THE WASHINGTON POST - Se a última década trouxe uma lição abrangente é a de que, na política, na cultura e na sociedade, a emoção costuma ser mais poderosa do que a razão. A coroação em 6 de maio do rei Charles III e Camilla, rainha consorte, não resolverá a enorme variedade de problemas enfrentados pelos cidadãos do Reino Unido. Mas - mesmo que apenas por um fim de semana - fará com que muitos deles se sintam melhor.
A cerimônia na Abadia de Westminster - o local das coroações reais desde o século 11 - será um ritual que, para uma democracia moderna do G-7, é quase inacreditavelmente antiquado e cheio de bobagens. Isso envolverá três cadeiras separadas apenas para o rei; duas maçãs; quatro espadas; túnicas extraordinariamente elaboradas e uma “mortalha” simbolizando a pureza diante de Deus; três coroas; e a unção do monarca pelo arcebispo de Canterbury com óleo sagrado (uma parte da cerimônia ainda considerada sagrada demais para ser televisionada).
A pura irracionalidade de tudo isso no século 21 não passou despercebida aos britânicos, que estão ocupados reclamando da pompa, custo e travessuras pessoais da família real.
Apenas alguns dias antes da coroação, as queixas do filho mais novo do rei, o príncipe Harry, e Meghan, duquesa de Sussex, ainda ocupam as manchetes (depois de muito debate, Harry estará presente, mas sua esposa não). Pesquisas de opinião sugerem que o apoio público geral à monarquia está diminuindo – embora ainda ultrapasse 50%. Há ameaças de interrupção da procissão da coroação por ativistas.
É importante lembrar, porém, parafraseando a famosa máxima de F. Scott Fitzgerald, as nações são perfeitamente capazes de manter duas ideias opostas em suas mentes ao mesmo tempo. O sucesso de “The Crown” apenas globalizou a secular tradição britânica de satirizar e saborear a novela da família real. Em 1953, quando a mãe de Charles, a rainha Elizabeth II, foi coroada, houve muita reclamação sobre o custo.
Muito mais impressionante, no entanto, é a pura resiliência da monarquia e sua capacidade de evitar a extinção. Sobreviveu à crise de abdicação de 1936, quando Eduardo VIII renunciou à coroa para poder se casar com uma mulher divorciada. Sobreviveu ao trauma da morte de Diana, princesa de Gales, em 1997. E mostra todos os sinais de sobrevivência à morte, em setembro, da rainha, a monarca mais antiga do país, que, após 70 anos no trono, tornou-se uma figura profundamente amada.
Alguns pensaram que se tornar rei aos 73 anos apresentaria a Charles desafios potencialmente insuperáveis. Na verdade, o oposto provou ser o caso (pelo menos até agora). O frustrado e espinhoso príncipe de meia-idade se transformou em um brilhante avô da nação que é surpreendentemente popular entre o público.
Por quê? Primeiro, porque o rei é um monarca cujas preocupações e prioridades se ajustam à época em que será coroado. Sua paixão pioneira pelo meio ambiente e por medidas para lidar com a mudança climática foi profética. Fundada em 1976, sua instituição de caridade, a Prince’s Trust, já ajudou mais de 1 milhão de jovens.
Por décadas, ele tem sido um defensor da habitação que se adapta aos seres humanos, e não aos teóricos da arquitetura. E, enquanto o governo conservador trava suas cruas guerras culturais de direita, ele tem passado tempo com refugiados e sinalizado seu apoio inabalável ao escrutínio das ligações históricas da família real com o comércio transatlântico de escravos.
Tudo sobre a coroação
Segundo: considere a paisagem desolada que a maioria dos britânicos enfrenta. Apagar o sol do Império onde ele nunca se põe é o fracasso indubitável do Brexit. Uma pesquisa da London School of Economics mostrou que a separação do Reino Unido da União Europeia adicionou quase 6 bilhões de libras (cerca de US$ 7,5 bilhões) aos custos de alimentação dos britânicos em 2020 e 2021.
O Fundo Monetário Internacional prevê que o Reino Unido também deve ser uma das únicas economias do G-7 a encolher este ano. A inflação está parada em dois dígitos, e o Banco da Inglaterra alertou o público para se acostumar a ficar “em situação pior”.
Os serviços públicos estão encolhendo sob a pressão do subfinanciamento e da falta de pessoal e afetados por uma série de greves. Para coroar tudo, a confiança na classe política está na sarjeta. Durante 2022, o Reino Unido teve nada menos que três primeiros-ministros e quatro ministros do Tesouro. Quando os eleitores mais precisavam de políticos sérios, Westminster era palco de escândalos e farsas tragicômicas.
Nesse momento, a monarquia atua como uma instituição de apoio emocional. Sua própria antiguidade é seu apelo; seu enraizamento no passado é o ponto central. Em uma era de volatilidade pulverizada e baixa auto-estima nacional, a coroação incorporará um senso místico de continuidade e um espírito de permanência do qual os britânicos são mais dependentes do que gostariam de admitir.
A visão da carruagem dourada puxada por cavalos pelo centro de Londres dará aos britânicos permissão para se sentirem bem consigo mesmos e acreditarem, de alguma forma, na grandeza de seu país. E, por um breve momento brilhante, enquanto o resto do mundo assiste a esse espetáculo extraordinário em suas telas, tudo será verdade.
*Matthew d’Ancona é editor geral do New European e colunista do London Evening Standard