Relutantemente, Estados Unidos planejam construir mais armas nucleares


A superpotência se vê diante de mais adversários, novas tecnologias e aliados menos confiáveis

Por The Economist

A desescalada nuclear que se seguiu à Guerra Fria terminou, alertou o Pentágono este mês. Em seu lugar entra uma nova rivalidade entre potências nucleares ou quase nucleares, algumas delas paranóicas. Trata-se de um antagonismo mais complexo e menos previsível que a antiga competição bipolar entre Estados Unidos e União Soviética. O que torna a coisa mais perigosa.

Enfrentar novas ameaças nucleares será um teste para os EUA ao mesmo tempo que seus recursos são consumidos e sua política se torna cada vez mais isolacionista. Washington deve assegurar seus aliados de que seu guarda-chuva nuclear ainda os protege. E, desafortunadamente, terá de expandir seu arsenal atômico. Titubear em qualquer desses aspectos estimulará a proliferação entre inimigos e amigos, tornando os EUA e o mundo menos seguros.

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Evidências dos novos perigos estão por toda parte. A China está construindo centenas de silos de mísseis em seus desertos no norte. Vladimir Putin vocifera a respeito de usar armas nucleares e ameaça apontar mais mísseis para a Europa. Ainda que esteja preparado para lançar outro ataque convencional contra Israel, o Irã está mais próximo da bomba hoje do que estava cinco anos atrás, tendo, segundo relatos, feito avanços recentes no sentido de transformar urânio enriquecido em armas. A Coreia do Norte afirma que está “reforçando” seu programa nuclear. Nesta semana, Donald Trump afirmou que pretende construir um escudo antimísseis “Domo de Ferro” para proteger os EUA. “Basta um maníaco”, explicou ele.

Tudo isso representa uma grande mudança. Entre 1986 e 2023, o número de ogivas nucleares no planeta caiu de 70 mil para 12 mil, conforme o fim da Guerra Fria ocasionou cortes de gastos em defesa e controles de armas. Os EUA diminuíram seu arsenal mantendo, ao mesmo tempo, uma dissuasão poderosa. Hoje Washington possui uma “tríade” menor de armas nucleares que podem ser lançadas da terra, do ar ou de baixo da superfície marinha. Muitas de suas ogivas estão apontadas para as ogivas de seus adversários. E Washington oferece a “dissuasão estendida”: a promessa de defender seus aliados caso necessário. Até 2009, Barack Obama ainda tinha esperança de “um mundo sem armas nucleares”. Quando se tornou presidente, Joe Biden aspirava reenergizar o controle de armas após o caos do governo Trump.

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Em vez disso, as ameaças nucleares se proliferaram e se transmutaram. O número de ogivas passou a aumentar novamente, conforme o arsenal da China se expandiu de umas poucas centenas uma década atrás até mil, talvez, até 2035. Isso criará uma terceira superpotência nuclear pela primeira vez na história. Enquanto isso, a tecnologia se espalha para novos domínios e outras mãos. A Rússia planeja colocar uma bomba em órbita; as ogivas norte-coreanas são capazes de alcançar o território continental dos EUA. Milícias como os houthis têm mísseis sofisticados (mas carregados com bombas convencionais). China, Irã, Rússia e Coreia do Norte estão cooperando militarmente e também poderiam intercambiar tecnologia de mísseis.

O Pentágono teme que tudo isso extenue o arsenal americano — os EUA terão ogivas suficientes para dissuadir ao mesmo tempo China, Rússia e Coreia do Norte?— e complique ainda mais a psicologia do risco nas relações internacionais. Isso também dificulta a dissuasão estendida. Quando os EUA incluíram a Coreia do Sul em seu guarda-chuva nuclear, por exemplo, a Coreia do Norte não tinha nem bombas atômicas nem mísseis de longo alcance. Agora Pyongyang tem mísseis nucleares capazes de incinerar cidades americanas. A esperança de que escudos Domo de Ferro, do tipo usado em Israel e na Ucrânia, são capazes de proteger os EUA, é equivocada: eles não funcionam bem contra mísseis de longo alcance. A seguinte dúvida espreita qualquer presidente americano: você sacrificaria Los Angeles para vingar Seul? E seus inimigos acreditam que você o faria?

Pentágono teme que proliferação de ameaças nucleares por países como Irã, Coreia do Norte e China extenue o arsenal americano. Foto: Lisa Ferdinando/Departamento de Defesa dos Estados Unidos
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Os aliados também se encontram diante de dúvidas cruéis. Eles sabem que o populismo isolacionista não desaparecerá nos EUA independentemente de quem vier a ocupar o Salão Oval no próximo ano. Eles compreendem que as forças americanas estão sobrecarregadas e que sua promessa de dissuasão estendida é menos crível do que já foi. Se duvidar do guarda-chuva dos EUA, a Coreia do Sul poderá construir sua própria bomba — e 70% dos sul-coreanos são a favor disso. O Japão poderia seguir uma lógica similar. A Europa está discutindo se as armas nucleares britânicas e francesas serão suficientes para dissuadir a Rússia se os EUA abandonarem a Otan. Se o Irã obtiver a bomba, a Arábia Saudita poderá fazer o mesmo. A proliferação seria desestabilizadora. Com mais dedos perto de botões vermelhos, as chances de erros de cálculo aumentam. A probabilidade de guerras convencionais ocorrerem também poderá subir se os países tentarem impedir seus inimigos de se nuclearizar.

Como os EUA deveriam responder? Os controles de armas emperraram. A Rússia suspendeu sua participação no Novo START, um pacto que expira em 2026. A China, que nunca se interessou muito em negociações sobre redução de risco nuclear com os EUA, cessou as conversas em julho. A Coreia do Norte rejeitou convites para negociar; o Irã é volátil. Seria imprudente desistir dos controles de armas. Mas se voltarem para a mesa, esses algozes deverão negociar com mais seriedade se souberem que os EUA estão numa posição de força.

Isso significa que os EUA deveriam estar preparados para construir um arsenal maior e mais diversificado quando o Novo START expirar. O Pentágono de Biden já começou a se movimentar nesse sentido adotando novas armas, como um míssil nuclear de cruzeiro lançado do mar. Os militares americanos estão estudando como “carregar” ogivas rapidamente em lançadores existentes, caso Rússia e China se adiantem. Se Trump retornar para a Casa Branca, o incremento provavelmente continuará.

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Ruptura garantida mutuamente

Mas a falta de acordo bipartidário sobre a dissuasão estendida cria incerteza. Biden, corretamente, buscou tranquilizar os aliados enviando mais bombardeiros e submarinos com capacidade nuclear para a Europa e a Ásia e dialogando mais proximamente com os países das regiões, para que eles entendam como as armas podem ser usadas e sintam que as promessas americanas não são ocas.

Trump e alguns republicanos isolacionistas podem argumentar que nada disso é necessário para proteger os EUA. Eles estão errados. A dissuasão estendida é essencial e atende ao seu próprio interesse. Contraintuitivamente, os EUA escolhem tornar seu território mais vulnerável para proteger aliados a milhares de quilômetros de distância. Ao fazê-lo, evitam a desestabilizadora proliferação nuclear. Esta lógica tem mantido os EUA — e talvez até mesmo seus adversários — mais seguros há 80 anos. Em um mundo perigoso, seria imprudente deixar o guarda-chuva americano esfiapar./ TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

A desescalada nuclear que se seguiu à Guerra Fria terminou, alertou o Pentágono este mês. Em seu lugar entra uma nova rivalidade entre potências nucleares ou quase nucleares, algumas delas paranóicas. Trata-se de um antagonismo mais complexo e menos previsível que a antiga competição bipolar entre Estados Unidos e União Soviética. O que torna a coisa mais perigosa.

Enfrentar novas ameaças nucleares será um teste para os EUA ao mesmo tempo que seus recursos são consumidos e sua política se torna cada vez mais isolacionista. Washington deve assegurar seus aliados de que seu guarda-chuva nuclear ainda os protege. E, desafortunadamente, terá de expandir seu arsenal atômico. Titubear em qualquer desses aspectos estimulará a proliferação entre inimigos e amigos, tornando os EUA e o mundo menos seguros.

