Radicalismo político é a maior ameaça de segurança para os EUA em 2024, avaliam especialistas


Levantamento mostra que risco de terrorismo doméstico supera ameaças externas pela primeira vez em 16 anos

Por Jéssica Petrovna

Nos Estados Unidos, 2024 pode soar como uma repetição de 2020. O presidente Joe Biden é o candidato natural do partido Democrata para concorrer à reeleição enquanto Donald Trump lidera as primárias republicanas. Da última vez que esse enfrentamento ocorreu, o desfecho foi traumático: uma multidão trumpista atacou o Capitólio e tentou impedir que a derrota do seu líder fosse sacramentada pelo Congresso. Agora, à medida que a eleição se aproxima, a violência política é a preocupação número um entre analistas americanos.

Foi a primeira vez que o Levantamento de Prioridades Preventivas do Council on Foreign Relations (CFR) apontou para essa tendência em 16 anos, desde que o think tank com sede em Nova York criou a consulta anual. “Isso mostra o nível de ansiedade envolvendo a política doméstica dos EUA”, afirmou o diretor do Centro de Ação Preventiva do CFR Paul Stares ao Estadão.

O levantamento é conduzido da seguinte forma: uma lista com 30 potenciais cenários é traçada a partir das sugestões dos próprios analistas que, depois, classificam os riscos levando em consideração a probabilidade de ocorrer e o impacto. Nos anos anteriores, a polarização e a violência política sequer apareceram. Tradicionalmente, o foco eram ameaças externas e conflitos para além das fronteiras americanas. Dessa vez, no entanto, a polarização, a violência política e o terrorismo doméstico apareceram em primeiro lugar.

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Apoiadores do ex-presidente Donald Trump avançam em direção ao Capitólio, 06 de janeiro de 2021. Foto: AP / Jose Luis Magana

O radicalismo superou, inclusive, o temor de que a guerra em Gaza se expanda pelo Oriente Médio - também considerado muito provável e de alto impacto.

A classificação foi feita por mais de 500 analistas, entre economistas, militares de carreira e especialistas em relações internacionais e segurança. Eles não declaram os motivos ao pontuar cada um dos riscos, mas Paul Stares elenca fatores que podem influenciado a classificação.

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A preocupação imediata, diz ele, seria o impacto da turbulência política para a vida dos americanos. Além disso, a violência política poderia minar a credibilidade dos Estados Unidos, que se apresentam no mundo como promotor das práticas democráticas. E os adversários externos (sejam Estados ou organizações) podem se aproveitar da instabilidade para fomentar mais divisão no país e tirar vantagem da crise.

O fator Donald Trump

O nome do ex-presidente Donald Trump não foi citado diretamente no levantamento. Mesmo assim, Paul Stares acredita que a sua possível reeleição - e impactos para política externa americana - preocupam.

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O papel do ex-presidente nesse cenário foi reforçado pelo professor do departamento de ciência política do Berea College Carlos Gustavo Poggio. Ele lembra que a tendência de polarização da política americana não é novidade. Mas foi Donald Trump, diz, quem primeiro aprendeu a navegar nessas águas turbulentas. “Trump não é apenas um produto da polarização, ele olhou para isso e entendeu como tirar vantagem”, aponta Poggio. “Será um ano caótico, talvez um dos mais caóticos da política americana”, alerta.

Ex-presidente Donald Trump fala com apoiadores em Iowa. Foto: AP / Andrew Harnik

“Na primeira eleição depois que o Capitólio foi invadido por uma horda desenfreada, é claro, há um risco importante, inclusive, porque provavelmente teremos o mesmo candidato com o mesmo discurso e até mais perigoso. Donald Trump tem retirado cada vez mais qualquer máscara de discurso democrático”, acrescenta o pesquisador.

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Trump já disse que, se eleito, não seria ditador - ‘exceto pelo primeiro dia’. A frase é uma referência à intenção já declarada do pré-candidato de fechar a fronteira com o México e liberar exploração de petróleo em áreas ambientais, medida que ele promete tomar no primeiro dia de governo.

Na imprensa americana analistas já traçam perspectivas sombrias sobre o caminho para um governo autoritário nos Estados Unidos.

