THE WASHINGTON POST — Depois de 112 dias de uma existência quase solitária, com a companhia apenas de ondas ferozes e alguma ocasional baleia de passagem, o aventureiro irlandês Damian Browne retornou à terra firme na semana passada, tornando-se a primeira pessoa a atravessar o Atlântico Norte em um barco a remo, sem nenhum apoio, de Nova York até Galway, na Irlanda, de acordo com sua equipe.
O feito é ainda mais notável porque Browne não sabe nadar — e nem planeja aprender no futuro próximo.
Depois de sessões de treinamento no Rio Hudson, em Nova York, nas quais ele desviava de embarcações de transporte e circulava em torno da Estátua da Liberdade, Browne, de 42 anos, deixou os Píeres de Chelsea, em Manhattan, em junho, e viajou mais de 5 mil km até Galway, onde vive, no oeste da Irlanda.
“Você realmente tem de saber o que está fazendo mentalmente quando está no mar”, afirmou ele ao Washington Post ao retornar para a terra e ser recebido como herói. “É muito boa a sensação de estar de volta”, afirmou ele. “É muito bom estar vivo.”
Browne iniciou a jornada com seu companheiro de remo, Fergus Farrell, que, em sua própria realização pessoal, reaprendeu a andar após sofrer um ferimento catastrófico. Os dois homens almejavam quebrar o recorde mundial de velocidade em travessia do Atlântico a remo sem apoio, uma jornada realizada apenas cerca de uma dúzia de vezes, de acordo com sua equipe. Mas no 13.º dia, Farrell ficou doente e teve de ser resgatado para receber tratamento médico, deixando Browne com uma assustadora tarefa adiante.
A expedição, de uma tentativa de quebra de recorde mundial, tornou-se, então, um extenuante teste de perseverança pessoal, que levou Browne ao seu limite, afirmou ele.
“Para o físico, foi incrivelmente árduo. Foi simplesmente uma tarefa implacável, a carga diária de trabalho era absolutamente enorme”, afirmou ele. “Houve momentos de solidão e de euforia — foi uma montanha-russa de emoções.”
Ex-jogador profissional de rúgbi, Browne tem um bom condicionamento físico e desde que se aposentou do esporte mudou o foco para expedições radicais. Ele afirma que faz isso tanto pela destreza mental quanto pelo desafio físico.
“Minha maneira de encarar aventuras radicais e lidar com o estresse que elas despertam é ficar com a cabeça fria o quanto possível”, explica ele. “A coisa se resume a controlar a mente e ter consciência verdadeira de si.”
Algo complicado quando se enfrenta ondas gigantes, temperaturas congelantes e horas a fio remando sozinho.
Enquanto estava em sua embarcação a remo fabricada sob medida, de 6,2 metros de comprimento e batizada carinhosamente de “Cushlamachree” (“amada” em língua irlandesa), Browne se alimentou com uma dieta de 10 mil calorias diárias a base de refeições desidratadas, tinha um pequeno dispositivo de dessalinização a bordo, o que lhe permitia beber água limpa, e dormia poucas horas à noite, em uma minúscula cabine de dois metros que ele disse ser seu “santuário”, onde ele guardava equipamentos de GPS e rádio.
Mas o foco principal era o mar: remar vigorosamente mais de 11 horas por dia.
Um momento particularmente preocupante ocorreu no 24.º dia, afirmou ele, quando a luz da lua foi ocultada pelas nuvens, deixando-o numa escuridão absoluta, sob a qual ele mal conseguia ver as pontas de seus remos. Uma forte tempestade o atingiu a cerca de 1,3 mil quilômetros da costa de Nova York e fez seu barco virar três vezes.
“Foi assustador”, recorda-se Browne, acrescentando que a tormenta durou cerca de 19 horas. “Foram as horas mais longas da minha vida”, afirmou ele, que passou a temer uma próxima tempestade que o atirasse no mar. “É impossível vencer o Atlântico (…) é impossível sobreviver”, afirmou ele, qualificando o oceano como um “oponente arrebatador”.
Novamente, ele encontrou aconchego na força mental.
“Acho que se concentrar na tarefa imediata ajuda”, disse ele ao Post. “Não há espaço para estresse ou ansiedade (…) apenas esteja presente.”
Ao se reencontrar com sua mulher e sua filha de 13 meses na Irlanda, Browne disse ao Post que estava ansioso para passar tempo com a família e desfrutar de luxos como poder dormir em uma cama, usar a privada e comer bem.
Mas sua chegada não ocorreu exatamente conforme o planejado.
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Quando Browne se preparava para entrar nas docas de Galway, a corrente o empurrou na direção de pedras, e ele teve de ser resgatado por uma equipe de emergência, que o ajudou a finalmente chegar à terra firme — depois de 2.686 horas no mar e remar mais de 5 mil km.
Arrecadação
Sua jornada épica, planejada ao longo de três anos e meio, também levanta recursos para várias iniciativas de caridade, auxiliando esforços em saúde, ajudas a sem teto e resgate e adoção de cachorros. Browne levantou até aqui cerca de US$ 70 mil. Ele também ajuda pessoas a desenvolver autodisciplina e enfrentar seus próprios desafios na vida.
“Queremos ensinar as pessoas a conquistar oceanos”, afirmou ele.
Browne correu ultramaratonas no Deserto do Saara; remou de San Sebastián, na Espanha, até Antígua, no Caribe; e escalou o Monte Kilimanjaro, na Tanzânia. Mais recentemente, ele tentou escalar o Monte Everest, mas pegou covid-19 e perdeu a janela para a subida. No próximo ano, ele planeja liderar uma escalada no Quirguistão.
O que sua família acha dessa veia aventureira? Elas “aguentam de boa”, afirmou Browne com um sorriso no rosto. Sua mãe, que tem fobia do mar, ficou mais sobressaltada com os desafios oceânicos, acrescentou ele. “Ela ficou feliz nas duas vezes que coloquei os pés na terra.”
Por agora, Browne está aliviado por estar em terra firme, espera descansar e se recuperar e não tem planos de outra aventura marítima “no futuro próximo”. “A travessia exige muito, mas estou bem orgulhoso desta última”, acrescentou ele. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO