Rebelião do Grupo Wagner levanta dúvidas sobre a estabilidade do arsenal nuclear russo


Enquanto Putin ameaça com armas nucleares, analistas russos debatem sobre risco real de conflito nuclear

Por Robyn Dixon
Atualização:

A rebelião promovida na Rússia pelos mercenários do Grupo Wagner confrontou as autoridades ocidentais com um de seus maiores medos: a possibilidade de caos político e instabilidade no país com o maior arsenal nuclear do planeta.

A incerteza a respeito de quem poderia assumir o controle das armas de destruição em massa da Rússia arrefecem há muito as esperanças no Ocidente de que o presidente Vladimir Putin possa ser deposto do poder.

Mas meses de ameaças nucleares de Putin e outras graduadas autoridades russas e um novo debate entre analistas russos a respeito da possibilidade do uso de uma arma nuclear contra um país da Otan levantaram dúvidas sobre Putin ser capaz ou não de produzir a estabilidade necessária para que se evite um apocalipse atômico — ou se ele constitui o risco mais temido pelos ocidentais.

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Um homem passa pelo Kremlin durante um dia chuvoso em Moscou, Rússia, em 29 de junho de 2023.  Foto: SERGEI ILNITSKY / EFE

Autoridades russas têm jogado com os temores nucleares do Ocidente ao longo de toda a guerra na Ucrânia, em um esforço para minar o apoio ocidental a Kiev e diminuir o ritmo de entregas de armas, uma tática que parece ter funcionado.

E, nas semanas recentes, essa narrativa se intensificou, com alguns comentaristas estratégicos russos bem conectados e analistas de institutos proclamando abertamente a “necessidade” de Moscou realizar um ataque nuclear tático preventivo contra algum país da Otan, como a Polônia — para evitar a derrota na guerra contra a Ucrânia e ressuscitar o terror do Ocidente em relação ao poderio nuclear da Rússia.

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Desde a rebelião do Grupo Wagner, o ex-conselheiro do Kremlin e influente cientista político Sergei Karaganov dobrou a aposta em apelos para que Moscou seguisse esse curso. Em um artigo publicado no mês passado, intitulado “Uma decisão difícil, mas necessária”, Karaganov argumentou que o risco de um ataque nuclear retaliatório contra a Rússia e do apocalipse nuclear “pode ser reduzido a um mínimo absoluto”.

Nenhum presidente americano em sã consciência colocaria os Estados Unidos em risco de “sacrificar condicionalmente Boston por Poznan”, escreveu ele, referindo-se a uma cidade polonesa.

O beligerante comentarista Dmitry Trenin, radicado em Moscou, concordou com Karaganov, argumentando que “um sinal inequívoco — não apenas verbal — deveria ser enviado” a Washington.

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“A possibilidade do uso de armas nucleares no atual conflito não deveria ser escondida”, escreveu ele em um ensaio conclamando a revisão da doutrina nuclear russa, que limita o uso de armas atômicas a situações em que a existência da Rússia esteja ameaçada. Ambos os ensaios foram publicados por um influente instituto russo de análise de relações internacionais, a Fundação de Pesquisa em Política Externa.Trenin lamentou que a instalação de armas nucleares russas em Belarus — que, afirma Putin, será concluída até o fim do ano — não tenha causado preocupação visível nas capitais ocidentais.

Os ensaios de Karaganov têm um tom messiânico, que refletem a visão fanática de Putin a respeito de seu lugar na história resolvendo o que Moscou gosta de chamar de “o problema Ucrânia”, em referência a uma nação independente e democrática que escolhe um caminho pró-Europa nas fronteiras russas.

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Karaganov argumenta que as armas nucleares foram inventadas por Deus com objetivo de fazer ressuscitar o temor da humanidade pelo Apocalipse, insistindo: “o medo tem de ser reavivado”. Ele vê a Rússia como a nação “escolhida pela história” para destruir o “jugo ocidental” e “finalmente libertar o mundo”.

Muitos especialistas russos em armas nucleares ficaram horrorizados com os chamados de Karaganov e Trenin. Um deles, Ivan Timofeev, classificou-os como “extremamente perigosos”.

No jornal Kommersant, três especialistas do Centro para Segurança Internacional, Alexei Arbatov, Konstantin Bogdanov e Dmitri Stefanovich, qualificaram a ideia de que Washington não retaliaria como “altamente duvidosa e provavelmente errônea”.

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E então pairou o espectro da guerra civil, com mercenários Wagner avançando em comboio na direção de Moscou — no caos político mais grave desde 1993, quando o ex-presidente Boris Iéltsin ordenou que tanques disparassem contra o Parlamento do país para esmagar uma insurreição de legisladores.

Comunicação entre Washington e Moscou

Conforme a rebelião Wagner transcorria, durante as últimas semanas, autoridades americanas entraram em contato com Moscou para assegurar Putin de que a rebelião de Prigozhin (líder do grupo mercenário) era um assunto interno da Rússia, de acordo com o porta-voz do Conselho de Segurança Nacional, John Kirby. Essa ênfase sublinhou a preocupação entre líderes ocidentais de que Putin, farejando alguma conspiração do Ocidente ou temendo derrota, pudesse adotar alguma ação radical.

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A rebelião acabou, mas qualquer novo choque drástico na guerra poderia desencadear instabilidade na Rússia. Uma grande nova derrota na guerra poderia derrubar Putin, afirmou Anatol Lieven, do Instituto Quincy para Estadismo Responsável, ou poderia fazê-lo escalar o conflito e apelar para uma arma nuclear tática.

Se Putin se vir diante da perda da Crimeia ocupada, “as chances de escalada seriam extraordinariamente altas, porque ele acreditaria que isso seria necessário para salvar a península e também seu regime a essa altura”, afirmou Lieven.

Analistas preveem uma grande repressão interna na Rússia para evitar qualquer rebelião similar impulsionada por algum grupo armado no futuro.

Após tomar instalações militares em Rostov-no-Don, os combatentes Wagner avançaram para o norte, até a cidade de Voronezh, levantando preocupações a respeito do depósito de armas nucleares Voronezh-45, localizado cerca de 210 quilômetros a leste. Mas mesmo se o Grupo Wagner tivesse mirado as armas — e não há nenhuma evidência disso — os mercenários não seriam capazes de usá-las, afirmaram analistas.

“Um grupo armado como o Wagner é capaz de tomar controle das armas nucleares da Rússia e de alguma maneira usá-las ou detoná-las? A resposta direta é: não. Isso é virtualmente impossível”, tuitou Pavel Podvig, especialista em armas atômicas do Instituto das Nações Unidas para Pesquisa sobre o Desarmamento, após um teorista da conspiração que possui selo azul de verificação no Twitter espalhar desinformação para 250 mil usuários da rede social afirmando que o líder do Grupo Wagner, Ievgeni Prigozhin, “pegou as bombas atômicas”.

No fórum econômico em São Petersburgo, na semana passada, Putin afirmou que as armas nucleares protegeriam a segurança da Rússia “na mais ampla acepção do termo”, mas que “não há necessidade” de usá-las neste momento.

Pressionado na sessão plenária sobre estar ou não disposto a usá-las, Putin fez piada: “O que devo dizer? Devo apavorar o mundo inteiro? Por que nós precisaríamos apavorar o mundo inteiro?”.

Mas, desde a invasão da Ucrânia, Putin e suas mais graduadas autoridades, incluindo o vice-diretor do Conselho de Segurança da Rússia, Dmitri Medvedev, e o ministro de Relações Exteriores, Sergei Lavrov, têm atiçado o terror nuclear. Ao anunciar a invasão, em seu primeiro dia, Putin alertou que qualquer país que interferisse na guerra enfrentaria consequências “que vocês nunca viram em toda a sua história”, em uma alusão inequívoca às armas nucleares russas.

Um homem atravessa uma rua em frente ao Kremlin de Moscou, no centro de Moscou, Rússia, em 30 de junho de 2023.  Foto: MAXIM SHIPENKOV / EFE

Dias depois, Putin colocou o armamento atômico da Rússia em “prontidão especial de combate”. Desde então, Moscou suspendeu sua participação no pacto Novo START e anunciou que estacionaria armas nucleares em Belarus. Em setembro, quando alegou ter anexado quatro regiões ucranianas, Putin alertou explicitamente que a Rússia usaria armas nucleares se seu território fosse ameaçado.

Na mais recente intimidação atômica, Medvedev afirmou que um apocalipse nuclear não é “apenas possível, mas bastante provável”, em um artigo publicado na Rossiyskaya Gazeta, no domingo, porque “não existe nenhum tabu” quanto ao uso de armas nucleares. Medvedev afirmou que o Ocidente tem de aceitar a aniquilação do governo “nazista” da Ucrânia “se não quiser um fim apocalíptico” para a civilização.

Blefe ou ameaça real?

Alguns analistas consideraram o debate a respeito de um ataque nuclear a algum país da Otan um blefe orquestrado para intensificar os temores do Ocidente sobre guerra atômica, mas outros perceberam as falas meramente como desabafos de comentaristas linha-dura em resposta aos fracassos russos na guerra.

“É justo afirmar que as pessoas dessa comunidade sentem-se frustradas com a situação, e na minha opinião esses indivíduos estão apenas pensando em voz alta”, disse Podvig em entrevista. Ele afirmou que as autoridades russas têm sido “bastantes consistentes (expressando) que armas nucleares só podem ser usadas para proteger a Rússia de algum tipo de ameaça à sua existência”.

“As armas estão lá, e há cenários em que elas podem ser usadas. Contudo, nós estamos, pelo menos atualmente, dois degraus abaixo desse ponto.” Se a Rússia começar a considerar seriamente usar armas nucleares na Ucrânia ou na Polônia, haveria uma mudança muito mais acentuada na retórica do Kremlin, afirmou ele.

Mas uma questão preocupante é o que conformaria uma “ameaça existencial” à Rússia na mente de Putin, dada sua profunda convicção de que ele é o único guardião e protetor do Estado russo.

Em janeiro, o Boletim dos Cientistas Atômicos avançou em 10 segundos os ponteiros do Relógio do Juízo Final, até 90 segundos para a meia-noite, principalmente “em razão dos perigos cada vez maiores da guerra na Ucrânia”, afirmou a publicação.

Artur Kacprzyk, analista especializado em armas nucleares do Instituto Polonês de Assuntos Internacionais, afirmou que o debate em Moscou a respeito de atacar a Polônia é uma forma de coerção atômica destinada a intimidar a Otan e que a discussão causou “preocupação, mas definitivamente nenhum pânico”.

“O nível — e a intensidade — desse debate na Rússia a respeito do potencial uso nuclear é maior do que antes”, afirmou ele. “Se eles acham que o Ocidente não retaliará, isso os encorajará a aumentar mais e mais essas ameaças.”

Dias antes da rebelião Wagner, o presidente Joe Biden afirmou que o risco da Rússia usar uma arma nuclear tática contra a Europa é “real”, segundo noticiou a Reuters.

Mas Kirby afirmou semana passada que os Estados Unidos não perceberam “nenhuma indicação de que Putin esteja interessado em caminhar nessa direção, nem vimos nada que nos faria mudar nossa própria postura de dissuasão”.

Analistas pró-Kremlin gostam de argumentar que uma potência nuclear “é incapaz de perder” guerras, apesar de desventuras militares passadas tanto de Moscou quanto de de Washington. De acordo com Podvig, é uma fonte de frustração na Rússia o fato de que possuir armas nucleares simplesmente não é um fator decisivo para vencer esta guerra.

“Não que as pessoas não respeitem as armas nucleares da Rússia”, afirmou Podvig. “Mas é realmente impossível pensar em uma maneira de usá-las para obter qualquer vantagem. Neste ponto, acho que a única coisa que o único benefício que a Rússia obtém de suas armas nucleares é evitar o envolvimento direto da Otan ou dos EUA nesta guerra.” / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

A rebelião promovida na Rússia pelos mercenários do Grupo Wagner confrontou as autoridades ocidentais com um de seus maiores medos: a possibilidade de caos político e instabilidade no país com o maior arsenal nuclear do planeta.

A incerteza a respeito de quem poderia assumir o controle das armas de destruição em massa da Rússia arrefecem há muito as esperanças no Ocidente de que o presidente Vladimir Putin possa ser deposto do poder.

Mas meses de ameaças nucleares de Putin e outras graduadas autoridades russas e um novo debate entre analistas russos a respeito da possibilidade do uso de uma arma nuclear contra um país da Otan levantaram dúvidas sobre Putin ser capaz ou não de produzir a estabilidade necessária para que se evite um apocalipse atômico — ou se ele constitui o risco mais temido pelos ocidentais.

Um homem passa pelo Kremlin durante um dia chuvoso em Moscou, Rússia, em 29 de junho de 2023.  Foto: SERGEI ILNITSKY / EFE

Autoridades russas têm jogado com os temores nucleares do Ocidente ao longo de toda a guerra na Ucrânia, em um esforço para minar o apoio ocidental a Kiev e diminuir o ritmo de entregas de armas, uma tática que parece ter funcionado.

