É colunista do 'Estadão' e analista de assuntos internacionais. Escreve uma vez por semana.

Opinião|Rejeição de Milei ao Brics mostra novo alinhamento ideológico da Argentina; leia a análise


Presidente argentino enviou cartas aos governantes dos cinco países fundadores dos Brics informando que o país não vai mais ingressar no bloco

Por Lourival Sant'Anna
Atualização:

Na coluna de 26 de novembro, escrevi que Javier Milei interromperia a crescente projeção da China sobre a Argentina. O novo presidente argentino deu o primeiro passo ao enviar cartas aos governantes dos cinco países fundadores dos Brics informando que a Argentina não vai mais ingressar no bloco, como havia sido decidido na sua última cúpula, em agosto.

A entrada da Argentina, assim como a de Egito, Etiópia, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos e Irã estava prevista para segunda-feira, 1º. “Sem prejuízo disso, desejo destacar o compromisso de meu governo com a intensificação dos laços bilaterais com seu país, em particular o aumento dos fluxos de comércio e investimento”, escreveu Milei aos presidentes de Brasil, China, Rússia, África do Sul e ao primeiro-ministro da Índia.

Não foi uma surpresa. Em agosto, quando o então presidente Alberto Fernández anunciou o ingresso da Argentina nos Brics, Milei adiantou que não seguiria esse caminho, se eleito: “Nosso alinhamento de geopolítica são Estados Unidos e Israel. Nós não vamos nos alinhar com comunistas. Isso não quer dizer que o setor privado não possa comercializar com quem desejar.”

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Depois da vitória de Milei no segundo turno, dia 19 de novembro, a economista Diana Mondino, então futura chanceler, reiterou: “Não entraremos nos Brics, não vemos vantagem”. Mondino tem assegurado o interesse do novo governo argentino de manter boas relações diplomáticas e comerciais com o Brasil.

Em agosto, quando o então presidente Alberto Fernández anunciou o ingresso da Argentina nos Brics, Milei adiantou que não seguiria esse caminho, se eleito.  Foto: Luis Robayo/AFP

Na carta, Milei expressa o desejo de se reunir com os governantes dos cinco países fundadores dos Brics. Ele tem afirmado que, como liberal, acredita no livre comércio, e que quem exporta e importa são empresas, não governos.

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A nova chanceler tem sugerido também que a Argentina quer ampliar suas relações diplomáticas e comerciais. Nesse sentido, seria coerente Milei buscar uma redução drástica da Tarifa Externa Comum (TEC) do Mercosul para possibilitar novos acordos comerciais, seja no âmbito do bloco ou de forma bilateral.

A TEC atual, de 13% em média, está muito acima da média de 4% praticada na OCDE, que reúne as democracias mais prósperas do mundo. Uma diferença dessa magnitude torna muito difícil negociar acordos de livre comércio. Esse era o pensamento do então presidente Mauricio Macri (2015-19) e do então ministro da Economia, Paulo Guedes, no breve período em que seus mandatos coincidiram, em 2019. Vieram Fernández e Lula. A gradualíssima redução da TEC, que caiu apenas 1,3 ponto porcentual, foi interrompida.

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Ao longo de 2023, Lula e a presidente do Novo Banco de Desenvolvimento, Dilma Rousseff, por ele colocada no cargo, buscaram em vão formas de ajudar a economia argentina e, com ela, a eleição de Sergio Massa, candidato de Fernández.

O estatuto do “banco dos Brics” não permite resgates financeiros de países quebrados. Como o nome indica, trata-se de um banco de desenvolvimento. Portanto, Milei viu a adesão da Argentina aos Brics como aquilo que ela realmente significava: um movimento geopolítico.

A palavra-chave para sua decisão é “alinhamento”. A escolha de Estados Unidos e Israel como aliados estratégicos tem razões variadas. Milei vê os EUA como modelo de sistema econômico.

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Um componente fundamental da disputa entre Estados Unidos e os “comunistas” liderados pela China é, na visão do presidente Joe Biden, a afirmação da superioridade da democracia sobre as autocracias. Não se vê em Milei um apego tão ardente pela democracia. Ele e sua vice, Victoria Villarruel, filha de militar, falam da ditadura argentina (1976-83) com complacência.