Evidências dos novos perigos estão por toda parte. A China está construindo centenas de silos de mísseis em seus desertos no norte. Vladimir Putin vocifera a respeito de usar armas nucleares e ameaça apontar mais mísseis para a Europa. Ainda que esteja preparado para lançar outro ataque convencional contra Israel, o Irã está mais próximo da bomba hoje do que estava cinco anos atrás, tendo, segundo relatos, feito avanços recentes no sentido de transformar urânio enriquecido em armas. A Coreia do Norte afirma que está “reforçando” seu programa nuclear. Nesta semana, Donald Trump afirmou que pretende construir um escudo antimísseis “Domo de Ferro” para proteger os EUA. “Basta um maníaco”, explicou ele.

Tudo isso representa uma grande mudança. Entre 1986 e 2023, o número de ogivas nucleares no planeta caiu de 70 mil para 12 mil, conforme o fim da Guerra Fria ocasionou cortes de gastos em defesa e controles de armas. Os EUA diminuíram seu arsenal mantendo, ao mesmo tempo, uma dissuasão poderosa. Hoje Washington possui uma “tríade” menor de armas nucleares que podem ser lançadas da terra, do ar ou de baixo da superfície marinha. Muitas de suas ogivas estão apontadas para as ogivas de seus adversários. E Washington oferece a “dissuasão estendida”: a promessa de defender seus aliados caso necessário. Até 2009, Barack Obama ainda tinha esperança de “um mundo sem armas nucleares”. Quando se tornou presidente, Joe Biden aspirava reenergizar o controle de armas após o caos do governo Trump.

Em vez disso, as ameaças nucleares se proliferaram e se transmutaram. O número de ogivas passou a aumentar novamente, conforme o arsenal da China se expandiu de umas poucas centenas uma década atrás até mil, talvez, até 2035. Isso criará uma terceira superpotência nuclear pela primeira vez na história. Enquanto isso, a tecnologia se espalha para novos domínios e outras mãos. A Rússia planeja colocar uma bomba em órbita; as ogivas norte-coreanas são capazes de alcançar o território continental dos EUA. Milícias como os houthis têm mísseis sofisticados (mas carregados com bombas convencionais). China, Irã, Rússia e Coreia do Norte estão cooperando militarmente e também poderiam intercambiar tecnologia de mísseis.

O Pentágono teme que tudo isso extenue o arsenal americano — os EUA terão ogivas suficientes para dissuadir ao mesmo tempo China, Rússia e Coreia do Norte?— e complique ainda mais a psicologia do risco nas relações internacionais. Isso também dificulta a dissuasão estendida. Quando os EUA incluíram a Coreia do Sul em seu guarda-chuva nuclear, por exemplo, a Coreia do Norte não tinha nem bombas atômicas nem mísseis de longo alcance. Agora Pyongyang tem mísseis nucleares capazes de incinerar cidades americanas. A esperança de que escudos Domo de Ferro, do tipo usado em Israel e na Ucrânia, são capazes de proteger os EUA, é equivocada: eles não funcionam bem contra mísseis de longo alcance. A seguinte dúvida espreita qualquer presidente americano: você sacrificaria Los Angeles para vingar Seul? E seus inimigos acreditam que você o faria?

Pentágono teme que proliferação de ameaças nucleares por países como Irã, Coreia do Norte e China extenue o arsenal americano. Foto: Lisa Ferdinando/Departamento de Defesa dos Estados Unidos

Os aliados também se encontram diante de dúvidas cruéis. Eles sabem que o populismo isolacionista não desaparecerá nos EUA independentemente de quem vier a ocupar o Salão Oval no próximo ano. Eles compreendem que as forças americanas estão sobrecarregadas e que sua promessa de dissuasão estendida é menos crível do que já foi. Se duvidar do guarda-chuva dos EUA, a Coreia do Sul poderá construir sua própria bomba — e 70% dos sul-coreanos são a favor disso. O Japão poderia seguir uma lógica similar. A Europa está discutindo se as armas nucleares britânicas e francesas serão suficientes para dissuadir a Rússia se os EUA abandonarem a Otan. Se o Irã obtiver a bomba, a Arábia Saudita poderá fazer o mesmo. A proliferação seria desestabilizadora. Com mais dedos perto de botões vermelhos, as chances de erros de cálculo aumentam. A probabilidade de guerras convencionais ocorrerem também poderá subir se os países tentarem impedir seus inimigos de se nuclearizar.

Como os EUA deveriam responder? Os controles de armas emperraram. A Rússia suspendeu sua participação no Novo START, um pacto que expira em 2026. A China, que nunca se interessou muito em negociações sobre redução de risco nuclear com os EUA, cessou as conversas em julho. A Coreia do Norte rejeitou convites para negociar; o Irã é volátil. Seria imprudente desistir dos controles de armas. Mas se voltarem para a mesa, esses algozes deverão negociar com mais seriedade se souberem que os EUA estão numa posição de força.

Isso significa que os EUA deveriam estar preparados para construir um arsenal maior e mais diversificado quando o Novo START expirar. O Pentágono de Biden já começou a se movimentar nesse sentido adotando novas armas, como um míssil nuclear de cruzeiro lançado do mar. Os militares americanos estão estudando como “carregar” ogivas rapidamente em lançadores existentes, caso Rússia e China se adiantem. Se Trump retornar para a Casa Branca, o incremento provavelmente continuará.

Ruptura garantida mutuamente

Mas a falta de acordo bipartidário sobre a dissuasão estendida cria incerteza. Biden, corretamente, buscou tranquilizar os aliados enviando mais bombardeiros e submarinos com capacidade nuclear para a Europa e a Ásia e dialogando mais proximamente com os países das regiões, para que eles entendam como as armas podem ser usadas e sintam que as promessas americanas não são ocas.

Trump e alguns republicanos isolacionistas podem argumentar que nada disso é necessário para proteger os EUA. Eles estão errados. A dissuasão estendida é essencial e atende ao seu próprio interesse. Contraintuitivamente, os EUA escolhem tornar seu território mais vulnerável para proteger aliados a milhares de quilômetros de distância. Ao fazê-lo, evitam a desestabilizadora proliferação nuclear. Esta lógica tem mantido os EUA — e talvez até mesmo seus adversários — mais seguros há 80 anos. Em um mundo perigoso, seria imprudente deixar o guarda-chuva americano esfiapar./ TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

A desescalada nuclear que se seguiu à Guerra Fria terminou, alertou o Pentágono este mês. Em seu lugar entra uma nova rivalidade entre potências nucleares ou quase nucleares, algumas delas paranóicas. Trata-se de um antagonismo mais complexo e menos previsível que a antiga competição bipolar entre Estados Unidos e União Soviética. O que torna a coisa mais perigosa.

Enfrentar novas ameaças nucleares será um teste para os EUA ao mesmo tempo que seus recursos são consumidos e sua política se torna cada vez mais isolacionista. Washington deve assegurar seus aliados de que seu guarda-chuva nuclear ainda os protege. E, desafortunadamente, terá de expandir seu arsenal atômico. Titubear em qualquer desses aspectos estimulará a proliferação entre inimigos e amigos, tornando os EUA e o mundo menos seguros.

Evidências dos novos perigos estão por toda parte. A China está construindo centenas de silos de mísseis em seus desertos no norte. Vladimir Putin vocifera a respeito de usar armas nucleares e ameaça apontar mais mísseis para a Europa. Ainda que esteja preparado para lançar outro ataque convencional contra Israel, o Irã está mais próximo da bomba hoje do que estava cinco anos atrás, tendo, segundo relatos, feito avanços recentes no sentido de transformar urânio enriquecido em armas. A Coreia do Norte afirma que está “reforçando” seu programa nuclear. Nesta semana, Donald Trump afirmou que pretende construir um escudo antimísseis “Domo de Ferro” para proteger os EUA. “Basta um maníaco”, explicou ele.

Tudo isso representa uma grande mudança. Entre 1986 e 2023, o número de ogivas nucleares no planeta caiu de 70 mil para 12 mil, conforme o fim da Guerra Fria ocasionou cortes de gastos em defesa e controles de armas. Os EUA diminuíram seu arsenal mantendo, ao mesmo tempo, uma dissuasão poderosa. Hoje Washington possui uma “tríade” menor de armas nucleares que podem ser lançadas da terra, do ar ou de baixo da superfície marinha. Muitas de suas ogivas estão apontadas para as ogivas de seus adversários. E Washington oferece a “dissuasão estendida”: a promessa de defender seus aliados caso necessário. Até 2009, Barack Obama ainda tinha esperança de “um mundo sem armas nucleares”. Quando se tornou presidente, Joe Biden aspirava reenergizar o controle de armas após o caos do governo Trump.