E, nas semanas recentes, essa narrativa se intensificou, com alguns comentaristas estratégicos russos bem conectados e analistas de institutos proclamando abertamente a “necessidade” de Moscou realizar um ataque nuclear tático preventivo contra algum país da Otan, como a Polônia — para evitar a derrota na guerra contra a Ucrânia e ressuscitar o terror do Ocidente em relação ao poderio nuclear da Rússia.

Desde a rebelião do Grupo Wagner, o ex-conselheiro do Kremlin e influente cientista político Sergei Karaganov dobrou a aposta em apelos para que Moscou seguisse esse curso. Em um artigo publicado no mês passado, intitulado “Uma decisão difícil, mas necessária”, Karaganov argumentou que o risco de um ataque nuclear retaliatório contra a Rússia e do apocalipse nuclear “pode ser reduzido a um mínimo absoluto”.

Nenhum presidente americano em sã consciência colocaria os Estados Unidos em risco de “sacrificar condicionalmente Boston por Poznan”, escreveu ele, referindo-se a uma cidade polonesa.

O beligerante comentarista Dmitry Trenin, radicado em Moscou, concordou com Karaganov, argumentando que “um sinal inequívoco — não apenas verbal — deveria ser enviado” a Washington.

“A possibilidade do uso de armas nucleares no atual conflito não deveria ser escondida”, escreveu ele em um ensaio conclamando a revisão da doutrina nuclear russa, que limita o uso de armas atômicas a situações em que a existência da Rússia esteja ameaçada. Ambos os ensaios foram publicados por um influente instituto russo de análise de relações internacionais, a Fundação de Pesquisa em Política Externa.Trenin lamentou que a instalação de armas nucleares russas em Belarus — que, afirma Putin, será concluída até o fim do ano — não tenha causado preocupação visível nas capitais ocidentais.

Os ensaios de Karaganov têm um tom messiânico, que refletem a visão fanática de Putin a respeito de seu lugar na história resolvendo o que Moscou gosta de chamar de “o problema Ucrânia”, em referência a uma nação independente e democrática que escolhe um caminho pró-Europa nas fronteiras russas.

Karaganov argumenta que as armas nucleares foram inventadas por Deus com objetivo de fazer ressuscitar o temor da humanidade pelo Apocalipse, insistindo: “o medo tem de ser reavivado”. Ele vê a Rússia como a nação “escolhida pela história” para destruir o “jugo ocidental” e “finalmente libertar o mundo”.

Muitos especialistas russos em armas nucleares ficaram horrorizados com os chamados de Karaganov e Trenin. Um deles, Ivan Timofeev, classificou-os como “extremamente perigosos”.

No jornal Kommersant, três especialistas do Centro para Segurança Internacional, Alexei Arbatov, Konstantin Bogdanov e Dmitri Stefanovich, qualificaram a ideia de que Washington não retaliaria como “altamente duvidosa e provavelmente errônea”.

E então pairou o espectro da guerra civil, com mercenários Wagner avançando em comboio na direção de Moscou — no caos político mais grave desde 1993, quando o ex-presidente Boris Iéltsin ordenou que tanques disparassem contra o Parlamento do país para esmagar uma insurreição de legisladores.

Comunicação entre Washington e Moscou

Conforme a rebelião Wagner transcorria, durante as últimas semanas, autoridades americanas entraram em contato com Moscou para assegurar Putin de que a rebelião de Prigozhin (líder do grupo mercenário) era um assunto interno da Rússia, de acordo com o porta-voz do Conselho de Segurança Nacional, John Kirby. Essa ênfase sublinhou a preocupação entre líderes ocidentais de que Putin, farejando alguma conspiração do Ocidente ou temendo derrota, pudesse adotar alguma ação radical.

A rebelião acabou, mas qualquer novo choque drástico na guerra poderia desencadear instabilidade na Rússia. Uma grande nova derrota na guerra poderia derrubar Putin, afirmou Anatol Lieven, do Instituto Quincy para Estadismo Responsável, ou poderia fazê-lo escalar o conflito e apelar para uma arma nuclear tática.

Se Putin se vir diante da perda da Crimeia ocupada, “as chances de escalada seriam extraordinariamente altas, porque ele acreditaria que isso seria necessário para salvar a península e também seu regime a essa altura”, afirmou Lieven.

Analistas preveem uma grande repressão interna na Rússia para evitar qualquer rebelião similar impulsionada por algum grupo armado no futuro.

Após tomar instalações militares em Rostov-no-Don, os combatentes Wagner avançaram para o norte, até a cidade de Voronezh, levantando preocupações a respeito do depósito de armas nucleares Voronezh-45, localizado cerca de 210 quilômetros a leste. Mas mesmo se o Grupo Wagner tivesse mirado as armas — e não há nenhuma evidência disso — os mercenários não seriam capazes de usá-las, afirmaram analistas.

“Um grupo armado como o Wagner é capaz de tomar controle das armas nucleares da Rússia e de alguma maneira usá-las ou detoná-las? A resposta direta é: não. Isso é virtualmente impossível”, tuitou Pavel Podvig, especialista em armas atômicas do Instituto das Nações Unidas para Pesquisa sobre o Desarmamento, após um teorista da conspiração que possui selo azul de verificação no Twitter espalhar desinformação para 250 mil usuários da rede social afirmando que o líder do Grupo Wagner, Ievgeni Prigozhin, “pegou as bombas atômicas”.

No fórum econômico em São Petersburgo, na semana passada, Putin afirmou que as armas nucleares protegeriam a segurança da Rússia “na mais ampla acepção do termo”, mas que “não há necessidade” de usá-las neste momento.

Pressionado na sessão plenária sobre estar ou não disposto a usá-las, Putin fez piada: “O que devo dizer? Devo apavorar o mundo inteiro? Por que nós precisaríamos apavorar o mundo inteiro?”.

Mas, desde a invasão da Ucrânia, Putin e suas mais graduadas autoridades, incluindo o vice-diretor do Conselho de Segurança da Rússia, Dmitri Medvedev, e o ministro de Relações Exteriores, Sergei Lavrov, têm atiçado o terror nuclear. Ao anunciar a invasão, em seu primeiro dia, Putin alertou que qualquer país que interferisse na guerra enfrentaria consequências “que vocês nunca viram em toda a sua história”, em uma alusão inequívoca às armas nucleares russas.

Um homem atravessa uma rua em frente ao Kremlin de Moscou, no centro de Moscou, Rússia, em 30 de junho de 2023.  Foto: MAXIM SHIPENKOV / EFE

Dias depois, Putin colocou o armamento atômico da Rússia em “prontidão especial de combate”. Desde então, Moscou suspendeu sua participação no pacto Novo START e anunciou que estacionaria armas nucleares em Belarus. Em setembro, quando alegou ter anexado quatro regiões ucranianas, Putin alertou explicitamente que a Rússia usaria armas nucleares se seu território fosse ameaçado.

Na mais recente intimidação atômica, Medvedev afirmou que um apocalipse nuclear não é “apenas possível, mas bastante provável”, em um artigo publicado na Rossiyskaya Gazeta, no domingo, porque “não existe nenhum tabu” quanto ao uso de armas nucleares. Medvedev afirmou que o Ocidente tem de aceitar a aniquilação do governo “nazista” da Ucrânia “se não quiser um fim apocalíptico” para a civilização.

Blefe ou ameaça real?

Alguns analistas consideraram o debate a respeito de um ataque nuclear a algum país da Otan um blefe orquestrado para intensificar os temores do Ocidente sobre guerra atômica, mas outros perceberam as falas meramente como desabafos de comentaristas linha-dura em resposta aos fracassos russos na guerra.

“É justo afirmar que as pessoas dessa comunidade sentem-se frustradas com a situação, e na minha opinião esses indivíduos estão apenas pensando em voz alta”, disse Podvig em entrevista. Ele afirmou que as autoridades russas têm sido “bastantes consistentes (expressando) que armas nucleares só podem ser usadas para proteger a Rússia de algum tipo de ameaça à sua existência”.

“As armas estão lá, e há cenários em que elas podem ser usadas. Contudo, nós estamos, pelo menos atualmente, dois degraus abaixo desse ponto.” Se a Rússia começar a considerar seriamente usar armas nucleares na Ucrânia ou na Polônia, haveria uma mudança muito mais acentuada na retórica do Kremlin, afirmou ele.

Mas uma questão preocupante é o que conformaria uma “ameaça existencial” à Rússia na mente de Putin, dada sua profunda convicção de que ele é o único guardião e protetor do Estado russo.

Em janeiro, o Boletim dos Cientistas Atômicos avançou em 10 segundos os ponteiros do Relógio do Juízo Final, até 90 segundos para a meia-noite, principalmente “em razão dos perigos cada vez maiores da guerra na Ucrânia”, afirmou a publicação.

