Hong Kong aprovou a toque de caixa uma controvertida lei de segurança nacional nesta terça-feira, 19, uma medida entendida como uma vitória para a China e uma derrota para a sociedade civil da região, já que, segundo críticos, a nova legislação representa um golpe na relativa autonomia que Pequim havia prometido à cidade.
O texto, que entrará em vigor no próximo sábado, 23, dá às autoridades ainda mais poderes para reprimir a oposição a Pequim e ao governo, estabelecendo penalidades —incluindo prisão perpétua— para crimes políticos como traição e insurreição, sob definições vagas. A lei também pune “interferência externa” e roubo de segredos de Estado, criando potenciais riscos para empresas multinacionais e grupos internacionais que operam no centro financeiro asiático.
Analistas dizem que a legislação pode intimidar uma ampla gama de grupos da sociedade, como empresários, funcionários públicos, advogados, diplomatas, jornalistas e acadêmicos, levantando questões sobre o status de Hong Kong.
Muitas das figuras da oposição que poderiam ter desafiado a legislação foram presas ou se exilaram desde que o Partido Comunista Chinês, sob a liderança de Xi Jinping, impôs a primeira lei de segurança nacional, em 2020. O regulamento foi uma ferramenta poderosa para que as autoridades reprimissem dissidências após meses de manifestações antigoverno que tomaram a cidade em 2019.
Para os Estados Unidos, a lei pode acelerar o fechamento de uma sociedade que já foi aberta, afirmou o porta-voz adjunto do Departamento de Estado americano, Vedant Patel, nesta terça. Washington está analisando os potenciais riscos para cidadãos e interesses americanos, afirmou o funcionário, para quem os crimes descritos na legislação são mal definidos e vagos.
Aliado de Pequim, o líder de Hong Kong, John Lee, defende que o pacote é necessário para erradicar a agitação e combater o que ele descreveu como espionagem ocidental. Uma vez que as leis fossem aprovadas, argumenta, o governo poderia se concentrar na economia.
Em um discurso no Conselho Legislativo, Lee disse que as novas leis permitiriam a Hong Kong “prevenir e interromper efetivamente atividades de espionagem, conspirações e armadilhas de unidades de inteligência e infiltração das forças inimigas”.
Os legisladores analisaram o texto em um ritmo acelerado, maratonando sessões ao longo da semana e trabalhando durante o fim de semana. O projeto de lei foi aprovado por unanimidade.
“A rápida aprovação serve para mostrar às pessoas em Hong Kong a determinação e a capacidade do governo de aplicar a lei”, diz Steve Tsang, diretor do Instituto China Soas, entidade da Universidade de Londres especializada em estudos sobre o país asiático.
De acordo com Tsang, a preocupação principal de Lee não é sobre como as pessoas em Hong Kong ou no resto do mundo veem a lei. “Ele está se apresentando para um público de uma pessoa —Xi.”
Aos olhos de Pequim, essas leis são esperadas há bastante tempo. Quando Hong Kong, uma antiga colônia britânica, foi devolvida ao domínio chinês em 1997, recebeu uma espécie de Constituição projetada para proteger liberdades civis desconhecidas na China continental, como liberdade de expressão, reunião e mídia. Pequim, porém, insistiu em uma disposição chamada Artigo 23, que exigia de Hong Kong um pacote legal de segurança interna para substituir as leis de sedição da era colonial.
As primeiras tentativas de aprovar tal legislação, em 2003, desencadearam protestos em massa e renúncia de altos funcionários. Nos anos seguintes, os líderes da cidade relutaram em levantar o assunto novamente, com medo de reações públicas. Mas, nos últimos meses, o Partido Comunista Chinês pressionou o governo de Hong Kong a promulgar leis do Artigo 23.
Havia pouca chance de que a vontade da China não fosse atendida: a legislatura de Hong Kong tem sido esmagadoramente dominada por parlamentares pró-Pequim desde que o país reformulou o sistema eleitoral para excluir candidatos que não são considerados “patriotas”.
As novas leis mencionam cinco tipos de crimes: traição, insurreição, roubo de segredos de Estado, sabotagem e interferência externa. Também introduzem mudanças-chave no devido processo legal —em alguns casos, a polícia agora pode solicitar permissão de magistrados para impedir que suspeitos consultem os advogados de sua escolha, se isso for considerado uma ameaça à segurança nacional.
Grupos de direitos humanos disseram que, ao aprovar rapidamente a lei, as autoridades reverteram o curso das liberdades uma vez prometidas à cidade.
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Maya Wang, diretora interina de China da ONG Human Rights Watch, disse nesta terça que a nova lei “levará Hong Kong a uma nova era de autoritarismo”. Para o governo, porém, grupos de defesa de direitos com sede no exterior são organizações “anti-China” e “antigoverno”.
A redação vaga do texto aprovado levantou questões entre estudiosos do direito. Sob a nova lei, um ato de espionagem, por exemplo, poderia incluir passar “informações úteis” para uma “força externa”. Uma definição tão ampla poderia desencorajar trocas legítimas com diplomatas, escreveu Simon Young, professor de direito da Universidade de Hong Kong, em uma consulta pública ao governo no mês passado.
Young também se opôs à definição abrangente de “sedição”, que inclui a intenção de “causar desafeição” contra o Estado ou suas instituições. Desafeição é “um estado emocional de um limiar muito baixo para ser objeto de um crime”, apontou. “Não é crime simplesmente sentir-se dessa maneira.”
A legislação também confere poderes ao líder da cidade, conhecido como chefe executivo, para criar leis que prevejam penas de até sete anos de prisão sem passar pelo Legislativo. O líder consultaria seu gabinete antes de promulgar qualquer texto desse tipo. O conselho legislativo, por sua vez, conhecido como LegCo, poderia emendar ou rejeitar a lei posteriormente.