Daí a óbvia preferência de Milei pelo ex-presidente Donald Trump, que representa melhor as razões de sua rejeição à China: um sentimento difuso de superioridade de valores associados ao liberalismo econômico e ao conservadorismo moral.

Durante sua campanha a deputado em 2021, Milei foi acusado de antissemitismo, por se referir assim aos oponentes: “Nós não apenas os derrotamos em produtividade, somos moral e esteticamente superiores, os melhores em tudo, e isso os machuca”.

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Procurou Julio Goldestein, um aliado político com influência sobre a comunidade judaica. Goldestein o levou até o rabino Shimon Axel Wahnish.

Tiveram uma conversa “cabalística”, na qual o rabino emocionou Milei ao profetizar que ele “lideraria um movimento libertador da Argentina”, segundo Goldestein.

Milei, de formação católica, passou a estudar a Torá e a ostentar símbolos do judaísmo. Ele promete transferir a capital israelense de Tel-Aviv para Jerusalém, contrariando o direito internacional, que prevê que o status final da cidade, ocupada militarmente por Israel, deve ser definido em um acordo de criação do Estado palestino.

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O principal alvo das críticas de Milei, a ex-presidente Cristina Kirchner, é acusada de tentar acobertar o envolvimento do Irã nos atentados em Buenos Aires contra a embaixada de Israel, em 1992, e contra a Associação Mutual Israelita Argentina (Amia), em 1994, que totalizaram 116 mortos.

Como presidente eleito, Milei visitou em Nova York o túmulo do rabino ucraniano Menachem Mendel Schneerson, um dos maiores teólogos judeus do século 20. E expressou sua solidariedade ao presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, também judeu, que veio à sua posse em Buenos Aires, pousando em Brasília apenas para reabastecer o avião.

Sob liderança da China, os Brics abrigam o Brasil de Lula, a Rússia e, a partir de segunda-feira, o Irã. Como se vê, são múltiplas as razões para Milei se dissociar desse clube, no qual Lula trabalhou tanto para incluir a Argentina.

Na coluna de 26 de novembro, escrevi que Javier Milei interromperia a crescente projeção da China sobre a Argentina. O novo presidente argentino deu o primeiro passo ao enviar cartas aos governantes dos cinco países fundadores dos Brics informando que a Argentina não vai mais ingressar no bloco, como havia sido decidido na sua última cúpula, em agosto.

A entrada da Argentina, assim como a de Egito, Etiópia, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos e Irã estava prevista para segunda-feira, 1º. “Sem prejuízo disso, desejo destacar o compromisso de meu governo com a intensificação dos laços bilaterais com seu país, em particular o aumento dos fluxos de comércio e investimento”, escreveu Milei aos presidentes de Brasil, China, Rússia, África do Sul e ao primeiro-ministro da Índia.

Não foi uma surpresa. Em agosto, quando o então presidente Alberto Fernández anunciou o ingresso da Argentina nos Brics, Milei adiantou que não seguiria esse caminho, se eleito: “Nosso alinhamento de geopolítica são Estados Unidos e Israel. Nós não vamos nos alinhar com comunistas. Isso não quer dizer que o setor privado não possa comercializar com quem desejar.”

Depois da vitória de Milei no segundo turno, dia 19 de novembro, a economista Diana Mondino, então futura chanceler, reiterou: “Não entraremos nos Brics, não vemos vantagem”. Mondino tem assegurado o interesse do novo governo argentino de manter boas relações diplomáticas e comerciais com o Brasil.

Em agosto, quando o então presidente Alberto Fernández anunciou o ingresso da Argentina nos Brics, Milei adiantou que não seguiria esse caminho, se eleito.  Foto: Luis Robayo/AFP

Na carta, Milei expressa o desejo de se reunir com os governantes dos cinco países fundadores dos Brics. Ele tem afirmado que, como liberal, acredita no livre comércio, e que quem exporta e importa são empresas, não governos.

A nova chanceler tem sugerido também que a Argentina quer ampliar suas relações diplomáticas e comerciais. Nesse sentido, seria coerente Milei buscar uma redução drástica da Tarifa Externa Comum (TEC) do Mercosul para possibilitar novos acordos comerciais, seja no âmbito do bloco ou de forma bilateral.

