Seca e falta de água potável levam uruguaios a consumir água salobra do Rio da Prata


Escassez de água doce leva governo a utilizar água do Rio da Prata, estuário que se mistura com Oceano Atlântico

Por Lucien Chauvin, Ana Vanessa Herrero e Maite Fernández

MONTEVIDÉU — Quando as dores de cabeça começaram, María Sosa lembrou-se do café da manhã de dias atrás. Ela tinha cozinhado ovos quando seu marido, bebendo água, lhe perguntou se ela tinha sentido algum gosto estranho. “Eu olhei para a panela, e a água estava branca, cheia de sal”, afirmou Sosa, de 62 anos. “Naquele momento, eu soube que isso seria um problema.”

O Uruguai, acometido por temperaturas altas e seca, está ficando sem água doce. A Montevidéu, a capital, restam poucos dias de abastecimento.

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Esta pequena e afluente nação sul-americana não está só em seu sofrimento. Condições climáticas historicamente quentes e secas prejudicam a produção agrícola e abalam economias em todo o Cone Sul. Em meio às mudanças climáticas globais, a região está se aquecendo mais rapidamente do que o restante do mundo. A incidência de chuvas durante os últimos quatro meses de 2022 caiu para metade da média, o nível mais baixo em 35 anos.

Colheitas perdidas, preços de energia nas alturas, banhos uma vez à semana. Na América do Sul, o futuro climático já chegou.

Imagem mostra manifestante com garrafas vazias deitada no asfalto durante protesto de crise hídrica no Uruguai, em imagem de maio. Água salgada tem sido utilizada no abastecimento Foto: Matilde Campodonico/AP
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As geleiras andinas perderam mais de 30% de sua área desde os anos 80, de acordo com a Organização Meteorológica Mundial, da ONU. A região central do Chile enfrenta há 13 anos sua seca mais longa em pelo menos um milênio. As exportações agrícolas da Argentina deverão cair 28% em 2023.

Mas no Uruguai o clima extremo forçou as autoridades a uma resposta extrema.

O reservatório de Paso Severino, que abastece de água mais da metade dos 3,4 milhões de habitantes do país, baixou para 5% de sua capacidade. Então, a Agência de Avaliação de Tecnologias Sanitárias, estatal, obteve este mês permissão de exceder os limites de sódio e cloreto na água fornecida pela rede pública de abastecimento e começou a acrescentar água coletada do Rio da Prata, estuário em que a água doce vinda dos Rios Paraná e Uruguai se mistura com a água salgada do Oceano Atlântico.

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O resultado: a quantidade de sódio na água que sai das torneiras atingiu 421 miligramas por litro, segundo anunciou o governo na semana passada, mais que o dobro da recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS), 50% mais do que o limite autorizado anteriormente no Uruguai e equivalente a 10 vezes os níveis históricos do sistema.

O nível de cloreto atingiu 686 miligramas por litro, também 50% a mais do que o limite autorizado anteriormente.

Pessoas seguram cartazes que dizem em espanhol "Água é vida. Não a venda" durante protesto por causa da crise hídrica no Uruguai, em imagem de maio Foto: Matilde Campodonico/AP
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Além disso, o sabor da água está marcadamente salgado.

“Para a população em geral, isso não é um problema de saúde”, afirmou a repórteres a ministra da Saúde Pública, Karina Rando, ao anunciar a medida. Mas seu ministério emitiu um alerta: “Para pessoas com hipertensão, doenças renais e recomendações médicas para dietas restritas em sal é recomendado adotar controles extremos de pressão arterial, não negligenciar controles médicos e, se possível, beber água mineral engarrafada”.

Sosa está entre as pessoas afetadas. Ela sofre de hipertensão: demorou um ano até ela conseguir controlar sua pressão arterial.

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Desde que a água que sai das torneiras de sua casa ficou salgada, Sosa cortou seu consumo acentuadamente. “Eu costumava beber um ou dois litros de água por dia, agora eu tomo apenas dois copos”, afirmou ela. “Eu acabo guardando toda água que sobra do mate do meu marido, e nós só tomamos um ou dois por dia. Nossa vida inteira mudou.”

Custo da água mineral

No bairro Novo Amanhecer, onde Sosa vive, na periferia de Montevidéu, o problema é geral. Em um país cuja água doce foi reconhecida como uma das mais puras do mundo, o custo da água mineral engarrafada está estourando o orçamento das famílias.

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Políticos de oposição e alguns uruguaios culpam o presidente Luis Lacalle Pou pelo que qualificam como incompetência ou corrupção. Manifestantes têm entoado, “Não é seca, é roubo”.

