Em meio ao maior êxodo em 40 anos, repressão a jovens desarticula oposição em Cuba


Muitos cubanos partiram do país, em sua maioria jovens e ativistas, desde os protestos de 11 de julho de 2021, levando ao enfraquecimento da dissidência na ilha

Por Renato Vasconcelos e Luiz Henrique Gomes
Atualização:

Com a prisão de alguns dos dissidentes de maior visibilidade após os protestos de 11 de julho de 2021 e uma repressão rotineira, em especial a jovens artistas, Cuba passa pelo maior êxodo migratório desde os anos 80.

Naquela ocasião, Fidel Castro abriu o Porto de Mariel para quem quisesse sair e 125 mil pessoas se aventuraram em barcos e balsas improvisadas. Na onda atual, mais de 140 mil cubanos foram levados sob custódia na fronteira dos EUA com o México desde 1.º de outubro, segundo a Alfândega e Proteção de Fronteiras americana.

O foco da repressão na juventude, relatado por opositores, ONGs e analistas ouvidos pelo Estadão, assusta parte dos dissidentes, sobretudo aqueles que desconheciam a capacidade de dispersão do governo.

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Pelo menos 380 jovens e adolescentes que estão presos por participar nos protestos do ano passado <IP9,0,0>foram processados em tribunais militares por crimes como sedição e condenados a penas de até 25 anos de prisão.

O total de detidos é impreciso, mas a organização Human Rights Watch (HRW) estima que chegue a 1,8 mil no último ano, dos quais 700 permanecem encarcerados. Com os principais líderes no exílio, dissidentes têm dificuldade para organizar novos protestos.

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O investigador sênior da HRW e responsável pelos assuntos relacionados a Cuba, Juan Pappier, explica que o regime tem buscado reprimir sobretudo jovens artistas, que passaram a fazer uso da internet para questionar o governo nos últimos anos. “Eles tiveram um papel de liderança importante nos protestos de 2021, que foram o maior desafio popular da história do regime”, afirma.

Nova geração desafia o regime

Uma parte desses artistas nasceu em uma geração distante da Revolução de 1959, articulou-se de maneira diferente dos antigos dissidentes e desconhecia o que a repressão cubana poderia fazer até 2021. “É uma geração em geral menos apegada à história da revolução e com linhas de pensamento culturais e econômicas muito diferente de seus pais e avós”, analisa Gustavo Blum, pesquisador de geopolítica na Unicamp.

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“Os jovens cubanos se deram conta de que não é necessário cometer nenhum delito para ser preso. Basta sair à rua a exigir seus direitos – os delitos, o próprio Estado cria”, afirma o ativista por direitos humanos Eduardo Clavel Rizo.

Drivers wait their turn to fuel their vehicles at a gas station in Havana, Cuba, Thursday, July 14, 2022. (AP Photo/Ramon Espinosa) Foto: Ramón Espinosa/ AP
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Big Brother Cuba

Segundo Clavel, Cuba se tornou um país ainda menos livre após a repressão às manifestações, no que comparou a uma “sociedade orwelliana”, em referência ao escritor britânico George Orwell, autor do romance 1984. “O controle social agora é mais importante (para o governo) do que qualquer outro problema, incluindo os problemas econômicos que geram as consequências sociais e os protestos”, argumenta.

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Protesto em Havana contra regime que controla ilha há 62 anos Foto: Adalberto Roque/AFP

A opositora Berta Soler, líder das Damas de Branco, grupo cubano de mães e mulheres de presos políticos, diz, por exemplo, que passou a ser vigiada diariamente em casa por viaturas da polícia cubana. Nem ela, nem o marido podem sair de casa sem correr o risco de serem presos, acusados de organizarem uma “desordem social”.

Segundo ela, a mesma tática é aplicada aos jovens. “Vários jovens de Cuba passaram a ser vigiados, questionados ao sair de casa e presos sem motivo pela polícia”, conta. “Esses jovens às vezes são espancados e presos sem que a família receba nenhuma comunicação”.

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“A oposição em Cuba está dizimada”, diz Mendoza. “O governo conseguiu expulsar do país a maior parte dos opositores, incluindo jornalistas independentes. O otimismo pelo futuro do país é nulo: o governo está em uma crise total, mas detém o poder absoluto.”

