Uma equipe de repórteres acompanhou Serhiy Zhadan, o principal poeta e astro do rock da Ucrânia, por vários meses, participando de concertos e leituras de poesia em Kiev, Ucrânia, e sua cidade natal, Kharkiv, e seguindo uma operação com a Brigada da Guarda Nacional de Khartia, na qual ele serve.
Quando o exército ucraniano passou por uma crise de recrutamento no início deste ano em meio a perdas crescentes no campo de batalha, uma das personalidades culturais mais populares do país deu um passo adiante e se alistou.
“Em algum momento, tornou-se desconfortável não se alistar”, disse Serhiy Zhadan, em uma entrevista em uma base militar em julho.
Admirado poeta, romancista, letrista e astro do rock na Ucrânia, Zhadan, 50 anos, se juntou em maio a uma brigada da Guarda Nacional local em sua cidade natal, Kharkiv, e começou um período de dois meses no campo de treinamento. No verão, ele estava servindo em uma unidade de engenharia na segunda linha de defesa.
Muitos de seus amigos já estavam lutando, disse ele a respeito da decisão de se alistar. “Também foi importante esse sentimento de que alguém está lutando em nosso nome em vez de lutarmos por nós mesmos, sendo que nós também podemos nos alistar.”
Exemplo
Embora tenha dito que não pretendia dar um exemplo, a decisão de Zhadan de se juntar ao exército ressoou em muitos, em diferentes gerações e nos amantes de suas palavras e músicas.
Ele é capaz de encher um ginásio esportivo ou um teatro de Kiev para leituras de poesia, como fez em algumas ocasiões neste verão, e sua banda de rock foi aclamada por fazer a melhor apresentação no festival de música Atlas, o maior da Ucrânia, em julho. Os lucros de suas apresentações vão para a compra de suprimentos médicos e outros equipamentos para os soldados.
Seus comandantes e amigos na Brigada da Guarda Nacional de Khartia ficaram felizes com o aumento do moral e a publicidade que sua presença trouxe. Faz tempo que ele é um apoiador e arrecadador de fundos para a brigada, e até deu a ela seu nome, que significa Carta, quando voluntários de Kharkiv a formaram em 2022.
Mas seus comandantes também estão conscientes da responsabilidade de manter em segurança um ícone nacional tão importante. Um blogueiro de guerra russo anunciou uma recompensa de US$ 5.000 por sua cabeça. Zhadan disse que não estava recebendo tratamento especial, mas que, em intervalos de seu treinamento, soldados e instrutores pediam para tirar selfies com ele.
Os poetas ocuparam um lugar especial na sociedade soviética e suas descendentes, eram confiáveis como dissidentes sob um sistema totalitário brutal e como bússolas morais e culturais na transição caótica após a dissolução da União Soviética.
Última geração soviética
Em seu trabalho, Zhadan buscou significado para o que ele chama de última geração soviética, pessoas como ele que cresceram na União Soviética e atingiram a maioridade quando a Ucrânia conquistou sua independência, participaram de anos de comícios e protestos pela democracia e agora estão combatendo em uma guerra.
Seus fãs, seja de sua poesia, música ou ambos, recorrem a ele em busca de sustento cultural.
“Todos nós precisamos de alimento para nossas almas”, disse Bohdan Beniuk, diretor do Teatro em Podil em Kiev, ao apresentar Zhadan em uma leitura de poesia em julho.
Seus shows de rock com a banda Zhadan i Sobaky (Zhadan e a matilha) lhe trouxeram popularidade adicional, especialmente entre os mais jovens. Suas canções, uma mistura de punk e jazz para as quais ele compõe as letras e a banda, a música, são anárquicas, cheias de palavrões e odes às drogas, álcool e rock ‘n’ roll. Mas elas também falam de amor e liberdade.
O conjunto de sua obra escrita — poesia e prosa abrangendo mais de três décadas, narrando sua própria evolução e a de sua geração — fez dele uma das figuras literárias contemporâneas mais importantes do país. Significativamente, ele é um poeta do leste da Ucrânia e deu voz ao povo das províncias fronteiriças do Donbass, que agora são amplamente ocupadas por forças russas e reivindicadas pelo presidente Vladimir Putin como parte da Rússia.
“Ele é um grande poeta”, disse Tamara Hundorova, professora do Instituto de Literatura da Academia de Ciências da Ucrânia e professora visitante nas Universidades de Princeton e Harvard, que no ano passado indicou Zhadan para o Prêmio Nobel de Literatura. “Ele é um verdadeiro poeta, mas também é um cidadão, ele está muito engajado neste momento tão difícil.”