“A crise em si poderia ter tido um plano de comunicação muito mais antecipado. Desde o ano passado estamos alertando que a seca iria continuar”, afirmou Carlos Colacce, ex-ministro do Meio Ambiente. “De um dia para o outro nós descobrimos que a água começou a sair salgada da torneira.”

Lacalle Pou afirmou que a crise não pegou seu governo de surpresa. “Eu não quero colocar foco no que não foi feito”, disse ele a repórteres, mas em novos projetos: uma usina de tratamento de água, uma represa e uma usina de dessalinização importada dos Estados Unidos.

Quem surpreendeu Lacalle Pou foi um menino que lhe perguntou a respeito da água quando ele visitava uma escola de ensino fundamental. “Uma pergunta”, disse o menino. “O que há de errado? Por que a água está tão salgada?”

O governo nacional suspendeu impostos sobre água mineral importada, e Montevidéu está subsidiando compras para cidadãos vulneráveis.

Manifestante cobra soluções para a crise hídrica no Uruguai durante protesto em Montevidéu, em maio Foto: Matilde Campodonico/AP

Por meio da rede de policlínicas da cidade, afirmou a prefeita de Montevidéu, Carolina Cosse, trabalhadores de saúde estão identificando pessoas em risco, e médicos estão emitindo “receitas” para pacientes vulneráveis trocarem por garrafas de água em comércios locais. Pelo menos 70% das pessoas que visitaram policlínicas na semana passada sofriam de hipertensão arterial, afirmaram as autoridades.

“Ainda não usei minha receita para água”, afirmou Sosa. “Ajudei uma vizinha de 80 anos a obter uma receita, porque eu ainda conseguia comprar água. Mas agora eu tenho que usar a receita.”

Partidos de oposição convocaram os ministros da Saúde e do Meio Ambiente para testemunhar a respeito da crise. “Um erro de gestão de hídrica foi cometido”, afirmou o líder da oposição no Senado, Enrique Rubio. “Eles ignoraram o problema.”

“Solicitamos uma interpelação, não uma discussão de projetos, mas a solução da crise hídrica”, afirmou ele. “Chegaremos a uma situação limite se não chover.”

Soledad Furtado é uma das proprietárias do supermercado Parque Congelados, no bairro Pardo, em Montevidéu. “A única pergunta que as pessoas nos fazem estes dias é a respeito da água”, afirmou ela. “Querem saber se ouvimos algo.”

“Nós limitamos as compras para 12 litros por dia porque queremos garantir que haja o suficiente para todos. As pessoas estão usando água mineral engarrafada para quase tudo estes dias.”

Após meses de pouca chuva, qualquer gota que cai do céu é motivo para celebrar. “Por sorte, começamos o dia com chuva”, tuitou na sexta-feira o embaixador alemão no Uruguai, Eugen Wollfarth. “Muita gratidão por estar molhado.” / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

MONTEVIDÉU — Quando as dores de cabeça começaram, María Sosa lembrou-se do café da manhã de dias atrás. Ela tinha cozinhado ovos quando seu marido, bebendo água, lhe perguntou se ela tinha sentido algum gosto estranho. “Eu olhei para a panela, e a água estava branca, cheia de sal”, afirmou Sosa, de 62 anos. “Naquele momento, eu soube que isso seria um problema.”

O Uruguai, acometido por temperaturas altas e seca, está ficando sem água doce. A Montevidéu, a capital, restam poucos dias de abastecimento.

Esta pequena e afluente nação sul-americana não está só em seu sofrimento. Condições climáticas historicamente quentes e secas prejudicam a produção agrícola e abalam economias em todo o Cone Sul. Em meio às mudanças climáticas globais, a região está se aquecendo mais rapidamente do que o restante do mundo. A incidência de chuvas durante os últimos quatro meses de 2022 caiu para metade da média, o nível mais baixo em 35 anos.

Colheitas perdidas, preços de energia nas alturas, banhos uma vez à semana. Na América do Sul, o futuro climático já chegou.

Imagem mostra manifestante com garrafas vazias deitada no asfalto durante protesto de crise hídrica no Uruguai, em imagem de maio. Água salgada tem sido utilizada no abastecimento Foto: Matilde Campodonico/AP

As geleiras andinas perderam mais de 30% de sua área desde os anos 80, de acordo com a Organização Meteorológica Mundial, da ONU. A região central do Chile enfrenta há 13 anos sua seca mais longa em pelo menos um milênio. As exportações agrícolas da Argentina deverão cair 28% em 2023.

Mas no Uruguai o clima extremo forçou as autoridades a uma resposta extrema.

O reservatório de Paso Severino, que abastece de água mais da metade dos 3,4 milhões de habitantes do país, baixou para 5% de sua capacidade. Então, a Agência de Avaliação de Tecnologias Sanitárias, estatal, obteve este mês permissão de exceder os limites de sódio e cloreto na água fornecida pela rede pública de abastecimento e começou a acrescentar água coletada do Rio da Prata, estuário em que a água doce vinda dos Rios Paraná e Uruguai se mistura com a água salgada do Oceano Atlântico.

O resultado: a quantidade de sódio na água que sai das torneiras atingiu 421 miligramas por litro, segundo anunciou o governo na semana passada, mais que o dobro da recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS), 50% mais do que o limite autorizado anteriormente no Uruguai e equivalente a 10 vezes os níveis históricos do sistema.

O nível de cloreto atingiu 686 miligramas por litro, também 50% a mais do que o limite autorizado anteriormente.

Pessoas seguram cartazes que dizem em espanhol "Água é vida. Não a venda" durante protesto por causa da crise hídrica no Uruguai, em imagem de maio Foto: Matilde Campodonico/AP

Além disso, o sabor da água está marcadamente salgado.

“Para a população em geral, isso não é um problema de saúde”, afirmou a repórteres a ministra da Saúde Pública, Karina Rando, ao anunciar a medida. Mas seu ministério emitiu um alerta: “Para pessoas com hipertensão, doenças renais e recomendações médicas para dietas restritas em sal é recomendado adotar controles extremos de pressão arterial, não negligenciar controles médicos e, se possível, beber água mineral engarrafada”.

Sosa está entre as pessoas afetadas. Ela sofre de hipertensão: demorou um ano até ela conseguir controlar sua pressão arterial.

Desde que a água que sai das torneiras de sua casa ficou salgada, Sosa cortou seu consumo acentuadamente. “Eu costumava beber um ou dois litros de água por dia, agora eu tomo apenas dois copos”, afirmou ela. “Eu acabo guardando toda água que sobra do mate do meu marido, e nós só tomamos um ou dois por dia. Nossa vida inteira mudou.”

Custo da água mineral

No bairro Novo Amanhecer, onde Sosa vive, na periferia de Montevidéu, o problema é geral. Em um país cuja água doce foi reconhecida como uma das mais puras do mundo, o custo da água mineral engarrafada está estourando o orçamento das famílias.

Políticos de oposição e alguns uruguaios culpam o presidente Luis Lacalle Pou pelo que qualificam como incompetência ou corrupção. Manifestantes têm entoado, “Não é seca, é roubo”.

“A crise em si poderia ter tido um plano de comunicação muito mais antecipado. Desde o ano passado estamos alertando que a seca iria continuar”, afirmou Carlos Colacce, ex-ministro do Meio Ambiente. “De um dia para o outro nós descobrimos que a água começou a sair salgada da torneira.”

Lacalle Pou afirmou que a crise não pegou seu governo de surpresa. “Eu não quero colocar foco no que não foi feito”, disse ele a repórteres, mas em novos projetos: uma usina de tratamento de água, uma represa e uma usina de dessalinização importada dos Estados Unidos.

Quem surpreendeu Lacalle Pou foi um menino que lhe perguntou a respeito da água quando ele visitava uma escola de ensino fundamental. “Uma pergunta”, disse o menino. “O que há de errado? Por que a água está tão salgada?”

O governo nacional suspendeu impostos sobre água mineral importada, e Montevidéu está subsidiando compras para cidadãos vulneráveis.

Manifestante cobra soluções para a crise hídrica no Uruguai durante protesto em Montevidéu, em maio Foto: Matilde Campodonico/AP

Por meio da rede de policlínicas da cidade, afirmou a prefeita de Montevidéu, Carolina Cosse, trabalhadores de saúde estão identificando pessoas em risco, e médicos estão emitindo “receitas” para pacientes vulneráveis trocarem por garrafas de água em comércios locais. Pelo menos 70% das pessoas que visitaram policlínicas na semana passada sofriam de hipertensão arterial, afirmaram as autoridades.

“Ainda não usei minha receita para água”, afirmou Sosa. “Ajudei uma vizinha de 80 anos a obter uma receita, porque eu ainda conseguia comprar água. Mas agora eu tenho que usar a receita.”