Cuba vive desde 1959 sob o regime castrista Foto: Ernesto Mastrascusa / EFE

Fuga via Nicarágua e EUA

A principal rota dos cubanos que partem em direção aos EUA começa com um voo para Manágua – a Nicarágua retirou a exigência de visto para cidadãos de Cuba –, seguido por uma jornada em conduções terrestres ou a pé. Mas quase 3 mil cubanos foram interceptados no mar desde outubro.

”Grande parte da oposição se viu forçada, por uma ou outra via, a abandonar o país, pois as pressões são muitas. E todos que continuamos aqui estamos expostos a – quando o governo quiser, quando o sistema quiser, quando considerarem que estamos sendo incômodos demais – sermos levados para a prisão sob qualquer das leis que eles criaram”, afirma o poeta e ativista Eduardo Clavel Rizo, morador de Santiago.

A saída também é dada pelo próprio regime para desarticular a dissidência. Hamlet Lavastida e Tania Bruguera, dois dos rostos mais visíveis após os protestos do 11 de julho, ficaram detidos até que receberam propostas das autoridades para deixar o país. Em setembro de 2021, foram para Madri.

O novo êxodo cubano também é impulsionado pela intensa crise econômica – um dos motivos do protesto em 2021. O governo tem recorrido ao argumento tradicional para explicar a crise, culpando o embargo americano.

“Cuba mudou no último ano, mas para pior. Há mais inflação, o que trouxe mais escassez, mais fome, mais miséria. E quando falo de escassez, estou falando de escassez de comida e de insumos básicos que uma pessoa precisa para sobreviver”, diz o jornalista cubano Mauricio Mendoza, que vive em Havana.

Com a prisão de alguns dos dissidentes de maior visibilidade após os protestos de 11 de julho de 2021 e uma repressão rotineira, em especial a jovens artistas, Cuba passa pelo maior êxodo migratório desde os anos 80.

Naquela ocasião, Fidel Castro abriu o Porto de Mariel para quem quisesse sair e 125 mil pessoas se aventuraram em barcos e balsas improvisadas. Na onda atual, mais de 140 mil cubanos foram levados sob custódia na fronteira dos EUA com o México desde 1.º de outubro, segundo a Alfândega e Proteção de Fronteiras americana.

O foco da repressão na juventude, relatado por opositores, ONGs e analistas ouvidos pelo Estadão, assusta parte dos dissidentes, sobretudo aqueles que desconheciam a capacidade de dispersão do governo.

Pelo menos 380 jovens e adolescentes que estão presos por participar nos protestos do ano passado <IP9,0,0>foram processados em tribunais militares por crimes como sedição e condenados a penas de até 25 anos de prisão.

O total de detidos é impreciso, mas a organização Human Rights Watch (HRW) estima que chegue a 1,8 mil no último ano, dos quais 700 permanecem encarcerados. Com os principais líderes no exílio, dissidentes têm dificuldade para organizar novos protestos.

O investigador sênior da HRW e responsável pelos assuntos relacionados a Cuba, Juan Pappier, explica que o regime tem buscado reprimir sobretudo jovens artistas, que passaram a fazer uso da internet para questionar o governo nos últimos anos. “Eles tiveram um papel de liderança importante nos protestos de 2021, que foram o maior desafio popular da história do regime”, afirma.

Nova geração desafia o regime

Uma parte desses artistas nasceu em uma geração distante da Revolução de 1959, articulou-se de maneira diferente dos antigos dissidentes e desconhecia o que a repressão cubana poderia fazer até 2021. “É uma geração em geral menos apegada à história da revolução e com linhas de pensamento culturais e econômicas muito diferente de seus pais e avós”, analisa Gustavo Blum, pesquisador de geopolítica na Unicamp.

“Os jovens cubanos se deram conta de que não é necessário cometer nenhum delito para ser preso. Basta sair à rua a exigir seus direitos – os delitos, o próprio Estado cria”, afirma o ativista por direitos humanos Eduardo Clavel Rizo.

Drivers wait their turn to fuel their vehicles at a gas station in Havana, Cuba, Thursday, July 14, 2022. (AP Photo/Ramon Espinosa) Foto: Ramón Espinosa/ AP

Big Brother Cuba

Segundo Clavel, Cuba se tornou um país ainda menos livre após a repressão às manifestações, no que comparou a uma “sociedade orwelliana”, em referência ao escritor britânico George Orwell, autor do romance 1984. “O controle social agora é mais importante (para o governo) do que qualquer outro problema, incluindo os problemas econômicos que geram as consequências sociais e os protestos”, argumenta.

Protesto em Havana contra regime que controla ilha há 62 anos Foto: Adalberto Roque/AFP

A opositora Berta Soler, líder das Damas de Branco, grupo cubano de mães e mulheres de presos políticos, diz, por exemplo, que passou a ser vigiada diariamente em casa por viaturas da polícia cubana. Nem ela, nem o marido podem sair de casa sem correr o risco de serem presos, acusados de organizarem uma “desordem social”.

Segundo ela, a mesma tática é aplicada aos jovens. “Vários jovens de Cuba passaram a ser vigiados, questionados ao sair de casa e presos sem motivo pela polícia”, conta. “Esses jovens às vezes são espancados e presos sem que a família receba nenhuma comunicação”.

“A oposição em Cuba está dizimada”, diz Mendoza. “O governo conseguiu expulsar do país a maior parte dos opositores, incluindo jornalistas independentes. O otimismo pelo futuro do país é nulo: o governo está em uma crise total, mas detém o poder absoluto.”

Cuba vive desde 1959 sob o regime castrista Foto: Ernesto Mastrascusa / EFE

Fuga via Nicarágua e EUA

A principal rota dos cubanos que partem em direção aos EUA começa com um voo para Manágua – a Nicarágua retirou a exigência de visto para cidadãos de Cuba –, seguido por uma jornada em conduções terrestres ou a pé. Mas quase 3 mil cubanos foram interceptados no mar desde outubro.

”Grande parte da oposição se viu forçada, por uma ou outra via, a abandonar o país, pois as pressões são muitas. E todos que continuamos aqui estamos expostos a – quando o governo quiser, quando o sistema quiser, quando considerarem que estamos sendo incômodos demais – sermos levados para a prisão sob qualquer das leis que eles criaram”, afirma o poeta e ativista Eduardo Clavel Rizo, morador de Santiago.

A saída também é dada pelo próprio regime para desarticular a dissidência. Hamlet Lavastida e Tania Bruguera, dois dos rostos mais visíveis após os protestos do 11 de julho, ficaram detidos até que receberam propostas das autoridades para deixar o país. Em setembro de 2021, foram para Madri.

O novo êxodo cubano também é impulsionado pela intensa crise econômica – um dos motivos do protesto em 2021. O governo tem recorrido ao argumento tradicional para explicar a crise, culpando o embargo americano.

“Cuba mudou no último ano, mas para pior. Há mais inflação, o que trouxe mais escassez, mais fome, mais miséria. E quando falo de escassez, estou falando de escassez de comida e de insumos básicos que uma pessoa precisa para sobreviver”, diz o jornalista cubano Mauricio Mendoza, que vive em Havana.

Com a prisão de alguns dos dissidentes de maior visibilidade após os protestos de 11 de julho de 2021 e uma repressão rotineira, em especial a jovens artistas, Cuba passa pelo maior êxodo migratório desde os anos 80.

Naquela ocasião, Fidel Castro abriu o Porto de Mariel para quem quisesse sair e 125 mil pessoas se aventuraram em barcos e balsas improvisadas. Na onda atual, mais de 140 mil cubanos foram levados sob custódia na fronteira dos EUA com o México desde 1.º de outubro, segundo a Alfândega e Proteção de Fronteiras americana.

O foco da repressão na juventude, relatado por opositores, ONGs e analistas ouvidos pelo Estadão, assusta parte dos dissidentes, sobretudo aqueles que desconheciam a capacidade de dispersão do governo.

Pelo menos 380 jovens e adolescentes que estão presos por participar nos protestos do ano passado <IP9,0,0>foram processados em tribunais militares por crimes como sedição e condenados a penas de até 25 anos de prisão.

O total de detidos é impreciso, mas a organização Human Rights Watch (HRW) estima que chegue a 1,8 mil no último ano, dos quais 700 permanecem encarcerados. Com os principais líderes no exílio, dissidentes têm dificuldade para organizar novos protestos.