Revitalização
A professora Hundorova, entre outros acadêmicos, credita a Zhadan a ajuda para revitalizar a língua ucraniana, principalmente com seu uso de gírias e palavrões, e a contribuição para um renascimento cultural, pegando o manto dos poetas futuristas ucranianos da década de 1920, que floresceram em Kharkiv, mas foram interrompidos pelos expurgos de Stalin.
Nascido em agosto de 1974, filho de um oficial do exército soviético, Zhadan cresceu em uma vila a sudeste de Kharkiv, perto da fronteira com a Rússia, e cursou o ensino médio na cidade vizinha de Starobilsk. A cidade, onde seu pai está enterrado, está sob ocupação russa desde 2022.
Ele estudou filologia na Universidade Pedagógica Nacional H.S. Skovoroda Kharkiv em Kharkiv, a segunda maior cidade da Ucrânia e sua antiga capital, e desde então mora lá. Após se formar, ele trabalhou como pesquisador no Museu Literário de Kharkiv e se juntou a um coletivo de jovens escritores.
A irmã mais nova de sua mãe, Oleksandra Kovalova, uma poetisa e tradutora, que foi proeminente no movimento de libertação nacional ucraniano em Kharkiv, foi uma influência em sua formação. Ela o levou a comícios políticos, o apresentou aos círculos literários e artísticos em Kharkiv e o ajudou a publicar seu primeiro volume de poesia.
Ele surgiu na cena literária aos 17 anos, “expondo sua alma corajosamente”, em 1991, o ano em que a Ucrânia conquistou a independência, disse a professora Hundorova em uma entrevista.
À frente do seu tempo, ele foi o primeiro a explorar o simbolismo de perder o país, a União Soviética, em que cresceu, e ver o colapso do mundo de seus pais, e de todas as certezas do sistema comunista — e, junto com isso, a autoridade da geração mais velha. Sua própria geração ele descreveu como sem lar e niilista, em constante migração.
Mais tarde, na idade adulta, ele experimentou um retorno ao lar, explorado em seu romance de 2010, “Voroshilovgrad”, redescobrindo uma profunda conexão com o “céu alto” e a “terra negra” do país e um sentimento de lealdade e pertencimento às regiões negligenciadas e pós-industriais do leste.
O romance, cujo título faz referência a um nome da era soviética para a cidade de Luhansk, no leste da Ucrânia, foi presciente, revelando os laços profundos que os ucranianos sentiam em relação à sua terra natal. Sua poesia também. Ele publicou poemas a respeito da guerra chegando à região dois anos inteiros antes de a Rússia começar sua interferência militar para anexar a Península da Crimeia e sua encenação de uma rebelião separatista no leste da Ucrânia.
Ele disse que a invasão em grande escala em 2022, quando as tropas russas chegaram perto de capturar a cidade de Kharkiv, roubou suas palavras no começo.
“O estresse era tão grande que tirava o fôlego”, disse ele. Mas a necessidade de escrever retornou depois de alguns meses. Ele continua prolífico, se detendo na dor, morte e separação, e na importância de registrar tudo isso.
Em poemas recentes traduzidos do ucraniano por Virlana Tkacz e Wanda Phipps, ele escreveu:
Eles não contaram o mais importante.
Não avisaram que a morte é limitada
Pelo silêncio que a acompanha.
Ele retomou o assunto em outro poema:
A única regra: enraizar-se,
Brotar.
A única chance: procurar um galho, agarrar-se a uma voz.
Não há mais nada.
Ninguém se lembrará de você pelo seu silêncio.
Só você sabe os nomes dos rios próximos.
Em uma manhã de julho, acompanhando com uma equipe de engenharia perto da linha de frente, ele expressou grande raiva contra a ocupação russa das províncias orientais da Ucrânia.
Ele disse que tinha amigos vivendo sob ocupação russa, que ficaram presos sem poder sair. Alguns foram detidos, alguns foram mortos e suas propriedades apreendidas, e um colega de classe acabou lutando e morrendo no lado russo, ele disse.
“No leste, a guerra corta todas as famílias”, ele disse.
No entanto, ele continua confiante de que a Ucrânia prevalecerá.
“Será um longo processo, mas acho que no final desse processo veremos um retorno das nossas fronteiras”, ele disse.
Para os russos, ele previu grande turbulência. “Com essa guerra, eles começaram uma destruição interna muito séria e irreversível”, ele disse. “Acho que estamos testemunhando esse colosso desmoronando.” / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL