Racismo na realeza: quem é a dama de honra de Elizabeth II afastada por ofender ativista negra


Susan Hussey serviu por mais de 60 anos na Casa de Windsor e esteve ao lado da rainha na morte do príncipe Philip, em 2021; após comentários racistas esta semana, ela pediu demissão

Por Karla Adam e William Booth

LONDRES — Por mais de 60 anos, Susan Hussey serviu como cortesã da realeza na Casa de Windsor. Ela foi a pessoa mais próxima da intimidade real, ascendendo ao título de “Mulher dos Aposentos” e apelidada de “Primeira da Turma”. Mas a derrocada de lady Susan — uma das confidentes mais chegadas à rainha Elizabeth II, madrinha do príncipe William — foi súbita e bastante pública.

Horas depois de uma diretora de instituição de caridade negra postar nas redes sociais que Hussey lhe perguntou — repetidas vezes — de onde ela era “realmente” durante uma conversa no Palácio de Buckingham, a cortesã renunciou à sua função na realeza.

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Quem é a mulher no centro do escândalo de racismo na realeza britânica? Ela cometeu um “abuso” verbal que refletiu visões racistas? Ou simplesmente agiu como uma idosa senil? Ele refletiu as atitudes do novo monarca britânico? Ou alguma excrescência do passado? Os britânicos debateram calorosamente o assunto nesta quinta-feira, 1º.

Imagem da família real britânica no Castelo de Windsor no dia 9 de março de 1997. Susan Hussey é a segunda da esquerda para a direita no topo Foto: John Stillwell/via AP

Hussey foi uma das mais longevas damas de honra da rainha na função — e bem possivelmente sua favorita, já que lhe foi concedido o título de “Mulher dos Aposentos”, o que significa efetivamente que ela era braço-direito da rainha.

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A função é honorífica e não remunerada — e nos tempos modernos tem pouco a ver com o quarto de dormir. Hussey começou a trabalhar no palácio em 1960. Como outras damas de honra, teria ajudado a rainha com a correspondência, cumprimentado convidados em eventos oficiais e acompanhado a monarca em compromissos da realeza dentro e fora do país. Afirmou-se que Hussey foi incumbida de ajudar recém-chegados a navegar através dos assuntos da família real.

A rainha ofereceu a Meghan Markle “os préstimos de sua dama de honra mais antiga, lady Susan Hussey”, escreveu Tina Brown em seu livro “The Palace Papers”. Brown também afirmou: “Ela era natural do período jurássico da etiqueta da corte e também foi ofertada para guiar (a princesa) Diana — que não a suportava”.

Hussey era claramente próxima aos Windsors. Foi nomeada madrinha de William quando ele nasceu, em 1982. Quando o príncipe Philip morreu, foi Hussey que acompanhou a rainha no funeral esvaziado de seu marido, cujo comparecimento foi limitado em razão de um lockdown anticovid.

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“Ela é muito alta, foi apelidada de ‘primeira da turma’ e é meio imponente, mas muito gentil. Foi muito próxima à rainha e a toda família real. Foi especialmente gentil, muito, muito gentil com Charles ao longo de toda a vida dele”, afirmou Ingrid Seward, editora da Majesty Magazine. Garotas ou garotos “primeiros da turma” nas escolas britânicas atuam como representantes de suas classes em ocasiões públicas.

“Eles são muito sensíveis a qualquer questão ligada ao racismo. Fiquei surpresa que não a tenham apoiado um pouco mais, provavelmente o fizeram nos bastidores”, acrescentou Seward. “Mas tradicionalmente ao longo da história, qualquer um que desagrade à família real está fora. Como o principe Philip sempre, sempre afirmou, ‘não se trata do indivíduo, se trata da instituição’.”

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Hussey nasceu em 1939, filha do 12.º conde de Waldegrave e Mary Hermione, condessa de Waldegrave. Seu marido, Marmaduke Hussey, foi presidente da BBC. Ele morreu em 2006.

O casal teve dois filhos. Sua filha, Katharine, seguiu os passos da mãe e tornou-se uma das seis “companhias oficiais” de Camilla, a rainha-consorte.

Hussey recebeu várias medalhas, incluindo algumas pelo extenso e fiel serviço à casa real. Quando Elizabeth morreu, o rei Charles III transferiu Hussey, para trabalhar com ele. Seu novo emprego, afirmou foi de dama “honorária”, que, juntamente com as companhias de Camilla, estaria lá para ajudar em grandes eventos no palácio. Elas “são destinadas a facilitar conversas, ser gentis com convidados, fazê-los sentir-se em casa”, afirmou Seward.

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Ativista negra Ngozi Fulani (à esq, com detalhe laranja no cabelo) durante uma recepção no Palácio de Buckingham oferecida pela rainha consorte Camilla, em imagem da terça-feira, 29 Foto: Kin Cheung/AP

Não foi essa a experiência de Ngozi Fulani, uma mulher negra britânica, diretora-executiva da entidade de caridade Sistah Space. Fulani compareceu a uma recepção no Palácio de Buckingham, na terça-feira, que reuniu ativistas em campanha pelo fim da violência contra mulheres e meninas.

Quando Hussey se aproximou de Fulani, perguntou-lhe repetidas vezes de onde ela era “realmente”. “Foi como um interrogatório, acho que é a única maneira que posso explicar. Ela foi determinada: ‘De onde você é? De onde é o seu povo?’”, disse Fulani à BBC Radio nesta quinta.

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“Tenho realmente de questionar como isso pode acontecer em um espaço que deveria proteger todas as mulheres contra todo tipo de violência”, afirmou Fulani. “Apesar de não ser violência física, isso é abuso.” Ela rejeitou pedidos de desculpas que atribuíram a culpa à idade de Hussey.

“Sejamos claros sobre o que isso é. Ouvi tantas sugestões de que isso teve a ver com a idade dela e coisas assim — o que considero um tipo de desrespeito, um certo etarismo”, afirmou Fulani.

Hussey ainda não se pronunciou publicamente, mas o palácio emitiu um comunicado afirmando: “A referida pessoa gostaria de expressar seu profundo pedido de desculpas pela mágoa causada e renunciou à sua função honorífica com efeito imediato”.

A idade de Hussey atraiu alguma atenção no Reino Unido — onde alguns afirmam que a altercação decorreu de um conflito geracional, sugerindo que britânicos idosos estão se ajustando a um país mais diverso.

Reverendo John Hall e Susan Hussey, dama de companhia da rainha, na Abadia de Westminster, Londres, em 27 de setembro de 2016 Foto: Hannah McKay / via AP

“Ela tem 83 anos” foi trending topic entre os usuários de redes sociais no Reino Unido na quinta-feira. Alguns afirmam que Hussey é de uma geração em que tais comentários — como de onde você é? — podem ser benignos em intenção, ou que ela nem sequer se deu conta; outros afirmam que idade não é desculpa para falar coisas que ofendem as pessoas.

“A partir de que idade, oficialmente, estamos autorizados a ser racistas?”, perguntou James O’Brien, apresentador da rádio LBC.

Outros não consideraram os comentários de Hussey racistas. Petronella Wyatt escreveu na revista semanal britânica The Spectator que em sua opinião Hussey estava sendo tratada injustamente, notando que o palácio classificou o incidente como “inaceitável”.

“Mas o que é mais ‘inaceitável’? Condenar publicamente e demitir uma senhora de 83 anos por ela demonstrar curiosidade pela origem de uma pessoa? Ou dispensar uma serva leal, idosa, com tamanha crueldade e pressa, sem nem sequer dar-lhe um tempo para arrumar as coisas? Acho a segunda pior. Mas vão me chamar de parcial. Conheço Susan Hussey desde que tenho 18 anos, e se ela é racista, eu sou uma fonte ornamental.”

Sunder Katwala, diretor do instituto de análise British Future, afirmou que não é incomum indivíduos de minorias étnicas ouvirem perguntas a respeito de suas origens. “Acontece com todo mundo, o tempo todo”, afirmou ele. “A diferença é a maneira que é feita a pergunta.”

A conversa no palácio, conforme relatada, afirmou ele, “passou uma sensação de afirmação de poder”. Ele afirmou que a pergunta “‘De onde você é' pode ser feita de maneira desrespeitosa e ofensiva. E também pode ser feita de maneira intencionalmente benigna, mas soar desrespeitosa”.

