Por que os fantoches políticos de Putin agora ameaçam o presidente da Rússia? Entenda


Diversos candidatos das eleições russas participam do pleito para dar um verniz de normalidade; quando um candidato se destaca mais, o Kremlin interfere

Por Mikhail Zigar*

THE NEW YORK TIMES -O presidente Vladimir Putin sempre manipulou fantoches magistralmente — políticos amigáveis ao regime que, a mando do Kremlin ou sob sua bênção, apresentam-se como candidatos de oposição mas nunca adentram territórios genuinamente desafiadores. Esse sistema existe há muito tempo, pelo menos desde a primeira reeleição de Putin, em 2004, e sempre funcionou perfeitamente: mantendo a fachada do simulacro de democracia da Rússia. Mas durante as preparações para a próxima eleição presidencial, em março, esse arranjo parece ter se rompido. Os fantoches de Putin começaram a ganhar vida própria.

Um mês atrás, muitos eleitores russos nunca tinham ouvido falar de Boris Nadezhdin. Após uma postulação incendiária que cativou a imaginação dos russos, ele virou o segundo político mais popular do país. Antes da repentina ascensão à fama, o trecho mais notável da biografia de Nadezhdin era ele ter trabalhado com Sergei Kiriienko e integrado seu grupo parlamentar progressista. Kiriienko, que foi primeiro-ministro por menos de um ano em 1998, repudiou o progressismo político e veio a se tornar uma figura importante no governo de Putin. Como subchefe de gabinete do presidente, hoje Kiriienko é responsável pela supervisão das campanhas eleitorais na Rússia. É ele que decide quem pode ou não participar.

Em sua função, Kiriienko com frequência dependeu de políticos-fantoche. Em 2018, por exemplo, ofereceu a Ksenia Sobchak, uma jornalista famosa e filha de um ex-prefeito de São Petersburgo que tinha sido chefe de Putin, a chance de concorrer à presidência. Amigos, eu incluído, aconselharam Sobchak a declinar da oferta obviamente suspeita, mas ela aceitou. Sobchak alegou que era importante participar de debates e abordar temas considerados tabu na TV estatal. No fim, obteve menos de 2% dos votos. E evidentemente esse era o plano de Kiriienko. O resultado tinha como objetivo humilhar a classe-média progressista e pró-Ocidente que Sobchak representava, mostrando que seus votos não importam e podem ser desprezados.

continua após a publicidade
Boris Nadezhdin participa de coletiva de imprensa após ser impedido de concorrer nas eleições presidenciais da Rússia  Foto: Alexander Zemlianichenko/AP

Neste ano, Nadezhdin, de 60 anos, parece destinado a um papel similar. Como Sobchak, ele é bem conhecido dos espectadores da TV. Em anos recentes, apareceu regularmente em talk shows bancando de progressista pró-Ocidente. Nesses cenários artificiais, Nadezhdin foi um dos únicos indivíduos a falar criticamente a respeito de Putin e da Rússia contemporânea. Mas certamente toda vez ele foi derrotado convincentemente por propagandistas mais numerosos e eloquentes. Por mais sinceras que possam ser suas convicções, Nadezhdin participou da farsa.

Nadezhdin declarou publicamente que não discutiu sua candidatura com seu velho amigo Kiriienko. Mas é difícil acreditar. De acordo com fontes próximas ao Kremlin, que falaram sob condição de anonimato para discutir assuntos sensíveis, o próprio Kiriienko deu sinal verde à coisa toda. Nadezhdin foi definido como controlado e não ameaçador, provavelmente obteria aquela mesma porcentagem pífia de votos — novamente esfregando na cara dos oponentes de Putin sua própria insignificância. Uma configuração na qual todos sairiam ganhando.

continua após a publicidade

Mas a campanha não sucedeu de acordo com o plano. Depois que Nadezhdin se declarou o único candidato antiguerra na disputa, qualificando a invasão de Putin à Ucrânia como um “erro fatal”, dezenas de milhares de pessoas fizeram fila em cidades de toda a Rússia para expressar seu apoio. (Um candidato presidencial precisa de 100 mil assinaturas para obter registro na disputa.) As filas por Nadezhdin viraram um frenesi. No ambiente draconiano da Rússia em tempo de guerra, constituíram a única maneira de protestar contra a guerra legalmente.

O presidente da Rússia, Vladimir Putin, inspeciona equipamentos militares em uma fábrica em Tagil, Rússia  Foto: Ramil Sitdikov / AP

Essa enorme popularidade claramente impressionou Nadezhdin. Ele pareceu ter decidido que é muito mais que um fantoche do Kremlin; que tem capacidade de atuar como um político independente. “Ditaduras não duram para sempre. Nem ditadores”, escreveu Nadezhdin no dia em que levou as caixas de assinaturas coletadas à comissão eleitoral central. Ele nunca tinha ousado chamar Putin de ditador. Para o Kremlin, foi demais. Na semana passada, citando supostas irregularidades na documentação de Nadezhdin, as autoridades o impediram de concorrer.

continua após a publicidade

A inesperada transformação de Nadezhdin de brinquedo do Kremlin para herói popular recordou muitos do líder do Grupo Wagner, Ievgeni Prigozhin, que morreu no ano passado. Prigozhin também parecia um fantoche de Putin. No começo da guerra, o presidente o instruiu a criticar os comandantes do Exército para evitar que eles ficassem poderosos e populares demais. Mas Prigozhin, em declarações gravadas em vídeos que chamaram enorme atenção, exagerou. Começou a acreditar que era o homem mais popular no país e tentou um motim. A coisa não terminou bem para ele.

Mas a lição serviu de alerta para o Kremlin. Num campo político tão agreste, onde só quem reina é Putin, qualquer um que pareça oferecer uma alternativa clara vira celebridade imediatamente. Apesar da remoção de Nadezhdin da disputa, ele não será de modo nenhum o último candidato capaz de assustar o Kremlin nesta campanha. O líder verdadeiro da campanha de oposição na Rússia, Alexei Navalni, que está preso, pediu que os eleitores apoiem qualquer candidato que não seja Putin. Hipoteticamente, isso significa que qualquer fantoche que acabe com o nome na cédula pode representar um perigo.

Principal opositor de Vladimir Putin, o ativista Alexei Navalni está preso no Ártico russo  Foto: Alexander Zemlianichenko/AP
continua após a publicidade

Por agora, há três candidatos registrados representando partidos parlamentares — do Partido Comunista; do Partido Liberal Democrata, de extrema direita; e do partido Nova Gente, que, apesar de completamente controlado pelo Kremlin, é moderado e favorável aos negócios. Esse partido certamente é o próximo na fila para concentrar o apoio dos manifestantes. Seu candidato, Vladislav Davankov, tem 39 anos e é relativamente jovial. Em janeiro, Davankov tentou até se posicionar como progressista, apoiando os esforços de Nadezhdin de disputar.

Em teoria, Davankov não deverá representar nenhuma ameaça real. Ele é associado de Iuri Kovalchuk, o amigo mais próximo de Putin, além de fantoche experiente. Davankov candidatou-se à prefeitura de Moscou, cinco meses atrás, quase não fez campanha e obteve apenas 5% dos votos. Mas se todos em oposição ao governo de Putin, incluindo russos no exílio, começassem a fazer campanha por Davankov, ele viraria o candidato antiguerra mesmo que contra a própria vontade. O Kremlin teria, então, de lutar contra mais uma invenção que deu errado.

continua após a publicidade

Um mau funcionamento desse tipo poderia ter consequências inesperadas. Os burocratas em torno de Kiriienko, de acordo com uma fonte próxima ao governo que pediu para não ser identificada para discutir informações confidenciais, já começaram a considerar uma mudança na Constituição que poupe Putin dos rigores da reeleição. A propaganda russa busca há muito mostrar que a democracia ocidental é destrutiva e caótica. Talvez o Kremlin possa pensar que chegou a hora de abandoná-la absolutamente. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

*Mikhail Zigar (@zygaro) é ex-editor-chefe do canal de jornalismo independente TV Rain e autor de “War and Punishment: Putin, Zelensky and the Path to Russia’s Invasion of Ukraine” (Guerra e punição: Putin, Zelenski e o caminho para a invasão russa à Ucrânia) e “Todos os homens do Kremlin: Os bastidores do poder na Rússia de Vladimir Putin”.

THE NEW YORK TIMES -O presidente Vladimir Putin sempre manipulou fantoches magistralmente — políticos amigáveis ao regime que, a mando do Kremlin ou sob sua bênção, apresentam-se como candidatos de oposição mas nunca adentram territórios genuinamente desafiadores. Esse sistema existe há muito tempo, pelo menos desde a primeira reeleição de Putin, em 2004, e sempre funcionou perfeitamente: mantendo a fachada do simulacro de democracia da Rússia. Mas durante as preparações para a próxima eleição presidencial, em março, esse arranjo parece ter se rompido. Os fantoches de Putin começaram a ganhar vida própria.

Um mês atrás, muitos eleitores russos nunca tinham ouvido falar de Boris Nadezhdin. Após uma postulação incendiária que cativou a imaginação dos russos, ele virou o segundo político mais popular do país. Antes da repentina ascensão à fama, o trecho mais notável da biografia de Nadezhdin era ele ter trabalhado com Sergei Kiriienko e integrado seu grupo parlamentar progressista. Kiriienko, que foi primeiro-ministro por menos de um ano em 1998, repudiou o progressismo político e veio a se tornar uma figura importante no governo de Putin. Como subchefe de gabinete do presidente, hoje Kiriienko é responsável pela supervisão das campanhas eleitorais na Rússia. É ele que decide quem pode ou não participar.

Em sua função, Kiriienko com frequência dependeu de políticos-fantoche. Em 2018, por exemplo, ofereceu a Ksenia Sobchak, uma jornalista famosa e filha de um ex-prefeito de São Petersburgo que tinha sido chefe de Putin, a chance de concorrer à presidência. Amigos, eu incluído, aconselharam Sobchak a declinar da oferta obviamente suspeita, mas ela aceitou. Sobchak alegou que era importante participar de debates e abordar temas considerados tabu na TV estatal. No fim, obteve menos de 2% dos votos. E evidentemente esse era o plano de Kiriienko. O resultado tinha como objetivo humilhar a classe-média progressista e pró-Ocidente que Sobchak representava, mostrando que seus votos não importam e podem ser desprezados.

Boris Nadezhdin participa de coletiva de imprensa após ser impedido de concorrer nas eleições presidenciais da Rússia  Foto: Alexander Zemlianichenko/AP

Neste ano, Nadezhdin, de 60 anos, parece destinado a um papel similar. Como Sobchak, ele é bem conhecido dos espectadores da TV. Em anos recentes, apareceu regularmente em talk shows bancando de progressista pró-Ocidente. Nesses cenários artificiais, Nadezhdin foi um dos únicos indivíduos a falar criticamente a respeito de Putin e da Rússia contemporânea. Mas certamente toda vez ele foi derrotado convincentemente por propagandistas mais numerosos e eloquentes. Por mais sinceras que possam ser suas convicções, Nadezhdin participou da farsa.

Nadezhdin declarou publicamente que não discutiu sua candidatura com seu velho amigo Kiriienko. Mas é difícil acreditar. De acordo com fontes próximas ao Kremlin, que falaram sob condição de anonimato para discutir assuntos sensíveis, o próprio Kiriienko deu sinal verde à coisa toda. Nadezhdin foi definido como controlado e não ameaçador, provavelmente obteria aquela mesma porcentagem pífia de votos — novamente esfregando na cara dos oponentes de Putin sua própria insignificância. Uma configuração na qual todos sairiam ganhando.

Mas a campanha não sucedeu de acordo com o plano. Depois que Nadezhdin se declarou o único candidato antiguerra na disputa, qualificando a invasão de Putin à Ucrânia como um “erro fatal”, dezenas de milhares de pessoas fizeram fila em cidades de toda a Rússia para expressar seu apoio. (Um candidato presidencial precisa de 100 mil assinaturas para obter registro na disputa.) As filas por Nadezhdin viraram um frenesi. No ambiente draconiano da Rússia em tempo de guerra, constituíram a única maneira de protestar contra a guerra legalmente.

O presidente da Rússia, Vladimir Putin, inspeciona equipamentos militares em uma fábrica em Tagil, Rússia  Foto: Ramil Sitdikov / AP

Essa enorme popularidade claramente impressionou Nadezhdin. Ele pareceu ter decidido que é muito mais que um fantoche do Kremlin; que tem capacidade de atuar como um político independente. “Ditaduras não duram para sempre. Nem ditadores”, escreveu Nadezhdin no dia em que levou as caixas de assinaturas coletadas à comissão eleitoral central. Ele nunca tinha ousado chamar Putin de ditador. Para o Kremlin, foi demais. Na semana passada, citando supostas irregularidades na documentação de Nadezhdin, as autoridades o impediram de concorrer.

A inesperada transformação de Nadezhdin de brinquedo do Kremlin para herói popular recordou muitos do líder do Grupo Wagner, Ievgeni Prigozhin, que morreu no ano passado. Prigozhin também parecia um fantoche de Putin. No começo da guerra, o presidente o instruiu a criticar os comandantes do Exército para evitar que eles ficassem poderosos e populares demais. Mas Prigozhin, em declarações gravadas em vídeos que chamaram enorme atenção, exagerou. Começou a acreditar que era o homem mais popular no país e tentou um motim. A coisa não terminou bem para ele.

Mas a lição serviu de alerta para o Kremlin. Num campo político tão agreste, onde só quem reina é Putin, qualquer um que pareça oferecer uma alternativa clara vira celebridade imediatamente. Apesar da remoção de Nadezhdin da disputa, ele não será de modo nenhum o último candidato capaz de assustar o Kremlin nesta campanha. O líder verdadeiro da campanha de oposição na Rússia, Alexei Navalni, que está preso, pediu que os eleitores apoiem qualquer candidato que não seja Putin. Hipoteticamente, isso significa que qualquer fantoche que acabe com o nome na cédula pode representar um perigo.

Principal opositor de Vladimir Putin, o ativista Alexei Navalni está preso no Ártico russo  Foto: Alexander Zemlianichenko/AP

Por agora, há três candidatos registrados representando partidos parlamentares — do Partido Comunista; do Partido Liberal Democrata, de extrema direita; e do partido Nova Gente, que, apesar de completamente controlado pelo Kremlin, é moderado e favorável aos negócios. Esse partido certamente é o próximo na fila para concentrar o apoio dos manifestantes. Seu candidato, Vladislav Davankov, tem 39 anos e é relativamente jovial. Em janeiro, Davankov tentou até se posicionar como progressista, apoiando os esforços de Nadezhdin de disputar.

Em teoria, Davankov não deverá representar nenhuma ameaça real. Ele é associado de Iuri Kovalchuk, o amigo mais próximo de Putin, além de fantoche experiente. Davankov candidatou-se à prefeitura de Moscou, cinco meses atrás, quase não fez campanha e obteve apenas 5% dos votos. Mas se todos em oposição ao governo de Putin, incluindo russos no exílio, começassem a fazer campanha por Davankov, ele viraria o candidato antiguerra mesmo que contra a própria vontade. O Kremlin teria, então, de lutar contra mais uma invenção que deu errado.

Um mau funcionamento desse tipo poderia ter consequências inesperadas. Os burocratas em torno de Kiriienko, de acordo com uma fonte próxima ao governo que pediu para não ser identificada para discutir informações confidenciais, já começaram a considerar uma mudança na Constituição que poupe Putin dos rigores da reeleição. A propaganda russa busca há muito mostrar que a democracia ocidental é destrutiva e caótica. Talvez o Kremlin possa pensar que chegou a hora de abandoná-la absolutamente. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

*Mikhail Zigar (@zygaro) é ex-editor-chefe do canal de jornalismo independente TV Rain e autor de “War and Punishment: Putin, Zelensky and the Path to Russia’s Invasion of Ukraine” (Guerra e punição: Putin, Zelenski e o caminho para a invasão russa à Ucrânia) e “Todos os homens do Kremlin: Os bastidores do poder na Rússia de Vladimir Putin”.

THE NEW YORK TIMES -O presidente Vladimir Putin sempre manipulou fantoches magistralmente — políticos amigáveis ao regime que, a mando do Kremlin ou sob sua bênção, apresentam-se como candidatos de oposição mas nunca adentram territórios genuinamente desafiadores. Esse sistema existe há muito tempo, pelo menos desde a primeira reeleição de Putin, em 2004, e sempre funcionou perfeitamente: mantendo a fachada do simulacro de democracia da Rússia. Mas durante as preparações para a próxima eleição presidencial, em março, esse arranjo parece ter se rompido. Os fantoches de Putin começaram a ganhar vida própria.

Um mês atrás, muitos eleitores russos nunca tinham ouvido falar de Boris Nadezhdin. Após uma postulação incendiária que cativou a imaginação dos russos, ele virou o segundo político mais popular do país. Antes da repentina ascensão à fama, o trecho mais notável da biografia de Nadezhdin era ele ter trabalhado com Sergei Kiriienko e integrado seu grupo parlamentar progressista. Kiriienko, que foi primeiro-ministro por menos de um ano em 1998, repudiou o progressismo político e veio a se tornar uma figura importante no governo de Putin. Como subchefe de gabinete do presidente, hoje Kiriienko é responsável pela supervisão das campanhas eleitorais na Rússia. É ele que decide quem pode ou não participar.

Em sua função, Kiriienko com frequência dependeu de políticos-fantoche. Em 2018, por exemplo, ofereceu a Ksenia Sobchak, uma jornalista famosa e filha de um ex-prefeito de São Petersburgo que tinha sido chefe de Putin, a chance de concorrer à presidência. Amigos, eu incluído, aconselharam Sobchak a declinar da oferta obviamente suspeita, mas ela aceitou. Sobchak alegou que era importante participar de debates e abordar temas considerados tabu na TV estatal. No fim, obteve menos de 2% dos votos. E evidentemente esse era o plano de Kiriienko. O resultado tinha como objetivo humilhar a classe-média progressista e pró-Ocidente que Sobchak representava, mostrando que seus votos não importam e podem ser desprezados.

Boris Nadezhdin participa de coletiva de imprensa após ser impedido de concorrer nas eleições presidenciais da Rússia  Foto: Alexander Zemlianichenko/AP

Neste ano, Nadezhdin, de 60 anos, parece destinado a um papel similar. Como Sobchak, ele é bem conhecido dos espectadores da TV. Em anos recentes, apareceu regularmente em talk shows bancando de progressista pró-Ocidente. Nesses cenários artificiais, Nadezhdin foi um dos únicos indivíduos a falar criticamente a respeito de Putin e da Rússia contemporânea. Mas certamente toda vez ele foi derrotado convincentemente por propagandistas mais numerosos e eloquentes. Por mais sinceras que possam ser suas convicções, Nadezhdin participou da farsa.

Nadezhdin declarou publicamente que não discutiu sua candidatura com seu velho amigo Kiriienko. Mas é difícil acreditar. De acordo com fontes próximas ao Kremlin, que falaram sob condição de anonimato para discutir assuntos sensíveis, o próprio Kiriienko deu sinal verde à coisa toda. Nadezhdin foi definido como controlado e não ameaçador, provavelmente obteria aquela mesma porcentagem pífia de votos — novamente esfregando na cara dos oponentes de Putin sua própria insignificância. Uma configuração na qual todos sairiam ganhando.

Mas a campanha não sucedeu de acordo com o plano. Depois que Nadezhdin se declarou o único candidato antiguerra na disputa, qualificando a invasão de Putin à Ucrânia como um “erro fatal”, dezenas de milhares de pessoas fizeram fila em cidades de toda a Rússia para expressar seu apoio. (Um candidato presidencial precisa de 100 mil assinaturas para obter registro na disputa.) As filas por Nadezhdin viraram um frenesi. No ambiente draconiano da Rússia em tempo de guerra, constituíram a única maneira de protestar contra a guerra legalmente.

O presidente da Rússia, Vladimir Putin, inspeciona equipamentos militares em uma fábrica em Tagil, Rússia  Foto: Ramil Sitdikov / AP

Essa enorme popularidade claramente impressionou Nadezhdin. Ele pareceu ter decidido que é muito mais que um fantoche do Kremlin; que tem capacidade de atuar como um político independente. “Ditaduras não duram para sempre. Nem ditadores”, escreveu Nadezhdin no dia em que levou as caixas de assinaturas coletadas à comissão eleitoral central. Ele nunca tinha ousado chamar Putin de ditador. Para o Kremlin, foi demais. Na semana passada, citando supostas irregularidades na documentação de Nadezhdin, as autoridades o impediram de concorrer.

A inesperada transformação de Nadezhdin de brinquedo do Kremlin para herói popular recordou muitos do líder do Grupo Wagner, Ievgeni Prigozhin, que morreu no ano passado. Prigozhin também parecia um fantoche de Putin. No começo da guerra, o presidente o instruiu a criticar os comandantes do Exército para evitar que eles ficassem poderosos e populares demais. Mas Prigozhin, em declarações gravadas em vídeos que chamaram enorme atenção, exagerou. Começou a acreditar que era o homem mais popular no país e tentou um motim. A coisa não terminou bem para ele.

Mas a lição serviu de alerta para o Kremlin. Num campo político tão agreste, onde só quem reina é Putin, qualquer um que pareça oferecer uma alternativa clara vira celebridade imediatamente. Apesar da remoção de Nadezhdin da disputa, ele não será de modo nenhum o último candidato capaz de assustar o Kremlin nesta campanha. O líder verdadeiro da campanha de oposição na Rússia, Alexei Navalni, que está preso, pediu que os eleitores apoiem qualquer candidato que não seja Putin. Hipoteticamente, isso significa que qualquer fantoche que acabe com o nome na cédula pode representar um perigo.

Principal opositor de Vladimir Putin, o ativista Alexei Navalni está preso no Ártico russo  Foto: Alexander Zemlianichenko/AP

Por agora, há três candidatos registrados representando partidos parlamentares — do Partido Comunista; do Partido Liberal Democrata, de extrema direita; e do partido Nova Gente, que, apesar de completamente controlado pelo Kremlin, é moderado e favorável aos negócios. Esse partido certamente é o próximo na fila para concentrar o apoio dos manifestantes. Seu candidato, Vladislav Davankov, tem 39 anos e é relativamente jovial. Em janeiro, Davankov tentou até se posicionar como progressista, apoiando os esforços de Nadezhdin de disputar.

Em teoria, Davankov não deverá representar nenhuma ameaça real. Ele é associado de Iuri Kovalchuk, o amigo mais próximo de Putin, além de fantoche experiente. Davankov candidatou-se à prefeitura de Moscou, cinco meses atrás, quase não fez campanha e obteve apenas 5% dos votos. Mas se todos em oposição ao governo de Putin, incluindo russos no exílio, começassem a fazer campanha por Davankov, ele viraria o candidato antiguerra mesmo que contra a própria vontade. O Kremlin teria, então, de lutar contra mais uma invenção que deu errado.

Um mau funcionamento desse tipo poderia ter consequências inesperadas. Os burocratas em torno de Kiriienko, de acordo com uma fonte próxima ao governo que pediu para não ser identificada para discutir informações confidenciais, já começaram a considerar uma mudança na Constituição que poupe Putin dos rigores da reeleição. A propaganda russa busca há muito mostrar que a democracia ocidental é destrutiva e caótica. Talvez o Kremlin possa pensar que chegou a hora de abandoná-la absolutamente. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

*Mikhail Zigar (@zygaro) é ex-editor-chefe do canal de jornalismo independente TV Rain e autor de “War and Punishment: Putin, Zelensky and the Path to Russia’s Invasion of Ukraine” (Guerra e punição: Putin, Zelenski e o caminho para a invasão russa à Ucrânia) e “Todos os homens do Kremlin: Os bastidores do poder na Rússia de Vladimir Putin”.

THE NEW YORK TIMES -O presidente Vladimir Putin sempre manipulou fantoches magistralmente — políticos amigáveis ao regime que, a mando do Kremlin ou sob sua bênção, apresentam-se como candidatos de oposição mas nunca adentram territórios genuinamente desafiadores. Esse sistema existe há muito tempo, pelo menos desde a primeira reeleição de Putin, em 2004, e sempre funcionou perfeitamente: mantendo a fachada do simulacro de democracia da Rússia. Mas durante as preparações para a próxima eleição presidencial, em março, esse arranjo parece ter se rompido. Os fantoches de Putin começaram a ganhar vida própria.

Um mês atrás, muitos eleitores russos nunca tinham ouvido falar de Boris Nadezhdin. Após uma postulação incendiária que cativou a imaginação dos russos, ele virou o segundo político mais popular do país. Antes da repentina ascensão à fama, o trecho mais notável da biografia de Nadezhdin era ele ter trabalhado com Sergei Kiriienko e integrado seu grupo parlamentar progressista. Kiriienko, que foi primeiro-ministro por menos de um ano em 1998, repudiou o progressismo político e veio a se tornar uma figura importante no governo de Putin. Como subchefe de gabinete do presidente, hoje Kiriienko é responsável pela supervisão das campanhas eleitorais na Rússia. É ele que decide quem pode ou não participar.

Em sua função, Kiriienko com frequência dependeu de políticos-fantoche. Em 2018, por exemplo, ofereceu a Ksenia Sobchak, uma jornalista famosa e filha de um ex-prefeito de São Petersburgo que tinha sido chefe de Putin, a chance de concorrer à presidência. Amigos, eu incluído, aconselharam Sobchak a declinar da oferta obviamente suspeita, mas ela aceitou. Sobchak alegou que era importante participar de debates e abordar temas considerados tabu na TV estatal. No fim, obteve menos de 2% dos votos. E evidentemente esse era o plano de Kiriienko. O resultado tinha como objetivo humilhar a classe-média progressista e pró-Ocidente que Sobchak representava, mostrando que seus votos não importam e podem ser desprezados.

Boris Nadezhdin participa de coletiva de imprensa após ser impedido de concorrer nas eleições presidenciais da Rússia  Foto: Alexander Zemlianichenko/AP

Neste ano, Nadezhdin, de 60 anos, parece destinado a um papel similar. Como Sobchak, ele é bem conhecido dos espectadores da TV. Em anos recentes, apareceu regularmente em talk shows bancando de progressista pró-Ocidente. Nesses cenários artificiais, Nadezhdin foi um dos únicos indivíduos a falar criticamente a respeito de Putin e da Rússia contemporânea. Mas certamente toda vez ele foi derrotado convincentemente por propagandistas mais numerosos e eloquentes. Por mais sinceras que possam ser suas convicções, Nadezhdin participou da farsa.

Nadezhdin declarou publicamente que não discutiu sua candidatura com seu velho amigo Kiriienko. Mas é difícil acreditar. De acordo com fontes próximas ao Kremlin, que falaram sob condição de anonimato para discutir assuntos sensíveis, o próprio Kiriienko deu sinal verde à coisa toda. Nadezhdin foi definido como controlado e não ameaçador, provavelmente obteria aquela mesma porcentagem pífia de votos — novamente esfregando na cara dos oponentes de Putin sua própria insignificância. Uma configuração na qual todos sairiam ganhando.

Mas a campanha não sucedeu de acordo com o plano. Depois que Nadezhdin se declarou o único candidato antiguerra na disputa, qualificando a invasão de Putin à Ucrânia como um “erro fatal”, dezenas de milhares de pessoas fizeram fila em cidades de toda a Rússia para expressar seu apoio. (Um candidato presidencial precisa de 100 mil assinaturas para obter registro na disputa.) As filas por Nadezhdin viraram um frenesi. No ambiente draconiano da Rússia em tempo de guerra, constituíram a única maneira de protestar contra a guerra legalmente.

O presidente da Rússia, Vladimir Putin, inspeciona equipamentos militares em uma fábrica em Tagil, Rússia  Foto: Ramil Sitdikov / AP

Essa enorme popularidade claramente impressionou Nadezhdin. Ele pareceu ter decidido que é muito mais que um fantoche do Kremlin; que tem capacidade de atuar como um político independente. “Ditaduras não duram para sempre. Nem ditadores”, escreveu Nadezhdin no dia em que levou as caixas de assinaturas coletadas à comissão eleitoral central. Ele nunca tinha ousado chamar Putin de ditador. Para o Kremlin, foi demais. Na semana passada, citando supostas irregularidades na documentação de Nadezhdin, as autoridades o impediram de concorrer.

A inesperada transformação de Nadezhdin de brinquedo do Kremlin para herói popular recordou muitos do líder do Grupo Wagner, Ievgeni Prigozhin, que morreu no ano passado. Prigozhin também parecia um fantoche de Putin. No começo da guerra, o presidente o instruiu a criticar os comandantes do Exército para evitar que eles ficassem poderosos e populares demais. Mas Prigozhin, em declarações gravadas em vídeos que chamaram enorme atenção, exagerou. Começou a acreditar que era o homem mais popular no país e tentou um motim. A coisa não terminou bem para ele.

Mas a lição serviu de alerta para o Kremlin. Num campo político tão agreste, onde só quem reina é Putin, qualquer um que pareça oferecer uma alternativa clara vira celebridade imediatamente. Apesar da remoção de Nadezhdin da disputa, ele não será de modo nenhum o último candidato capaz de assustar o Kremlin nesta campanha. O líder verdadeiro da campanha de oposição na Rússia, Alexei Navalni, que está preso, pediu que os eleitores apoiem qualquer candidato que não seja Putin. Hipoteticamente, isso significa que qualquer fantoche que acabe com o nome na cédula pode representar um perigo.

Principal opositor de Vladimir Putin, o ativista Alexei Navalni está preso no Ártico russo  Foto: Alexander Zemlianichenko/AP

Por agora, há três candidatos registrados representando partidos parlamentares — do Partido Comunista; do Partido Liberal Democrata, de extrema direita; e do partido Nova Gente, que, apesar de completamente controlado pelo Kremlin, é moderado e favorável aos negócios. Esse partido certamente é o próximo na fila para concentrar o apoio dos manifestantes. Seu candidato, Vladislav Davankov, tem 39 anos e é relativamente jovial. Em janeiro, Davankov tentou até se posicionar como progressista, apoiando os esforços de Nadezhdin de disputar.

Em teoria, Davankov não deverá representar nenhuma ameaça real. Ele é associado de Iuri Kovalchuk, o amigo mais próximo de Putin, além de fantoche experiente. Davankov candidatou-se à prefeitura de Moscou, cinco meses atrás, quase não fez campanha e obteve apenas 5% dos votos. Mas se todos em oposição ao governo de Putin, incluindo russos no exílio, começassem a fazer campanha por Davankov, ele viraria o candidato antiguerra mesmo que contra a própria vontade. O Kremlin teria, então, de lutar contra mais uma invenção que deu errado.

Um mau funcionamento desse tipo poderia ter consequências inesperadas. Os burocratas em torno de Kiriienko, de acordo com uma fonte próxima ao governo que pediu para não ser identificada para discutir informações confidenciais, já começaram a considerar uma mudança na Constituição que poupe Putin dos rigores da reeleição. A propaganda russa busca há muito mostrar que a democracia ocidental é destrutiva e caótica. Talvez o Kremlin possa pensar que chegou a hora de abandoná-la absolutamente. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

*Mikhail Zigar (@zygaro) é ex-editor-chefe do canal de jornalismo independente TV Rain e autor de “War and Punishment: Putin, Zelensky and the Path to Russia’s Invasion of Ukraine” (Guerra e punição: Putin, Zelenski e o caminho para a invasão russa à Ucrânia) e “Todos os homens do Kremlin: Os bastidores do poder na Rússia de Vladimir Putin”.

THE NEW YORK TIMES -O presidente Vladimir Putin sempre manipulou fantoches magistralmente — políticos amigáveis ao regime que, a mando do Kremlin ou sob sua bênção, apresentam-se como candidatos de oposição mas nunca adentram territórios genuinamente desafiadores. Esse sistema existe há muito tempo, pelo menos desde a primeira reeleição de Putin, em 2004, e sempre funcionou perfeitamente: mantendo a fachada do simulacro de democracia da Rússia. Mas durante as preparações para a próxima eleição presidencial, em março, esse arranjo parece ter se rompido. Os fantoches de Putin começaram a ganhar vida própria.

Um mês atrás, muitos eleitores russos nunca tinham ouvido falar de Boris Nadezhdin. Após uma postulação incendiária que cativou a imaginação dos russos, ele virou o segundo político mais popular do país. Antes da repentina ascensão à fama, o trecho mais notável da biografia de Nadezhdin era ele ter trabalhado com Sergei Kiriienko e integrado seu grupo parlamentar progressista. Kiriienko, que foi primeiro-ministro por menos de um ano em 1998, repudiou o progressismo político e veio a se tornar uma figura importante no governo de Putin. Como subchefe de gabinete do presidente, hoje Kiriienko é responsável pela supervisão das campanhas eleitorais na Rússia. É ele que decide quem pode ou não participar.

Em sua função, Kiriienko com frequência dependeu de políticos-fantoche. Em 2018, por exemplo, ofereceu a Ksenia Sobchak, uma jornalista famosa e filha de um ex-prefeito de São Petersburgo que tinha sido chefe de Putin, a chance de concorrer à presidência. Amigos, eu incluído, aconselharam Sobchak a declinar da oferta obviamente suspeita, mas ela aceitou. Sobchak alegou que era importante participar de debates e abordar temas considerados tabu na TV estatal. No fim, obteve menos de 2% dos votos. E evidentemente esse era o plano de Kiriienko. O resultado tinha como objetivo humilhar a classe-média progressista e pró-Ocidente que Sobchak representava, mostrando que seus votos não importam e podem ser desprezados.

Boris Nadezhdin participa de coletiva de imprensa após ser impedido de concorrer nas eleições presidenciais da Rússia  Foto: Alexander Zemlianichenko/AP

Neste ano, Nadezhdin, de 60 anos, parece destinado a um papel similar. Como Sobchak, ele é bem conhecido dos espectadores da TV. Em anos recentes, apareceu regularmente em talk shows bancando de progressista pró-Ocidente. Nesses cenários artificiais, Nadezhdin foi um dos únicos indivíduos a falar criticamente a respeito de Putin e da Rússia contemporânea. Mas certamente toda vez ele foi derrotado convincentemente por propagandistas mais numerosos e eloquentes. Por mais sinceras que possam ser suas convicções, Nadezhdin participou da farsa.

Nadezhdin declarou publicamente que não discutiu sua candidatura com seu velho amigo Kiriienko. Mas é difícil acreditar. De acordo com fontes próximas ao Kremlin, que falaram sob condição de anonimato para discutir assuntos sensíveis, o próprio Kiriienko deu sinal verde à coisa toda. Nadezhdin foi definido como controlado e não ameaçador, provavelmente obteria aquela mesma porcentagem pífia de votos — novamente esfregando na cara dos oponentes de Putin sua própria insignificância. Uma configuração na qual todos sairiam ganhando.

Mas a campanha não sucedeu de acordo com o plano. Depois que Nadezhdin se declarou o único candidato antiguerra na disputa, qualificando a invasão de Putin à Ucrânia como um “erro fatal”, dezenas de milhares de pessoas fizeram fila em cidades de toda a Rússia para expressar seu apoio. (Um candidato presidencial precisa de 100 mil assinaturas para obter registro na disputa.) As filas por Nadezhdin viraram um frenesi. No ambiente draconiano da Rússia em tempo de guerra, constituíram a única maneira de protestar contra a guerra legalmente.

O presidente da Rússia, Vladimir Putin, inspeciona equipamentos militares em uma fábrica em Tagil, Rússia  Foto: Ramil Sitdikov / AP

Essa enorme popularidade claramente impressionou Nadezhdin. Ele pareceu ter decidido que é muito mais que um fantoche do Kremlin; que tem capacidade de atuar como um político independente. “Ditaduras não duram para sempre. Nem ditadores”, escreveu Nadezhdin no dia em que levou as caixas de assinaturas coletadas à comissão eleitoral central. Ele nunca tinha ousado chamar Putin de ditador. Para o Kremlin, foi demais. Na semana passada, citando supostas irregularidades na documentação de Nadezhdin, as autoridades o impediram de concorrer.

A inesperada transformação de Nadezhdin de brinquedo do Kremlin para herói popular recordou muitos do líder do Grupo Wagner, Ievgeni Prigozhin, que morreu no ano passado. Prigozhin também parecia um fantoche de Putin. No começo da guerra, o presidente o instruiu a criticar os comandantes do Exército para evitar que eles ficassem poderosos e populares demais. Mas Prigozhin, em declarações gravadas em vídeos que chamaram enorme atenção, exagerou. Começou a acreditar que era o homem mais popular no país e tentou um motim. A coisa não terminou bem para ele.

Mas a lição serviu de alerta para o Kremlin. Num campo político tão agreste, onde só quem reina é Putin, qualquer um que pareça oferecer uma alternativa clara vira celebridade imediatamente. Apesar da remoção de Nadezhdin da disputa, ele não será de modo nenhum o último candidato capaz de assustar o Kremlin nesta campanha. O líder verdadeiro da campanha de oposição na Rússia, Alexei Navalni, que está preso, pediu que os eleitores apoiem qualquer candidato que não seja Putin. Hipoteticamente, isso significa que qualquer fantoche que acabe com o nome na cédula pode representar um perigo.

Principal opositor de Vladimir Putin, o ativista Alexei Navalni está preso no Ártico russo  Foto: Alexander Zemlianichenko/AP

Por agora, há três candidatos registrados representando partidos parlamentares — do Partido Comunista; do Partido Liberal Democrata, de extrema direita; e do partido Nova Gente, que, apesar de completamente controlado pelo Kremlin, é moderado e favorável aos negócios. Esse partido certamente é o próximo na fila para concentrar o apoio dos manifestantes. Seu candidato, Vladislav Davankov, tem 39 anos e é relativamente jovial. Em janeiro, Davankov tentou até se posicionar como progressista, apoiando os esforços de Nadezhdin de disputar.

Em teoria, Davankov não deverá representar nenhuma ameaça real. Ele é associado de Iuri Kovalchuk, o amigo mais próximo de Putin, além de fantoche experiente. Davankov candidatou-se à prefeitura de Moscou, cinco meses atrás, quase não fez campanha e obteve apenas 5% dos votos. Mas se todos em oposição ao governo de Putin, incluindo russos no exílio, começassem a fazer campanha por Davankov, ele viraria o candidato antiguerra mesmo que contra a própria vontade. O Kremlin teria, então, de lutar contra mais uma invenção que deu errado.

Um mau funcionamento desse tipo poderia ter consequências inesperadas. Os burocratas em torno de Kiriienko, de acordo com uma fonte próxima ao governo que pediu para não ser identificada para discutir informações confidenciais, já começaram a considerar uma mudança na Constituição que poupe Putin dos rigores da reeleição. A propaganda russa busca há muito mostrar que a democracia ocidental é destrutiva e caótica. Talvez o Kremlin possa pensar que chegou a hora de abandoná-la absolutamente. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

*Mikhail Zigar (@zygaro) é ex-editor-chefe do canal de jornalismo independente TV Rain e autor de “War and Punishment: Putin, Zelensky and the Path to Russia’s Invasion of Ukraine” (Guerra e punição: Putin, Zelenski e o caminho para a invasão russa à Ucrânia) e “Todos os homens do Kremlin: Os bastidores do poder na Rússia de Vladimir Putin”.

Atualizamos nossa política de cookies

Ao utilizar nossos serviços, você aceita a política de monitoramento de cookies.