Partidos de oposição convocaram os ministros da Saúde e do Meio Ambiente para testemunhar a respeito da crise. “Um erro de gestão de hídrica foi cometido”, afirmou o líder da oposição no Senado, Enrique Rubio. “Eles ignoraram o problema.”

“Solicitamos uma interpelação, não uma discussão de projetos, mas a solução da crise hídrica”, afirmou ele. “Chegaremos a uma situação limite se não chover.”

Soledad Furtado é uma das proprietárias do supermercado Parque Congelados, no bairro Pardo, em Montevidéu. “A única pergunta que as pessoas nos fazem estes dias é a respeito da água”, afirmou ela. “Querem saber se ouvimos algo.”

“Nós limitamos as compras para 12 litros por dia porque queremos garantir que haja o suficiente para todos. As pessoas estão usando água mineral engarrafada para quase tudo estes dias.”

Após meses de pouca chuva, qualquer gota que cai do céu é motivo para celebrar. “Por sorte, começamos o dia com chuva”, tuitou na sexta-feira o embaixador alemão no Uruguai, Eugen Wollfarth. “Muita gratidão por estar molhado.” / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

MONTEVIDÉU — Quando as dores de cabeça começaram, María Sosa lembrou-se do café da manhã de dias atrás. Ela tinha cozinhado ovos quando seu marido, bebendo água, lhe perguntou se ela tinha sentido algum gosto estranho. “Eu olhei para a panela, e a água estava branca, cheia de sal”, afirmou Sosa, de 62 anos. “Naquele momento, eu soube que isso seria um problema.”

O Uruguai, acometido por temperaturas altas e seca, está ficando sem água doce. A Montevidéu, a capital, restam poucos dias de abastecimento.

Esta pequena e afluente nação sul-americana não está só em seu sofrimento. Condições climáticas historicamente quentes e secas prejudicam a produção agrícola e abalam economias em todo o Cone Sul. Em meio às mudanças climáticas globais, a região está se aquecendo mais rapidamente do que o restante do mundo. A incidência de chuvas durante os últimos quatro meses de 2022 caiu para metade da média, o nível mais baixo em 35 anos.

Colheitas perdidas, preços de energia nas alturas, banhos uma vez à semana. Na América do Sul, o futuro climático já chegou.

Imagem mostra manifestante com garrafas vazias deitada no asfalto durante protesto de crise hídrica no Uruguai, em imagem de maio. Água salgada tem sido utilizada no abastecimento Foto: Matilde Campodonico/AP

As geleiras andinas perderam mais de 30% de sua área desde os anos 80, de acordo com a Organização Meteorológica Mundial, da ONU. A região central do Chile enfrenta há 13 anos sua seca mais longa em pelo menos um milênio. As exportações agrícolas da Argentina deverão cair 28% em 2023.

Mas no Uruguai o clima extremo forçou as autoridades a uma resposta extrema.

O reservatório de Paso Severino, que abastece de água mais da metade dos 3,4 milhões de habitantes do país, baixou para 5% de sua capacidade. Então, a Agência de Avaliação de Tecnologias Sanitárias, estatal, obteve este mês permissão de exceder os limites de sódio e cloreto na água fornecida pela rede pública de abastecimento e começou a acrescentar água coletada do Rio da Prata, estuário em que a água doce vinda dos Rios Paraná e Uruguai se mistura com a água salgada do Oceano Atlântico.

O resultado: a quantidade de sódio na água que sai das torneiras atingiu 421 miligramas por litro, segundo anunciou o governo na semana passada, mais que o dobro da recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS), 50% mais do que o limite autorizado anteriormente no Uruguai e equivalente a 10 vezes os níveis históricos do sistema.

O nível de cloreto atingiu 686 miligramas por litro, também 50% a mais do que o limite autorizado anteriormente.

Pessoas seguram cartazes que dizem em espanhol "Água é vida. Não a venda" durante protesto por causa da crise hídrica no Uruguai, em imagem de maio Foto: Matilde Campodonico/AP

Além disso, o sabor da água está marcadamente salgado.

“Para a população em geral, isso não é um problema de saúde”, afirmou a repórteres a ministra da Saúde Pública, Karina Rando, ao anunciar a medida. Mas seu ministério emitiu um alerta: “Para pessoas com hipertensão, doenças renais e recomendações médicas para dietas restritas em sal é recomendado adotar controles extremos de pressão arterial, não negligenciar controles médicos e, se possível, beber água mineral engarrafada”.

Sosa está entre as pessoas afetadas. Ela sofre de hipertensão: demorou um ano até ela conseguir controlar sua pressão arterial.

Desde que a água que sai das torneiras de sua casa ficou salgada, Sosa cortou seu consumo acentuadamente. “Eu costumava beber um ou dois litros de água por dia, agora eu tomo apenas dois copos”, afirmou ela. “Eu acabo guardando toda água que sobra do mate do meu marido, e nós só tomamos um ou dois por dia. Nossa vida inteira mudou.”

Custo da água mineral

No bairro Novo Amanhecer, onde Sosa vive, na periferia de Montevidéu, o problema é geral. Em um país cuja água doce foi reconhecida como uma das mais puras do mundo, o custo da água mineral engarrafada está estourando o orçamento das famílias.

Políticos de oposição e alguns uruguaios culpam o presidente Luis Lacalle Pou pelo que qualificam como incompetência ou corrupção. Manifestantes têm entoado, “Não é seca, é roubo”.

“A crise em si poderia ter tido um plano de comunicação muito mais antecipado. Desde o ano passado estamos alertando que a seca iria continuar”, afirmou Carlos Colacce, ex-ministro do Meio Ambiente. “De um dia para o outro nós descobrimos que a água começou a sair salgada da torneira.”

Lacalle Pou afirmou que a crise não pegou seu governo de surpresa. “Eu não quero colocar foco no que não foi feito”, disse ele a repórteres, mas em novos projetos: uma usina de tratamento de água, uma represa e uma usina de dessalinização importada dos Estados Unidos.

Quem surpreendeu Lacalle Pou foi um menino que lhe perguntou a respeito da água quando ele visitava uma escola de ensino fundamental. “Uma pergunta”, disse o menino. “O que há de errado? Por que a água está tão salgada?”

O governo nacional suspendeu impostos sobre água mineral importada, e Montevidéu está subsidiando compras para cidadãos vulneráveis.

Manifestante cobra soluções para a crise hídrica no Uruguai durante protesto em Montevidéu, em maio Foto: Matilde Campodonico/AP

Por meio da rede de policlínicas da cidade, afirmou a prefeita de Montevidéu, Carolina Cosse, trabalhadores de saúde estão identificando pessoas em risco, e médicos estão emitindo “receitas” para pacientes vulneráveis trocarem por garrafas de água em comércios locais. Pelo menos 70% das pessoas que visitaram policlínicas na semana passada sofriam de hipertensão arterial, afirmaram as autoridades.

“Ainda não usei minha receita para água”, afirmou Sosa. “Ajudei uma vizinha de 80 anos a obter uma receita, porque eu ainda conseguia comprar água. Mas agora eu tenho que usar a receita.”

Partidos de oposição convocaram os ministros da Saúde e do Meio Ambiente para testemunhar a respeito da crise. “Um erro de gestão de hídrica foi cometido”, afirmou o líder da oposição no Senado, Enrique Rubio. “Eles ignoraram o problema.”

“Solicitamos uma interpelação, não uma discussão de projetos, mas a solução da crise hídrica”, afirmou ele. “Chegaremos a uma situação limite se não chover.”

Soledad Furtado é uma das proprietárias do supermercado Parque Congelados, no bairro Pardo, em Montevidéu. “A única pergunta que as pessoas nos fazem estes dias é a respeito da água”, afirmou ela. “Querem saber se ouvimos algo.”

“Nós limitamos as compras para 12 litros por dia porque queremos garantir que haja o suficiente para todos. As pessoas estão usando água mineral engarrafada para quase tudo estes dias.”

Após meses de pouca chuva, qualquer gota que cai do céu é motivo para celebrar. “Por sorte, começamos o dia com chuva”, tuitou na sexta-feira o embaixador alemão no Uruguai, Eugen Wollfarth. “Muita gratidão por estar molhado.” / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

MONTEVIDÉU — Quando as dores de cabeça começaram, María Sosa lembrou-se do café da manhã de dias atrás. Ela tinha cozinhado ovos quando seu marido, bebendo água, lhe perguntou se ela tinha sentido algum gosto estranho. “Eu olhei para a panela, e a água estava branca, cheia de sal”, afirmou Sosa, de 62 anos. “Naquele momento, eu soube que isso seria um problema.”

O Uruguai, acometido por temperaturas altas e seca, está ficando sem água doce. A Montevidéu, a capital, restam poucos dias de abastecimento.

Esta pequena e afluente nação sul-americana não está só em seu sofrimento. Condições climáticas historicamente quentes e secas prejudicam a produção agrícola e abalam economias em todo o Cone Sul. Em meio às mudanças climáticas globais, a região está se aquecendo mais rapidamente do que o restante do mundo. A incidência de chuvas durante os últimos quatro meses de 2022 caiu para metade da média, o nível mais baixo em 35 anos.