O investigador sênior da HRW e responsável pelos assuntos relacionados a Cuba, Juan Pappier, explica que o regime tem buscado reprimir sobretudo jovens artistas, que passaram a fazer uso da internet para questionar o governo nos últimos anos. “Eles tiveram um papel de liderança importante nos protestos de 2021, que foram o maior desafio popular da história do regime”, afirma.

Nova geração desafia o regime

Uma parte desses artistas nasceu em uma geração distante da Revolução de 1959, articulou-se de maneira diferente dos antigos dissidentes e desconhecia o que a repressão cubana poderia fazer até 2021. “É uma geração em geral menos apegada à história da revolução e com linhas de pensamento culturais e econômicas muito diferente de seus pais e avós”, analisa Gustavo Blum, pesquisador de geopolítica na Unicamp.

“Os jovens cubanos se deram conta de que não é necessário cometer nenhum delito para ser preso. Basta sair à rua a exigir seus direitos – os delitos, o próprio Estado cria”, afirma o ativista por direitos humanos Eduardo Clavel Rizo.

Drivers wait their turn to fuel their vehicles at a gas station in Havana, Cuba, Thursday, July 14, 2022. (AP Photo/Ramon Espinosa) Foto: Ramón Espinosa/ AP

Big Brother Cuba

Segundo Clavel, Cuba se tornou um país ainda menos livre após a repressão às manifestações, no que comparou a uma “sociedade orwelliana”, em referência ao escritor britânico George Orwell, autor do romance 1984. “O controle social agora é mais importante (para o governo) do que qualquer outro problema, incluindo os problemas econômicos que geram as consequências sociais e os protestos”, argumenta.

Protesto em Havana contra regime que controla ilha há 62 anos Foto: Adalberto Roque/AFP

A opositora Berta Soler, líder das Damas de Branco, grupo cubano de mães e mulheres de presos políticos, diz, por exemplo, que passou a ser vigiada diariamente em casa por viaturas da polícia cubana. Nem ela, nem o marido podem sair de casa sem correr o risco de serem presos, acusados de organizarem uma “desordem social”.

Segundo ela, a mesma tática é aplicada aos jovens. “Vários jovens de Cuba passaram a ser vigiados, questionados ao sair de casa e presos sem motivo pela polícia”, conta. “Esses jovens às vezes são espancados e presos sem que a família receba nenhuma comunicação”.

“A oposição em Cuba está dizimada”, diz Mendoza. “O governo conseguiu expulsar do país a maior parte dos opositores, incluindo jornalistas independentes. O otimismo pelo futuro do país é nulo: o governo está em uma crise total, mas detém o poder absoluto.”

Cuba vive desde 1959 sob o regime castrista Foto: Ernesto Mastrascusa / EFE

Fuga via Nicarágua e EUA

A principal rota dos cubanos que partem em direção aos EUA começa com um voo para Manágua – a Nicarágua retirou a exigência de visto para cidadãos de Cuba –, seguido por uma jornada em conduções terrestres ou a pé. Mas quase 3 mil cubanos foram interceptados no mar desde outubro.

”Grande parte da oposição se viu forçada, por uma ou outra via, a abandonar o país, pois as pressões são muitas. E todos que continuamos aqui estamos expostos a – quando o governo quiser, quando o sistema quiser, quando considerarem que estamos sendo incômodos demais – sermos levados para a prisão sob qualquer das leis que eles criaram”, afirma o poeta e ativista Eduardo Clavel Rizo, morador de Santiago.

A saída também é dada pelo próprio regime para desarticular a dissidência. Hamlet Lavastida e Tania Bruguera, dois dos rostos mais visíveis após os protestos do 11 de julho, ficaram detidos até que receberam propostas das autoridades para deixar o país. Em setembro de 2021, foram para Madri.

O novo êxodo cubano também é impulsionado pela intensa crise econômica – um dos motivos do protesto em 2021. O governo tem recorrido ao argumento tradicional para explicar a crise, culpando o embargo americano.

“Cuba mudou no último ano, mas para pior. Há mais inflação, o que trouxe mais escassez, mais fome, mais miséria. E quando falo de escassez, estou falando de escassez de comida e de insumos básicos que uma pessoa precisa para sobreviver”, diz o jornalista cubano Mauricio Mendoza, que vive em Havana.

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