Em vez disso, as ameaças nucleares se proliferaram e se transmutaram. O número de ogivas passou a aumentar novamente, conforme o arsenal da China se expandiu de umas poucas centenas uma década atrás até mil, talvez, até 2035. Isso criará uma terceira superpotência nuclear pela primeira vez na história. Enquanto isso, a tecnologia se espalha para novos domínios e outras mãos. A Rússia planeja colocar uma bomba em órbita; as ogivas norte-coreanas são capazes de alcançar o território continental dos EUA. Milícias como os houthis têm mísseis sofisticados (mas carregados com bombas convencionais). China, Irã, Rússia e Coreia do Norte estão cooperando militarmente e também poderiam intercambiar tecnologia de mísseis.

O Pentágono teme que tudo isso extenue o arsenal americano — os EUA terão ogivas suficientes para dissuadir ao mesmo tempo China, Rússia e Coreia do Norte?— e complique ainda mais a psicologia do risco nas relações internacionais. Isso também dificulta a dissuasão estendida. Quando os EUA incluíram a Coreia do Sul em seu guarda-chuva nuclear, por exemplo, a Coreia do Norte não tinha nem bombas atômicas nem mísseis de longo alcance. Agora Pyongyang tem mísseis nucleares capazes de incinerar cidades americanas. A esperança de que escudos Domo de Ferro, do tipo usado em Israel e na Ucrânia, são capazes de proteger os EUA, é equivocada: eles não funcionam bem contra mísseis de longo alcance. A seguinte dúvida espreita qualquer presidente americano: você sacrificaria Los Angeles para vingar Seul? E seus inimigos acreditam que você o faria?

Pentágono teme que proliferação de ameaças nucleares por países como Irã, Coreia do Norte e China extenue o arsenal americano. Foto: Lisa Ferdinando/Departamento de Defesa dos Estados Unidos

Os aliados também se encontram diante de dúvidas cruéis. Eles sabem que o populismo isolacionista não desaparecerá nos EUA independentemente de quem vier a ocupar o Salão Oval no próximo ano. Eles compreendem que as forças americanas estão sobrecarregadas e que sua promessa de dissuasão estendida é menos crível do que já foi. Se duvidar do guarda-chuva dos EUA, a Coreia do Sul poderá construir sua própria bomba — e 70% dos sul-coreanos são a favor disso. O Japão poderia seguir uma lógica similar. A Europa está discutindo se as armas nucleares britânicas e francesas serão suficientes para dissuadir a Rússia se os EUA abandonarem a Otan. Se o Irã obtiver a bomba, a Arábia Saudita poderá fazer o mesmo. A proliferação seria desestabilizadora. Com mais dedos perto de botões vermelhos, as chances de erros de cálculo aumentam. A probabilidade de guerras convencionais ocorrerem também poderá subir se os países tentarem impedir seus inimigos de se nuclearizar.

Como os EUA deveriam responder? Os controles de armas emperraram. A Rússia suspendeu sua participação no Novo START, um pacto que expira em 2026. A China, que nunca se interessou muito em negociações sobre redução de risco nuclear com os EUA, cessou as conversas em julho. A Coreia do Norte rejeitou convites para negociar; o Irã é volátil. Seria imprudente desistir dos controles de armas. Mas se voltarem para a mesa, esses algozes deverão negociar com mais seriedade se souberem que os EUA estão numa posição de força.

Isso significa que os EUA deveriam estar preparados para construir um arsenal maior e mais diversificado quando o Novo START expirar. O Pentágono de Biden já começou a se movimentar nesse sentido adotando novas armas, como um míssil nuclear de cruzeiro lançado do mar. Os militares americanos estão estudando como “carregar” ogivas rapidamente em lançadores existentes, caso Rússia e China se adiantem. Se Trump retornar para a Casa Branca, o incremento provavelmente continuará.