A TEC atual, de 13% em média, está muito acima da média de 4% praticada na OCDE, que reúne as democracias mais prósperas do mundo. Uma diferença dessa magnitude torna muito difícil negociar acordos de livre comércio. Esse era o pensamento do então presidente Mauricio Macri (2015-19) e do então ministro da Economia, Paulo Guedes, no breve período em que seus mandatos coincidiram, em 2019. Vieram Fernández e Lula. A gradualíssima redução da TEC, que caiu apenas 1,3 ponto porcentual, foi interrompida.

Ao longo de 2023, Lula e a presidente do Novo Banco de Desenvolvimento, Dilma Rousseff, por ele colocada no cargo, buscaram em vão formas de ajudar a economia argentina e, com ela, a eleição de Sergio Massa, candidato de Fernández.

O estatuto do “banco dos Brics” não permite resgates financeiros de países quebrados. Como o nome indica, trata-se de um banco de desenvolvimento. Portanto, Milei viu a adesão da Argentina aos Brics como aquilo que ela realmente significava: um movimento geopolítico.

A palavra-chave para sua decisão é “alinhamento”. A escolha de Estados Unidos e Israel como aliados estratégicos tem razões variadas. Milei vê os EUA como modelo de sistema econômico.

Um componente fundamental da disputa entre Estados Unidos e os “comunistas” liderados pela China é, na visão do presidente Joe Biden, a afirmação da superioridade da democracia sobre as autocracias. Não se vê em Milei um apego tão ardente pela democracia. Ele e sua vice, Victoria Villarruel, filha de militar, falam da ditadura argentina (1976-83) com complacência.

Daí a óbvia preferência de Milei pelo ex-presidente Donald Trump, que representa melhor as razões de sua rejeição à China: um sentimento difuso de superioridade de valores associados ao liberalismo econômico e ao conservadorismo moral.

Durante sua campanha a deputado em 2021, Milei foi acusado de antissemitismo, por se referir assim aos oponentes: “Nós não apenas os derrotamos em produtividade, somos moral e esteticamente superiores, os melhores em tudo, e isso os machuca”.

Procurou Julio Goldestein, um aliado político com influência sobre a comunidade judaica. Goldestein o levou até o rabino Shimon Axel Wahnish.

Tiveram uma conversa “cabalística”, na qual o rabino emocionou Milei ao profetizar que ele “lideraria um movimento libertador da Argentina”, segundo Goldestein.

Milei, de formação católica, passou a estudar a Torá e a ostentar símbolos do judaísmo. Ele promete transferir a capital israelense de Tel-Aviv para Jerusalém, contrariando o direito internacional, que prevê que o status final da cidade, ocupada militarmente por Israel, deve ser definido em um acordo de criação do Estado palestino.

O principal alvo das críticas de Milei, a ex-presidente Cristina Kirchner, é acusada de tentar acobertar o envolvimento do Irã nos atentados em Buenos Aires contra a embaixada de Israel, em 1992, e contra a Associação Mutual Israelita Argentina (Amia), em 1994, que totalizaram 116 mortos.

Como presidente eleito, Milei visitou em Nova York o túmulo do rabino ucraniano Menachem Mendel Schneerson, um dos maiores teólogos judeus do século 20. E expressou sua solidariedade ao presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, também judeu, que veio à sua posse em Buenos Aires, pousando em Brasília apenas para reabastecer o avião.

Sob liderança da China, os Brics abrigam o Brasil de Lula, a Rússia e, a partir de segunda-feira, o Irã. Como se vê, são múltiplas as razões para Milei se dissociar desse clube, no qual Lula trabalhou tanto para incluir a Argentina.

Na coluna de 26 de novembro, escrevi que Javier Milei interromperia a crescente projeção da China sobre a Argentina. O novo presidente argentino deu o primeiro passo ao enviar cartas aos governantes dos cinco países fundadores dos Brics informando que a Argentina não vai mais ingressar no bloco, como havia sido decidido na sua última cúpula, em agosto.

A entrada da Argentina, assim como a de Egito, Etiópia, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos e Irã estava prevista para segunda-feira, 1º. “Sem prejuízo disso, desejo destacar o compromisso de meu governo com a intensificação dos laços bilaterais com seu país, em particular o aumento dos fluxos de comércio e investimento”, escreveu Milei aos presidentes de Brasil, China, Rússia, África do Sul e ao primeiro-ministro da Índia.

Não foi uma surpresa. Em agosto, quando o então presidente Alberto Fernández anunciou o ingresso da Argentina nos Brics, Milei adiantou que não seguiria esse caminho, se eleito: “Nosso alinhamento de geopolítica são Estados Unidos e Israel. Nós não vamos nos alinhar com comunistas. Isso não quer dizer que o setor privado não possa comercializar com quem desejar.”

Depois da vitória de Milei no segundo turno, dia 19 de novembro, a economista Diana Mondino, então futura chanceler, reiterou: “Não entraremos nos Brics, não vemos vantagem”. Mondino tem assegurado o interesse do novo governo argentino de manter boas relações diplomáticas e comerciais com o Brasil.

Em agosto, quando o então presidente Alberto Fernández anunciou o ingresso da Argentina nos Brics, Milei adiantou que não seguiria esse caminho, se eleito.  Foto: Luis Robayo/AFP

Na carta, Milei expressa o desejo de se reunir com os governantes dos cinco países fundadores dos Brics. Ele tem afirmado que, como liberal, acredita no livre comércio, e que quem exporta e importa são empresas, não governos.

A nova chanceler tem sugerido também que a Argentina quer ampliar suas relações diplomáticas e comerciais. Nesse sentido, seria coerente Milei buscar uma redução drástica da Tarifa Externa Comum (TEC) do Mercosul para possibilitar novos acordos comerciais, seja no âmbito do bloco ou de forma bilateral.

A TEC atual, de 13% em média, está muito acima da média de 4% praticada na OCDE, que reúne as democracias mais prósperas do mundo. Uma diferença dessa magnitude torna muito difícil negociar acordos de livre comércio. Esse era o pensamento do então presidente Mauricio Macri (2015-19) e do então ministro da Economia, Paulo Guedes, no breve período em que seus mandatos coincidiram, em 2019. Vieram Fernández e Lula. A gradualíssima redução da TEC, que caiu apenas 1,3 ponto porcentual, foi interrompida.

Ao longo de 2023, Lula e a presidente do Novo Banco de Desenvolvimento, Dilma Rousseff, por ele colocada no cargo, buscaram em vão formas de ajudar a economia argentina e, com ela, a eleição de Sergio Massa, candidato de Fernández.

O estatuto do “banco dos Brics” não permite resgates financeiros de países quebrados. Como o nome indica, trata-se de um banco de desenvolvimento. Portanto, Milei viu a adesão da Argentina aos Brics como aquilo que ela realmente significava: um movimento geopolítico.

A palavra-chave para sua decisão é “alinhamento”. A escolha de Estados Unidos e Israel como aliados estratégicos tem razões variadas. Milei vê os EUA como modelo de sistema econômico.

Um componente fundamental da disputa entre Estados Unidos e os “comunistas” liderados pela China é, na visão do presidente Joe Biden, a afirmação da superioridade da democracia sobre as autocracias. Não se vê em Milei um apego tão ardente pela democracia. Ele e sua vice, Victoria Villarruel, filha de militar, falam da ditadura argentina (1976-83) com complacência.

Daí a óbvia preferência de Milei pelo ex-presidente Donald Trump, que representa melhor as razões de sua rejeição à China: um sentimento difuso de superioridade de valores associados ao liberalismo econômico e ao conservadorismo moral.

Durante sua campanha a deputado em 2021, Milei foi acusado de antissemitismo, por se referir assim aos oponentes: “Nós não apenas os derrotamos em produtividade, somos moral e esteticamente superiores, os melhores em tudo, e isso os machuca”.

Procurou Julio Goldestein, um aliado político com influência sobre a comunidade judaica. Goldestein o levou até o rabino Shimon Axel Wahnish.

Tiveram uma conversa “cabalística”, na qual o rabino emocionou Milei ao profetizar que ele “lideraria um movimento libertador da Argentina”, segundo Goldestein.

Milei, de formação católica, passou a estudar a Torá e a ostentar símbolos do judaísmo. Ele promete transferir a capital israelense de Tel-Aviv para Jerusalém, contrariando o direito internacional, que prevê que o status final da cidade, ocupada militarmente por Israel, deve ser definido em um acordo de criação do Estado palestino.

O principal alvo das críticas de Milei, a ex-presidente Cristina Kirchner, é acusada de tentar acobertar o envolvimento do Irã nos atentados em Buenos Aires contra a embaixada de Israel, em 1992, e contra a Associação Mutual Israelita Argentina (Amia), em 1994, que totalizaram 116 mortos.

Como presidente eleito, Milei visitou em Nova York o túmulo do rabino ucraniano Menachem Mendel Schneerson, um dos maiores teólogos judeus do século 20. E expressou sua solidariedade ao presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, também judeu, que veio à sua posse em Buenos Aires, pousando em Brasília apenas para reabastecer o avião.

Sob liderança da China, os Brics abrigam o Brasil de Lula, a Rússia e, a partir de segunda-feira, o Irã. Como se vê, são múltiplas as razões para Milei se dissociar desse clube, no qual Lula trabalhou tanto para incluir a Argentina.

Na coluna de 26 de novembro, escrevi que Javier Milei interromperia a crescente projeção da China sobre a Argentina. O novo presidente argentino deu o primeiro passo ao enviar cartas aos governantes dos cinco países fundadores dos Brics informando que a Argentina não vai mais ingressar no bloco, como havia sido decidido na sua última cúpula, em agosto.

A entrada da Argentina, assim como a de Egito, Etiópia, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos e Irã estava prevista para segunda-feira, 1º. “Sem prejuízo disso, desejo destacar o compromisso de meu governo com a intensificação dos laços bilaterais com seu país, em particular o aumento dos fluxos de comércio e investimento”, escreveu Milei aos presidentes de Brasil, China, Rússia, África do Sul e ao primeiro-ministro da Índia.

Não foi uma surpresa. Em agosto, quando o então presidente Alberto Fernández anunciou o ingresso da Argentina nos Brics, Milei adiantou que não seguiria esse caminho, se eleito: “Nosso alinhamento de geopolítica são Estados Unidos e Israel. Nós não vamos nos alinhar com comunistas. Isso não quer dizer que o setor privado não possa comercializar com quem desejar.”

Depois da vitória de Milei no segundo turno, dia 19 de novembro, a economista Diana Mondino, então futura chanceler, reiterou: “Não entraremos nos Brics, não vemos vantagem”. Mondino tem assegurado o interesse do novo governo argentino de manter boas relações diplomáticas e comerciais com o Brasil.

Em agosto, quando o então presidente Alberto Fernández anunciou o ingresso da Argentina nos Brics, Milei adiantou que não seguiria esse caminho, se eleito.  Foto: Luis Robayo/AFP

Na carta, Milei expressa o desejo de se reunir com os governantes dos cinco países fundadores dos Brics. Ele tem afirmado que, como liberal, acredita no livre comércio, e que quem exporta e importa são empresas, não governos.

A nova chanceler tem sugerido também que a Argentina quer ampliar suas relações diplomáticas e comerciais. Nesse sentido, seria coerente Milei buscar uma redução drástica da Tarifa Externa Comum (TEC) do Mercosul para possibilitar novos acordos comerciais, seja no âmbito do bloco ou de forma bilateral.

A TEC atual, de 13% em média, está muito acima da média de 4% praticada na OCDE, que reúne as democracias mais prósperas do mundo. Uma diferença dessa magnitude torna muito difícil negociar acordos de livre comércio. Esse era o pensamento do então presidente Mauricio Macri (2015-19) e do então ministro da Economia, Paulo Guedes, no breve período em que seus mandatos coincidiram, em 2019. Vieram Fernández e Lula. A gradualíssima redução da TEC, que caiu apenas 1,3 ponto porcentual, foi interrompida.

Ao longo de 2023, Lula e a presidente do Novo Banco de Desenvolvimento, Dilma Rousseff, por ele colocada no cargo, buscaram em vão formas de ajudar a economia argentina e, com ela, a eleição de Sergio Massa, candidato de Fernández.

O estatuto do “banco dos Brics” não permite resgates financeiros de países quebrados. Como o nome indica, trata-se de um banco de desenvolvimento. Portanto, Milei viu a adesão da Argentina aos Brics como aquilo que ela realmente significava: um movimento geopolítico.

A palavra-chave para sua decisão é “alinhamento”. A escolha de Estados Unidos e Israel como aliados estratégicos tem razões variadas. Milei vê os EUA como modelo de sistema econômico.

Um componente fundamental da disputa entre Estados Unidos e os “comunistas” liderados pela China é, na visão do presidente Joe Biden, a afirmação da superioridade da democracia sobre as autocracias. Não se vê em Milei um apego tão ardente pela democracia. Ele e sua vice, Victoria Villarruel, filha de militar, falam da ditadura argentina (1976-83) com complacência.

Daí a óbvia preferência de Milei pelo ex-presidente Donald Trump, que representa melhor as razões de sua rejeição à China: um sentimento difuso de superioridade de valores associados ao liberalismo econômico e ao conservadorismo moral.

Durante sua campanha a deputado em 2021, Milei foi acusado de antissemitismo, por se referir assim aos oponentes: “Nós não apenas os derrotamos em produtividade, somos moral e esteticamente superiores, os melhores em tudo, e isso os machuca”.

Procurou Julio Goldestein, um aliado político com influência sobre a comunidade judaica. Goldestein o levou até o rabino Shimon Axel Wahnish.

Tiveram uma conversa “cabalística”, na qual o rabino emocionou Milei ao profetizar que ele “lideraria um movimento libertador da Argentina”, segundo Goldestein.

Milei, de formação católica, passou a estudar a Torá e a ostentar símbolos do judaísmo. Ele promete transferir a capital israelense de Tel-Aviv para Jerusalém, contrariando o direito internacional, que prevê que o status final da cidade, ocupada militarmente por Israel, deve ser definido em um acordo de criação do Estado palestino.

O principal alvo das críticas de Milei, a ex-presidente Cristina Kirchner, é acusada de tentar acobertar o envolvimento do Irã nos atentados em Buenos Aires contra a embaixada de Israel, em 1992, e contra a Associação Mutual Israelita Argentina (Amia), em 1994, que totalizaram 116 mortos.

Como presidente eleito, Milei visitou em Nova York o túmulo do rabino ucraniano Menachem Mendel Schneerson, um dos maiores teólogos judeus do século 20. E expressou sua solidariedade ao presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, também judeu, que veio à sua posse em Buenos Aires, pousando em Brasília apenas para reabastecer o avião.

Sob liderança da China, os Brics abrigam o Brasil de Lula, a Rússia e, a partir de segunda-feira, o Irã. Como se vê, são múltiplas as razões para Milei se dissociar desse clube, no qual Lula trabalhou tanto para incluir a Argentina.

Na coluna de 26 de novembro, escrevi que Javier Milei interromperia a crescente projeção da China sobre a Argentina. O novo presidente argentino deu o primeiro passo ao enviar cartas aos governantes dos cinco países fundadores dos Brics informando que a Argentina não vai mais ingressar no bloco, como havia sido decidido na sua última cúpula, em agosto.

A entrada da Argentina, assim como a de Egito, Etiópia, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos e Irã estava prevista para segunda-feira, 1º. “Sem prejuízo disso, desejo destacar o compromisso de meu governo com a intensificação dos laços bilaterais com seu país, em particular o aumento dos fluxos de comércio e investimento”, escreveu Milei aos presidentes de Brasil, China, Rússia, África do Sul e ao primeiro-ministro da Índia.

Não foi uma surpresa. Em agosto, quando o então presidente Alberto Fernández anunciou o ingresso da Argentina nos Brics, Milei adiantou que não seguiria esse caminho, se eleito: “Nosso alinhamento de geopolítica são Estados Unidos e Israel. Nós não vamos nos alinhar com comunistas. Isso não quer dizer que o setor privado não possa comercializar com quem desejar.”

Depois da vitória de Milei no segundo turno, dia 19 de novembro, a economista Diana Mondino, então futura chanceler, reiterou: “Não entraremos nos Brics, não vemos vantagem”. Mondino tem assegurado o interesse do novo governo argentino de manter boas relações diplomáticas e comerciais com o Brasil.

