Opinião|Quem liga se Taylor Swift apoia Donald Trump ou Kamala Harris?


Uma pergunta melhor seria: por que devemos nos importar com isso? Nós já sabemos que apoios de celebridades têm poder limitado para influenciar eleições

Por B.D. McClay*

As convenções acabaram. O primeiro debate entre Donald Trump e Kamala Harris se aproxima. Mas para muitos observadores um evento altamente antecipado nesta campanha eleitoral que ainda não ocorreu pode acontecer a qualquer momento: o anúncio do apoio de Taylor Swift.

Um dia depois do presidente Joe Biden anunciar, em julho, que estava abandonando a disputa presidencial, o historiador Timothy Snyder, de Yale, especulou publicamente a respeito da possibilidade de Taylor Swift apoiar Kamala Harris. Manchetes com a pergunta “Taylor Swift apoiará Kamala Harris?” logo se proliferaram. Na última noite da Convenção Nacional Democrata, em agosto, emergiu um rumor sobre uma suposta convidada misteriosa — que muitos observadores alvoroçados especularam que poderia ser Taylor. (No fim, não havia nenhuma convidada-surpresa.) A contagem regressiva recomeçou: para quando poderemos aguardar o apoio oficial de Taylor?

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Uma pergunta melhor seria: por que devemos nos importar com isso? Nós já sabemos que apoios de celebridades têm poder limitado para influenciar eleições. Em 2004, John Kerry recebeu apoios de celebridades como Leonardo DiCaprio e Larry David; e em 2020 Bernie Sanders contava com o apoio de Ariana Grande e Killer Mike. Ambos perderam. Taylor Swift, que apoiou Biden no fim da campanha de 2020, não conseguiu alterar significativamente o resultado de 2018, quando apoiou o democrata Phil Bredesen, ex-governador do Tennessee, em vez de Marsha Blackburn numa disputa pelo Senado que Marsha venceu. Se celebridades tivessem tanto poder de persuasão quanto alguns americanos aparentemente desejam que tenham, uma porcentagem substancial da população seria composta atualmente por cientologistas obstinados e veganos.

A cantora Taylor Swift se apresenta no estádio Wembley, em Londres, Reino Unido  Foto: Scott A Garfitt/AP

A fantasia de que uma superestrela como Swift surgiria montada num cavalo branco para influenciar os eleitores é sedutora — mas vale a pena perguntar do que esperamos que essa superestrela vai nos salvar. Não que os fãs de Swift esperem que ela vá nos salvar de Donald Trump. É que, enquanto eleitores, nós continuamos a acalentar a esperança de que as celebridades, por meio de seu carisma puro e persuasivo, nos salvará do trabalho duro da política em si.

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Seria excepcionalmente conveniente se uma artista superfamosa pudesse tornar irrelevantes as espinhosas dúvidas sobre como persuadir eleitores em Estados críticos a votar no candidato de sua escolha. A popularidade de Swift não pode ser desconsiderada e transcende todo tipo de polarização nos Estados Unidos. Uma pesquisa NBC News de 2023 constatou que Swift evoca opiniões favoráveis ou neutras de aproximadamente 80% dos eleitores registrados. Se ela calça um sapato específico quando sai de casa, esse modelo pode esgotar nas lojas assim que é identificado.

Mas nossas decisões políticas decorrem, como deveriam, de preocupações mais práticas. A fúria entre os eleitores árabe-americanos do Michigan em razão do apoio dos EUA a Israel e da guerra em Gaza, por exemplo, é significativa o suficiente para ocasionar a derrota dos democratas no Estado. A ideia de eleitores que gostam de Swift poderem ignorar essas preocupações simplesmente em razão de um apoio de uma estrela pop não é apenas insultante, é distópica.

O ex-presidente dos Estados Unidos e candidato presidencial republicano, Donald Trump, participa de compromisso de campanha em Nova York, Estados Unidos  Foto: Alex Brandon/AP
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Você pode estar pensando: mas e os anos 60? E Bob Dylan e “Blowin’ in the Wind”? Celebridades já não mudaram o curso da história? Canções de protesto fizeram sucesso; mas em relação à causa, a história é outra. Numa entrevista de 2003 à revista In These Times, Kurt Vonnegut refletiu sobre sua experiência em se contrapor à Guerra do Vietnã: “Qualquer artista que se preze neste país, qualquer escritor sério, pintor, comediante de stand-up, músico, ator e atriz, ou seja lá o que for, se manifestou contra aquela coisa”. Mas esse “raio laser de protesto”, afirmou Vonnegut, provou ter “o mesmo poder de uma torta de creme de banana de um metro de diâmetro caindo de uma escada de um metro e cinquenta de altura”.

A enorme voltagem das celebridades produzir tão pouca mudança social pode ocorrer, pelo menos em parte, porque as celebridades existem para nós como figuras aspiracionais, não práticas. Eu posso experimentar o programa de ginástica aeróbica de Jane Fonda por invejar sua forma física ou aderir ao clube de leitura de Reese Witherspoon por me fazer sentir que somos amigas. Mas políticos que se candidatam são, em última instância, servidores públicos. Eles trabalham para nós; nós não somos seus fãs, somos seus empregadores. Eles podem ocasionalmente assumir uma aura de celebridade — algo atribuído a figuras tão diversas quanto Barack Obama e Trump — mas sua tarefa deveria ser convencer os eleitores de que eles melhorarão as suas vidas. Se forem bem-sucedidos, eles vencerão. Se não forem, perderão. Mas devemos deixar as opiniões das celebridades fora disso.

Democratic presidential nominee Vice President Kamala Harris greets people after speaking during a campaign stop at the Throwback Brewery, in North Hampton, N.H., Wednesday, Sept. 4, 2024. (AP Photo/Steven Senne) Foto: Steven Senne/AP
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Não quero soar como alguém que, como diz o ditado, acredita que celebridades devam “calar a boca e cantar”. Enquanto indivíduos e cidadãos, celebridades deveriam se sentir livres para denunciar publicamente problemas com que se importam e também para se organizar e se voluntariar onde possível e fazer doações com seu dinheiro. Mas em termos práticos suas vozes devem ser tão importantes quanto a de qualquer outro indivíduo. Não devemos esperar que celebridades resolvam a política para o restante de nós — e é melhor mesmo que elas não sejam capazes disso.

Se você ainda tem esperança de que os swifties possam ser ativados politicamente, a boa notícia é que eles já estão nessa. “Swifties por Kamala” é um esforço liderado por fãs para direcionar seu poder no reino artístico para a política, e seu recente lançamento no Zoom contou com as presenças, entre outras, de Elizabeth Warren e Carole King, mas não da própria Taylor. A decisão de Biden de deixar a disputa presidencial energizou muitos eleitores jovens, mais do que um post de uma celebridade no Instagram jamais seria capaz. E ainda que possa não ter comprovado um histórico de controle sobre as escolhas de seus fãs nas urnas, Swift provou-se eficaz em encorajar jovens eleitores a se registrar para votar.

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De maneira prática, a arte pode fazer muito por nós — como nos dar uma linguagem comum para conversarmos uns com os outros através de todas as facções políticas, religiosas e de classe. Mas em vez de ficar sentados esperando que a força bruta da celebridade influencie a eleição, os fãs deveriam adotar a linguagem comum de suas legiões como uma maneira de conversar entre si — e potencialmente persuadir pessoas — a respeito de importantes questões práticas. O verdadeiro trabalho da política continua o mesmo: trabalho. Nas palavras (mais ou menos) de Swift: em vez de se decepcionar com os mentirosos e os enganadores tão, tão sujos desse mundo, sacuda a poeira — e se envolva. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

As convenções acabaram. O primeiro debate entre Donald Trump e Kamala Harris se aproxima. Mas para muitos observadores um evento altamente antecipado nesta campanha eleitoral que ainda não ocorreu pode acontecer a qualquer momento: o anúncio do apoio de Taylor Swift.

Um dia depois do presidente Joe Biden anunciar, em julho, que estava abandonando a disputa presidencial, o historiador Timothy Snyder, de Yale, especulou publicamente a respeito da possibilidade de Taylor Swift apoiar Kamala Harris. Manchetes com a pergunta “Taylor Swift apoiará Kamala Harris?” logo se proliferaram. Na última noite da Convenção Nacional Democrata, em agosto, emergiu um rumor sobre uma suposta convidada misteriosa — que muitos observadores alvoroçados especularam que poderia ser Taylor. (No fim, não havia nenhuma convidada-surpresa.) A contagem regressiva recomeçou: para quando poderemos aguardar o apoio oficial de Taylor?

Uma pergunta melhor seria: por que devemos nos importar com isso? Nós já sabemos que apoios de celebridades têm poder limitado para influenciar eleições. Em 2004, John Kerry recebeu apoios de celebridades como Leonardo DiCaprio e Larry David; e em 2020 Bernie Sanders contava com o apoio de Ariana Grande e Killer Mike. Ambos perderam. Taylor Swift, que apoiou Biden no fim da campanha de 2020, não conseguiu alterar significativamente o resultado de 2018, quando apoiou o democrata Phil Bredesen, ex-governador do Tennessee, em vez de Marsha Blackburn numa disputa pelo Senado que Marsha venceu. Se celebridades tivessem tanto poder de persuasão quanto alguns americanos aparentemente desejam que tenham, uma porcentagem substancial da população seria composta atualmente por cientologistas obstinados e veganos.

A cantora Taylor Swift se apresenta no estádio Wembley, em Londres, Reino Unido  Foto: Scott A Garfitt/AP

A fantasia de que uma superestrela como Swift surgiria montada num cavalo branco para influenciar os eleitores é sedutora — mas vale a pena perguntar do que esperamos que essa superestrela vai nos salvar. Não que os fãs de Swift esperem que ela vá nos salvar de Donald Trump. É que, enquanto eleitores, nós continuamos a acalentar a esperança de que as celebridades, por meio de seu carisma puro e persuasivo, nos salvará do trabalho duro da política em si.

Seria excepcionalmente conveniente se uma artista superfamosa pudesse tornar irrelevantes as espinhosas dúvidas sobre como persuadir eleitores em Estados críticos a votar no candidato de sua escolha. A popularidade de Swift não pode ser desconsiderada e transcende todo tipo de polarização nos Estados Unidos. Uma pesquisa NBC News de 2023 constatou que Swift evoca opiniões favoráveis ou neutras de aproximadamente 80% dos eleitores registrados. Se ela calça um sapato específico quando sai de casa, esse modelo pode esgotar nas lojas assim que é identificado.

Mas nossas decisões políticas decorrem, como deveriam, de preocupações mais práticas. A fúria entre os eleitores árabe-americanos do Michigan em razão do apoio dos EUA a Israel e da guerra em Gaza, por exemplo, é significativa o suficiente para ocasionar a derrota dos democratas no Estado. A ideia de eleitores que gostam de Swift poderem ignorar essas preocupações simplesmente em razão de um apoio de uma estrela pop não é apenas insultante, é distópica.

O ex-presidente dos Estados Unidos e candidato presidencial republicano, Donald Trump, participa de compromisso de campanha em Nova York, Estados Unidos  Foto: Alex Brandon/AP

Você pode estar pensando: mas e os anos 60? E Bob Dylan e “Blowin’ in the Wind”? Celebridades já não mudaram o curso da história? Canções de protesto fizeram sucesso; mas em relação à causa, a história é outra. Numa entrevista de 2003 à revista In These Times, Kurt Vonnegut refletiu sobre sua experiência em se contrapor à Guerra do Vietnã: “Qualquer artista que se preze neste país, qualquer escritor sério, pintor, comediante de stand-up, músico, ator e atriz, ou seja lá o que for, se manifestou contra aquela coisa”. Mas esse “raio laser de protesto”, afirmou Vonnegut, provou ter “o mesmo poder de uma torta de creme de banana de um metro de diâmetro caindo de uma escada de um metro e cinquenta de altura”.

A enorme voltagem das celebridades produzir tão pouca mudança social pode ocorrer, pelo menos em parte, porque as celebridades existem para nós como figuras aspiracionais, não práticas. Eu posso experimentar o programa de ginástica aeróbica de Jane Fonda por invejar sua forma física ou aderir ao clube de leitura de Reese Witherspoon por me fazer sentir que somos amigas. Mas políticos que se candidatam são, em última instância, servidores públicos. Eles trabalham para nós; nós não somos seus fãs, somos seus empregadores. Eles podem ocasionalmente assumir uma aura de celebridade — algo atribuído a figuras tão diversas quanto Barack Obama e Trump — mas sua tarefa deveria ser convencer os eleitores de que eles melhorarão as suas vidas. Se forem bem-sucedidos, eles vencerão. Se não forem, perderão. Mas devemos deixar as opiniões das celebridades fora disso.

Democratic presidential nominee Vice President Kamala Harris greets people after speaking during a campaign stop at the Throwback Brewery, in North Hampton, N.H., Wednesday, Sept. 4, 2024. (AP Photo/Steven Senne) Foto: Steven Senne/AP

Não quero soar como alguém que, como diz o ditado, acredita que celebridades devam “calar a boca e cantar”. Enquanto indivíduos e cidadãos, celebridades deveriam se sentir livres para denunciar publicamente problemas com que se importam e também para se organizar e se voluntariar onde possível e fazer doações com seu dinheiro. Mas em termos práticos suas vozes devem ser tão importantes quanto a de qualquer outro indivíduo. Não devemos esperar que celebridades resolvam a política para o restante de nós — e é melhor mesmo que elas não sejam capazes disso.

Se você ainda tem esperança de que os swifties possam ser ativados politicamente, a boa notícia é que eles já estão nessa. “Swifties por Kamala” é um esforço liderado por fãs para direcionar seu poder no reino artístico para a política, e seu recente lançamento no Zoom contou com as presenças, entre outras, de Elizabeth Warren e Carole King, mas não da própria Taylor. A decisão de Biden de deixar a disputa presidencial energizou muitos eleitores jovens, mais do que um post de uma celebridade no Instagram jamais seria capaz. E ainda que possa não ter comprovado um histórico de controle sobre as escolhas de seus fãs nas urnas, Swift provou-se eficaz em encorajar jovens eleitores a se registrar para votar.

De maneira prática, a arte pode fazer muito por nós — como nos dar uma linguagem comum para conversarmos uns com os outros através de todas as facções políticas, religiosas e de classe. Mas em vez de ficar sentados esperando que a força bruta da celebridade influencie a eleição, os fãs deveriam adotar a linguagem comum de suas legiões como uma maneira de conversar entre si — e potencialmente persuadir pessoas — a respeito de importantes questões práticas. O verdadeiro trabalho da política continua o mesmo: trabalho. Nas palavras (mais ou menos) de Swift: em vez de se decepcionar com os mentirosos e os enganadores tão, tão sujos desse mundo, sacuda a poeira — e se envolva. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

As convenções acabaram. O primeiro debate entre Donald Trump e Kamala Harris se aproxima. Mas para muitos observadores um evento altamente antecipado nesta campanha eleitoral que ainda não ocorreu pode acontecer a qualquer momento: o anúncio do apoio de Taylor Swift.

Um dia depois do presidente Joe Biden anunciar, em julho, que estava abandonando a disputa presidencial, o historiador Timothy Snyder, de Yale, especulou publicamente a respeito da possibilidade de Taylor Swift apoiar Kamala Harris. Manchetes com a pergunta “Taylor Swift apoiará Kamala Harris?” logo se proliferaram. Na última noite da Convenção Nacional Democrata, em agosto, emergiu um rumor sobre uma suposta convidada misteriosa — que muitos observadores alvoroçados especularam que poderia ser Taylor. (No fim, não havia nenhuma convidada-surpresa.) A contagem regressiva recomeçou: para quando poderemos aguardar o apoio oficial de Taylor?

Uma pergunta melhor seria: por que devemos nos importar com isso? Nós já sabemos que apoios de celebridades têm poder limitado para influenciar eleições. Em 2004, John Kerry recebeu apoios de celebridades como Leonardo DiCaprio e Larry David; e em 2020 Bernie Sanders contava com o apoio de Ariana Grande e Killer Mike. Ambos perderam. Taylor Swift, que apoiou Biden no fim da campanha de 2020, não conseguiu alterar significativamente o resultado de 2018, quando apoiou o democrata Phil Bredesen, ex-governador do Tennessee, em vez de Marsha Blackburn numa disputa pelo Senado que Marsha venceu. Se celebridades tivessem tanto poder de persuasão quanto alguns americanos aparentemente desejam que tenham, uma porcentagem substancial da população seria composta atualmente por cientologistas obstinados e veganos.

A cantora Taylor Swift se apresenta no estádio Wembley, em Londres, Reino Unido  Foto: Scott A Garfitt/AP

A fantasia de que uma superestrela como Swift surgiria montada num cavalo branco para influenciar os eleitores é sedutora — mas vale a pena perguntar do que esperamos que essa superestrela vai nos salvar. Não que os fãs de Swift esperem que ela vá nos salvar de Donald Trump. É que, enquanto eleitores, nós continuamos a acalentar a esperança de que as celebridades, por meio de seu carisma puro e persuasivo, nos salvará do trabalho duro da política em si.

Seria excepcionalmente conveniente se uma artista superfamosa pudesse tornar irrelevantes as espinhosas dúvidas sobre como persuadir eleitores em Estados críticos a votar no candidato de sua escolha. A popularidade de Swift não pode ser desconsiderada e transcende todo tipo de polarização nos Estados Unidos. Uma pesquisa NBC News de 2023 constatou que Swift evoca opiniões favoráveis ou neutras de aproximadamente 80% dos eleitores registrados. Se ela calça um sapato específico quando sai de casa, esse modelo pode esgotar nas lojas assim que é identificado.

Mas nossas decisões políticas decorrem, como deveriam, de preocupações mais práticas. A fúria entre os eleitores árabe-americanos do Michigan em razão do apoio dos EUA a Israel e da guerra em Gaza, por exemplo, é significativa o suficiente para ocasionar a derrota dos democratas no Estado. A ideia de eleitores que gostam de Swift poderem ignorar essas preocupações simplesmente em razão de um apoio de uma estrela pop não é apenas insultante, é distópica.

O ex-presidente dos Estados Unidos e candidato presidencial republicano, Donald Trump, participa de compromisso de campanha em Nova York, Estados Unidos  Foto: Alex Brandon/AP

Você pode estar pensando: mas e os anos 60? E Bob Dylan e “Blowin’ in the Wind”? Celebridades já não mudaram o curso da história? Canções de protesto fizeram sucesso; mas em relação à causa, a história é outra. Numa entrevista de 2003 à revista In These Times, Kurt Vonnegut refletiu sobre sua experiência em se contrapor à Guerra do Vietnã: “Qualquer artista que se preze neste país, qualquer escritor sério, pintor, comediante de stand-up, músico, ator e atriz, ou seja lá o que for, se manifestou contra aquela coisa”. Mas esse “raio laser de protesto”, afirmou Vonnegut, provou ter “o mesmo poder de uma torta de creme de banana de um metro de diâmetro caindo de uma escada de um metro e cinquenta de altura”.

A enorme voltagem das celebridades produzir tão pouca mudança social pode ocorrer, pelo menos em parte, porque as celebridades existem para nós como figuras aspiracionais, não práticas. Eu posso experimentar o programa de ginástica aeróbica de Jane Fonda por invejar sua forma física ou aderir ao clube de leitura de Reese Witherspoon por me fazer sentir que somos amigas. Mas políticos que se candidatam são, em última instância, servidores públicos. Eles trabalham para nós; nós não somos seus fãs, somos seus empregadores. Eles podem ocasionalmente assumir uma aura de celebridade — algo atribuído a figuras tão diversas quanto Barack Obama e Trump — mas sua tarefa deveria ser convencer os eleitores de que eles melhorarão as suas vidas. Se forem bem-sucedidos, eles vencerão. Se não forem, perderão. Mas devemos deixar as opiniões das celebridades fora disso.

Democratic presidential nominee Vice President Kamala Harris greets people after speaking during a campaign stop at the Throwback Brewery, in North Hampton, N.H., Wednesday, Sept. 4, 2024. (AP Photo/Steven Senne) Foto: Steven Senne/AP

Não quero soar como alguém que, como diz o ditado, acredita que celebridades devam “calar a boca e cantar”. Enquanto indivíduos e cidadãos, celebridades deveriam se sentir livres para denunciar publicamente problemas com que se importam e também para se organizar e se voluntariar onde possível e fazer doações com seu dinheiro. Mas em termos práticos suas vozes devem ser tão importantes quanto a de qualquer outro indivíduo. Não devemos esperar que celebridades resolvam a política para o restante de nós — e é melhor mesmo que elas não sejam capazes disso.

Se você ainda tem esperança de que os swifties possam ser ativados politicamente, a boa notícia é que eles já estão nessa. “Swifties por Kamala” é um esforço liderado por fãs para direcionar seu poder no reino artístico para a política, e seu recente lançamento no Zoom contou com as presenças, entre outras, de Elizabeth Warren e Carole King, mas não da própria Taylor. A decisão de Biden de deixar a disputa presidencial energizou muitos eleitores jovens, mais do que um post de uma celebridade no Instagram jamais seria capaz. E ainda que possa não ter comprovado um histórico de controle sobre as escolhas de seus fãs nas urnas, Swift provou-se eficaz em encorajar jovens eleitores a se registrar para votar.

De maneira prática, a arte pode fazer muito por nós — como nos dar uma linguagem comum para conversarmos uns com os outros através de todas as facções políticas, religiosas e de classe. Mas em vez de ficar sentados esperando que a força bruta da celebridade influencie a eleição, os fãs deveriam adotar a linguagem comum de suas legiões como uma maneira de conversar entre si — e potencialmente persuadir pessoas — a respeito de importantes questões práticas. O verdadeiro trabalho da política continua o mesmo: trabalho. Nas palavras (mais ou menos) de Swift: em vez de se decepcionar com os mentirosos e os enganadores tão, tão sujos desse mundo, sacuda a poeira — e se envolva. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

As convenções acabaram. O primeiro debate entre Donald Trump e Kamala Harris se aproxima. Mas para muitos observadores um evento altamente antecipado nesta campanha eleitoral que ainda não ocorreu pode acontecer a qualquer momento: o anúncio do apoio de Taylor Swift.

Um dia depois do presidente Joe Biden anunciar, em julho, que estava abandonando a disputa presidencial, o historiador Timothy Snyder, de Yale, especulou publicamente a respeito da possibilidade de Taylor Swift apoiar Kamala Harris. Manchetes com a pergunta “Taylor Swift apoiará Kamala Harris?” logo se proliferaram. Na última noite da Convenção Nacional Democrata, em agosto, emergiu um rumor sobre uma suposta convidada misteriosa — que muitos observadores alvoroçados especularam que poderia ser Taylor. (No fim, não havia nenhuma convidada-surpresa.) A contagem regressiva recomeçou: para quando poderemos aguardar o apoio oficial de Taylor?

Uma pergunta melhor seria: por que devemos nos importar com isso? Nós já sabemos que apoios de celebridades têm poder limitado para influenciar eleições. Em 2004, John Kerry recebeu apoios de celebridades como Leonardo DiCaprio e Larry David; e em 2020 Bernie Sanders contava com o apoio de Ariana Grande e Killer Mike. Ambos perderam. Taylor Swift, que apoiou Biden no fim da campanha de 2020, não conseguiu alterar significativamente o resultado de 2018, quando apoiou o democrata Phil Bredesen, ex-governador do Tennessee, em vez de Marsha Blackburn numa disputa pelo Senado que Marsha venceu. Se celebridades tivessem tanto poder de persuasão quanto alguns americanos aparentemente desejam que tenham, uma porcentagem substancial da população seria composta atualmente por cientologistas obstinados e veganos.

A cantora Taylor Swift se apresenta no estádio Wembley, em Londres, Reino Unido  Foto: Scott A Garfitt/AP

A fantasia de que uma superestrela como Swift surgiria montada num cavalo branco para influenciar os eleitores é sedutora — mas vale a pena perguntar do que esperamos que essa superestrela vai nos salvar. Não que os fãs de Swift esperem que ela vá nos salvar de Donald Trump. É que, enquanto eleitores, nós continuamos a acalentar a esperança de que as celebridades, por meio de seu carisma puro e persuasivo, nos salvará do trabalho duro da política em si.

Seria excepcionalmente conveniente se uma artista superfamosa pudesse tornar irrelevantes as espinhosas dúvidas sobre como persuadir eleitores em Estados críticos a votar no candidato de sua escolha. A popularidade de Swift não pode ser desconsiderada e transcende todo tipo de polarização nos Estados Unidos. Uma pesquisa NBC News de 2023 constatou que Swift evoca opiniões favoráveis ou neutras de aproximadamente 80% dos eleitores registrados. Se ela calça um sapato específico quando sai de casa, esse modelo pode esgotar nas lojas assim que é identificado.

Mas nossas decisões políticas decorrem, como deveriam, de preocupações mais práticas. A fúria entre os eleitores árabe-americanos do Michigan em razão do apoio dos EUA a Israel e da guerra em Gaza, por exemplo, é significativa o suficiente para ocasionar a derrota dos democratas no Estado. A ideia de eleitores que gostam de Swift poderem ignorar essas preocupações simplesmente em razão de um apoio de uma estrela pop não é apenas insultante, é distópica.

O ex-presidente dos Estados Unidos e candidato presidencial republicano, Donald Trump, participa de compromisso de campanha em Nova York, Estados Unidos  Foto: Alex Brandon/AP

Você pode estar pensando: mas e os anos 60? E Bob Dylan e “Blowin’ in the Wind”? Celebridades já não mudaram o curso da história? Canções de protesto fizeram sucesso; mas em relação à causa, a história é outra. Numa entrevista de 2003 à revista In These Times, Kurt Vonnegut refletiu sobre sua experiência em se contrapor à Guerra do Vietnã: “Qualquer artista que se preze neste país, qualquer escritor sério, pintor, comediante de stand-up, músico, ator e atriz, ou seja lá o que for, se manifestou contra aquela coisa”. Mas esse “raio laser de protesto”, afirmou Vonnegut, provou ter “o mesmo poder de uma torta de creme de banana de um metro de diâmetro caindo de uma escada de um metro e cinquenta de altura”.

A enorme voltagem das celebridades produzir tão pouca mudança social pode ocorrer, pelo menos em parte, porque as celebridades existem para nós como figuras aspiracionais, não práticas. Eu posso experimentar o programa de ginástica aeróbica de Jane Fonda por invejar sua forma física ou aderir ao clube de leitura de Reese Witherspoon por me fazer sentir que somos amigas. Mas políticos que se candidatam são, em última instância, servidores públicos. Eles trabalham para nós; nós não somos seus fãs, somos seus empregadores. Eles podem ocasionalmente assumir uma aura de celebridade — algo atribuído a figuras tão diversas quanto Barack Obama e Trump — mas sua tarefa deveria ser convencer os eleitores de que eles melhorarão as suas vidas. Se forem bem-sucedidos, eles vencerão. Se não forem, perderão. Mas devemos deixar as opiniões das celebridades fora disso.

Democratic presidential nominee Vice President Kamala Harris greets people after speaking during a campaign stop at the Throwback Brewery, in North Hampton, N.H., Wednesday, Sept. 4, 2024. (AP Photo/Steven Senne) Foto: Steven Senne/AP

Não quero soar como alguém que, como diz o ditado, acredita que celebridades devam “calar a boca e cantar”. Enquanto indivíduos e cidadãos, celebridades deveriam se sentir livres para denunciar publicamente problemas com que se importam e também para se organizar e se voluntariar onde possível e fazer doações com seu dinheiro. Mas em termos práticos suas vozes devem ser tão importantes quanto a de qualquer outro indivíduo. Não devemos esperar que celebridades resolvam a política para o restante de nós — e é melhor mesmo que elas não sejam capazes disso.

Se você ainda tem esperança de que os swifties possam ser ativados politicamente, a boa notícia é que eles já estão nessa. “Swifties por Kamala” é um esforço liderado por fãs para direcionar seu poder no reino artístico para a política, e seu recente lançamento no Zoom contou com as presenças, entre outras, de Elizabeth Warren e Carole King, mas não da própria Taylor. A decisão de Biden de deixar a disputa presidencial energizou muitos eleitores jovens, mais do que um post de uma celebridade no Instagram jamais seria capaz. E ainda que possa não ter comprovado um histórico de controle sobre as escolhas de seus fãs nas urnas, Swift provou-se eficaz em encorajar jovens eleitores a se registrar para votar.

De maneira prática, a arte pode fazer muito por nós — como nos dar uma linguagem comum para conversarmos uns com os outros através de todas as facções políticas, religiosas e de classe. Mas em vez de ficar sentados esperando que a força bruta da celebridade influencie a eleição, os fãs deveriam adotar a linguagem comum de suas legiões como uma maneira de conversar entre si — e potencialmente persuadir pessoas — a respeito de importantes questões práticas. O verdadeiro trabalho da política continua o mesmo: trabalho. Nas palavras (mais ou menos) de Swift: em vez de se decepcionar com os mentirosos e os enganadores tão, tão sujos desse mundo, sacuda a poeira — e se envolva. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

As convenções acabaram. O primeiro debate entre Donald Trump e Kamala Harris se aproxima. Mas para muitos observadores um evento altamente antecipado nesta campanha eleitoral que ainda não ocorreu pode acontecer a qualquer momento: o anúncio do apoio de Taylor Swift.

Um dia depois do presidente Joe Biden anunciar, em julho, que estava abandonando a disputa presidencial, o historiador Timothy Snyder, de Yale, especulou publicamente a respeito da possibilidade de Taylor Swift apoiar Kamala Harris. Manchetes com a pergunta “Taylor Swift apoiará Kamala Harris?” logo se proliferaram. Na última noite da Convenção Nacional Democrata, em agosto, emergiu um rumor sobre uma suposta convidada misteriosa — que muitos observadores alvoroçados especularam que poderia ser Taylor. (No fim, não havia nenhuma convidada-surpresa.) A contagem regressiva recomeçou: para quando poderemos aguardar o apoio oficial de Taylor?

Uma pergunta melhor seria: por que devemos nos importar com isso? Nós já sabemos que apoios de celebridades têm poder limitado para influenciar eleições. Em 2004, John Kerry recebeu apoios de celebridades como Leonardo DiCaprio e Larry David; e em 2020 Bernie Sanders contava com o apoio de Ariana Grande e Killer Mike. Ambos perderam. Taylor Swift, que apoiou Biden no fim da campanha de 2020, não conseguiu alterar significativamente o resultado de 2018, quando apoiou o democrata Phil Bredesen, ex-governador do Tennessee, em vez de Marsha Blackburn numa disputa pelo Senado que Marsha venceu. Se celebridades tivessem tanto poder de persuasão quanto alguns americanos aparentemente desejam que tenham, uma porcentagem substancial da população seria composta atualmente por cientologistas obstinados e veganos.

A cantora Taylor Swift se apresenta no estádio Wembley, em Londres, Reino Unido  Foto: Scott A Garfitt/AP

A fantasia de que uma superestrela como Swift surgiria montada num cavalo branco para influenciar os eleitores é sedutora — mas vale a pena perguntar do que esperamos que essa superestrela vai nos salvar. Não que os fãs de Swift esperem que ela vá nos salvar de Donald Trump. É que, enquanto eleitores, nós continuamos a acalentar a esperança de que as celebridades, por meio de seu carisma puro e persuasivo, nos salvará do trabalho duro da política em si.

Seria excepcionalmente conveniente se uma artista superfamosa pudesse tornar irrelevantes as espinhosas dúvidas sobre como persuadir eleitores em Estados críticos a votar no candidato de sua escolha. A popularidade de Swift não pode ser desconsiderada e transcende todo tipo de polarização nos Estados Unidos. Uma pesquisa NBC News de 2023 constatou que Swift evoca opiniões favoráveis ou neutras de aproximadamente 80% dos eleitores registrados. Se ela calça um sapato específico quando sai de casa, esse modelo pode esgotar nas lojas assim que é identificado.

Mas nossas decisões políticas decorrem, como deveriam, de preocupações mais práticas. A fúria entre os eleitores árabe-americanos do Michigan em razão do apoio dos EUA a Israel e da guerra em Gaza, por exemplo, é significativa o suficiente para ocasionar a derrota dos democratas no Estado. A ideia de eleitores que gostam de Swift poderem ignorar essas preocupações simplesmente em razão de um apoio de uma estrela pop não é apenas insultante, é distópica.

O ex-presidente dos Estados Unidos e candidato presidencial republicano, Donald Trump, participa de compromisso de campanha em Nova York, Estados Unidos  Foto: Alex Brandon/AP

Você pode estar pensando: mas e os anos 60? E Bob Dylan e “Blowin’ in the Wind”? Celebridades já não mudaram o curso da história? Canções de protesto fizeram sucesso; mas em relação à causa, a história é outra. Numa entrevista de 2003 à revista In These Times, Kurt Vonnegut refletiu sobre sua experiência em se contrapor à Guerra do Vietnã: “Qualquer artista que se preze neste país, qualquer escritor sério, pintor, comediante de stand-up, músico, ator e atriz, ou seja lá o que for, se manifestou contra aquela coisa”. Mas esse “raio laser de protesto”, afirmou Vonnegut, provou ter “o mesmo poder de uma torta de creme de banana de um metro de diâmetro caindo de uma escada de um metro e cinquenta de altura”.

A enorme voltagem das celebridades produzir tão pouca mudança social pode ocorrer, pelo menos em parte, porque as celebridades existem para nós como figuras aspiracionais, não práticas. Eu posso experimentar o programa de ginástica aeróbica de Jane Fonda por invejar sua forma física ou aderir ao clube de leitura de Reese Witherspoon por me fazer sentir que somos amigas. Mas políticos que se candidatam são, em última instância, servidores públicos. Eles trabalham para nós; nós não somos seus fãs, somos seus empregadores. Eles podem ocasionalmente assumir uma aura de celebridade — algo atribuído a figuras tão diversas quanto Barack Obama e Trump — mas sua tarefa deveria ser convencer os eleitores de que eles melhorarão as suas vidas. Se forem bem-sucedidos, eles vencerão. Se não forem, perderão. Mas devemos deixar as opiniões das celebridades fora disso.

Democratic presidential nominee Vice President Kamala Harris greets people after speaking during a campaign stop at the Throwback Brewery, in North Hampton, N.H., Wednesday, Sept. 4, 2024. (AP Photo/Steven Senne) Foto: Steven Senne/AP

Não quero soar como alguém que, como diz o ditado, acredita que celebridades devam “calar a boca e cantar”. Enquanto indivíduos e cidadãos, celebridades deveriam se sentir livres para denunciar publicamente problemas com que se importam e também para se organizar e se voluntariar onde possível e fazer doações com seu dinheiro. Mas em termos práticos suas vozes devem ser tão importantes quanto a de qualquer outro indivíduo. Não devemos esperar que celebridades resolvam a política para o restante de nós — e é melhor mesmo que elas não sejam capazes disso.

Se você ainda tem esperança de que os swifties possam ser ativados politicamente, a boa notícia é que eles já estão nessa. “Swifties por Kamala” é um esforço liderado por fãs para direcionar seu poder no reino artístico para a política, e seu recente lançamento no Zoom contou com as presenças, entre outras, de Elizabeth Warren e Carole King, mas não da própria Taylor. A decisão de Biden de deixar a disputa presidencial energizou muitos eleitores jovens, mais do que um post de uma celebridade no Instagram jamais seria capaz. E ainda que possa não ter comprovado um histórico de controle sobre as escolhas de seus fãs nas urnas, Swift provou-se eficaz em encorajar jovens eleitores a se registrar para votar.

De maneira prática, a arte pode fazer muito por nós — como nos dar uma linguagem comum para conversarmos uns com os outros através de todas as facções políticas, religiosas e de classe. Mas em vez de ficar sentados esperando que a força bruta da celebridade influencie a eleição, os fãs deveriam adotar a linguagem comum de suas legiões como uma maneira de conversar entre si — e potencialmente persuadir pessoas — a respeito de importantes questões práticas. O verdadeiro trabalho da política continua o mesmo: trabalho. Nas palavras (mais ou menos) de Swift: em vez de se decepcionar com os mentirosos e os enganadores tão, tão sujos desse mundo, sacuda a poeira — e se envolva. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

Opinião por B.D. McClay*

The New York Times-*B.D. McClay é crítica, ensaísta e swiftie

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