Artur Kacprzyk, analista especializado em armas nucleares do Instituto Polonês de Assuntos Internacionais, afirmou que o debate em Moscou a respeito de atacar a Polônia é uma forma de coerção atômica destinada a intimidar a Otan e que a discussão causou “preocupação, mas definitivamente nenhum pânico”.

“O nível — e a intensidade — desse debate na Rússia a respeito do potencial uso nuclear é maior do que antes”, afirmou ele. “Se eles acham que o Ocidente não retaliará, isso os encorajará a aumentar mais e mais essas ameaças.”

Dias antes da rebelião Wagner, o presidente Joe Biden afirmou que o risco da Rússia usar uma arma nuclear tática contra a Europa é “real”, segundo noticiou a Reuters.

Mas Kirby afirmou semana passada que os Estados Unidos não perceberam “nenhuma indicação de que Putin esteja interessado em caminhar nessa direção, nem vimos nada que nos faria mudar nossa própria postura de dissuasão”.

Analistas pró-Kremlin gostam de argumentar que uma potência nuclear “é incapaz de perder” guerras, apesar de desventuras militares passadas tanto de Moscou quanto de de Washington. De acordo com Podvig, é uma fonte de frustração na Rússia o fato de que possuir armas nucleares simplesmente não é um fator decisivo para vencer esta guerra.

“Não que as pessoas não respeitem as armas nucleares da Rússia”, afirmou Podvig. “Mas é realmente impossível pensar em uma maneira de usá-las para obter qualquer vantagem. Neste ponto, acho que a única coisa que o único benefício que a Rússia obtém de suas armas nucleares é evitar o envolvimento direto da Otan ou dos EUA nesta guerra.” / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

A rebelião promovida na Rússia pelos mercenários do Grupo Wagner confrontou as autoridades ocidentais com um de seus maiores medos: a possibilidade de caos político e instabilidade no país com o maior arsenal nuclear do planeta.

A incerteza a respeito de quem poderia assumir o controle das armas de destruição em massa da Rússia arrefecem há muito as esperanças no Ocidente de que o presidente Vladimir Putin possa ser deposto do poder.

Mas meses de ameaças nucleares de Putin e outras graduadas autoridades russas e um novo debate entre analistas russos a respeito da possibilidade do uso de uma arma nuclear contra um país da Otan levantaram dúvidas sobre Putin ser capaz ou não de produzir a estabilidade necessária para que se evite um apocalipse atômico — ou se ele constitui o risco mais temido pelos ocidentais.

Um homem passa pelo Kremlin durante um dia chuvoso em Moscou, Rússia, em 29 de junho de 2023.  Foto: SERGEI ILNITSKY / EFE

Autoridades russas têm jogado com os temores nucleares do Ocidente ao longo de toda a guerra na Ucrânia, em um esforço para minar o apoio ocidental a Kiev e diminuir o ritmo de entregas de armas, uma tática que parece ter funcionado.

E, nas semanas recentes, essa narrativa se intensificou, com alguns comentaristas estratégicos russos bem conectados e analistas de institutos proclamando abertamente a “necessidade” de Moscou realizar um ataque nuclear tático preventivo contra algum país da Otan, como a Polônia — para evitar a derrota na guerra contra a Ucrânia e ressuscitar o terror do Ocidente em relação ao poderio nuclear da Rússia.

Desde a rebelião do Grupo Wagner, o ex-conselheiro do Kremlin e influente cientista político Sergei Karaganov dobrou a aposta em apelos para que Moscou seguisse esse curso. Em um artigo publicado no mês passado, intitulado “Uma decisão difícil, mas necessária”, Karaganov argumentou que o risco de um ataque nuclear retaliatório contra a Rússia e do apocalipse nuclear “pode ser reduzido a um mínimo absoluto”.

Nenhum presidente americano em sã consciência colocaria os Estados Unidos em risco de “sacrificar condicionalmente Boston por Poznan”, escreveu ele, referindo-se a uma cidade polonesa.

O beligerante comentarista Dmitry Trenin, radicado em Moscou, concordou com Karaganov, argumentando que “um sinal inequívoco — não apenas verbal — deveria ser enviado” a Washington.

“A possibilidade do uso de armas nucleares no atual conflito não deveria ser escondida”, escreveu ele em um ensaio conclamando a revisão da doutrina nuclear russa, que limita o uso de armas atômicas a situações em que a existência da Rússia esteja ameaçada. Ambos os ensaios foram publicados por um influente instituto russo de análise de relações internacionais, a Fundação de Pesquisa em Política Externa.Trenin lamentou que a instalação de armas nucleares russas em Belarus — que, afirma Putin, será concluída até o fim do ano — não tenha causado preocupação visível nas capitais ocidentais.