Halima Begum, diretora do instituto de análise Runnymede, que defende igualdade racial, afirmou: “A cortesã em questão nasceu nos anos 30 e é produto de um tempo-espaço definido pelo imperialismo britânico. Contudo, isso não é desculpa para o racismo, independentemente de ter ocorrido ou não dentro do palácio do rei em Londres.”

A controvérsia no Palácio de Buckingham ocorre enquanto o príncipe William e Catherine, a princesa de Gales, viajam aos Estados Unidos pela primeira vez em oito anos esperando revelar uma monarquia britânica jovem e vibrante, com foco em mudanças climáticas, justiça social e melhoria na saúde mental das pessoas.

Mas ocorre também no momento que o príncipe Harry e Meghan, a duquesa de Sussex, preparam-se para lançar um documentário no Netflix sobre sua decisão de abandonar a realeza — em parte por causa de sua sensação de que o palácio não apoiou Meghan e em razão de um membro da família real ter perguntado de que cor seria seu bebê.

Anteriormente esta semana, o governo britânico publicou detalhes de seu censo decenal, que revela um país cada vez mais diverso e secular. Pela primeira vez, menos da metade das pessoas na Inglaterra e no País de Gales se descreveu como cristã, e as porcentagens de muçulmanos e hindus autodeclarados cresceu. Sobre raça e etnia, o censo constatou que 82% dos habitantes da Inglaterra e do País de Gales se identificam como brancos, contra 86% uma década atrás. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

LONDRES — Por mais de 60 anos, Susan Hussey serviu como cortesã da realeza na Casa de Windsor. Ela foi a pessoa mais próxima da intimidade real, ascendendo ao título de “Mulher dos Aposentos” e apelidada de “Primeira da Turma”. Mas a derrocada de lady Susan — uma das confidentes mais chegadas à rainha Elizabeth II, madrinha do príncipe William — foi súbita e bastante pública.

Horas depois de uma diretora de instituição de caridade negra postar nas redes sociais que Hussey lhe perguntou — repetidas vezes — de onde ela era “realmente” durante uma conversa no Palácio de Buckingham, a cortesã renunciou à sua função na realeza.

Quem é a mulher no centro do escândalo de racismo na realeza britânica? Ela cometeu um “abuso” verbal que refletiu visões racistas? Ou simplesmente agiu como uma idosa senil? Ele refletiu as atitudes do novo monarca britânico? Ou alguma excrescência do passado? Os britânicos debateram calorosamente o assunto nesta quinta-feira, 1º.

Imagem da família real britânica no Castelo de Windsor no dia 9 de março de 1997. Susan Hussey é a segunda da esquerda para a direita no topo Foto: John Stillwell/via AP

Hussey foi uma das mais longevas damas de honra da rainha na função — e bem possivelmente sua favorita, já que lhe foi concedido o título de “Mulher dos Aposentos”, o que significa efetivamente que ela era braço-direito da rainha.

A função é honorífica e não remunerada — e nos tempos modernos tem pouco a ver com o quarto de dormir. Hussey começou a trabalhar no palácio em 1960. Como outras damas de honra, teria ajudado a rainha com a correspondência, cumprimentado convidados em eventos oficiais e acompanhado a monarca em compromissos da realeza dentro e fora do país. Afirmou-se que Hussey foi incumbida de ajudar recém-chegados a navegar através dos assuntos da família real.

A rainha ofereceu a Meghan Markle “os préstimos de sua dama de honra mais antiga, lady Susan Hussey”, escreveu Tina Brown em seu livro “The Palace Papers”. Brown também afirmou: “Ela era natural do período jurássico da etiqueta da corte e também foi ofertada para guiar (a princesa) Diana — que não a suportava”.

Hussey era claramente próxima aos Windsors. Foi nomeada madrinha de William quando ele nasceu, em 1982. Quando o príncipe Philip morreu, foi Hussey que acompanhou a rainha no funeral esvaziado de seu marido, cujo comparecimento foi limitado em razão de um lockdown anticovid.