“O poder de Trump vem dos seus seguidores, não das instituições do governo americano, e os seus eleitores devotos o amam precisamente porque ele cruza as linhas, ignora os velhos limites. Eles sentem-se empoderados por isso e, então, empoderam a ele”, escreveu o pesquisador sênior do Brookings Institution Robert Kagan em artigo no Washington Post intitulado “Uma ditadura de Trump é cada vez mais inevitável. Devemos parar de fingir”.

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Donald Trump continua desfrutando do apoio desses seguidores fiéis, mesmo depois de ser apontado como responsável pelo resultado frustrante do partido republicano na chamada eleição de meio de mandato, em 2022. No ano seguinte, ampliou o favoritismo para as primárias enquanto foi acusado de cometer 91 crimes concentrados em quatro ações, que se tornaram arma de campanha.

“Vocês e eu estamos nessa batalha lado a lado, juntos”, disse Trump aos apoiadores de Iowa acrescentando que o establishment político e as elites globais “estão em guerra conosco - temos que lutar”. No dia seguinte, conquistou a nas prévias do Estado a vitória recorde que abre caminho para decisão rápida na disputa interna do partido Republicano.

O ex-presidente tem dito que seria vítima de uma “caça às bruxas” e já prometeu que vai se vingar de quem o acusa se voltar à Casa Branca, como as pesquisas apontam que pode ocorrer. O republicano aparece empatado com Joe Biden e lidera em cinco dos seis estados considerados decisivos para disputa.

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Apoio à violência política cresce após Capitólio

Esse processo de radicalismo não dá sinais de arrefecimento, pelo contrário. Aqueles que consideram a violência política uma alternativa ficaram mais numerosos e correspondem a cerca de um em cada quatro americanos. Dois meses após a invasão do Capitólio, 15% concordavam com a seguinte sentença: “patriotas podem recorrer à violência para salvar o país”. Em outubro passado, 23% assentiram com a mesma afirmação, mostrou a pesquisa do Public Religion Research Institute em parceria com Brookings Institution.

Nesse aspecto, os republicanos são maioria. A violência é uma opção para 33% daqueles que são identificados com o partido de Donald Trump, 22% dos que se dizem independentes e 13% dos democratas. A tendência de crescimento, por outro lado, independe do espectro político. Em 2021, 28% dos republicanos, 13% dos independentes e 7% dos democratas consideravam recorrer a violência para “salvar o país”. E a perspectiva de risco é quase unânime: 75% dos entrevistados afirmam que a democracia americana está ameaçada na eleição de 2024.

Toda essa tensão atinge um país onde 42% das famílias tinham pelo menos uma arma de fogo em casa no ano passado. “Os Estados Unidos têm um grande número de armas nas mãos dos cidadãos. Isso é sempre um risco”, afirma o analista do CFR Robert Kagan. Apesar da preocupação, no entanto, ele pondera que as forças de segurança dos EUA ficaram mais “sensíveis” para essa ameaça, especialmente depois do ataque ao Capitólio.

Impactos na política americana

A invasão do Congresso por apoiadores de Trump naquele 6 de janeiro pode ser a imagem mais clara da face que o radicalismo político pode ter nos Estados Unidos, mas não é a única. Basta olhar para retrospectiva do que aconteceu no Congresso americano em 2023.

Logo de cara, os republicanos linha-dura resistiram em aprovar o líder do próprio partido Kevin McCarthy como presidente da Câmara (onde têm maioria) e adiaram por dias o início dos trabalhos até que o impasse fosse resolvido.

A trégua, no entanto, não durou muito tempo. Meses depois, a ala mais radical do partido ameaçou paralisar o governo com o chamado shutdown que, na prática, deixaria a Casa Branca sem verba. McCarthy então fez um acordo às pressas com Joe Biden e a ajuda ao democrata lhe custou o posto. Os republicanos mais rebeldes apresentaram uma moção para destituí-lo e, pela primeira vez em 234 anos de história, a Câmara dos Deputados derrubou o próprio presidente. A crise que se seguiu durou três semanas e foi encerrada com eleição do ultraconservador Mike Johnson para o cargo.

A crescente polarização também empurrou para este ano o novo pacote bilionário de ajuda à Ucrânia. Os republicanos são cada vez mais resistentes em apoiar Kiev e condicionaram a aprovação a medidas mais rígidas para conter a imigração na fronteira americana.

“A consequência dessa polarização é a paralisação do governo”, avalia o analista Carlos Gustavo Poggio. “O desenho institucional norte-americano não foi pensado para esse nível de divisão extrema que nós vemos hoje. Isso tem impactos diretos no funcionamento do Estado. O atual Congresso é o Congresso menos produtivo da história. De fato, não consegue avançar em questões importantes para o país porque fica preso nessas disputas políticas”, conclui.

Nos Estados Unidos, 2024 pode soar como uma repetição de 2020. O presidente Joe Biden é o candidato natural do partido Democrata para concorrer à reeleição enquanto Donald Trump lidera as primárias republicanas. Da última vez que esse enfrentamento ocorreu, o desfecho foi traumático: uma multidão trumpista atacou o Capitólio e tentou impedir que a derrota do seu líder fosse sacramentada pelo Congresso. Agora, à medida que a eleição se aproxima, a violência política é a preocupação número um entre analistas americanos.

Foi a primeira vez que o Levantamento de Prioridades Preventivas do Council on Foreign Relations (CFR) apontou para essa tendência em 16 anos, desde que o think tank com sede em Nova York criou a consulta anual. “Isso mostra o nível de ansiedade envolvendo a política doméstica dos EUA”, afirmou o diretor do Centro de Ação Preventiva do CFR Paul Stares ao Estadão.

O levantamento é conduzido da seguinte forma: uma lista com 30 potenciais cenários é traçada a partir das sugestões dos próprios analistas que, depois, classificam os riscos levando em consideração a probabilidade de ocorrer e o impacto. Nos anos anteriores, a polarização e a violência política sequer apareceram. Tradicionalmente, o foco eram ameaças externas e conflitos para além das fronteiras americanas. Dessa vez, no entanto, a polarização, a violência política e o terrorismo doméstico apareceram em primeiro lugar.

Apoiadores do ex-presidente Donald Trump avançam em direção ao Capitólio, 06 de janeiro de 2021. Foto: AP / Jose Luis Magana

O radicalismo superou, inclusive, o temor de que a guerra em Gaza se expanda pelo Oriente Médio - também considerado muito provável e de alto impacto.

A classificação foi feita por mais de 500 analistas, entre economistas, militares de carreira e especialistas em relações internacionais e segurança. Eles não declaram os motivos ao pontuar cada um dos riscos, mas Paul Stares elenca fatores que podem influenciado a classificação.

A preocupação imediata, diz ele, seria o impacto da turbulência política para a vida dos americanos. Além disso, a violência política poderia minar a credibilidade dos Estados Unidos, que se apresentam no mundo como promotor das práticas democráticas. E os adversários externos (sejam Estados ou organizações) podem se aproveitar da instabilidade para fomentar mais divisão no país e tirar vantagem da crise.

O fator Donald Trump

O nome do ex-presidente Donald Trump não foi citado diretamente no levantamento. Mesmo assim, Paul Stares acredita que a sua possível reeleição - e impactos para política externa americana - preocupam.

O papel do ex-presidente nesse cenário foi reforçado pelo professor do departamento de ciência política do Berea College Carlos Gustavo Poggio. Ele lembra que a tendência de polarização da política americana não é novidade. Mas foi Donald Trump, diz, quem primeiro aprendeu a navegar nessas águas turbulentas. “Trump não é apenas um produto da polarização, ele olhou para isso e entendeu como tirar vantagem”, aponta Poggio. “Será um ano caótico, talvez um dos mais caóticos da política americana”, alerta.

Ex-presidente Donald Trump fala com apoiadores em Iowa. Foto: AP / Andrew Harnik

“Na primeira eleição depois que o Capitólio foi invadido por uma horda desenfreada, é claro, há um risco importante, inclusive, porque provavelmente teremos o mesmo candidato com o mesmo discurso e até mais perigoso. Donald Trump tem retirado cada vez mais qualquer máscara de discurso democrático”, acrescenta o pesquisador.

Trump já disse que, se eleito, não seria ditador - ‘exceto pelo primeiro dia’. A frase é uma referência à intenção já declarada do pré-candidato de fechar a fronteira com o México e liberar exploração de petróleo em áreas ambientais, medida que ele promete tomar no primeiro dia de governo.

Na imprensa americana analistas já traçam perspectivas sombrias sobre o caminho para um governo autoritário nos Estados Unidos.

“O poder de Trump vem dos seus seguidores, não das instituições do governo americano, e os seus eleitores devotos o amam precisamente porque ele cruza as linhas, ignora os velhos limites. Eles sentem-se empoderados por isso e, então, empoderam a ele”, escreveu o pesquisador sênior do Brookings Institution Robert Kagan em artigo no Washington Post intitulado “Uma ditadura de Trump é cada vez mais inevitável. Devemos parar de fingir”.

Donald Trump continua desfrutando do apoio desses seguidores fiéis, mesmo depois de ser apontado como responsável pelo resultado frustrante do partido republicano na chamada eleição de meio de mandato, em 2022. No ano seguinte, ampliou o favoritismo para as primárias enquanto foi acusado de cometer 91 crimes concentrados em quatro ações, que se tornaram arma de campanha.

“Vocês e eu estamos nessa batalha lado a lado, juntos”, disse Trump aos apoiadores de Iowa acrescentando que o establishment político e as elites globais “estão em guerra conosco - temos que lutar”. No dia seguinte, conquistou a nas prévias do Estado a vitória recorde que abre caminho para decisão rápida na disputa interna do partido Republicano.

O ex-presidente tem dito que seria vítima de uma “caça às bruxas” e já prometeu que vai se vingar de quem o acusa se voltar à Casa Branca, como as pesquisas apontam que pode ocorrer. O republicano aparece empatado com Joe Biden e lidera em cinco dos seis estados considerados decisivos para disputa.

Apoio à violência política cresce após Capitólio

Esse processo de radicalismo não dá sinais de arrefecimento, pelo contrário. Aqueles que consideram a violência política uma alternativa ficaram mais numerosos e correspondem a cerca de um em cada quatro americanos. Dois meses após a invasão do Capitólio, 15% concordavam com a seguinte sentença: “patriotas podem recorrer à violência para salvar o país”. Em outubro passado, 23% assentiram com a mesma afirmação, mostrou a pesquisa do Public Religion Research Institute em parceria com Brookings Institution.

Nesse aspecto, os republicanos são maioria. A violência é uma opção para 33% daqueles que são identificados com o partido de Donald Trump, 22% dos que se dizem independentes e 13% dos democratas. A tendência de crescimento, por outro lado, independe do espectro político. Em 2021, 28% dos republicanos, 13% dos independentes e 7% dos democratas consideravam recorrer a violência para “salvar o país”. E a perspectiva de risco é quase unânime: 75% dos entrevistados afirmam que a democracia americana está ameaçada na eleição de 2024.

Toda essa tensão atinge um país onde 42% das famílias tinham pelo menos uma arma de fogo em casa no ano passado. “Os Estados Unidos têm um grande número de armas nas mãos dos cidadãos. Isso é sempre um risco”, afirma o analista do CFR Robert Kagan. Apesar da preocupação, no entanto, ele pondera que as forças de segurança dos EUA ficaram mais “sensíveis” para essa ameaça, especialmente depois do ataque ao Capitólio.

Impactos na política americana

A invasão do Congresso por apoiadores de Trump naquele 6 de janeiro pode ser a imagem mais clara da face que o radicalismo político pode ter nos Estados Unidos, mas não é a única. Basta olhar para retrospectiva do que aconteceu no Congresso americano em 2023.

Logo de cara, os republicanos linha-dura resistiram em aprovar o líder do próprio partido Kevin McCarthy como presidente da Câmara (onde têm maioria) e adiaram por dias o início dos trabalhos até que o impasse fosse resolvido.

A trégua, no entanto, não durou muito tempo. Meses depois, a ala mais radical do partido ameaçou paralisar o governo com o chamado shutdown que, na prática, deixaria a Casa Branca sem verba. McCarthy então fez um acordo às pressas com Joe Biden e a ajuda ao democrata lhe custou o posto. Os republicanos mais rebeldes apresentaram uma moção para destituí-lo e, pela primeira vez em 234 anos de história, a Câmara dos Deputados derrubou o próprio presidente. A crise que se seguiu durou três semanas e foi encerrada com eleição do ultraconservador Mike Johnson para o cargo.

A crescente polarização também empurrou para este ano o novo pacote bilionário de ajuda à Ucrânia. Os republicanos são cada vez mais resistentes em apoiar Kiev e condicionaram a aprovação a medidas mais rígidas para conter a imigração na fronteira americana.

“A consequência dessa polarização é a paralisação do governo”, avalia o analista Carlos Gustavo Poggio. “O desenho institucional norte-americano não foi pensado para esse nível de divisão extrema que nós vemos hoje. Isso tem impactos diretos no funcionamento do Estado. O atual Congresso é o Congresso menos produtivo da história. De fato, não consegue avançar em questões importantes para o país porque fica preso nessas disputas políticas”, conclui.

