O rei Philippe, da Bélgica, expressou os “mais profundos arrependimentos” nesta quarta-feira, 9, pela violência cometida durante a colonização da República Democrática do Congo, mas não fez um pedido formal de desculpas. Em sua primeira visita ao país desde que assumiu o trono, em 2013, ele também devolveu uma máscara utilizada em cerimônias do povo Zuku que fora usurpada pelos belgas durante o período colonial.
Em Kinkasha, capital da RDC, Phillipe declarou ao parlamento do país que o regime colonial foi “de relações desiguais, injustificáveis em si, marcadas por paternalismo, discriminação e racismo”. “Por ocasião da minha primeira viagem ao Congo, aqui mesmo, diante do povo congolês e daqueles que ainda hoje sofrem, desejo reafirmar meu mais profundo pesar por essas feridas do passado”, acrescentou.
Philippe e a esposa, a rainha Mathilde, foram recebidos calorosamente no Congo, onde apoiadores do partido que comanda o país agitaram bandeiras belgas. Uma faixa pendurada no parlamento celebrava uma “história comum”, relatou a Reuters. O presidente do Congo, Félix Tshisekedi, cumprimentou os monarcas em um tapete vermelho estendido no aeroporto da capital na terça-feira, 7.
Apesar da recepção, alguns políticos e moradores exigiram que a Bélgica fizesse mais para reparar as atrocidades e discriminações sofridas pelo povo congolês.
Segundo declarou em entrevista, Tshisekedi espera que laços mais fortes com a Bélgica resultem em investimentos para o Congo e melhorem a assistência à saúde do país. O Banco Mundial estima que 73% da população congolesa viva abaixo da linha de pobreza internacional.
“Não nos debruçamos sobre o passado, que é o passado e que não deve ser reconsiderado, mas precisamos olhar para o futuro”, disse Tshisekedi durante a entrevista, feita ao lado do primeiro-ministro belga Alexander De Croo, que viajou com o rei e a rainha. De Croo saudou a viagem de seis dias como um “momento histórico”.
Colonização
O rei Leopoldo II da Bélgica assumiu o poder do Congo em 1885, quando os líderes europeus dividiram a África em propriedades imperiais. O rei recebeu controle pessoal sobre uma faixa de terra que ele chamou de Estado Livre do Congo.
Cerca de 10 milhões de congoleses morreram sob o governo de Leopoldo em decorrência de violência, fome e doenças, segundo as estimativas. Há relatos de crianças desmembradas em aldeias por não produzir borracha suficiente para satisfazer os senhores coloniais. A administração de Leopoldo foi tão sangrenta que atraiu a condenação de outros líderes europeus.
Quando o assassinato de George Floyd, nos Estados Unidos, explodiu protestos em 2020, manifestantes na Bélgica também se revoltaram e vandalizaram as estátuas de Leopoldo. Os comentários de Philippe nesta semana repetem os que ele fez em uma carta enviada a Tshisekedi em junho daquele ano, no 60º aniversário da independência do Congo e sob o contexto dos protestos. Com a carta, Phillipe se tornou o primeiro oficial belga a lamentar os abusos imperiais do país.
Os países europeus fizeram alguns esforços nos últimos anos para reconhecer seus passados coloniais, já que ativistas de dentro destes países e em ex-colônias exigem um acerto de contas sobre a violência histórica. Em 2021, a Alemanha pediu desculpas e reconheceu como genocídio os massacres do povo Herero e Nama na Namíbia, cometidos pelas forças coloniais alemãs. A Holanda fez o mesmo movimento com o pedido de desculpas do rei holandês Willem-Alexander a Indonésia pela “violência excessiva” no período colonial.
Entretanto, a maioria dos países não foi tão longe. O presidente francês Emmanuel Macron lançou esforços para investigar a colonização da Argélia pela França, mas descartou um pedido de desculpas oficial. Os dois países ainda carregam cicatrizes profundas pelo período colonial e a guerra brutal que o encerrou.
Devolução de símbolos
Algumas nações europeias também se mobilizaram para devolver artefatos saqueados de suas ex-colônias, como a Bélgica nesta quarta-feira. A máscara devolvida às autoridades congolesas pelo rei Phillipe é uma máscara Kakungu, de um metro e meio de altura, que havia sido usada em cerimônias do povo Suku no sudoeste do Congo.
O artefato foi incluído em um inventário de 84 mil itens usurpados pela Bélgica durante o período colonial que foram devolvidos ao governo congolês em fevereiro. Parte estava guardada ou exibida no Museu Real da África Central, localizado nos arredores de Bruxelas, capital belga.
Segundo o site de notícias belga VRT, a máscara está em “empréstimo indefinido” ao Congo, já que a Bélgica não tem uma via legal para doar obras mantidas em coleções federais. O parlamento do país estuda uma lei que criará uma estrutura legal para a restituição de artefatos da era colonial.
A Bélgica também planeja devolver um dente que pertenceu ao primeiro primeiro-ministro pós-independência do Congo, Patrice Lumumba, e hoje é o último resto mortal. Lumumba foi morto em 1961 após um golpe apoiado por Bruxelas.
Para alguns no Congo, os gestos são insuficientes. Em uma resposta à declaração de De Croo, que afirma que os países se concentrarão no futuro, a senadora da oposição congolesa Francine Muyumba Nkanga escreveu: “Nunca nos voltaremos para o futuro sem desculpas e reparações da Bélgica”.