Em agosto, quando o então presidente Alberto Fernández anunciou o ingresso da Argentina nos Brics, Milei adiantou que não seguiria esse caminho, se eleito.  Foto: Luis Robayo/AFP

Na carta, Milei expressa o desejo de se reunir com os governantes dos cinco países fundadores dos Brics. Ele tem afirmado que, como liberal, acredita no livre comércio, e que quem exporta e importa são empresas, não governos.

A nova chanceler tem sugerido também que a Argentina quer ampliar suas relações diplomáticas e comerciais. Nesse sentido, seria coerente Milei buscar uma redução drástica da Tarifa Externa Comum (TEC) do Mercosul para possibilitar novos acordos comerciais, seja no âmbito do bloco ou de forma bilateral.

A TEC atual, de 13% em média, está muito acima da média de 4% praticada na OCDE, que reúne as democracias mais prósperas do mundo. Uma diferença dessa magnitude torna muito difícil negociar acordos de livre comércio. Esse era o pensamento do então presidente Mauricio Macri (2015-19) e do então ministro da Economia, Paulo Guedes, no breve período em que seus mandatos coincidiram, em 2019. Vieram Fernández e Lula. A gradualíssima redução da TEC, que caiu apenas 1,3 ponto porcentual, foi interrompida.

Ao longo de 2023, Lula e a presidente do Novo Banco de Desenvolvimento, Dilma Rousseff, por ele colocada no cargo, buscaram em vão formas de ajudar a economia argentina e, com ela, a eleição de Sergio Massa, candidato de Fernández.

O estatuto do “banco dos Brics” não permite resgates financeiros de países quebrados. Como o nome indica, trata-se de um banco de desenvolvimento. Portanto, Milei viu a adesão da Argentina aos Brics como aquilo que ela realmente significava: um movimento geopolítico.

A palavra-chave para sua decisão é “alinhamento”. A escolha de Estados Unidos e Israel como aliados estratégicos tem razões variadas. Milei vê os EUA como modelo de sistema econômico.

Um componente fundamental da disputa entre Estados Unidos e os “comunistas” liderados pela China é, na visão do presidente Joe Biden, a afirmação da superioridade da democracia sobre as autocracias. Não se vê em Milei um apego tão ardente pela democracia. Ele e sua vice, Victoria Villarruel, filha de militar, falam da ditadura argentina (1976-83) com complacência.

Daí a óbvia preferência de Milei pelo ex-presidente Donald Trump, que representa melhor as razões de sua rejeição à China: um sentimento difuso de superioridade de valores associados ao liberalismo econômico e ao conservadorismo moral.

Durante sua campanha a deputado em 2021, Milei foi acusado de antissemitismo, por se referir assim aos oponentes: “Nós não apenas os derrotamos em produtividade, somos moral e esteticamente superiores, os melhores em tudo, e isso os machuca”.

Procurou Julio Goldestein, um aliado político com influência sobre a comunidade judaica. Goldestein o levou até o rabino Shimon Axel Wahnish.

Tiveram uma conversa “cabalística”, na qual o rabino emocionou Milei ao profetizar que ele “lideraria um movimento libertador da Argentina”, segundo Goldestein.

Milei, de formação católica, passou a estudar a Torá e a ostentar símbolos do judaísmo. Ele promete transferir a capital israelense de Tel-Aviv para Jerusalém, contrariando o direito internacional, que prevê que o status final da cidade, ocupada militarmente por Israel, deve ser definido em um acordo de criação do Estado palestino.

O principal alvo das críticas de Milei, a ex-presidente Cristina Kirchner, é acusada de tentar acobertar o envolvimento do Irã nos atentados em Buenos Aires contra a embaixada de Israel, em 1992, e contra a Associação Mutual Israelita Argentina (Amia), em 1994, que totalizaram 116 mortos.

Como presidente eleito, Milei visitou em Nova York o túmulo do rabino ucraniano Menachem Mendel Schneerson, um dos maiores teólogos judeus do século 20. E expressou sua solidariedade ao presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, também judeu, que veio à sua posse em Buenos Aires, pousando em Brasília apenas para reabastecer o avião.

Sob liderança da China, os Brics abrigam o Brasil de Lula, a Rússia e, a partir de segunda-feira, o Irã. Como se vê, são múltiplas as razões para Milei se dissociar desse clube, no qual Lula trabalhou tanto para incluir a Argentina.

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