Nos Estados Unidos, 2024 pode soar como uma repetição de 2020. O presidente Joe Biden é o candidato natural do partido Democrata para concorrer à reeleição enquanto Donald Trump lidera as primárias republicanas. Da última vez que esse enfrentamento ocorreu, o desfecho foi traumático: uma multidão trumpista atacou o Capitólio e tentou impedir que a derrota do seu líder fosse sacramentada pelo Congresso. Agora, à medida que a eleição se aproxima, a violência política é a preocupação número um entre analistas americanos.

Foi a primeira vez que o Levantamento de Prioridades Preventivas do Council on Foreign Relations (CFR) apontou para essa tendência em 16 anos, desde que o think tank com sede em Nova York criou a consulta anual. “Isso mostra o nível de ansiedade envolvendo a política doméstica dos EUA”, afirmou o diretor do Centro de Ação Preventiva do CFR Paul Stares ao Estadão.

O levantamento é conduzido da seguinte forma: uma lista com 30 potenciais cenários é traçada a partir das sugestões dos próprios analistas que, depois, classificam os riscos levando em consideração a probabilidade de ocorrer e o impacto. Nos anos anteriores, a polarização e a violência política sequer apareceram. Tradicionalmente, o foco eram ameaças externas e conflitos para além das fronteiras americanas. Dessa vez, no entanto, a polarização, a violência política e o terrorismo doméstico apareceram em primeiro lugar.

Apoiadores do ex-presidente Donald Trump avançam em direção ao Capitólio, 06 de janeiro de 2021. Foto: AP / Jose Luis Magana

O radicalismo superou, inclusive, o temor de que a guerra em Gaza se expanda pelo Oriente Médio - também considerado muito provável e de alto impacto.

A classificação foi feita por mais de 500 analistas, entre economistas, militares de carreira e especialistas em relações internacionais e segurança. Eles não declaram os motivos ao pontuar cada um dos riscos, mas Paul Stares elenca fatores que podem influenciado a classificação.

A preocupação imediata, diz ele, seria o impacto da turbulência política para a vida dos americanos. Além disso, a violência política poderia minar a credibilidade dos Estados Unidos, que se apresentam no mundo como promotor das práticas democráticas. E os adversários externos (sejam Estados ou organizações) podem se aproveitar da instabilidade para fomentar mais divisão no país e tirar vantagem da crise.

O fator Donald Trump

O nome do ex-presidente Donald Trump não foi citado diretamente no levantamento. Mesmo assim, Paul Stares acredita que a sua possível reeleição - e impactos para política externa americana - preocupam.

O papel do ex-presidente nesse cenário foi reforçado pelo professor do departamento de ciência política do Berea College Carlos Gustavo Poggio. Ele lembra que a tendência de polarização da política americana não é novidade. Mas foi Donald Trump, diz, quem primeiro aprendeu a navegar nessas águas turbulentas. “Trump não é apenas um produto da polarização, ele olhou para isso e entendeu como tirar vantagem”, aponta Poggio. “Será um ano caótico, talvez um dos mais caóticos da política americana”, alerta.

Ex-presidente Donald Trump fala com apoiadores em Iowa. Foto: AP / Andrew Harnik

“Na primeira eleição depois que o Capitólio foi invadido por uma horda desenfreada, é claro, há um risco importante, inclusive, porque provavelmente teremos o mesmo candidato com o mesmo discurso e até mais perigoso. Donald Trump tem retirado cada vez mais qualquer máscara de discurso democrático”, acrescenta o pesquisador.

Trump já disse que, se eleito, não seria ditador - ‘exceto pelo primeiro dia’. A frase é uma referência à intenção já declarada do pré-candidato de fechar a fronteira com o México e liberar exploração de petróleo em áreas ambientais, medida que ele promete tomar no primeiro dia de governo.

Na imprensa americana analistas já traçam perspectivas sombrias sobre o caminho para um governo autoritário nos Estados Unidos.

“O poder de Trump vem dos seus seguidores, não das instituições do governo americano, e os seus eleitores devotos o amam precisamente porque ele cruza as linhas, ignora os velhos limites. Eles sentem-se empoderados por isso e, então, empoderam a ele”, escreveu o pesquisador sênior do Brookings Institution Robert Kagan em artigo no Washington Post intitulado “Uma ditadura de Trump é cada vez mais inevitável. Devemos parar de fingir”.

Donald Trump continua desfrutando do apoio desses seguidores fiéis, mesmo depois de ser apontado como responsável pelo resultado frustrante do partido republicano na chamada eleição de meio de mandato, em 2022. No ano seguinte, ampliou o favoritismo para as primárias enquanto foi acusado de cometer 91 crimes concentrados em quatro ações, que se tornaram arma de campanha.

“Vocês e eu estamos nessa batalha lado a lado, juntos”, disse Trump aos apoiadores de Iowa acrescentando que o establishment político e as elites globais “estão em guerra conosco - temos que lutar”. No dia seguinte, conquistou a nas prévias do Estado a vitória recorde que abre caminho para decisão rápida na disputa interna do partido Republicano.

O ex-presidente tem dito que seria vítima de uma “caça às bruxas” e já prometeu que vai se vingar de quem o acusa se voltar à Casa Branca, como as pesquisas apontam que pode ocorrer. O republicano aparece empatado com Joe Biden e lidera em cinco dos seis estados considerados decisivos para disputa.

Apoio à violência política cresce após Capitólio

Esse processo de radicalismo não dá sinais de arrefecimento, pelo contrário. Aqueles que consideram a violência política uma alternativa ficaram mais numerosos e correspondem a cerca de um em cada quatro americanos. Dois meses após a invasão do Capitólio, 15% concordavam com a seguinte sentença: “patriotas podem recorrer à violência para salvar o país”. Em outubro passado, 23% assentiram com a mesma afirmação, mostrou a pesquisa do Public Religion Research Institute em parceria com Brookings Institution.

Nesse aspecto, os republicanos são maioria. A violência é uma opção para 33% daqueles que são identificados com o partido de Donald Trump, 22% dos que se dizem independentes e 13% dos democratas. A tendência de crescimento, por outro lado, independe do espectro político. Em 2021, 28% dos republicanos, 13% dos independentes e 7% dos democratas consideravam recorrer a violência para “salvar o país”. E a perspectiva de risco é quase unânime: 75% dos entrevistados afirmam que a democracia americana está ameaçada na eleição de 2024.

Toda essa tensão atinge um país onde 42% das famílias tinham pelo menos uma arma de fogo em casa no ano passado. “Os Estados Unidos têm um grande número de armas nas mãos dos cidadãos. Isso é sempre um risco”, afirma o analista do CFR Robert Kagan. Apesar da preocupação, no entanto, ele pondera que as forças de segurança dos EUA ficaram mais “sensíveis” para essa ameaça, especialmente depois do ataque ao Capitólio.

Impactos na política americana

A invasão do Congresso por apoiadores de Trump naquele 6 de janeiro pode ser a imagem mais clara da face que o radicalismo político pode ter nos Estados Unidos, mas não é a única. Basta olhar para retrospectiva do que aconteceu no Congresso americano em 2023.

Logo de cara, os republicanos linha-dura resistiram em aprovar o líder do próprio partido Kevin McCarthy como presidente da Câmara (onde têm maioria) e adiaram por dias o início dos trabalhos até que o impasse fosse resolvido.

A trégua, no entanto, não durou muito tempo. Meses depois, a ala mais radical do partido ameaçou paralisar o governo com o chamado shutdown que, na prática, deixaria a Casa Branca sem verba. McCarthy então fez um acordo às pressas com Joe Biden e a ajuda ao democrata lhe custou o posto. Os republicanos mais rebeldes apresentaram uma moção para destituí-lo e, pela primeira vez em 234 anos de história, a Câmara dos Deputados derrubou o próprio presidente. A crise que se seguiu durou três semanas e foi encerrada com eleição do ultraconservador Mike Johnson para o cargo.

A crescente polarização também empurrou para este ano o novo pacote bilionário de ajuda à Ucrânia. Os republicanos são cada vez mais resistentes em apoiar Kiev e condicionaram a aprovação a medidas mais rígidas para conter a imigração na fronteira americana.

“A consequência dessa polarização é a paralisação do governo”, avalia o analista Carlos Gustavo Poggio. “O desenho institucional norte-americano não foi pensado para esse nível de divisão extrema que nós vemos hoje. Isso tem impactos diretos no funcionamento do Estado. O atual Congresso é o Congresso menos produtivo da história. De fato, não consegue avançar em questões importantes para o país porque fica preso nessas disputas políticas”, conclui.

