trump, foi definido por desempenhos tão contundentes em comissões que membros do governo reclamaram da velocidade de argumentação. “Não consigo ser tão rápido”, afirmou certa vez Jeff Sessions, então procurador-geral dos EUA. “Isso me deixa nervoso.”
Ao anunciar Kamala como candidata à vice-presidência em 2020, Biden disse aos apoiadores que ela era a pessoa mais preparada para “travar essa luta” com ele contra o então presidente Donald Trump. Isso abriu espaço para ela em uma campanha que teve a premissa de restaurar a decência americana.
O pioneirismo de Kamala expõe a disposição da democrata em abrir espaços em um país que não favorece mulheres negras. “Ela precisava ser experiente para encontrar uma maneira de fazer isso”, declarou o senador democrata Cory Booker, que conhece Kamala há mais de duas décadas. “Não havia nenhum caminho traçado para ela. Kamala teve que encontrá-lo através de um conjunto de obstáculos que a maioria das pessoas nas posições que ela ocupou nunca tiveram que lidar.”
Vida pública
A vida pública de Kamala Harris é marcada pela habilidade de negociar em círculos e pautas diversas entre si, sem ela nunca se sentir inteiramente presa a nenhum deles. A democrata sempre soube transitar tanto em círculos de ativistas quanto do status-quo.
A política participou das primárias democratas em 2020, mas deixou a disputa por falta de apoio. Apesar da saída antecipada da corrida eleitoral, os aliados mantiveram a crença inabalável em sua capacidade de liderar o partido no futuro.
Aqueles que a conhecem dizem que ela pode ser difícil de lidar, em parte porque ela é diferente de qualquer figura política anterior.
Quando candidata a promotora, Kamala era uma figura frequente em estacionamentos de supermercados, onde fazia campanha em uma tábua de passar roupa que colocava em cima do carro com materiais para distribuição. Também aparecia com frequências nos círculos sociais de São Francisco, com um caderno cheio de contatos para arrecadar fundos.
Às vezes, a democrata pode projetar um ar de indiferença, falar sobre culinária e hip-hop dos anos 90 como se você fosse um velho amigo. E frequentemente, adota um silêncio tão sustentado que até seus assessores em 2020 tiveram dificuldades em identificar suas posições em questões importantes para aquela campanha.
Cansada de ser pressionada a explicar suas experiências pessoais com racismo como algo inédito na história, ela se irritava com o tratamento midiático, de doadores e estrategistas políticos. “Estou realmente cansada de ter que explicar minhas experiências com racismo para as pessoas”, disse em uma entrevista em junho, “para que as pessoas entendam que ele existe”.
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Família
Para Kamala, o ativismo político é um direito de nascença. Seus avós maternos lutaram pela independência indiana do domínio britânico e educaram mulheres rurais sobre contracepção. Seus pais protestaram pelos direitos civis e de voto como estudantes de doutorado na Universidade da Califórnia.
Na infância, Kamala acompanhou os pais em protestos e marchas ao lado de uma multidão. Ela lembra esses dias com a memória de “um mar de pernas se movendo, da energia, dos gritos e cantos”.
Em casa, os pais de Kamala recebiam líderes de direitos civis e realizaram grupos de estudo semanais para discutir os livros de autores negros e líderes de movimentos antirracistas, que iam do antiapartheid na África do Sul à Malcolm X.
A democrata também esteve muito próxima à comunidade negra de Oakland, que se tornou o círculo familiar de sua mãe, que não tinha parentes nos EUA e que mais tarde se divorciou do pai de Kamala. Ela e a irmã mais nova faziam parte de um coro infantil de uma igreja de negros e estudaram artes no Rainbow Sign, um centro pioneiro de cultura afro-americana.
As duas também passaram um tempo em uma creche administrada por um vizinho, onde aprenderam sobre lideranças negras como Frederick Douglass, George Washington Carver e Sojourner Truth. “A razão pela qual tomei uma decisão muito consciente de me tornar uma promotora é porque sou filha de pessoas que, como as de hoje, estavam marchando e gritando nas ruas por justiça”, afirmou certa vez em entrevista. “Quando tomei a decisão de me tornar promotora, foi uma decisão muito consciente. E a decisão foi: vou tentar entrar no sistema, onde não preciso pedir permissão para mudar o que precisa ser mudado.”
Início da carreira
Nos anos 1990, Kamala ingressou no gabinete do promotor no condado de Alameda e, mais tarde, em São Francisco, onde supervisionou a unidade criminal. Seu chefe era um liberal da velha guarda, Terence Hallinan, que teve dificuldades de se manter no cargo à medida que Kamala vislumbrou o próprio futuro político.
Incentivada a desafiar Hallinan por colegas que disseram que o gabinete era mal administrado, Kamala se viu efetivamente com uma posição política mais à direita. Em 2003, dizia aos seus eleitores que não havia nada de progressista em ser “brando com o crime”.
A campanha de Kamala, no entanto, lidou com insinuações de que ela teria dívidas com um ex-namorado, o democrata Willie Brown, que era o prefeito de São Francisco na época – e apoiador de Kamala. A democrata rebateu expondo Hallinan, ao ponto de sugerir que não hesitaria em investigá-lo por corrupção pública.
Como vice-presidente, Kamala assumiu a dianteira em discussões importantes relacionadas a aborto, direito a votação e fronteira.
Após a Suprema Corte americana anular o precedente histórico de Roe vs Wade que garantia o direito ao aborto para todas as mulheres até 2022, ela se tornou a principal liderança do governo Biden sobre o assunto e pressionou o Congresso para que uma lei que garantisse estes direitos para as mulheres ao redor dos EUA fosse aprovada.
A vice-presidente se envolveu ativamente com questões relacionadas à fronteira, um dos pontos mais criticados da administração Biden. Trump tenta alinhar a imagem de Kamala com a má avaliação da condução democrata em relação ao tema. Em resposta, a política diz que apoiou uma legislação bipartidária que poderia ter reforçado a segurança na fronteira americana, mas a lei não foi aprovada por conta da oposição de Trump, que não queria que Biden ganhasse capital político com a medida.