As cores do arco-íris do Wiphala, um símbolo da identidade indígena nos Andes, são o pano de fundo de Yaku Pérez Guartambel que tenta fazer história. Se for eleito, o advogado e ambientalista será o primeiro presidente indígena do país.
A ascensão de Pérez é surpreendente. Menos de 10% da população do Equador se identifica como indígena, e os candidatos indígenas tradicionalmente não são bem-sucedidos nas eleições nacionais. No entanto, Pérez, que faz da língua e dos temas ancestrais os elementos fundamentais de sua campanha, está entre os três mais cotados em um campo lotado de candidatos. Os especialistas creditam isto a um programa político que atrai os eleitores de esquerda que não querem a volta do presidente socialista Rafael Correa por meio do candidato por ele escolhido a dedo, Andrés Arauz, que está em primeiro lugar nas pesquisas.
Em uma entrevista no dia 28 de janeiro, Pérez afirmou que oferece a estes eleitores uma alternativa à “esquerda corrupta e autoritária” de Correa, condenado a oito anos de prisão e que não poderá retornar ao país sem enfrentar a cadeia.
“Nós pertencemos à esquerda ecológica que defende os direitos do povo e da natureza e compreende as comunidades indígenas”, afirmou Pérez, um ativo promotor da campanha de preservação da água que, em 2019, foi eleito prefeito da província de Azuay no Equador, cargo semelhante ao de governador.
Pérez se destacou durante a presidência de Correa combatendo os projetos de mineração. A luta para proteger as fontes hídricas é uma motivação profundamente pessoal para ele: em 2017, Pérez mudou o seu nome, Carlos, para Yaku, que significa “água” na língua quéchua. Como presidente da Confederação dos Povos de Nacionalidade Quéchua de 2013 a 2019, ele liderou os protestos contra os projetos de mineração e foi preso várias vezes.
O fim da mineração nas montanhas do Equador é o “programa chave” de Pérez e é “a única coisa não negociável para ele”, disse Manuela Picq, professora de Amherst College e da Universidade San Francisco de Quito, a sua companheira.
O Equador sacramentou os direitos do ambiente natural na Constituição no início dos dez anos de presidência de Correa. Com o tempo, entretanto, projetos de mineração e prospecção tornaram-se o para-raios da oposição a Correa na esquerda, unindo as comunidades indígenas na primeira linha destes projetos e também dos ambientalistas urbanos.
Ivan Ulchur-Rota, um jornalista de Quito, afirma que Pérez representa “outra esquerda” fora do movimento de Correa, uma esquerda “mais alinhada com os valores ambientais e indígenas que se distancia do marxismo clássico”.
No entanto, socialista ou não, Pérez preocupará alguns investidores. Ele prometeu rever o acordo do Equador para um empréstimo de US$ 6,5 bilhões do Fundo Monetário Internacional (FMI), e declarou que não pagará “dívidas ilegítimas”. Ao contrário de Arauz, o candidato de Correa, Pérez recusou o convite para um encontro dos funcionários do FMI, quando estiveram no Equador em setembro. Uma pesquisa entre dez analistas mostrou Pérez ainda mais à esquerda de Arauz.
Ele afirmou para o AQ que criará incentivos para os investidores internacionais oferecendo benefícios fiscais e pondo fim à burocracia.
“Manteremos a dolarização, nós vamos seguir a lei interna e externamente, respeitaremos a propriedade privada, honraremos as dívidas legítimas”, declarou o candidato. Ele herdará uma economia que registrou uma contração de 9,5% em 2020, segundo o FMI, enquanto o país sofre com o alto desemprego e uma dívida externa de quase 60% do PIB.A queda dos preços do petróleo, que já sacrificava a economia antes da pandemia, e a crise atual tornarão difícil para Pérez o pagamento do que ele está prometendo.
Segundo Pérez, o combate à corrupção estimulará a economia, e ele declarou que pretende “despolitizar as agências estatais”, reduzir os salários do presidente e de outros funcionários, e cortar pela metade o número de representantes no Congresso.
Em política externa, Pérez disse estar aberto a um acordo comercial com os Estados Unidos, e definiu como “agressivas as políticas da China sobre extrativismo e direitos humanos”. Indagado por duas vezes ao longo da entrevista se reconheceria como legítimo o governo de Nicolás Maduro na Venezuela, Pérez não disse nem sim, nem não, mas afirmou que os governos cuja “população não é ouvida” são “antidemocráticos”.
“É preciso respeitar a soberania de um povo, mas é também necessário investigar quão legítimo é o seu governo”, disse Pérez, e observou que as eleições na Venezuela “não foram absolutamente transparentes” , mas que, em todo caso, precisaria estudar a situação mais de perto.
Alguns veem contradições no programa de Pérez, como o apoio do ambientalista aos subsídios aos combustíveis concedidos aos equatorianos pobres. Pérez esclareceu que seriam temporários, mas a história recente mostra como é difícil livrar-se deles.
Pérez foi um dos líderes dos protestos em outubro de 2019, contra o governo depois que este acabou com os subsídios, provocando altas vertiginosas dos preços do gás e do diesel. Os protestos, organizados em parte pela CONAIE, a maior organização indígena do Equador, quase derrubaram o presidente Lenín Moreno. Pérez é o candidato do partido político da CONAIE, o Pachakutik.
Embora a população do Equador seja pequena, “outubro de 2019 mostrou a capacidade do movimento indígena de organizar-se, não apenas nas ruas, mas também na política”, disse Ulchur-Rota.
Isto poderá aumentar as chances de Pérez, mas o Equador não é a Bolívia, por exemplo, onde uma maioria indígena foi crucial para a ascensão do primeiro presidente indígena do país, Evo Morales. No Equador, a minoria indígena “é muito fragmentada e esta fragmentação tem um efeito claro na política indígena do país,” afirmou Diana Davila Gordillo, cientista política da Leiden University que estuda identidade política e partidos étnicos no Equador.
O júri ainda está decidindo a respeito das chances de Pérez.
“Ele poderá ser a surpresa destas eleições”, falou recentemente o analista político Sebastián Hurtado no podcast da AQ.
Mas “o Equador é ainda muito polarizado”, acrescentou Carlos de la Torre, diretor do Centro de Estudos Latino-Americanos da Universidade da Flórida, que acredita que no final os eleitores poderão alinhar-se com Arausz ou com Guillermo Lasso, o ex-banqueiro conservador que aparece em segundo lugar nas pesquisas. “A polarização joga entre a direita e a esquerda”.
Se eleito, Pérez provavelmente lutaria pela aprovação das grandes reformas que está prometendo, considerando a crise econômica do país e a probabilidade de um Congresso extremamente fragmentado. Mas em uma arena política tão polarizada, os seus partidários acham que ele é o homem que poderia unir o país.
“O seu discurso é de reconciliação, afirmou Picq, a sua companheira, não apenas entre os equatorianos, mas também com a natureza. / TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA