‘Relações do Brasil com EUA e China não devem ser afetadas por tensões entre os dois países’


Ex-embaixador nos Estados Unidos, Sérgio Amaral afirma que Brasil deve buscar relações diversificadas com superpotências com uma agenda política ampla

Por Luiz Henrique Gomes
Atualização:
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A diplomacia brasileira tem pela frente um desafio geopolítico mundial: lidar com as tensões crescentes entre Estados Unidos e China, evidentes neste ano nas disputas em torno de Taiwan e no mercado de semicondutores. As disputas têm o risco de escalar a um patamar próximo da Guerra Fria e arrastar o mundo para um conflito polarizado, mas, na avaliação do ex-embaixador em Washington e conselheiro do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), Sérgio Amaral, o Brasil possui condições de aumentar as convergências com os dois países e não ser afetado por conta das disputas entre eles.

Para Amaral, o Brasil tem, por um lado, a oportunidade de aumentar as relações econômicas com a China em diversas áreas do comércio e dos investimentos em infraestrutura; por outro, conta com uma convergência entre o governo de Joe Biden e o futuro governo de Luís Inácio Lula da Silva (PT) que favorece uma relação madura com os EUA. “Há uma agenda em comum entre os dos países: de defesa da democracia, do meio-ambiente, da preocupação com as mudanças climáticas. Isso cria um cenário sem dúvidas positivo para o fortalecimento destas relações”, declarou.

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Embaixador Sérgio Amaral diz que é preciso analisar consumidores alemães estão preocupados com sustentailidade Foto: ESTADÃO

Na terça-feira, 6, o diplomata esteve ao lado do ex-embaixador brasileiro em Pequim, Marcos Caramuru, do professor associado do Centro para Estudos Chineses John King Fairbank da Universidade Harvard, Robert Ross, e do professor do Instituto de Relações Internacionais da USP, Feliciano de Sá Guimarães, em um seminário organizado pelo Cebri para debater as relações brasileiras com as duas atuais superpotências mundiais nos próximos anos. O seminário faz parte de um projeto do Cebri com o Consulado dos EUA no Rio de Janeiro. Abaixo, leia a entrevista concedida ao Estadão após o evento:

As tensões entre EUA e China podem afetar as relações do Brasil com esses dois países?

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A relação econômica e comercial do Brasil com os Estados Unidos é um canal. A do Brasil com a China, é um outro canal. São canais diferentes, que não se chocam porque são negócios diferentes, relações diferentes. Não acho que elas irão se colidir ou que o Brasil será prejudicado pelas divergências entre os dois

Depois de perceber que estão ficando para trás, os Estados Unidos começaram a procurar amigos na América Latina, no mesmo momento que a China também procura amigos – não só na América Latina, mas em todo o mundo – e aumenta a sua presença. Com certeza, a China também vai tentar fazer isso (aumentar as relações) com o Brasil. Eles têm feito isso. Mas eu não percebo nem da China nem dos EUA passos muito concretos para ganhar mais espaço e não consigo perceber claramente qual tipo de presença os EUA buscam. O que nós queremos é que as muitas convergências entre o Brasil com os EUA e com a China não sejam afetadas por conta das disputas entre eles. Não há necessidade de que sejam afetadas.

Eu acho muito importante diversificar nossas relações da melhor forma, para termos boas relações com os Estados Unidos e com a China. Também acho que devemos pensar na América do Sul. Ou temos uma política externa específica para a América do Sul ou não conseguiremos competir nem com os Estados Unidos nem com a China no continente. E eu acho que é uma prioridade para nós ter melhores e novas relações com os nossos vizinhos se quisermos ter algo na área da Amazônia. Temos um tratado com eles sobre a Amazônia e você tem que tirar o melhor proveito disso.

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Ex-embaixador do Brasil em Washington aponta necessidade de se pensar relação com China e EUA também no contexto da América do Sul. Foto: Ministério das Relações Exteriores - 02/10/2018

A aproximação da China da América do Sul, em um contexto em que a região tem novamente muitos governos de esquerda, preocupa os Estados Unidos sob o ponto de vista de perda de influência?

Os Estados Unidos têm uma preocupação com a China na América do Sul, mas eu acho que não é uma preocupação que pode ser, neste momento, identificada. A relação da China com a América Latina também não pode ser diminuída facilmente. A região pode se fortalecer com investimentos chineses em infraestrutura, e esse desenvolvimento em infraestrutura trazem retorno para todos, incluindo para as relações sul-americanas com os EUA.

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Os chineses são muito pragmáticos. Eles se aproximam dos países com a intenção de fazer negócios, independente se o governo do país é a esquerda ou a direita. Veja o caso do Uruguai, que não faz parte desta ‘onda vermelha’ da América Latina, e tem muitos negócios com a China. A China não quer ser percebida como uma ameaça. A China não vai interferir, por exemplo, nas relações que o Brasil tem com os outros países. Eles são extremamente cautelosos e querem que seus passos sejam limitados, pelo menos por algum tempo, como passos basicamente comerciais e de investimento, nada mais. Nesse sentido, não acho que a preocupação dos EUA com essa aproximação da China seja clara.

Hoje, os EUA priorizam uma melhora nas relações com a América Latina e em especial com o Brasil?

Sim, os Estados Unidos estão interessados na reaproximação com a América Latina e com o Brasil. Isso ficou visível pela rapidez com que o governo Biden reconheceu o governo Lula. Os EUA são, há várias décadas, um parceiro importante do Brasil, nos campos do comércio e nos investimentos, na cooperação empresarial e nas muitas afinidades entre nossas sociedades. Há um espaço para a criação de agendas de projetos entre os dois países. A questão-chave é que tanto o governo Biden quanto o governo Lula estão ligados em uma agenda em comum: de defesa da democracia, do meio-ambiente, da preocupação com as mudanças climáticas. Isso cria um cenário sem dúvidas positivo para o fortalecimento destas relações.

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Luiz Inácio Lula da Silva e Joe Biden são fotografados ao lado de Michelle Bachelet e Jens Stoltenberg durante encontro internacional em Viña del Mar, em 2009; proximidade de agenda dos governos brasileiro e americano pode ser trunfo a ser explorado. Foto: Eliseo Fernandez/ Reuters - 28/03/2009

O cenário político hoje para as relações do Brasil com os EUA são mais favoráveis do que foram nos dois primeiros governos Lula (2002-2010)?

Com certeza. Eu não tenho dúvidas. Hoje os EUA e o Brasil possuem um conjunto de agendas que convergem de uma maneira maior do que antes. Isso forma uma base muito forte para ampliar o relacionamento dos dois países. Antes, o que havia na política externa brasileira com relação aos Estados Unidos era uma relação pendular: ora estávamos mais próximos, ora mais distantes, com outros pontos de vistas. Estamos entrando em uma relação mais madura, na qual os valores são compartilhados e que podem trazer, eu espero, uma relação mais sustentada. É por isso que todos nós esperamos que os governos Lula e Biden trabalhem juntos. Essa relação será facilmente muito melhor do que no passado.

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A diplomacia brasileira tem pela frente um desafio geopolítico mundial: lidar com as tensões crescentes entre Estados Unidos e China, evidentes neste ano nas disputas em torno de Taiwan e no mercado de semicondutores. As disputas têm o risco de escalar a um patamar próximo da Guerra Fria e arrastar o mundo para um conflito polarizado, mas, na avaliação do ex-embaixador em Washington e conselheiro do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), Sérgio Amaral, o Brasil possui condições de aumentar as convergências com os dois países e não ser afetado por conta das disputas entre eles.

Para Amaral, o Brasil tem, por um lado, a oportunidade de aumentar as relações econômicas com a China em diversas áreas do comércio e dos investimentos em infraestrutura; por outro, conta com uma convergência entre o governo de Joe Biden e o futuro governo de Luís Inácio Lula da Silva (PT) que favorece uma relação madura com os EUA. “Há uma agenda em comum entre os dos países: de defesa da democracia, do meio-ambiente, da preocupação com as mudanças climáticas. Isso cria um cenário sem dúvidas positivo para o fortalecimento destas relações”, declarou.

Embaixador Sérgio Amaral diz que é preciso analisar consumidores alemães estão preocupados com sustentailidade Foto: ESTADÃO

Na terça-feira, 6, o diplomata esteve ao lado do ex-embaixador brasileiro em Pequim, Marcos Caramuru, do professor associado do Centro para Estudos Chineses John King Fairbank da Universidade Harvard, Robert Ross, e do professor do Instituto de Relações Internacionais da USP, Feliciano de Sá Guimarães, em um seminário organizado pelo Cebri para debater as relações brasileiras com as duas atuais superpotências mundiais nos próximos anos. O seminário faz parte de um projeto do Cebri com o Consulado dos EUA no Rio de Janeiro. Abaixo, leia a entrevista concedida ao Estadão após o evento:

As tensões entre EUA e China podem afetar as relações do Brasil com esses dois países?

A relação econômica e comercial do Brasil com os Estados Unidos é um canal. A do Brasil com a China, é um outro canal. São canais diferentes, que não se chocam porque são negócios diferentes, relações diferentes. Não acho que elas irão se colidir ou que o Brasil será prejudicado pelas divergências entre os dois

Depois de perceber que estão ficando para trás, os Estados Unidos começaram a procurar amigos na América Latina, no mesmo momento que a China também procura amigos – não só na América Latina, mas em todo o mundo – e aumenta a sua presença. Com certeza, a China também vai tentar fazer isso (aumentar as relações) com o Brasil. Eles têm feito isso. Mas eu não percebo nem da China nem dos EUA passos muito concretos para ganhar mais espaço e não consigo perceber claramente qual tipo de presença os EUA buscam. O que nós queremos é que as muitas convergências entre o Brasil com os EUA e com a China não sejam afetadas por conta das disputas entre eles. Não há necessidade de que sejam afetadas.

Eu acho muito importante diversificar nossas relações da melhor forma, para termos boas relações com os Estados Unidos e com a China. Também acho que devemos pensar na América do Sul. Ou temos uma política externa específica para a América do Sul ou não conseguiremos competir nem com os Estados Unidos nem com a China no continente. E eu acho que é uma prioridade para nós ter melhores e novas relações com os nossos vizinhos se quisermos ter algo na área da Amazônia. Temos um tratado com eles sobre a Amazônia e você tem que tirar o melhor proveito disso.

Ex-embaixador do Brasil em Washington aponta necessidade de se pensar relação com China e EUA também no contexto da América do Sul. Foto: Ministério das Relações Exteriores - 02/10/2018

A aproximação da China da América do Sul, em um contexto em que a região tem novamente muitos governos de esquerda, preocupa os Estados Unidos sob o ponto de vista de perda de influência?

Os Estados Unidos têm uma preocupação com a China na América do Sul, mas eu acho que não é uma preocupação que pode ser, neste momento, identificada. A relação da China com a América Latina também não pode ser diminuída facilmente. A região pode se fortalecer com investimentos chineses em infraestrutura, e esse desenvolvimento em infraestrutura trazem retorno para todos, incluindo para as relações sul-americanas com os EUA.

Os chineses são muito pragmáticos. Eles se aproximam dos países com a intenção de fazer negócios, independente se o governo do país é a esquerda ou a direita. Veja o caso do Uruguai, que não faz parte desta ‘onda vermelha’ da América Latina, e tem muitos negócios com a China. A China não quer ser percebida como uma ameaça. A China não vai interferir, por exemplo, nas relações que o Brasil tem com os outros países. Eles são extremamente cautelosos e querem que seus passos sejam limitados, pelo menos por algum tempo, como passos basicamente comerciais e de investimento, nada mais. Nesse sentido, não acho que a preocupação dos EUA com essa aproximação da China seja clara.

Hoje, os EUA priorizam uma melhora nas relações com a América Latina e em especial com o Brasil?

Sim, os Estados Unidos estão interessados na reaproximação com a América Latina e com o Brasil. Isso ficou visível pela rapidez com que o governo Biden reconheceu o governo Lula. Os EUA são, há várias décadas, um parceiro importante do Brasil, nos campos do comércio e nos investimentos, na cooperação empresarial e nas muitas afinidades entre nossas sociedades. Há um espaço para a criação de agendas de projetos entre os dois países. A questão-chave é que tanto o governo Biden quanto o governo Lula estão ligados em uma agenda em comum: de defesa da democracia, do meio-ambiente, da preocupação com as mudanças climáticas. Isso cria um cenário sem dúvidas positivo para o fortalecimento destas relações.

Luiz Inácio Lula da Silva e Joe Biden são fotografados ao lado de Michelle Bachelet e Jens Stoltenberg durante encontro internacional em Viña del Mar, em 2009; proximidade de agenda dos governos brasileiro e americano pode ser trunfo a ser explorado. Foto: Eliseo Fernandez/ Reuters - 28/03/2009

O cenário político hoje para as relações do Brasil com os EUA são mais favoráveis do que foram nos dois primeiros governos Lula (2002-2010)?

Com certeza. Eu não tenho dúvidas. Hoje os EUA e o Brasil possuem um conjunto de agendas que convergem de uma maneira maior do que antes. Isso forma uma base muito forte para ampliar o relacionamento dos dois países. Antes, o que havia na política externa brasileira com relação aos Estados Unidos era uma relação pendular: ora estávamos mais próximos, ora mais distantes, com outros pontos de vistas. Estamos entrando em uma relação mais madura, na qual os valores são compartilhados e que podem trazer, eu espero, uma relação mais sustentada. É por isso que todos nós esperamos que os governos Lula e Biden trabalhem juntos. Essa relação será facilmente muito melhor do que no passado.

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A diplomacia brasileira tem pela frente um desafio geopolítico mundial: lidar com as tensões crescentes entre Estados Unidos e China, evidentes neste ano nas disputas em torno de Taiwan e no mercado de semicondutores. As disputas têm o risco de escalar a um patamar próximo da Guerra Fria e arrastar o mundo para um conflito polarizado, mas, na avaliação do ex-embaixador em Washington e conselheiro do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), Sérgio Amaral, o Brasil possui condições de aumentar as convergências com os dois países e não ser afetado por conta das disputas entre eles.

Para Amaral, o Brasil tem, por um lado, a oportunidade de aumentar as relações econômicas com a China em diversas áreas do comércio e dos investimentos em infraestrutura; por outro, conta com uma convergência entre o governo de Joe Biden e o futuro governo de Luís Inácio Lula da Silva (PT) que favorece uma relação madura com os EUA. “Há uma agenda em comum entre os dos países: de defesa da democracia, do meio-ambiente, da preocupação com as mudanças climáticas. Isso cria um cenário sem dúvidas positivo para o fortalecimento destas relações”, declarou.

Embaixador Sérgio Amaral diz que é preciso analisar consumidores alemães estão preocupados com sustentailidade Foto: ESTADÃO

Na terça-feira, 6, o diplomata esteve ao lado do ex-embaixador brasileiro em Pequim, Marcos Caramuru, do professor associado do Centro para Estudos Chineses John King Fairbank da Universidade Harvard, Robert Ross, e do professor do Instituto de Relações Internacionais da USP, Feliciano de Sá Guimarães, em um seminário organizado pelo Cebri para debater as relações brasileiras com as duas atuais superpotências mundiais nos próximos anos. O seminário faz parte de um projeto do Cebri com o Consulado dos EUA no Rio de Janeiro. Abaixo, leia a entrevista concedida ao Estadão após o evento:

As tensões entre EUA e China podem afetar as relações do Brasil com esses dois países?

A relação econômica e comercial do Brasil com os Estados Unidos é um canal. A do Brasil com a China, é um outro canal. São canais diferentes, que não se chocam porque são negócios diferentes, relações diferentes. Não acho que elas irão se colidir ou que o Brasil será prejudicado pelas divergências entre os dois

Depois de perceber que estão ficando para trás, os Estados Unidos começaram a procurar amigos na América Latina, no mesmo momento que a China também procura amigos – não só na América Latina, mas em todo o mundo – e aumenta a sua presença. Com certeza, a China também vai tentar fazer isso (aumentar as relações) com o Brasil. Eles têm feito isso. Mas eu não percebo nem da China nem dos EUA passos muito concretos para ganhar mais espaço e não consigo perceber claramente qual tipo de presença os EUA buscam. O que nós queremos é que as muitas convergências entre o Brasil com os EUA e com a China não sejam afetadas por conta das disputas entre eles. Não há necessidade de que sejam afetadas.

Eu acho muito importante diversificar nossas relações da melhor forma, para termos boas relações com os Estados Unidos e com a China. Também acho que devemos pensar na América do Sul. Ou temos uma política externa específica para a América do Sul ou não conseguiremos competir nem com os Estados Unidos nem com a China no continente. E eu acho que é uma prioridade para nós ter melhores e novas relações com os nossos vizinhos se quisermos ter algo na área da Amazônia. Temos um tratado com eles sobre a Amazônia e você tem que tirar o melhor proveito disso.

Ex-embaixador do Brasil em Washington aponta necessidade de se pensar relação com China e EUA também no contexto da América do Sul. Foto: Ministério das Relações Exteriores - 02/10/2018

A aproximação da China da América do Sul, em um contexto em que a região tem novamente muitos governos de esquerda, preocupa os Estados Unidos sob o ponto de vista de perda de influência?

Os Estados Unidos têm uma preocupação com a China na América do Sul, mas eu acho que não é uma preocupação que pode ser, neste momento, identificada. A relação da China com a América Latina também não pode ser diminuída facilmente. A região pode se fortalecer com investimentos chineses em infraestrutura, e esse desenvolvimento em infraestrutura trazem retorno para todos, incluindo para as relações sul-americanas com os EUA.

Os chineses são muito pragmáticos. Eles se aproximam dos países com a intenção de fazer negócios, independente se o governo do país é a esquerda ou a direita. Veja o caso do Uruguai, que não faz parte desta ‘onda vermelha’ da América Latina, e tem muitos negócios com a China. A China não quer ser percebida como uma ameaça. A China não vai interferir, por exemplo, nas relações que o Brasil tem com os outros países. Eles são extremamente cautelosos e querem que seus passos sejam limitados, pelo menos por algum tempo, como passos basicamente comerciais e de investimento, nada mais. Nesse sentido, não acho que a preocupação dos EUA com essa aproximação da China seja clara.

Hoje, os EUA priorizam uma melhora nas relações com a América Latina e em especial com o Brasil?

Sim, os Estados Unidos estão interessados na reaproximação com a América Latina e com o Brasil. Isso ficou visível pela rapidez com que o governo Biden reconheceu o governo Lula. Os EUA são, há várias décadas, um parceiro importante do Brasil, nos campos do comércio e nos investimentos, na cooperação empresarial e nas muitas afinidades entre nossas sociedades. Há um espaço para a criação de agendas de projetos entre os dois países. A questão-chave é que tanto o governo Biden quanto o governo Lula estão ligados em uma agenda em comum: de defesa da democracia, do meio-ambiente, da preocupação com as mudanças climáticas. Isso cria um cenário sem dúvidas positivo para o fortalecimento destas relações.

Luiz Inácio Lula da Silva e Joe Biden são fotografados ao lado de Michelle Bachelet e Jens Stoltenberg durante encontro internacional em Viña del Mar, em 2009; proximidade de agenda dos governos brasileiro e americano pode ser trunfo a ser explorado. Foto: Eliseo Fernandez/ Reuters - 28/03/2009

O cenário político hoje para as relações do Brasil com os EUA são mais favoráveis do que foram nos dois primeiros governos Lula (2002-2010)?

Com certeza. Eu não tenho dúvidas. Hoje os EUA e o Brasil possuem um conjunto de agendas que convergem de uma maneira maior do que antes. Isso forma uma base muito forte para ampliar o relacionamento dos dois países. Antes, o que havia na política externa brasileira com relação aos Estados Unidos era uma relação pendular: ora estávamos mais próximos, ora mais distantes, com outros pontos de vistas. Estamos entrando em uma relação mais madura, na qual os valores são compartilhados e que podem trazer, eu espero, uma relação mais sustentada. É por isso que todos nós esperamos que os governos Lula e Biden trabalhem juntos. Essa relação será facilmente muito melhor do que no passado.

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A diplomacia brasileira tem pela frente um desafio geopolítico mundial: lidar com as tensões crescentes entre Estados Unidos e China, evidentes neste ano nas disputas em torno de Taiwan e no mercado de semicondutores. As disputas têm o risco de escalar a um patamar próximo da Guerra Fria e arrastar o mundo para um conflito polarizado, mas, na avaliação do ex-embaixador em Washington e conselheiro do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), Sérgio Amaral, o Brasil possui condições de aumentar as convergências com os dois países e não ser afetado por conta das disputas entre eles.

Para Amaral, o Brasil tem, por um lado, a oportunidade de aumentar as relações econômicas com a China em diversas áreas do comércio e dos investimentos em infraestrutura; por outro, conta com uma convergência entre o governo de Joe Biden e o futuro governo de Luís Inácio Lula da Silva (PT) que favorece uma relação madura com os EUA. “Há uma agenda em comum entre os dos países: de defesa da democracia, do meio-ambiente, da preocupação com as mudanças climáticas. Isso cria um cenário sem dúvidas positivo para o fortalecimento destas relações”, declarou.

Embaixador Sérgio Amaral diz que é preciso analisar consumidores alemães estão preocupados com sustentailidade Foto: ESTADÃO

Na terça-feira, 6, o diplomata esteve ao lado do ex-embaixador brasileiro em Pequim, Marcos Caramuru, do professor associado do Centro para Estudos Chineses John King Fairbank da Universidade Harvard, Robert Ross, e do professor do Instituto de Relações Internacionais da USP, Feliciano de Sá Guimarães, em um seminário organizado pelo Cebri para debater as relações brasileiras com as duas atuais superpotências mundiais nos próximos anos. O seminário faz parte de um projeto do Cebri com o Consulado dos EUA no Rio de Janeiro. Abaixo, leia a entrevista concedida ao Estadão após o evento:

As tensões entre EUA e China podem afetar as relações do Brasil com esses dois países?

A relação econômica e comercial do Brasil com os Estados Unidos é um canal. A do Brasil com a China, é um outro canal. São canais diferentes, que não se chocam porque são negócios diferentes, relações diferentes. Não acho que elas irão se colidir ou que o Brasil será prejudicado pelas divergências entre os dois

Depois de perceber que estão ficando para trás, os Estados Unidos começaram a procurar amigos na América Latina, no mesmo momento que a China também procura amigos – não só na América Latina, mas em todo o mundo – e aumenta a sua presença. Com certeza, a China também vai tentar fazer isso (aumentar as relações) com o Brasil. Eles têm feito isso. Mas eu não percebo nem da China nem dos EUA passos muito concretos para ganhar mais espaço e não consigo perceber claramente qual tipo de presença os EUA buscam. O que nós queremos é que as muitas convergências entre o Brasil com os EUA e com a China não sejam afetadas por conta das disputas entre eles. Não há necessidade de que sejam afetadas.

Eu acho muito importante diversificar nossas relações da melhor forma, para termos boas relações com os Estados Unidos e com a China. Também acho que devemos pensar na América do Sul. Ou temos uma política externa específica para a América do Sul ou não conseguiremos competir nem com os Estados Unidos nem com a China no continente. E eu acho que é uma prioridade para nós ter melhores e novas relações com os nossos vizinhos se quisermos ter algo na área da Amazônia. Temos um tratado com eles sobre a Amazônia e você tem que tirar o melhor proveito disso.

Ex-embaixador do Brasil em Washington aponta necessidade de se pensar relação com China e EUA também no contexto da América do Sul. Foto: Ministério das Relações Exteriores - 02/10/2018

A aproximação da China da América do Sul, em um contexto em que a região tem novamente muitos governos de esquerda, preocupa os Estados Unidos sob o ponto de vista de perda de influência?

Os Estados Unidos têm uma preocupação com a China na América do Sul, mas eu acho que não é uma preocupação que pode ser, neste momento, identificada. A relação da China com a América Latina também não pode ser diminuída facilmente. A região pode se fortalecer com investimentos chineses em infraestrutura, e esse desenvolvimento em infraestrutura trazem retorno para todos, incluindo para as relações sul-americanas com os EUA.

Os chineses são muito pragmáticos. Eles se aproximam dos países com a intenção de fazer negócios, independente se o governo do país é a esquerda ou a direita. Veja o caso do Uruguai, que não faz parte desta ‘onda vermelha’ da América Latina, e tem muitos negócios com a China. A China não quer ser percebida como uma ameaça. A China não vai interferir, por exemplo, nas relações que o Brasil tem com os outros países. Eles são extremamente cautelosos e querem que seus passos sejam limitados, pelo menos por algum tempo, como passos basicamente comerciais e de investimento, nada mais. Nesse sentido, não acho que a preocupação dos EUA com essa aproximação da China seja clara.

Hoje, os EUA priorizam uma melhora nas relações com a América Latina e em especial com o Brasil?

Sim, os Estados Unidos estão interessados na reaproximação com a América Latina e com o Brasil. Isso ficou visível pela rapidez com que o governo Biden reconheceu o governo Lula. Os EUA são, há várias décadas, um parceiro importante do Brasil, nos campos do comércio e nos investimentos, na cooperação empresarial e nas muitas afinidades entre nossas sociedades. Há um espaço para a criação de agendas de projetos entre os dois países. A questão-chave é que tanto o governo Biden quanto o governo Lula estão ligados em uma agenda em comum: de defesa da democracia, do meio-ambiente, da preocupação com as mudanças climáticas. Isso cria um cenário sem dúvidas positivo para o fortalecimento destas relações.

Luiz Inácio Lula da Silva e Joe Biden são fotografados ao lado de Michelle Bachelet e Jens Stoltenberg durante encontro internacional em Viña del Mar, em 2009; proximidade de agenda dos governos brasileiro e americano pode ser trunfo a ser explorado. Foto: Eliseo Fernandez/ Reuters - 28/03/2009

O cenário político hoje para as relações do Brasil com os EUA são mais favoráveis do que foram nos dois primeiros governos Lula (2002-2010)?

Com certeza. Eu não tenho dúvidas. Hoje os EUA e o Brasil possuem um conjunto de agendas que convergem de uma maneira maior do que antes. Isso forma uma base muito forte para ampliar o relacionamento dos dois países. Antes, o que havia na política externa brasileira com relação aos Estados Unidos era uma relação pendular: ora estávamos mais próximos, ora mais distantes, com outros pontos de vistas. Estamos entrando em uma relação mais madura, na qual os valores são compartilhados e que podem trazer, eu espero, uma relação mais sustentada. É por isso que todos nós esperamos que os governos Lula e Biden trabalhem juntos. Essa relação será facilmente muito melhor do que no passado.

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A diplomacia brasileira tem pela frente um desafio geopolítico mundial: lidar com as tensões crescentes entre Estados Unidos e China, evidentes neste ano nas disputas em torno de Taiwan e no mercado de semicondutores. As disputas têm o risco de escalar a um patamar próximo da Guerra Fria e arrastar o mundo para um conflito polarizado, mas, na avaliação do ex-embaixador em Washington e conselheiro do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), Sérgio Amaral, o Brasil possui condições de aumentar as convergências com os dois países e não ser afetado por conta das disputas entre eles.

Para Amaral, o Brasil tem, por um lado, a oportunidade de aumentar as relações econômicas com a China em diversas áreas do comércio e dos investimentos em infraestrutura; por outro, conta com uma convergência entre o governo de Joe Biden e o futuro governo de Luís Inácio Lula da Silva (PT) que favorece uma relação madura com os EUA. “Há uma agenda em comum entre os dos países: de defesa da democracia, do meio-ambiente, da preocupação com as mudanças climáticas. Isso cria um cenário sem dúvidas positivo para o fortalecimento destas relações”, declarou.

Embaixador Sérgio Amaral diz que é preciso analisar consumidores alemães estão preocupados com sustentailidade Foto: ESTADÃO

Na terça-feira, 6, o diplomata esteve ao lado do ex-embaixador brasileiro em Pequim, Marcos Caramuru, do professor associado do Centro para Estudos Chineses John King Fairbank da Universidade Harvard, Robert Ross, e do professor do Instituto de Relações Internacionais da USP, Feliciano de Sá Guimarães, em um seminário organizado pelo Cebri para debater as relações brasileiras com as duas atuais superpotências mundiais nos próximos anos. O seminário faz parte de um projeto do Cebri com o Consulado dos EUA no Rio de Janeiro. Abaixo, leia a entrevista concedida ao Estadão após o evento:

As tensões entre EUA e China podem afetar as relações do Brasil com esses dois países?

A relação econômica e comercial do Brasil com os Estados Unidos é um canal. A do Brasil com a China, é um outro canal. São canais diferentes, que não se chocam porque são negócios diferentes, relações diferentes. Não acho que elas irão se colidir ou que o Brasil será prejudicado pelas divergências entre os dois

Depois de perceber que estão ficando para trás, os Estados Unidos começaram a procurar amigos na América Latina, no mesmo momento que a China também procura amigos – não só na América Latina, mas em todo o mundo – e aumenta a sua presença. Com certeza, a China também vai tentar fazer isso (aumentar as relações) com o Brasil. Eles têm feito isso. Mas eu não percebo nem da China nem dos EUA passos muito concretos para ganhar mais espaço e não consigo perceber claramente qual tipo de presença os EUA buscam. O que nós queremos é que as muitas convergências entre o Brasil com os EUA e com a China não sejam afetadas por conta das disputas entre eles. Não há necessidade de que sejam afetadas.