Ruptura garantida mutuamente

Mas a falta de acordo bipartidário sobre a dissuasão estendida cria incerteza. Biden, corretamente, buscou tranquilizar os aliados enviando mais bombardeiros e submarinos com capacidade nuclear para a Europa e a Ásia e dialogando mais proximamente com os países das regiões, para que eles entendam como as armas podem ser usadas e sintam que as promessas americanas não são ocas.

Trump e alguns republicanos isolacionistas podem argumentar que nada disso é necessário para proteger os EUA. Eles estão errados. A dissuasão estendida é essencial e atende ao seu próprio interesse. Contraintuitivamente, os EUA escolhem tornar seu território mais vulnerável para proteger aliados a milhares de quilômetros de distância. Ao fazê-lo, evitam a desestabilizadora proliferação nuclear. Esta lógica tem mantido os EUA — e talvez até mesmo seus adversários — mais seguros há 80 anos. Em um mundo perigoso, seria imprudente deixar o guarda-chuva americano esfiapar./ TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

A desescalada nuclear que se seguiu à Guerra Fria terminou, alertou o Pentágono este mês. Em seu lugar entra uma nova rivalidade entre potências nucleares ou quase nucleares, algumas delas paranóicas. Trata-se de um antagonismo mais complexo e menos previsível que a antiga competição bipolar entre Estados Unidos e União Soviética. O que torna a coisa mais perigosa.

Enfrentar novas ameaças nucleares será um teste para os EUA ao mesmo tempo que seus recursos são consumidos e sua política se torna cada vez mais isolacionista. Washington deve assegurar seus aliados de que seu guarda-chuva nuclear ainda os protege. E, desafortunadamente, terá de expandir seu arsenal atômico. Titubear em qualquer desses aspectos estimulará a proliferação entre inimigos e amigos, tornando os EUA e o mundo menos seguros.

Evidências dos novos perigos estão por toda parte. A China está construindo centenas de silos de mísseis em seus desertos no norte. Vladimir Putin vocifera a respeito de usar armas nucleares e ameaça apontar mais mísseis para a Europa. Ainda que esteja preparado para lançar outro ataque convencional contra Israel, o Irã está mais próximo da bomba hoje do que estava cinco anos atrás, tendo, segundo relatos, feito avanços recentes no sentido de transformar urânio enriquecido em armas. A Coreia do Norte afirma que está “reforçando” seu programa nuclear. Nesta semana, Donald Trump afirmou que pretende construir um escudo antimísseis “Domo de Ferro” para proteger os EUA. “Basta um maníaco”, explicou ele.

Tudo isso representa uma grande mudança. Entre 1986 e 2023, o número de ogivas nucleares no planeta caiu de 70 mil para 12 mil, conforme o fim da Guerra Fria ocasionou cortes de gastos em defesa e controles de armas. Os EUA diminuíram seu arsenal mantendo, ao mesmo tempo, uma dissuasão poderosa. Hoje Washington possui uma “tríade” menor de armas nucleares que podem ser lançadas da terra, do ar ou de baixo da superfície marinha. Muitas de suas ogivas estão apontadas para as ogivas de seus adversários. E Washington oferece a “dissuasão estendida”: a promessa de defender seus aliados caso necessário. Até 2009, Barack Obama ainda tinha esperança de “um mundo sem armas nucleares”. Quando se tornou presidente, Joe Biden aspirava reenergizar o controle de armas após o caos do governo Trump.

Em vez disso, as ameaças nucleares se proliferaram e se transmutaram. O número de ogivas passou a aumentar novamente, conforme o arsenal da China se expandiu de umas poucas centenas uma década atrás até mil, talvez, até 2035. Isso criará uma terceira superpotência nuclear pela primeira vez na história. Enquanto isso, a tecnologia se espalha para novos domínios e outras mãos. A Rússia planeja colocar uma bomba em órbita; as ogivas norte-coreanas são capazes de alcançar o território continental dos EUA. Milícias como os houthis têm mísseis sofisticados (mas carregados com bombas convencionais). China, Irã, Rússia e Coreia do Norte estão cooperando militarmente e também poderiam intercambiar tecnologia de mísseis.