Colheitas perdidas, preços de energia nas alturas, banhos uma vez à semana. Na América do Sul, o futuro climático já chegou.

Imagem mostra manifestante com garrafas vazias deitada no asfalto durante protesto de crise hídrica no Uruguai, em imagem de maio. Água salgada tem sido utilizada no abastecimento Foto: Matilde Campodonico/AP

As geleiras andinas perderam mais de 30% de sua área desde os anos 80, de acordo com a Organização Meteorológica Mundial, da ONU. A região central do Chile enfrenta há 13 anos sua seca mais longa em pelo menos um milênio. As exportações agrícolas da Argentina deverão cair 28% em 2023.

Mas no Uruguai o clima extremo forçou as autoridades a uma resposta extrema.

O reservatório de Paso Severino, que abastece de água mais da metade dos 3,4 milhões de habitantes do país, baixou para 5% de sua capacidade. Então, a Agência de Avaliação de Tecnologias Sanitárias, estatal, obteve este mês permissão de exceder os limites de sódio e cloreto na água fornecida pela rede pública de abastecimento e começou a acrescentar água coletada do Rio da Prata, estuário em que a água doce vinda dos Rios Paraná e Uruguai se mistura com a água salgada do Oceano Atlântico.

O resultado: a quantidade de sódio na água que sai das torneiras atingiu 421 miligramas por litro, segundo anunciou o governo na semana passada, mais que o dobro da recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS), 50% mais do que o limite autorizado anteriormente no Uruguai e equivalente a 10 vezes os níveis históricos do sistema.

O nível de cloreto atingiu 686 miligramas por litro, também 50% a mais do que o limite autorizado anteriormente.

Pessoas seguram cartazes que dizem em espanhol "Água é vida. Não a venda" durante protesto por causa da crise hídrica no Uruguai, em imagem de maio Foto: Matilde Campodonico/AP

Além disso, o sabor da água está marcadamente salgado.

“Para a população em geral, isso não é um problema de saúde”, afirmou a repórteres a ministra da Saúde Pública, Karina Rando, ao anunciar a medida. Mas seu ministério emitiu um alerta: “Para pessoas com hipertensão, doenças renais e recomendações médicas para dietas restritas em sal é recomendado adotar controles extremos de pressão arterial, não negligenciar controles médicos e, se possível, beber água mineral engarrafada”.

Sosa está entre as pessoas afetadas. Ela sofre de hipertensão: demorou um ano até ela conseguir controlar sua pressão arterial.

Desde que a água que sai das torneiras de sua casa ficou salgada, Sosa cortou seu consumo acentuadamente. “Eu costumava beber um ou dois litros de água por dia, agora eu tomo apenas dois copos”, afirmou ela. “Eu acabo guardando toda água que sobra do mate do meu marido, e nós só tomamos um ou dois por dia. Nossa vida inteira mudou.”

Custo da água mineral

No bairro Novo Amanhecer, onde Sosa vive, na periferia de Montevidéu, o problema é geral. Em um país cuja água doce foi reconhecida como uma das mais puras do mundo, o custo da água mineral engarrafada está estourando o orçamento das famílias.

Políticos de oposição e alguns uruguaios culpam o presidente Luis Lacalle Pou pelo que qualificam como incompetência ou corrupção. Manifestantes têm entoado, “Não é seca, é roubo”.

“A crise em si poderia ter tido um plano de comunicação muito mais antecipado. Desde o ano passado estamos alertando que a seca iria continuar”, afirmou Carlos Colacce, ex-ministro do Meio Ambiente. “De um dia para o outro nós descobrimos que a água começou a sair salgada da torneira.”

Lacalle Pou afirmou que a crise não pegou seu governo de surpresa. “Eu não quero colocar foco no que não foi feito”, disse ele a repórteres, mas em novos projetos: uma usina de tratamento de água, uma represa e uma usina de dessalinização importada dos Estados Unidos.

Quem surpreendeu Lacalle Pou foi um menino que lhe perguntou a respeito da água quando ele visitava uma escola de ensino fundamental. “Uma pergunta”, disse o menino. “O que há de errado? Por que a água está tão salgada?”

O governo nacional suspendeu impostos sobre água mineral importada, e Montevidéu está subsidiando compras para cidadãos vulneráveis.

