Referendo no Chile: Faltou um diálogo mais amplo sobre nova Constituição; leia a análise


Nenhuma pesquisa de opinião pública estimou uma vitória tão folgada da opção Rechaço no referendo sobre o texto da nova Constituição no Chile

Por Pedro Abramovay e Talita Tanscheit*
Atualização:

Na primeira eleição com voto obrigatório da história do Chile, o comparecimento eleitoral foi de 85%. Um recorde. O Rechaço obteve 62% dos votos contra 38% dos votos do Aprovo. Uma diferença de mais de 20 pontos percentuais. Uma vitória contundente e com um alto grau de legitimidade política.

O processo constituinte foi fruto, antes de mais nada, da propensão ao diálogo de Gabriel Boric. Na época, veio do então deputado a proposta – que uniria todos os partidos - de se eleger uma Convenção Constitucional como forma de resposta e encerramento aos protestos que paralisavam o Chile. Setores da esquerda chegaram a atacar Boric, pois se a proposta abriu a possibilidade de um futuro novo para o Chile, também esvaziou as manifestações que podiam derrubar o então presidente - de direita - Sebastián Piñera. A ideia contou com um grande apoio da população, e em outubro de 2020, 80% dos eleitores votaram pelo fim da Constituição de Pinochet e pela redação de um novo texto.

Ao mesmo tempo, as forças progressistas pareciam viver em uma espiral de vitórias. Em maio de 2021, a esquerda elegeu uma maioria de representantes para a Convenção Constitucional, e a direita não obteve o terço necessário para bloquear normas sob o quórum supramajoritário de dois terços. Em dezembro deste mesmo ano, Boric foi eleito presidente.

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Apoiadores da opção 'Rechaço' celebram nas ruas o resultado do referendo de domingo, que rejeito o texto da nova Constituição no Chile Foto: Alberto Valdés/EFE

O que se imaginava que seria a última etapa para a substituição da Constituição de 1980 – escrita em ditadura – por um novo texto constitucional – escrito em democracia – acabou sendo uma derrota para as forças progressistas do Chile.

O que explica a deterioração do apoio ao processo constituinte e a vitória da opção Rechaço?

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Talvez a resposta principal esteja na própria Convenção Constitucional e a sua maioria de representantes independentes. A Lista do Povo, que elegeu o maior número de representantes à Convenção, se dissolveu em poucos meses. Por acreditarem em uma derrota irreversível da direita, o diálogo dentro da esquerda foi débil e com a direita convencional inexistente, colaborando para que o processo constituinte fosse se fechando em si mesmo. O resultado: uma avaliação muito negativa da Convenção.

A direita fez oposição à Convenção desde o dia de sua instalação. Dividido no início do processo, este campo político se unificou, e o Rechaço se expandiu obtendo uma voz pública mais plural e transversal ao redor do país.

A reação às identidades subalternas, como de gênero e étnico-raciais, também parece ter prevalecido. A razão mais comum para justificar o apoio ao Rechaço foram as normas relativas à definição do Chile como um Estado plurinacional. Ao reafirmar símbolos nacionais como a bandeira e o hino do Chile, o Rechaço conquistou uma base de apoio que, ao menos do ponto de vista simbólico, se sentiu ameaçada pela plurinacionalidade.

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Por fim, chama atenção a campanha de desinformação promovida pelo Rechaço, com a distribuição de versões adulteradas do texto constitucional e a intensa circulação e notícias falsas. As ideias fantasiosas de que iriam extinguir a propriedade privada e liberar completamente o aborto no país foram umas das notícias de maior alcance das redes sociais chilenas no último período.

A vitória do Rechaço foi a primeira derrota política da geração que liderou as manifestações estudantis de 2011 e chegou ao poder com Boric em 2021. O atual presidente, que tem se diferenciado em vários momentos dessa geração por seu tom conciliador, fez ontem um chamado à unidade nacional. Para o governo, será um momento de mudanças no gabinete ministerial e de moderação.

As urnas de outubro de 2020 foram imperativas: a população quer uma nova constituição para o Chile. Em setembro de 2022, a sua primeira proposta foi rechaçada. A grande lição desse processo, que nasce de movimentos contra a política estabelecida, talvez seja a de que não se fazem mudanças estruturais sem reconhecer a importância de processos políticos. Uma maioria avassaladora na Convenção Constitucional não é uma maioria na sociedade e, para se conquistar a sociedade, é necessário aceitar o diálogo com diferentes. As possibilidades de futuro novamente se reabrem no Chile. Talvez apenas a capacidade de conciliação de Boric tenha condições de conduzir ao pacto que pode construir esse futuro.

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*Pedro Abramovay é advogado e diretor da Open Society Foundations para a América Latina e o Caribe. Talita Tanscheit é Cientista Política e Pesquisadora Associada no Instituto de Ciências Sociais da Universidade Diego Portales (ICSO-UDP), em Santiago do Chile.

Na primeira eleição com voto obrigatório da história do Chile, o comparecimento eleitoral foi de 85%. Um recorde. O Rechaço obteve 62% dos votos contra 38% dos votos do Aprovo. Uma diferença de mais de 20 pontos percentuais. Uma vitória contundente e com um alto grau de legitimidade política.

O processo constituinte foi fruto, antes de mais nada, da propensão ao diálogo de Gabriel Boric. Na época, veio do então deputado a proposta – que uniria todos os partidos - de se eleger uma Convenção Constitucional como forma de resposta e encerramento aos protestos que paralisavam o Chile. Setores da esquerda chegaram a atacar Boric, pois se a proposta abriu a possibilidade de um futuro novo para o Chile, também esvaziou as manifestações que podiam derrubar o então presidente - de direita - Sebastián Piñera. A ideia contou com um grande apoio da população, e em outubro de 2020, 80% dos eleitores votaram pelo fim da Constituição de Pinochet e pela redação de um novo texto.

Ao mesmo tempo, as forças progressistas pareciam viver em uma espiral de vitórias. Em maio de 2021, a esquerda elegeu uma maioria de representantes para a Convenção Constitucional, e a direita não obteve o terço necessário para bloquear normas sob o quórum supramajoritário de dois terços. Em dezembro deste mesmo ano, Boric foi eleito presidente.

Apoiadores da opção 'Rechaço' celebram nas ruas o resultado do referendo de domingo, que rejeito o texto da nova Constituição no Chile Foto: Alberto Valdés/EFE

O que se imaginava que seria a última etapa para a substituição da Constituição de 1980 – escrita em ditadura – por um novo texto constitucional – escrito em democracia – acabou sendo uma derrota para as forças progressistas do Chile.

O que explica a deterioração do apoio ao processo constituinte e a vitória da opção Rechaço?

Talvez a resposta principal esteja na própria Convenção Constitucional e a sua maioria de representantes independentes. A Lista do Povo, que elegeu o maior número de representantes à Convenção, se dissolveu em poucos meses. Por acreditarem em uma derrota irreversível da direita, o diálogo dentro da esquerda foi débil e com a direita convencional inexistente, colaborando para que o processo constituinte fosse se fechando em si mesmo. O resultado: uma avaliação muito negativa da Convenção.

A direita fez oposição à Convenção desde o dia de sua instalação. Dividido no início do processo, este campo político se unificou, e o Rechaço se expandiu obtendo uma voz pública mais plural e transversal ao redor do país.

A reação às identidades subalternas, como de gênero e étnico-raciais, também parece ter prevalecido. A razão mais comum para justificar o apoio ao Rechaço foram as normas relativas à definição do Chile como um Estado plurinacional. Ao reafirmar símbolos nacionais como a bandeira e o hino do Chile, o Rechaço conquistou uma base de apoio que, ao menos do ponto de vista simbólico, se sentiu ameaçada pela plurinacionalidade.

Por fim, chama atenção a campanha de desinformação promovida pelo Rechaço, com a distribuição de versões adulteradas do texto constitucional e a intensa circulação e notícias falsas. As ideias fantasiosas de que iriam extinguir a propriedade privada e liberar completamente o aborto no país foram umas das notícias de maior alcance das redes sociais chilenas no último período.

A vitória do Rechaço foi a primeira derrota política da geração que liderou as manifestações estudantis de 2011 e chegou ao poder com Boric em 2021. O atual presidente, que tem se diferenciado em vários momentos dessa geração por seu tom conciliador, fez ontem um chamado à unidade nacional. Para o governo, será um momento de mudanças no gabinete ministerial e de moderação.

As urnas de outubro de 2020 foram imperativas: a população quer uma nova constituição para o Chile. Em setembro de 2022, a sua primeira proposta foi rechaçada. A grande lição desse processo, que nasce de movimentos contra a política estabelecida, talvez seja a de que não se fazem mudanças estruturais sem reconhecer a importância de processos políticos. Uma maioria avassaladora na Convenção Constitucional não é uma maioria na sociedade e, para se conquistar a sociedade, é necessário aceitar o diálogo com diferentes. As possibilidades de futuro novamente se reabrem no Chile. Talvez apenas a capacidade de conciliação de Boric tenha condições de conduzir ao pacto que pode construir esse futuro.

*Pedro Abramovay é advogado e diretor da Open Society Foundations para a América Latina e o Caribe. Talita Tanscheit é Cientista Política e Pesquisadora Associada no Instituto de Ciências Sociais da Universidade Diego Portales (ICSO-UDP), em Santiago do Chile.

Na primeira eleição com voto obrigatório da história do Chile, o comparecimento eleitoral foi de 85%. Um recorde. O Rechaço obteve 62% dos votos contra 38% dos votos do Aprovo. Uma diferença de mais de 20 pontos percentuais. Uma vitória contundente e com um alto grau de legitimidade política.

O processo constituinte foi fruto, antes de mais nada, da propensão ao diálogo de Gabriel Boric. Na época, veio do então deputado a proposta – que uniria todos os partidos - de se eleger uma Convenção Constitucional como forma de resposta e encerramento aos protestos que paralisavam o Chile. Setores da esquerda chegaram a atacar Boric, pois se a proposta abriu a possibilidade de um futuro novo para o Chile, também esvaziou as manifestações que podiam derrubar o então presidente - de direita - Sebastián Piñera. A ideia contou com um grande apoio da população, e em outubro de 2020, 80% dos eleitores votaram pelo fim da Constituição de Pinochet e pela redação de um novo texto.

Ao mesmo tempo, as forças progressistas pareciam viver em uma espiral de vitórias. Em maio de 2021, a esquerda elegeu uma maioria de representantes para a Convenção Constitucional, e a direita não obteve o terço necessário para bloquear normas sob o quórum supramajoritário de dois terços. Em dezembro deste mesmo ano, Boric foi eleito presidente.

Apoiadores da opção 'Rechaço' celebram nas ruas o resultado do referendo de domingo, que rejeito o texto da nova Constituição no Chile Foto: Alberto Valdés/EFE

O que se imaginava que seria a última etapa para a substituição da Constituição de 1980 – escrita em ditadura – por um novo texto constitucional – escrito em democracia – acabou sendo uma derrota para as forças progressistas do Chile.

O que explica a deterioração do apoio ao processo constituinte e a vitória da opção Rechaço?

Talvez a resposta principal esteja na própria Convenção Constitucional e a sua maioria de representantes independentes. A Lista do Povo, que elegeu o maior número de representantes à Convenção, se dissolveu em poucos meses. Por acreditarem em uma derrota irreversível da direita, o diálogo dentro da esquerda foi débil e com a direita convencional inexistente, colaborando para que o processo constituinte fosse se fechando em si mesmo. O resultado: uma avaliação muito negativa da Convenção.

A direita fez oposição à Convenção desde o dia de sua instalação. Dividido no início do processo, este campo político se unificou, e o Rechaço se expandiu obtendo uma voz pública mais plural e transversal ao redor do país.

A reação às identidades subalternas, como de gênero e étnico-raciais, também parece ter prevalecido. A razão mais comum para justificar o apoio ao Rechaço foram as normas relativas à definição do Chile como um Estado plurinacional. Ao reafirmar símbolos nacionais como a bandeira e o hino do Chile, o Rechaço conquistou uma base de apoio que, ao menos do ponto de vista simbólico, se sentiu ameaçada pela plurinacionalidade.

Por fim, chama atenção a campanha de desinformação promovida pelo Rechaço, com a distribuição de versões adulteradas do texto constitucional e a intensa circulação e notícias falsas. As ideias fantasiosas de que iriam extinguir a propriedade privada e liberar completamente o aborto no país foram umas das notícias de maior alcance das redes sociais chilenas no último período.

A vitória do Rechaço foi a primeira derrota política da geração que liderou as manifestações estudantis de 2011 e chegou ao poder com Boric em 2021. O atual presidente, que tem se diferenciado em vários momentos dessa geração por seu tom conciliador, fez ontem um chamado à unidade nacional. Para o governo, será um momento de mudanças no gabinete ministerial e de moderação.

As urnas de outubro de 2020 foram imperativas: a população quer uma nova constituição para o Chile. Em setembro de 2022, a sua primeira proposta foi rechaçada. A grande lição desse processo, que nasce de movimentos contra a política estabelecida, talvez seja a de que não se fazem mudanças estruturais sem reconhecer a importância de processos políticos. Uma maioria avassaladora na Convenção Constitucional não é uma maioria na sociedade e, para se conquistar a sociedade, é necessário aceitar o diálogo com diferentes. As possibilidades de futuro novamente se reabrem no Chile. Talvez apenas a capacidade de conciliação de Boric tenha condições de conduzir ao pacto que pode construir esse futuro.

*Pedro Abramovay é advogado e diretor da Open Society Foundations para a América Latina e o Caribe. Talita Tanscheit é Cientista Política e Pesquisadora Associada no Instituto de Ciências Sociais da Universidade Diego Portales (ICSO-UDP), em Santiago do Chile.

Na primeira eleição com voto obrigatório da história do Chile, o comparecimento eleitoral foi de 85%. Um recorde. O Rechaço obteve 62% dos votos contra 38% dos votos do Aprovo. Uma diferença de mais de 20 pontos percentuais. Uma vitória contundente e com um alto grau de legitimidade política.

O processo constituinte foi fruto, antes de mais nada, da propensão ao diálogo de Gabriel Boric. Na época, veio do então deputado a proposta – que uniria todos os partidos - de se eleger uma Convenção Constitucional como forma de resposta e encerramento aos protestos que paralisavam o Chile. Setores da esquerda chegaram a atacar Boric, pois se a proposta abriu a possibilidade de um futuro novo para o Chile, também esvaziou as manifestações que podiam derrubar o então presidente - de direita - Sebastián Piñera. A ideia contou com um grande apoio da população, e em outubro de 2020, 80% dos eleitores votaram pelo fim da Constituição de Pinochet e pela redação de um novo texto.

Ao mesmo tempo, as forças progressistas pareciam viver em uma espiral de vitórias. Em maio de 2021, a esquerda elegeu uma maioria de representantes para a Convenção Constitucional, e a direita não obteve o terço necessário para bloquear normas sob o quórum supramajoritário de dois terços. Em dezembro deste mesmo ano, Boric foi eleito presidente.

Apoiadores da opção 'Rechaço' celebram nas ruas o resultado do referendo de domingo, que rejeito o texto da nova Constituição no Chile Foto: Alberto Valdés/EFE

O que se imaginava que seria a última etapa para a substituição da Constituição de 1980 – escrita em ditadura – por um novo texto constitucional – escrito em democracia – acabou sendo uma derrota para as forças progressistas do Chile.

O que explica a deterioração do apoio ao processo constituinte e a vitória da opção Rechaço?

Talvez a resposta principal esteja na própria Convenção Constitucional e a sua maioria de representantes independentes. A Lista do Povo, que elegeu o maior número de representantes à Convenção, se dissolveu em poucos meses. Por acreditarem em uma derrota irreversível da direita, o diálogo dentro da esquerda foi débil e com a direita convencional inexistente, colaborando para que o processo constituinte fosse se fechando em si mesmo. O resultado: uma avaliação muito negativa da Convenção.

A direita fez oposição à Convenção desde o dia de sua instalação. Dividido no início do processo, este campo político se unificou, e o Rechaço se expandiu obtendo uma voz pública mais plural e transversal ao redor do país.

A reação às identidades subalternas, como de gênero e étnico-raciais, também parece ter prevalecido. A razão mais comum para justificar o apoio ao Rechaço foram as normas relativas à definição do Chile como um Estado plurinacional. Ao reafirmar símbolos nacionais como a bandeira e o hino do Chile, o Rechaço conquistou uma base de apoio que, ao menos do ponto de vista simbólico, se sentiu ameaçada pela plurinacionalidade.

Por fim, chama atenção a campanha de desinformação promovida pelo Rechaço, com a distribuição de versões adulteradas do texto constitucional e a intensa circulação e notícias falsas. As ideias fantasiosas de que iriam extinguir a propriedade privada e liberar completamente o aborto no país foram umas das notícias de maior alcance das redes sociais chilenas no último período.

A vitória do Rechaço foi a primeira derrota política da geração que liderou as manifestações estudantis de 2011 e chegou ao poder com Boric em 2021. O atual presidente, que tem se diferenciado em vários momentos dessa geração por seu tom conciliador, fez ontem um chamado à unidade nacional. Para o governo, será um momento de mudanças no gabinete ministerial e de moderação.

As urnas de outubro de 2020 foram imperativas: a população quer uma nova constituição para o Chile. Em setembro de 2022, a sua primeira proposta foi rechaçada. A grande lição desse processo, que nasce de movimentos contra a política estabelecida, talvez seja a de que não se fazem mudanças estruturais sem reconhecer a importância de processos políticos. Uma maioria avassaladora na Convenção Constitucional não é uma maioria na sociedade e, para se conquistar a sociedade, é necessário aceitar o diálogo com diferentes. As possibilidades de futuro novamente se reabrem no Chile. Talvez apenas a capacidade de conciliação de Boric tenha condições de conduzir ao pacto que pode construir esse futuro.

*Pedro Abramovay é advogado e diretor da Open Society Foundations para a América Latina e o Caribe. Talita Tanscheit é Cientista Política e Pesquisadora Associada no Instituto de Ciências Sociais da Universidade Diego Portales (ICSO-UDP), em Santiago do Chile.

Na primeira eleição com voto obrigatório da história do Chile, o comparecimento eleitoral foi de 85%. Um recorde. O Rechaço obteve 62% dos votos contra 38% dos votos do Aprovo. Uma diferença de mais de 20 pontos percentuais. Uma vitória contundente e com um alto grau de legitimidade política.

O processo constituinte foi fruto, antes de mais nada, da propensão ao diálogo de Gabriel Boric. Na época, veio do então deputado a proposta – que uniria todos os partidos - de se eleger uma Convenção Constitucional como forma de resposta e encerramento aos protestos que paralisavam o Chile. Setores da esquerda chegaram a atacar Boric, pois se a proposta abriu a possibilidade de um futuro novo para o Chile, também esvaziou as manifestações que podiam derrubar o então presidente - de direita - Sebastián Piñera. A ideia contou com um grande apoio da população, e em outubro de 2020, 80% dos eleitores votaram pelo fim da Constituição de Pinochet e pela redação de um novo texto.

Ao mesmo tempo, as forças progressistas pareciam viver em uma espiral de vitórias. Em maio de 2021, a esquerda elegeu uma maioria de representantes para a Convenção Constitucional, e a direita não obteve o terço necessário para bloquear normas sob o quórum supramajoritário de dois terços. Em dezembro deste mesmo ano, Boric foi eleito presidente.

Apoiadores da opção 'Rechaço' celebram nas ruas o resultado do referendo de domingo, que rejeito o texto da nova Constituição no Chile Foto: Alberto Valdés/EFE

O que se imaginava que seria a última etapa para a substituição da Constituição de 1980 – escrita em ditadura – por um novo texto constitucional – escrito em democracia – acabou sendo uma derrota para as forças progressistas do Chile.

O que explica a deterioração do apoio ao processo constituinte e a vitória da opção Rechaço?

Talvez a resposta principal esteja na própria Convenção Constitucional e a sua maioria de representantes independentes. A Lista do Povo, que elegeu o maior número de representantes à Convenção, se dissolveu em poucos meses. Por acreditarem em uma derrota irreversível da direita, o diálogo dentro da esquerda foi débil e com a direita convencional inexistente, colaborando para que o processo constituinte fosse se fechando em si mesmo. O resultado: uma avaliação muito negativa da Convenção.

A direita fez oposição à Convenção desde o dia de sua instalação. Dividido no início do processo, este campo político se unificou, e o Rechaço se expandiu obtendo uma voz pública mais plural e transversal ao redor do país.

A reação às identidades subalternas, como de gênero e étnico-raciais, também parece ter prevalecido. A razão mais comum para justificar o apoio ao Rechaço foram as normas relativas à definição do Chile como um Estado plurinacional. Ao reafirmar símbolos nacionais como a bandeira e o hino do Chile, o Rechaço conquistou uma base de apoio que, ao menos do ponto de vista simbólico, se sentiu ameaçada pela plurinacionalidade.

Por fim, chama atenção a campanha de desinformação promovida pelo Rechaço, com a distribuição de versões adulteradas do texto constitucional e a intensa circulação e notícias falsas. As ideias fantasiosas de que iriam extinguir a propriedade privada e liberar completamente o aborto no país foram umas das notícias de maior alcance das redes sociais chilenas no último período.

A vitória do Rechaço foi a primeira derrota política da geração que liderou as manifestações estudantis de 2011 e chegou ao poder com Boric em 2021. O atual presidente, que tem se diferenciado em vários momentos dessa geração por seu tom conciliador, fez ontem um chamado à unidade nacional. Para o governo, será um momento de mudanças no gabinete ministerial e de moderação.

As urnas de outubro de 2020 foram imperativas: a população quer uma nova constituição para o Chile. Em setembro de 2022, a sua primeira proposta foi rechaçada. A grande lição desse processo, que nasce de movimentos contra a política estabelecida, talvez seja a de que não se fazem mudanças estruturais sem reconhecer a importância de processos políticos. Uma maioria avassaladora na Convenção Constitucional não é uma maioria na sociedade e, para se conquistar a sociedade, é necessário aceitar o diálogo com diferentes. As possibilidades de futuro novamente se reabrem no Chile. Talvez apenas a capacidade de conciliação de Boric tenha condições de conduzir ao pacto que pode construir esse futuro.

*Pedro Abramovay é advogado e diretor da Open Society Foundations para a América Latina e o Caribe. Talita Tanscheit é Cientista Política e Pesquisadora Associada no Instituto de Ciências Sociais da Universidade Diego Portales (ICSO-UDP), em Santiago do Chile.

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