O Pentágono teme que tudo isso extenue o arsenal americano — os EUA terão ogivas suficientes para dissuadir ao mesmo tempo China, Rússia e Coreia do Norte?— e complique ainda mais a psicologia do risco nas relações internacionais. Isso também dificulta a dissuasão estendida. Quando os EUA incluíram a Coreia do Sul em seu guarda-chuva nuclear, por exemplo, a Coreia do Norte não tinha nem bombas atômicas nem mísseis de longo alcance. Agora Pyongyang tem mísseis nucleares capazes de incinerar cidades americanas. A esperança de que escudos Domo de Ferro, do tipo usado em Israel e na Ucrânia, são capazes de proteger os EUA, é equivocada: eles não funcionam bem contra mísseis de longo alcance. A seguinte dúvida espreita qualquer presidente americano: você sacrificaria Los Angeles para vingar Seul? E seus inimigos acreditam que você o faria?

Pentágono teme que proliferação de ameaças nucleares por países como Irã, Coreia do Norte e China extenue o arsenal americano. Foto: Lisa Ferdinando/Departamento de Defesa dos Estados Unidos

Os aliados também se encontram diante de dúvidas cruéis. Eles sabem que o populismo isolacionista não desaparecerá nos EUA independentemente de quem vier a ocupar o Salão Oval no próximo ano. Eles compreendem que as forças americanas estão sobrecarregadas e que sua promessa de dissuasão estendida é menos crível do que já foi. Se duvidar do guarda-chuva dos EUA, a Coreia do Sul poderá construir sua própria bomba — e 70% dos sul-coreanos são a favor disso. O Japão poderia seguir uma lógica similar. A Europa está discutindo se as armas nucleares britânicas e francesas serão suficientes para dissuadir a Rússia se os EUA abandonarem a Otan. Se o Irã obtiver a bomba, a Arábia Saudita poderá fazer o mesmo. A proliferação seria desestabilizadora. Com mais dedos perto de botões vermelhos, as chances de erros de cálculo aumentam. A probabilidade de guerras convencionais ocorrerem também poderá subir se os países tentarem impedir seus inimigos de se nuclearizar.

Como os EUA deveriam responder? Os controles de armas emperraram. A Rússia suspendeu sua participação no Novo START, um pacto que expira em 2026. A China, que nunca se interessou muito em negociações sobre redução de risco nuclear com os EUA, cessou as conversas em julho. A Coreia do Norte rejeitou convites para negociar; o Irã é volátil. Seria imprudente desistir dos controles de armas. Mas se voltarem para a mesa, esses algozes deverão negociar com mais seriedade se souberem que os EUA estão numa posição de força.

Isso significa que os EUA deveriam estar preparados para construir um arsenal maior e mais diversificado quando o Novo START expirar. O Pentágono de Biden já começou a se movimentar nesse sentido adotando novas armas, como um míssil nuclear de cruzeiro lançado do mar. Os militares americanos estão estudando como “carregar” ogivas rapidamente em lançadores existentes, caso Rússia e China se adiantem. Se Trump retornar para a Casa Branca, o incremento provavelmente continuará.

Ruptura garantida mutuamente

Mas a falta de acordo bipartidário sobre a dissuasão estendida cria incerteza. Biden, corretamente, buscou tranquilizar os aliados enviando mais bombardeiros e submarinos com capacidade nuclear para a Europa e a Ásia e dialogando mais proximamente com os países das regiões, para que eles entendam como as armas podem ser usadas e sintam que as promessas americanas não são ocas.

Trump e alguns republicanos isolacionistas podem argumentar que nada disso é necessário para proteger os EUA. Eles estão errados. A dissuasão estendida é essencial e atende ao seu próprio interesse. Contraintuitivamente, os EUA escolhem tornar seu território mais vulnerável para proteger aliados a milhares de quilômetros de distância. Ao fazê-lo, evitam a desestabilizadora proliferação nuclear. Esta lógica tem mantido os EUA — e talvez até mesmo seus adversários — mais seguros há 80 anos. Em um mundo perigoso, seria imprudente deixar o guarda-chuva americano esfiapar./ TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

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