Manifestante cobra soluções para a crise hídrica no Uruguai durante protesto em Montevidéu, em maio Foto: Matilde Campodonico/AP

Por meio da rede de policlínicas da cidade, afirmou a prefeita de Montevidéu, Carolina Cosse, trabalhadores de saúde estão identificando pessoas em risco, e médicos estão emitindo “receitas” para pacientes vulneráveis trocarem por garrafas de água em comércios locais. Pelo menos 70% das pessoas que visitaram policlínicas na semana passada sofriam de hipertensão arterial, afirmaram as autoridades.

“Ainda não usei minha receita para água”, afirmou Sosa. “Ajudei uma vizinha de 80 anos a obter uma receita, porque eu ainda conseguia comprar água. Mas agora eu tenho que usar a receita.”

Partidos de oposição convocaram os ministros da Saúde e do Meio Ambiente para testemunhar a respeito da crise. “Um erro de gestão de hídrica foi cometido”, afirmou o líder da oposição no Senado, Enrique Rubio. “Eles ignoraram o problema.”

“Solicitamos uma interpelação, não uma discussão de projetos, mas a solução da crise hídrica”, afirmou ele. “Chegaremos a uma situação limite se não chover.”

Soledad Furtado é uma das proprietárias do supermercado Parque Congelados, no bairro Pardo, em Montevidéu. “A única pergunta que as pessoas nos fazem estes dias é a respeito da água”, afirmou ela. “Querem saber se ouvimos algo.”

“Nós limitamos as compras para 12 litros por dia porque queremos garantir que haja o suficiente para todos. As pessoas estão usando água mineral engarrafada para quase tudo estes dias.”

Após meses de pouca chuva, qualquer gota que cai do céu é motivo para celebrar. “Por sorte, começamos o dia com chuva”, tuitou na sexta-feira o embaixador alemão no Uruguai, Eugen Wollfarth. “Muita gratidão por estar molhado.” / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

MONTEVIDÉU — Quando as dores de cabeça começaram, María Sosa lembrou-se do café da manhã de dias atrás. Ela tinha cozinhado ovos quando seu marido, bebendo água, lhe perguntou se ela tinha sentido algum gosto estranho. “Eu olhei para a panela, e a água estava branca, cheia de sal”, afirmou Sosa, de 62 anos. “Naquele momento, eu soube que isso seria um problema.”

O Uruguai, acometido por temperaturas altas e seca, está ficando sem água doce. A Montevidéu, a capital, restam poucos dias de abastecimento.

Esta pequena e afluente nação sul-americana não está só em seu sofrimento. Condições climáticas historicamente quentes e secas prejudicam a produção agrícola e abalam economias em todo o Cone Sul. Em meio às mudanças climáticas globais, a região está se aquecendo mais rapidamente do que o restante do mundo. A incidência de chuvas durante os últimos quatro meses de 2022 caiu para metade da média, o nível mais baixo em 35 anos.

Colheitas perdidas, preços de energia nas alturas, banhos uma vez à semana. Na América do Sul, o futuro climático já chegou.

Imagem mostra manifestante com garrafas vazias deitada no asfalto durante protesto de crise hídrica no Uruguai, em imagem de maio. Água salgada tem sido utilizada no abastecimento Foto: Matilde Campodonico/AP

As geleiras andinas perderam mais de 30% de sua área desde os anos 80, de acordo com a Organização Meteorológica Mundial, da ONU. A região central do Chile enfrenta há 13 anos sua seca mais longa em pelo menos um milênio. As exportações agrícolas da Argentina deverão cair 28% em 2023.

Mas no Uruguai o clima extremo forçou as autoridades a uma resposta extrema.

O reservatório de Paso Severino, que abastece de água mais da metade dos 3,4 milhões de habitantes do país, baixou para 5% de sua capacidade. Então, a Agência de Avaliação de Tecnologias Sanitárias, estatal, obteve este mês permissão de exceder os limites de sódio e cloreto na água fornecida pela rede pública de abastecimento e começou a acrescentar água coletada do Rio da Prata, estuário em que a água doce vinda dos Rios Paraná e Uruguai se mistura com a água salgada do Oceano Atlântico.

O resultado: a quantidade de sódio na água que sai das torneiras atingiu 421 miligramas por litro, segundo anunciou o governo na semana passada, mais que o dobro da recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS), 50% mais do que o limite autorizado anteriormente no Uruguai e equivalente a 10 vezes os níveis históricos do sistema.

O nível de cloreto atingiu 686 miligramas por litro, também 50% a mais do que o limite autorizado anteriormente.

Pessoas seguram cartazes que dizem em espanhol "Água é vida. Não a venda" durante protesto por causa da crise hídrica no Uruguai, em imagem de maio Foto: Matilde Campodonico/AP

Além disso, o sabor da água está marcadamente salgado.

“Para a população em geral, isso não é um problema de saúde”, afirmou a repórteres a ministra da Saúde Pública, Karina Rando, ao anunciar a medida. Mas seu ministério emitiu um alerta: “Para pessoas com hipertensão, doenças renais e recomendações médicas para dietas restritas em sal é recomendado adotar controles extremos de pressão arterial, não negligenciar controles médicos e, se possível, beber água mineral engarrafada”.

Sosa está entre as pessoas afetadas. Ela sofre de hipertensão: demorou um ano até ela conseguir controlar sua pressão arterial.

Desde que a água que sai das torneiras de sua casa ficou salgada, Sosa cortou seu consumo acentuadamente. “Eu costumava beber um ou dois litros de água por dia, agora eu tomo apenas dois copos”, afirmou ela. “Eu acabo guardando toda água que sobra do mate do meu marido, e nós só tomamos um ou dois por dia. Nossa vida inteira mudou.”

Custo da água mineral

No bairro Novo Amanhecer, onde Sosa vive, na periferia de Montevidéu, o problema é geral. Em um país cuja água doce foi reconhecida como uma das mais puras do mundo, o custo da água mineral engarrafada está estourando o orçamento das famílias.

Políticos de oposição e alguns uruguaios culpam o presidente Luis Lacalle Pou pelo que qualificam como incompetência ou corrupção. Manifestantes têm entoado, “Não é seca, é roubo”.

“A crise em si poderia ter tido um plano de comunicação muito mais antecipado. Desde o ano passado estamos alertando que a seca iria continuar”, afirmou Carlos Colacce, ex-ministro do Meio Ambiente. “De um dia para o outro nós descobrimos que a água começou a sair salgada da torneira.”

Lacalle Pou afirmou que a crise não pegou seu governo de surpresa. “Eu não quero colocar foco no que não foi feito”, disse ele a repórteres, mas em novos projetos: uma usina de tratamento de água, uma represa e uma usina de dessalinização importada dos Estados Unidos.

Quem surpreendeu Lacalle Pou foi um menino que lhe perguntou a respeito da água quando ele visitava uma escola de ensino fundamental. “Uma pergunta”, disse o menino. “O que há de errado? Por que a água está tão salgada?”

O governo nacional suspendeu impostos sobre água mineral importada, e Montevidéu está subsidiando compras para cidadãos vulneráveis.

Manifestante cobra soluções para a crise hídrica no Uruguai durante protesto em Montevidéu, em maio Foto: Matilde Campodonico/AP

Por meio da rede de policlínicas da cidade, afirmou a prefeita de Montevidéu, Carolina Cosse, trabalhadores de saúde estão identificando pessoas em risco, e médicos estão emitindo “receitas” para pacientes vulneráveis trocarem por garrafas de água em comércios locais. Pelo menos 70% das pessoas que visitaram policlínicas na semana passada sofriam de hipertensão arterial, afirmaram as autoridades.

“Ainda não usei minha receita para água”, afirmou Sosa. “Ajudei uma vizinha de 80 anos a obter uma receita, porque eu ainda conseguia comprar água. Mas agora eu tenho que usar a receita.”

Partidos de oposição convocaram os ministros da Saúde e do Meio Ambiente para testemunhar a respeito da crise. “Um erro de gestão de hídrica foi cometido”, afirmou o líder da oposição no Senado, Enrique Rubio. “Eles ignoraram o problema.”

“Solicitamos uma interpelação, não uma discussão de projetos, mas a solução da crise hídrica”, afirmou ele. “Chegaremos a uma situação limite se não chover.”

Soledad Furtado é uma das proprietárias do supermercado Parque Congelados, no bairro Pardo, em Montevidéu. “A única pergunta que as pessoas nos fazem estes dias é a respeito da água”, afirmou ela. “Querem saber se ouvimos algo.”

“Nós limitamos as compras para 12 litros por dia porque queremos garantir que haja o suficiente para todos. As pessoas estão usando água mineral engarrafada para quase tudo estes dias.”

Após meses de pouca chuva, qualquer gota que cai do céu é motivo para celebrar. “Por sorte, começamos o dia com chuva”, tuitou na sexta-feira o embaixador alemão no Uruguai, Eugen Wollfarth. “Muita gratidão por estar molhado.” / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

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