Nos Estados Unidos, 2024 pode soar como uma repetição de 2020. O presidente Joe Biden é o candidato natural do partido Democrata para concorrer à reeleição enquanto Donald Trump lidera as primárias republicanas. Da última vez que esse enfrentamento ocorreu, o desfecho foi traumático: uma multidão trumpista atacou o Capitólio e tentou impedir que a derrota do seu líder fosse sacramentada pelo Congresso. Agora, à medida que a eleição se aproxima, a violência política é a preocupação número um entre analistas americanos.

Foi a primeira vez que o Levantamento de Prioridades Preventivas do Council on Foreign Relations (CFR) apontou para essa tendência em 16 anos, desde que o think tank com sede em Nova York criou a consulta anual. “Isso mostra o nível de ansiedade envolvendo a política doméstica dos EUA”, afirmou o diretor do Centro de Ação Preventiva do CFR Paul Stares ao Estadão.

O levantamento é conduzido da seguinte forma: uma lista com 30 potenciais cenários é traçada a partir das sugestões dos próprios analistas que, depois, classificam os riscos levando em consideração a probabilidade de ocorrer e o impacto. Nos anos anteriores, a polarização e a violência política sequer apareceram. Tradicionalmente, o foco eram ameaças externas e conflitos para além das fronteiras americanas. Dessa vez, no entanto, a polarização, a violência política e o terrorismo doméstico apareceram em primeiro lugar.

Apoiadores do ex-presidente Donald Trump avançam em direção ao Capitólio, 06 de janeiro de 2021. Foto: AP / Jose Luis Magana

O radicalismo superou, inclusive, o temor de que a guerra em Gaza se expanda pelo Oriente Médio - também considerado muito provável e de alto impacto.

A classificação foi feita por mais de 500 analistas, entre economistas, militares de carreira e especialistas em relações internacionais e segurança. Eles não declaram os motivos ao pontuar cada um dos riscos, mas Paul Stares elenca fatores que podem influenciado a classificação.

A preocupação imediata, diz ele, seria o impacto da turbulência política para a vida dos americanos. Além disso, a violência política poderia minar a credibilidade dos Estados Unidos, que se apresentam no mundo como promotor das práticas democráticas. E os adversários externos (sejam Estados ou organizações) podem se aproveitar da instabilidade para fomentar mais divisão no país e tirar vantagem da crise.

O fator Donald Trump

O nome do ex-presidente Donald Trump não foi citado diretamente no levantamento. Mesmo assim, Paul Stares acredita que a sua possível reeleição - e impactos para política externa americana - preocupam.

O papel do ex-presidente nesse cenário foi reforçado pelo professor do departamento de ciência política do Berea College Carlos Gustavo Poggio. Ele lembra que a tendência de polarização da política americana não é novidade. Mas foi Donald Trump, diz, quem primeiro aprendeu a navegar nessas águas turbulentas. “Trump não é apenas um produto da polarização, ele olhou para isso e entendeu como tirar vantagem”, aponta Poggio. “Será um ano caótico, talvez um dos mais caóticos da política americana”, alerta.

Ex-presidente Donald Trump fala com apoiadores em Iowa. Foto: AP / Andrew Harnik

“Na primeira eleição depois que o Capitólio foi invadido por uma horda desenfreada, é claro, há um risco importante, inclusive, porque provavelmente teremos o mesmo candidato com o mesmo discurso e até mais perigoso. Donald Trump tem retirado cada vez mais qualquer máscara de discurso democrático”, acrescenta o pesquisador.

Trump já disse que, se eleito, não seria ditador - ‘exceto pelo primeiro dia’. A frase é uma referência à intenção já declarada do pré-candidato de fechar a fronteira com o México e liberar exploração de petróleo em áreas ambientais, medida que ele promete tomar no primeiro dia de governo.

Na imprensa americana analistas já traçam perspectivas sombrias sobre o caminho para um governo autoritário nos Estados Unidos.

“O poder de Trump vem dos seus seguidores, não das instituições do governo americano, e os seus eleitores devotos o amam precisamente porque ele cruza as linhas, ignora os velhos limites. Eles sentem-se empoderados por isso e, então, empoderam a ele”, escreveu o pesquisador sênior do Brookings Institution Robert Kagan em artigo no Washington Post intitulado “Uma ditadura de Trump é cada vez mais inevitável. Devemos parar de fingir”.

Donald Trump continua desfrutando do apoio desses seguidores fiéis, mesmo depois de ser apontado como responsável pelo resultado frustrante do partido republicano na chamada eleição de meio de mandato, em 2022. No ano seguinte, ampliou o favoritismo para as primárias enquanto foi acusado de cometer 91 crimes concentrados em quatro ações, que se tornaram arma de campanha.

“Vocês e eu estamos nessa batalha lado a lado, juntos”, disse Trump aos apoiadores de Iowa acrescentando que o establishment político e as elites globais “estão em guerra conosco - temos que lutar”. No dia seguinte, conquistou a nas prévias do Estado a vitória recorde que abre caminho para decisão rápida na disputa interna do partido Republicano.

O ex-presidente tem dito que seria vítima de uma “caça às bruxas” e já prometeu que vai se vingar de quem o acusa se voltar à Casa Branca, como as pesquisas apontam que pode ocorrer. O republicano aparece empatado com Joe Biden e lidera em cinco dos seis estados considerados decisivos para disputa.

Apoio à violência política cresce após Capitólio

Esse processo de radicalismo não dá sinais de arrefecimento, pelo contrário. Aqueles que consideram a violência política uma alternativa ficaram mais numerosos e correspondem a cerca de um em cada quatro americanos. Dois meses após a invasão do Capitólio, 15% concordavam com a seguinte sentença: “patriotas podem recorrer à violência para salvar o país”. Em outubro passado, 23% assentiram com a mesma afirmação, mostrou a pesquisa do Public Religion Research Institute em parceria com Brookings Institution.

Nesse aspecto, os republicanos são maioria. A violência é uma opção para 33% daqueles que são identificados com o partido de Donald Trump, 22% dos que se dizem independentes e 13% dos democratas. A tendência de crescimento, por outro lado, independe do espectro político. Em 2021, 28% dos republicanos, 13% dos independentes e 7% dos democratas consideravam recorrer a violência para “salvar o país”. E a perspectiva de risco é quase unânime: 75% dos entrevistados afirmam que a democracia americana está ameaçada na eleição de 2024.

Toda essa tensão atinge um país onde 42% das famílias tinham pelo menos uma arma de fogo em casa no ano passado. “Os Estados Unidos têm um grande número de armas nas mãos dos cidadãos. Isso é sempre um risco”, afirma o analista do CFR Robert Kagan. Apesar da preocupação, no entanto, ele pondera que as forças de segurança dos EUA ficaram mais “sensíveis” para essa ameaça, especialmente depois do ataque ao Capitólio.

Impactos na política americana

A invasão do Congresso por apoiadores de Trump naquele 6 de janeiro pode ser a imagem mais clara da face que o radicalismo político pode ter nos Estados Unidos, mas não é a única. Basta olhar para retrospectiva do que aconteceu no Congresso americano em 2023.

Logo de cara, os republicanos linha-dura resistiram em aprovar o líder do próprio partido Kevin McCarthy como presidente da Câmara (onde têm maioria) e adiaram por dias o início dos trabalhos até que o impasse fosse resolvido.

A trégua, no entanto, não durou muito tempo. Meses depois, a ala mais radical do partido ameaçou paralisar o governo com o chamado shutdown que, na prática, deixaria a Casa Branca sem verba. McCarthy então fez um acordo às pressas com Joe Biden e a ajuda ao democrata lhe custou o posto. Os republicanos mais rebeldes apresentaram uma moção para destituí-lo e, pela primeira vez em 234 anos de história, a Câmara dos Deputados derrubou o próprio presidente. A crise que se seguiu durou três semanas e foi encerrada com eleição do ultraconservador Mike Johnson para o cargo.

A crescente polarização também empurrou para este ano o novo pacote bilionário de ajuda à Ucrânia. Os republicanos são cada vez mais resistentes em apoiar Kiev e condicionaram a aprovação a medidas mais rígidas para conter a imigração na fronteira americana.

“A consequência dessa polarização é a paralisação do governo”, avalia o analista Carlos Gustavo Poggio. “O desenho institucional norte-americano não foi pensado para esse nível de divisão extrema que nós vemos hoje. Isso tem impactos diretos no funcionamento do Estado. O atual Congresso é o Congresso menos produtivo da história. De fato, não consegue avançar em questões importantes para o país porque fica preso nessas disputas políticas”, conclui.

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