Eu acho muito importante diversificar nossas relações da melhor forma, para termos boas relações com os Estados Unidos e com a China. Também acho que devemos pensar na América do Sul. Ou temos uma política externa específica para a América do Sul ou não conseguiremos competir nem com os Estados Unidos nem com a China no continente. E eu acho que é uma prioridade para nós ter melhores e novas relações com os nossos vizinhos se quisermos ter algo na área da Amazônia. Temos um tratado com eles sobre a Amazônia e você tem que tirar o melhor proveito disso.

Ex-embaixador do Brasil em Washington aponta necessidade de se pensar relação com China e EUA também no contexto da América do Sul. Foto: Ministério das Relações Exteriores - 02/10/2018

A aproximação da China da América do Sul, em um contexto em que a região tem novamente muitos governos de esquerda, preocupa os Estados Unidos sob o ponto de vista de perda de influência?

Os Estados Unidos têm uma preocupação com a China na América do Sul, mas eu acho que não é uma preocupação que pode ser, neste momento, identificada. A relação da China com a América Latina também não pode ser diminuída facilmente. A região pode se fortalecer com investimentos chineses em infraestrutura, e esse desenvolvimento em infraestrutura trazem retorno para todos, incluindo para as relações sul-americanas com os EUA.

Os chineses são muito pragmáticos. Eles se aproximam dos países com a intenção de fazer negócios, independente se o governo do país é a esquerda ou a direita. Veja o caso do Uruguai, que não faz parte desta ‘onda vermelha’ da América Latina, e tem muitos negócios com a China. A China não quer ser percebida como uma ameaça. A China não vai interferir, por exemplo, nas relações que o Brasil tem com os outros países. Eles são extremamente cautelosos e querem que seus passos sejam limitados, pelo menos por algum tempo, como passos basicamente comerciais e de investimento, nada mais. Nesse sentido, não acho que a preocupação dos EUA com essa aproximação da China seja clara.

Hoje, os EUA priorizam uma melhora nas relações com a América Latina e em especial com o Brasil?

Sim, os Estados Unidos estão interessados na reaproximação com a América Latina e com o Brasil. Isso ficou visível pela rapidez com que o governo Biden reconheceu o governo Lula. Os EUA são, há várias décadas, um parceiro importante do Brasil, nos campos do comércio e nos investimentos, na cooperação empresarial e nas muitas afinidades entre nossas sociedades. Há um espaço para a criação de agendas de projetos entre os dois países. A questão-chave é que tanto o governo Biden quanto o governo Lula estão ligados em uma agenda em comum: de defesa da democracia, do meio-ambiente, da preocupação com as mudanças climáticas. Isso cria um cenário sem dúvidas positivo para o fortalecimento destas relações.

Luiz Inácio Lula da Silva e Joe Biden são fotografados ao lado de Michelle Bachelet e Jens Stoltenberg durante encontro internacional em Viña del Mar, em 2009; proximidade de agenda dos governos brasileiro e americano pode ser trunfo a ser explorado. Foto: Eliseo Fernandez/ Reuters - 28/03/2009

O cenário político hoje para as relações do Brasil com os EUA são mais favoráveis do que foram nos dois primeiros governos Lula (2002-2010)?

Com certeza. Eu não tenho dúvidas. Hoje os EUA e o Brasil possuem um conjunto de agendas que convergem de uma maneira maior do que antes. Isso forma uma base muito forte para ampliar o relacionamento dos dois países. Antes, o que havia na política externa brasileira com relação aos Estados Unidos era uma relação pendular: ora estávamos mais próximos, ora mais distantes, com outros pontos de vistas. Estamos entrando em uma relação mais madura, na qual os valores são compartilhados e que podem trazer, eu espero, uma relação mais sustentada. É por isso que todos nós esperamos que os governos Lula e Biden trabalhem juntos. Essa relação será facilmente muito melhor do que no passado.

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