A ativista iraniana Narges Mohammadi ,de 51 anos, foi a ganhadora do Nobel da Paz de 2023 pela sua luta pelos direitos das mulheres no Irã. Mesmo detida no país persa, Mohammadi foi uma das lideranças dos protestos contra o regime iraniano após a morte de Mahsa Amini em 2022, morta após ser detida pela polícia iraniana em Teerã sob a acusação de não usar o hijab, o véu que cobre os cabelos, de maneira adequada
“O prêmio da paz deste ano também reconhece as centenas de milhares de pessoas que, no ano anterior, se manifestaram contra as políticas de discriminação e opressão do regime teocrático do Irã contra as mulheres”, afirmou o comitê. “O lema adotado pelos manifestantes – ‘Mulher, Vida, Liberdade’ – expressa adequadamente a dedicação e o trabalho de Narges Mohammadi.”
O Comitê do Prêmio Nobel apontou que Mohammadi já foi presa 13 vezes no Irã e condenada a 31 anos de prisão por conta de seu ativismo. Ela é a 19ª mulher a ganhar o Prêmio Nobel da Paz e a segunda iraniana, depois que a ativista de direitos humanos Shirin Ebadi ganhou o prêmio em 2003.
“O apoio global e o reconhecimento da minha defesa dos direitos humanos fizeram com que eu fosse mais decidida, mais responsável, mais apaixonada e mais esperançosa”, disse Mohammadi numa declaração escrita ao The New York Times. “Também espero que este reconhecimento torne os iranianos que protestam pela mudança mais fortes e mais organizados. A vitória está próxima.”
Ativismo na prisão
Nos últimos 30 anos, o governo do Irã penalizou Mohammedi excessivamente pelo seu ativismo, privando a ganhadora do Nobel da Paz de sua carreira como engenheira, a sua saúde e o tempo com a família.
A última vez que Mohammadi ouviu as vozes de seus filhos gêmeos de 16 anos, Ali e Kiana, foi há mais de um ano. A última vez que ela segurou o filho e a filha nos braços foi há oito anos. Seu marido, Taghi Rahmani, 63 anos, também escritor e ativista que ficou preso por 14 anos no Irã, vive exilado na França com os gêmeos.
O sofrimento e a perda que ela sofreu não diminuíram a sua determinação em continuar a pressionar por mudanças.
Uma pequena janela na sua cela na ala feminina da prisão de Evin abre-se para uma vista das montanhas que rodeiam a prisão no norte de Teerã. A primavera trouxe mais chuva este ano e as colinas ficaram cobertas de flores silvestres.
“Sento-me em frente à janela todos os dias, olho para a vegetação e sonho com um Irã livre”, disse Mohammadi numa rara e não autorizada entrevista telefônica ao The New Yor Times de dentro de Evin, em abril. “Quanto mais me punem, mais me tiram, mais determinada fico a lutar até alcançarmos a democracia e a liberdade e nada menos.”
O New York Times também entrevistou Mohammadi por telefone em abril de 2022, quando o Irã concedeu a ela uma breve licença médica da prisão. Em março e abril deste ano, fez as estrevistas por escrito e através de um telefonema clandestino de dentro da prisão, arranjado por intermediários.
Em maio deste ano, as autoridades prisionais revogaram os direitos telefônicos e de visita de Mohammadi devido a declarações que ela emitiu na prisão condenando as violações dos direitos humanos no Irã.
Origem
Mohammadi cresceu na cidade de Zanjan, numa família de classe média. A família da sua mãe era envolvida com política e, depois da revolução islâmica de 1979, que derrubou a monarquia, um tio ativista e dois primos foram presos.
Duas memórias de infância, disse ela, a colocaram no caminho do ativismo: sua mãe enchendo uma cesta de compras de plástico vermelho com frutas todas as semanas para visitas à prisão com seu irmão, e sua mãe sentada no chão perto da tela da televisão para ouvir os nomes de prisioneiros executados todos os dias.
Certa tarde, o apresentador anunciou o nome do sobrinho. Os lamentos agudos da sua mãe e a forma como o seu corpo se dobrou de dor no tapete deixaram uma marca duradoura na menina de 9 anos.
Quando Mohammadi entrou na faculdade na cidade de Qazvin para estudar física nuclear, ela procurou ingressar em grupos de estudantes femininas, mas não existia nenhum. Então ela os fundou, primeiro um grupo de caminhadas para mulheres e depois um sobre engajamento cívico.
Na faculdade, conheceu o marido, uma figura bem conhecida nos círculos intelectuais do Irã, quando frequentou uma aula clandestina que ele ministrava sobre a sociedade civil. Quando ele a pediu em casamento, os pais dela disseram-lhe que um casamento político estava destinado à ruína. Rahmani passou seu primeiro aniversário de casamento em confinamento solitário.
O casal vivia em Teerã, onde Mohammadi criou, expandiu e fortaleceu organizações da sociedade civil que trabalhavam nos direitos das mulheres, nos direitos das minorias e na defesa de prisioneiros no corredor da morte.
Ela também escreveu colunas sobre os direitos das mulheres para jornais e – para obter uma renda confiável – trabalhou como engenheira para uma empresa de inspeção de edifícios. O governo forçou a empresa a demiti-la em 2008.
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Mahsa Amini
Desde setembro do ano passado, o ativismo do casal ganhou mais urgência. Uma revolta eclodiu em todo o Irã, exigindo o fim da República Islâmica. Os protestos foram desencadeados pela morte de Mahsa Amini, de 22 anos, que foi presa pela polícia iraniana sob a acusação de violar as regras do hijab no país persa.
Mesmo estando detida, Mohammadi liderou os protestos, condenando a repressão violenta do governo aos manifestantes, incluindo execuções, e exigindo que os líderes mundiais prestassem atenção à luta dos iranianos pela liberdade.
A ganhadora do Nobel da Paz sempre tratou a prisão como uma plataforma para o ativismo. Durante a revolta, ela organizou três protestos e manifestações e fez discursos no pátio da prisão. As mulheres cantaram e pintaram as paredes com slogans, prontamente apagados pelos guardas.
“Quando a prisão se prolonga por muitos anos, é preciso dar sentido à sua vida dentro do confinamento e manter vivo o amor”, disse Mohammadi. “Tenho que manter os olhos no horizonte e no futuro, mesmo que os muros da prisão sejam altos e próximos e bloqueiem a minha visão.”/ NY Times