“Ela é muito alta, foi apelidada de ‘primeira da turma’ e é meio imponente, mas muito gentil. Foi muito próxima à rainha e a toda família real. Foi especialmente gentil, muito, muito gentil com Charles ao longo de toda a vida dele”, afirmou Ingrid Seward, editora da Majesty Magazine. Garotas ou garotos “primeiros da turma” nas escolas britânicas atuam como representantes de suas classes em ocasiões públicas.

“Eles são muito sensíveis a qualquer questão ligada ao racismo. Fiquei surpresa que não a tenham apoiado um pouco mais, provavelmente o fizeram nos bastidores”, acrescentou Seward. “Mas tradicionalmente ao longo da história, qualquer um que desagrade à família real está fora. Como o principe Philip sempre, sempre afirmou, ‘não se trata do indivíduo, se trata da instituição’.”

Hussey nasceu em 1939, filha do 12.º conde de Waldegrave e Mary Hermione, condessa de Waldegrave. Seu marido, Marmaduke Hussey, foi presidente da BBC. Ele morreu em 2006.

O casal teve dois filhos. Sua filha, Katharine, seguiu os passos da mãe e tornou-se uma das seis “companhias oficiais” de Camilla, a rainha-consorte.

Hussey recebeu várias medalhas, incluindo algumas pelo extenso e fiel serviço à casa real. Quando Elizabeth morreu, o rei Charles III transferiu Hussey, para trabalhar com ele. Seu novo emprego, afirmou foi de dama “honorária”, que, juntamente com as companhias de Camilla, estaria lá para ajudar em grandes eventos no palácio. Elas “são destinadas a facilitar conversas, ser gentis com convidados, fazê-los sentir-se em casa”, afirmou Seward.

Ativista negra Ngozi Fulani (à esq, com detalhe laranja no cabelo) durante uma recepção no Palácio de Buckingham oferecida pela rainha consorte Camilla, em imagem da terça-feira, 29 Foto: Kin Cheung/AP

Não foi essa a experiência de Ngozi Fulani, uma mulher negra britânica, diretora-executiva da entidade de caridade Sistah Space. Fulani compareceu a uma recepção no Palácio de Buckingham, na terça-feira, que reuniu ativistas em campanha pelo fim da violência contra mulheres e meninas.

Quando Hussey se aproximou de Fulani, perguntou-lhe repetidas vezes de onde ela era “realmente”. “Foi como um interrogatório, acho que é a única maneira que posso explicar. Ela foi determinada: ‘De onde você é? De onde é o seu povo?’”, disse Fulani à BBC Radio nesta quinta.

“Tenho realmente de questionar como isso pode acontecer em um espaço que deveria proteger todas as mulheres contra todo tipo de violência”, afirmou Fulani. “Apesar de não ser violência física, isso é abuso.” Ela rejeitou pedidos de desculpas que atribuíram a culpa à idade de Hussey.

“Sejamos claros sobre o que isso é. Ouvi tantas sugestões de que isso teve a ver com a idade dela e coisas assim — o que considero um tipo de desrespeito, um certo etarismo”, afirmou Fulani.

Hussey ainda não se pronunciou publicamente, mas o palácio emitiu um comunicado afirmando: “A referida pessoa gostaria de expressar seu profundo pedido de desculpas pela mágoa causada e renunciou à sua função honorífica com efeito imediato”.

A idade de Hussey atraiu alguma atenção no Reino Unido — onde alguns afirmam que a altercação decorreu de um conflito geracional, sugerindo que britânicos idosos estão se ajustando a um país mais diverso.

Reverendo John Hall e Susan Hussey, dama de companhia da rainha, na Abadia de Westminster, Londres, em 27 de setembro de 2016 Foto: Hannah McKay / via AP

“Ela tem 83 anos” foi trending topic entre os usuários de redes sociais no Reino Unido na quinta-feira. Alguns afirmam que Hussey é de uma geração em que tais comentários — como de onde você é? — podem ser benignos em intenção, ou que ela nem sequer se deu conta; outros afirmam que idade não é desculpa para falar coisas que ofendem as pessoas.