Os ensaios de Karaganov têm um tom messiânico, que refletem a visão fanática de Putin a respeito de seu lugar na história resolvendo o que Moscou gosta de chamar de “o problema Ucrânia”, em referência a uma nação independente e democrática que escolhe um caminho pró-Europa nas fronteiras russas.

Karaganov argumenta que as armas nucleares foram inventadas por Deus com objetivo de fazer ressuscitar o temor da humanidade pelo Apocalipse, insistindo: “o medo tem de ser reavivado”. Ele vê a Rússia como a nação “escolhida pela história” para destruir o “jugo ocidental” e “finalmente libertar o mundo”.

Muitos especialistas russos em armas nucleares ficaram horrorizados com os chamados de Karaganov e Trenin. Um deles, Ivan Timofeev, classificou-os como “extremamente perigosos”.

No jornal Kommersant, três especialistas do Centro para Segurança Internacional, Alexei Arbatov, Konstantin Bogdanov e Dmitri Stefanovich, qualificaram a ideia de que Washington não retaliaria como “altamente duvidosa e provavelmente errônea”.

E então pairou o espectro da guerra civil, com mercenários Wagner avançando em comboio na direção de Moscou — no caos político mais grave desde 1993, quando o ex-presidente Boris Iéltsin ordenou que tanques disparassem contra o Parlamento do país para esmagar uma insurreição de legisladores.

Comunicação entre Washington e Moscou

Conforme a rebelião Wagner transcorria, durante as últimas semanas, autoridades americanas entraram em contato com Moscou para assegurar Putin de que a rebelião de Prigozhin (líder do grupo mercenário) era um assunto interno da Rússia, de acordo com o porta-voz do Conselho de Segurança Nacional, John Kirby. Essa ênfase sublinhou a preocupação entre líderes ocidentais de que Putin, farejando alguma conspiração do Ocidente ou temendo derrota, pudesse adotar alguma ação radical.

A rebelião acabou, mas qualquer novo choque drástico na guerra poderia desencadear instabilidade na Rússia. Uma grande nova derrota na guerra poderia derrubar Putin, afirmou Anatol Lieven, do Instituto Quincy para Estadismo Responsável, ou poderia fazê-lo escalar o conflito e apelar para uma arma nuclear tática.

Se Putin se vir diante da perda da Crimeia ocupada, “as chances de escalada seriam extraordinariamente altas, porque ele acreditaria que isso seria necessário para salvar a península e também seu regime a essa altura”, afirmou Lieven.

Analistas preveem uma grande repressão interna na Rússia para evitar qualquer rebelião similar impulsionada por algum grupo armado no futuro.

Após tomar instalações militares em Rostov-no-Don, os combatentes Wagner avançaram para o norte, até a cidade de Voronezh, levantando preocupações a respeito do depósito de armas nucleares Voronezh-45, localizado cerca de 210 quilômetros a leste. Mas mesmo se o Grupo Wagner tivesse mirado as armas — e não há nenhuma evidência disso — os mercenários não seriam capazes de usá-las, afirmaram analistas.

“Um grupo armado como o Wagner é capaz de tomar controle das armas nucleares da Rússia e de alguma maneira usá-las ou detoná-las? A resposta direta é: não. Isso é virtualmente impossível”, tuitou Pavel Podvig, especialista em armas atômicas do Instituto das Nações Unidas para Pesquisa sobre o Desarmamento, após um teorista da conspiração que possui selo azul de verificação no Twitter espalhar desinformação para 250 mil usuários da rede social afirmando que o líder do Grupo Wagner, Ievgeni Prigozhin, “pegou as bombas atômicas”.

No fórum econômico em São Petersburgo, na semana passada, Putin afirmou que as armas nucleares protegeriam a segurança da Rússia “na mais ampla acepção do termo”, mas que “não há necessidade” de usá-las neste momento.

Pressionado na sessão plenária sobre estar ou não disposto a usá-las, Putin fez piada: “O que devo dizer? Devo apavorar o mundo inteiro? Por que nós precisaríamos apavorar o mundo inteiro?”.

Mas, desde a invasão da Ucrânia, Putin e suas mais graduadas autoridades, incluindo o vice-diretor do Conselho de Segurança da Rússia, Dmitri Medvedev, e o ministro de Relações Exteriores, Sergei Lavrov, têm atiçado o terror nuclear. Ao anunciar a invasão, em seu primeiro dia, Putin alertou que qualquer país que interferisse na guerra enfrentaria consequências “que vocês nunca viram em toda a sua história”, em uma alusão inequívoca às armas nucleares russas.

Um homem atravessa uma rua em frente ao Kremlin de Moscou, no centro de Moscou, Rússia, em 30 de junho de 2023.  Foto: MAXIM SHIPENKOV / EFE

Dias depois, Putin colocou o armamento atômico da Rússia em “prontidão especial de combate”. Desde então, Moscou suspendeu sua participação no pacto Novo START e anunciou que estacionaria armas nucleares em Belarus. Em setembro, quando alegou ter anexado quatro regiões ucranianas, Putin alertou explicitamente que a Rússia usaria armas nucleares se seu território fosse ameaçado.

Na mais recente intimidação atômica, Medvedev afirmou que um apocalipse nuclear não é “apenas possível, mas bastante provável”, em um artigo publicado na Rossiyskaya Gazeta, no domingo, porque “não existe nenhum tabu” quanto ao uso de armas nucleares. Medvedev afirmou que o Ocidente tem de aceitar a aniquilação do governo “nazista” da Ucrânia “se não quiser um fim apocalíptico” para a civilização.

Blefe ou ameaça real?

Alguns analistas consideraram o debate a respeito de um ataque nuclear a algum país da Otan um blefe orquestrado para intensificar os temores do Ocidente sobre guerra atômica, mas outros perceberam as falas meramente como desabafos de comentaristas linha-dura em resposta aos fracassos russos na guerra.

“É justo afirmar que as pessoas dessa comunidade sentem-se frustradas com a situação, e na minha opinião esses indivíduos estão apenas pensando em voz alta”, disse Podvig em entrevista. Ele afirmou que as autoridades russas têm sido “bastantes consistentes (expressando) que armas nucleares só podem ser usadas para proteger a Rússia de algum tipo de ameaça à sua existência”.

“As armas estão lá, e há cenários em que elas podem ser usadas. Contudo, nós estamos, pelo menos atualmente, dois degraus abaixo desse ponto.” Se a Rússia começar a considerar seriamente usar armas nucleares na Ucrânia ou na Polônia, haveria uma mudança muito mais acentuada na retórica do Kremlin, afirmou ele.

Mas uma questão preocupante é o que conformaria uma “ameaça existencial” à Rússia na mente de Putin, dada sua profunda convicção de que ele é o único guardião e protetor do Estado russo.

Em janeiro, o Boletim dos Cientistas Atômicos avançou em 10 segundos os ponteiros do Relógio do Juízo Final, até 90 segundos para a meia-noite, principalmente “em razão dos perigos cada vez maiores da guerra na Ucrânia”, afirmou a publicação.

Artur Kacprzyk, analista especializado em armas nucleares do Instituto Polonês de Assuntos Internacionais, afirmou que o debate em Moscou a respeito de atacar a Polônia é uma forma de coerção atômica destinada a intimidar a Otan e que a discussão causou “preocupação, mas definitivamente nenhum pânico”.

“O nível — e a intensidade — desse debate na Rússia a respeito do potencial uso nuclear é maior do que antes”, afirmou ele. “Se eles acham que o Ocidente não retaliará, isso os encorajará a aumentar mais e mais essas ameaças.”

Dias antes da rebelião Wagner, o presidente Joe Biden afirmou que o risco da Rússia usar uma arma nuclear tática contra a Europa é “real”, segundo noticiou a Reuters.

Mas Kirby afirmou semana passada que os Estados Unidos não perceberam “nenhuma indicação de que Putin esteja interessado em caminhar nessa direção, nem vimos nada que nos faria mudar nossa própria postura de dissuasão”.

Analistas pró-Kremlin gostam de argumentar que uma potência nuclear “é incapaz de perder” guerras, apesar de desventuras militares passadas tanto de Moscou quanto de de Washington. De acordo com Podvig, é uma fonte de frustração na Rússia o fato de que possuir armas nucleares simplesmente não é um fator decisivo para vencer esta guerra.

“Não que as pessoas não respeitem as armas nucleares da Rússia”, afirmou Podvig. “Mas é realmente impossível pensar em uma maneira de usá-las para obter qualquer vantagem. Neste ponto, acho que a única coisa que o único benefício que a Rússia obtém de suas armas nucleares é evitar o envolvimento direto da Otan ou dos EUA nesta guerra.” / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

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