“A partir de que idade, oficialmente, estamos autorizados a ser racistas?”, perguntou James O’Brien, apresentador da rádio LBC.

Outros não consideraram os comentários de Hussey racistas. Petronella Wyatt escreveu na revista semanal britânica The Spectator que em sua opinião Hussey estava sendo tratada injustamente, notando que o palácio classificou o incidente como “inaceitável”.

“Mas o que é mais ‘inaceitável’? Condenar publicamente e demitir uma senhora de 83 anos por ela demonstrar curiosidade pela origem de uma pessoa? Ou dispensar uma serva leal, idosa, com tamanha crueldade e pressa, sem nem sequer dar-lhe um tempo para arrumar as coisas? Acho a segunda pior. Mas vão me chamar de parcial. Conheço Susan Hussey desde que tenho 18 anos, e se ela é racista, eu sou uma fonte ornamental.”

Sunder Katwala, diretor do instituto de análise British Future, afirmou que não é incomum indivíduos de minorias étnicas ouvirem perguntas a respeito de suas origens. “Acontece com todo mundo, o tempo todo”, afirmou ele. “A diferença é a maneira que é feita a pergunta.”

A conversa no palácio, conforme relatada, afirmou ele, “passou uma sensação de afirmação de poder”. Ele afirmou que a pergunta “‘De onde você é' pode ser feita de maneira desrespeitosa e ofensiva. E também pode ser feita de maneira intencionalmente benigna, mas soar desrespeitosa”.

Halima Begum, diretora do instituto de análise Runnymede, que defende igualdade racial, afirmou: “A cortesã em questão nasceu nos anos 30 e é produto de um tempo-espaço definido pelo imperialismo britânico. Contudo, isso não é desculpa para o racismo, independentemente de ter ocorrido ou não dentro do palácio do rei em Londres.”

A controvérsia no Palácio de Buckingham ocorre enquanto o príncipe William e Catherine, a princesa de Gales, viajam aos Estados Unidos pela primeira vez em oito anos esperando revelar uma monarquia britânica jovem e vibrante, com foco em mudanças climáticas, justiça social e melhoria na saúde mental das pessoas.

Mas ocorre também no momento que o príncipe Harry e Meghan, a duquesa de Sussex, preparam-se para lançar um documentário no Netflix sobre sua decisão de abandonar a realeza — em parte por causa de sua sensação de que o palácio não apoiou Meghan e em razão de um membro da família real ter perguntado de que cor seria seu bebê.

Anteriormente esta semana, o governo britânico publicou detalhes de seu censo decenal, que revela um país cada vez mais diverso e secular. Pela primeira vez, menos da metade das pessoas na Inglaterra e no País de Gales se descreveu como cristã, e as porcentagens de muçulmanos e hindus autodeclarados cresceu. Sobre raça e etnia, o censo constatou que 82% dos habitantes da Inglaterra e do País de Gales se identificam como brancos, contra 86% uma década atrás. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

LONDRES — Por mais de 60 anos, Susan Hussey serviu como cortesã da realeza na Casa de Windsor. Ela foi a pessoa mais próxima da intimidade real, ascendendo ao título de “Mulher dos Aposentos” e apelidada de “Primeira da Turma”. Mas a derrocada de lady Susan — uma das confidentes mais chegadas à rainha Elizabeth II, madrinha do príncipe William — foi súbita e bastante pública.

Horas depois de uma diretora de instituição de caridade negra postar nas redes sociais que Hussey lhe perguntou — repetidas vezes — de onde ela era “realmente” durante uma conversa no Palácio de Buckingham, a cortesã renunciou à sua função na realeza.

Quem é a mulher no centro do escândalo de racismo na realeza britânica? Ela cometeu um “abuso” verbal que refletiu visões racistas? Ou simplesmente agiu como uma idosa senil? Ele refletiu as atitudes do novo monarca britânico? Ou alguma excrescência do passado? Os britânicos debateram calorosamente o assunto nesta quinta-feira, 1º.

Imagem da família real britânica no Castelo de Windsor no dia 9 de março de 1997. Susan Hussey é a segunda da esquerda para a direita no topo Foto: John Stillwell/via AP

Hussey foi uma das mais longevas damas de honra da rainha na função — e bem possivelmente sua favorita, já que lhe foi concedido o título de “Mulher dos Aposentos”, o que significa efetivamente que ela era braço-direito da rainha.

A função é honorífica e não remunerada — e nos tempos modernos tem pouco a ver com o quarto de dormir. Hussey começou a trabalhar no palácio em 1960. Como outras damas de honra, teria ajudado a rainha com a correspondência, cumprimentado convidados em eventos oficiais e acompanhado a monarca em compromissos da realeza dentro e fora do país. Afirmou-se que Hussey foi incumbida de ajudar recém-chegados a navegar através dos assuntos da família real.

A rainha ofereceu a Meghan Markle “os préstimos de sua dama de honra mais antiga, lady Susan Hussey”, escreveu Tina Brown em seu livro “The Palace Papers”. Brown também afirmou: “Ela era natural do período jurássico da etiqueta da corte e também foi ofertada para guiar (a princesa) Diana — que não a suportava”.

Hussey era claramente próxima aos Windsors. Foi nomeada madrinha de William quando ele nasceu, em 1982. Quando o príncipe Philip morreu, foi Hussey que acompanhou a rainha no funeral esvaziado de seu marido, cujo comparecimento foi limitado em razão de um lockdown anticovid.

“Ela é muito alta, foi apelidada de ‘primeira da turma’ e é meio imponente, mas muito gentil. Foi muito próxima à rainha e a toda família real. Foi especialmente gentil, muito, muito gentil com Charles ao longo de toda a vida dele”, afirmou Ingrid Seward, editora da Majesty Magazine. Garotas ou garotos “primeiros da turma” nas escolas britânicas atuam como representantes de suas classes em ocasiões públicas.

“Eles são muito sensíveis a qualquer questão ligada ao racismo. Fiquei surpresa que não a tenham apoiado um pouco mais, provavelmente o fizeram nos bastidores”, acrescentou Seward. “Mas tradicionalmente ao longo da história, qualquer um que desagrade à família real está fora. Como o principe Philip sempre, sempre afirmou, ‘não se trata do indivíduo, se trata da instituição’.”

Hussey nasceu em 1939, filha do 12.º conde de Waldegrave e Mary Hermione, condessa de Waldegrave. Seu marido, Marmaduke Hussey, foi presidente da BBC. Ele morreu em 2006.

O casal teve dois filhos. Sua filha, Katharine, seguiu os passos da mãe e tornou-se uma das seis “companhias oficiais” de Camilla, a rainha-consorte.

Hussey recebeu várias medalhas, incluindo algumas pelo extenso e fiel serviço à casa real. Quando Elizabeth morreu, o rei Charles III transferiu Hussey, para trabalhar com ele. Seu novo emprego, afirmou foi de dama “honorária”, que, juntamente com as companhias de Camilla, estaria lá para ajudar em grandes eventos no palácio. Elas “são destinadas a facilitar conversas, ser gentis com convidados, fazê-los sentir-se em casa”, afirmou Seward.

Ativista negra Ngozi Fulani (à esq, com detalhe laranja no cabelo) durante uma recepção no Palácio de Buckingham oferecida pela rainha consorte Camilla, em imagem da terça-feira, 29 Foto: Kin Cheung/AP

Não foi essa a experiência de Ngozi Fulani, uma mulher negra britânica, diretora-executiva da entidade de caridade Sistah Space. Fulani compareceu a uma recepção no Palácio de Buckingham, na terça-feira, que reuniu ativistas em campanha pelo fim da violência contra mulheres e meninas.

Quando Hussey se aproximou de Fulani, perguntou-lhe repetidas vezes de onde ela era “realmente”. “Foi como um interrogatório, acho que é a única maneira que posso explicar. Ela foi determinada: ‘De onde você é? De onde é o seu povo?’”, disse Fulani à BBC Radio nesta quinta.

“Tenho realmente de questionar como isso pode acontecer em um espaço que deveria proteger todas as mulheres contra todo tipo de violência”, afirmou Fulani. “Apesar de não ser violência física, isso é abuso.” Ela rejeitou pedidos de desculpas que atribuíram a culpa à idade de Hussey.

“Sejamos claros sobre o que isso é. Ouvi tantas sugestões de que isso teve a ver com a idade dela e coisas assim — o que considero um tipo de desrespeito, um certo etarismo”, afirmou Fulani.

Hussey ainda não se pronunciou publicamente, mas o palácio emitiu um comunicado afirmando: “A referida pessoa gostaria de expressar seu profundo pedido de desculpas pela mágoa causada e renunciou à sua função honorífica com efeito imediato”.

A idade de Hussey atraiu alguma atenção no Reino Unido — onde alguns afirmam que a altercação decorreu de um conflito geracional, sugerindo que britânicos idosos estão se ajustando a um país mais diverso.

Reverendo John Hall e Susan Hussey, dama de companhia da rainha, na Abadia de Westminster, Londres, em 27 de setembro de 2016 Foto: Hannah McKay / via AP

“Ela tem 83 anos” foi trending topic entre os usuários de redes sociais no Reino Unido na quinta-feira. Alguns afirmam que Hussey é de uma geração em que tais comentários — como de onde você é? — podem ser benignos em intenção, ou que ela nem sequer se deu conta; outros afirmam que idade não é desculpa para falar coisas que ofendem as pessoas.

“A partir de que idade, oficialmente, estamos autorizados a ser racistas?”, perguntou James O’Brien, apresentador da rádio LBC.

Outros não consideraram os comentários de Hussey racistas. Petronella Wyatt escreveu na revista semanal britânica The Spectator que em sua opinião Hussey estava sendo tratada injustamente, notando que o palácio classificou o incidente como “inaceitável”.

“Mas o que é mais ‘inaceitável’? Condenar publicamente e demitir uma senhora de 83 anos por ela demonstrar curiosidade pela origem de uma pessoa? Ou dispensar uma serva leal, idosa, com tamanha crueldade e pressa, sem nem sequer dar-lhe um tempo para arrumar as coisas? Acho a segunda pior. Mas vão me chamar de parcial. Conheço Susan Hussey desde que tenho 18 anos, e se ela é racista, eu sou uma fonte ornamental.”

Sunder Katwala, diretor do instituto de análise British Future, afirmou que não é incomum indivíduos de minorias étnicas ouvirem perguntas a respeito de suas origens. “Acontece com todo mundo, o tempo todo”, afirmou ele. “A diferença é a maneira que é feita a pergunta.”

A conversa no palácio, conforme relatada, afirmou ele, “passou uma sensação de afirmação de poder”. Ele afirmou que a pergunta “‘De onde você é' pode ser feita de maneira desrespeitosa e ofensiva. E também pode ser feita de maneira intencionalmente benigna, mas soar desrespeitosa”.

Halima Begum, diretora do instituto de análise Runnymede, que defende igualdade racial, afirmou: “A cortesã em questão nasceu nos anos 30 e é produto de um tempo-espaço definido pelo imperialismo britânico. Contudo, isso não é desculpa para o racismo, independentemente de ter ocorrido ou não dentro do palácio do rei em Londres.”

A controvérsia no Palácio de Buckingham ocorre enquanto o príncipe William e Catherine, a princesa de Gales, viajam aos Estados Unidos pela primeira vez em oito anos esperando revelar uma monarquia britânica jovem e vibrante, com foco em mudanças climáticas, justiça social e melhoria na saúde mental das pessoas.

Mas ocorre também no momento que o príncipe Harry e Meghan, a duquesa de Sussex, preparam-se para lançar um documentário no Netflix sobre sua decisão de abandonar a realeza — em parte por causa de sua sensação de que o palácio não apoiou Meghan e em razão de um membro da família real ter perguntado de que cor seria seu bebê.

Anteriormente esta semana, o governo britânico publicou detalhes de seu censo decenal, que revela um país cada vez mais diverso e secular. Pela primeira vez, menos da metade das pessoas na Inglaterra e no País de Gales se descreveu como cristã, e as porcentagens de muçulmanos e hindus autodeclarados cresceu. Sobre raça e etnia, o censo constatou que 82% dos habitantes da Inglaterra e do País de Gales se identificam como brancos, contra 86% uma década atrás. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

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