WASHINGTON — Logo depois da abertura do processo de impeachment de Donald Trump pela Câmara, acusado de de "incitação à insurreição" contra o sistema democrático, as fissuras dentro do Partido Republicano começam a ficar ainda mais evidentes.
Na votação de quarta-feira, dez republicanos votaram contra Trump, algo que analistas já apontam como o impeachment mais bipartidário da História — no Senado, a briga sobre o futuro do em breve ex-presidente envolve duas das principais lideranças da sigla.
Mitch McConnell, líder da maioria republicana no Senado, sinalizou que pode votar pelo impeachment de Trump, algo que abriria caminho para que muitos senadores que não simpatizam com o presidente mas temem possíveis represálias políticas decidam contra ele.
Ao mesmo tempo, McConnell, que ao longo dos quatro anos de mandato foi um dos braços fortes de Trump no Legislativo, se disse contra a ideia de votar imediatamente um afastamento, ventilada pelo líder da minoria, o democrata Chuck Schumer.
Com isso, nada será votado ou discutido até o fim do recesso da Casa, no dia 20 de janeiro, pouco depois da posse de Biden. Mas a posição do líder republicano, exacerbada pela invasão do Capitólio por apoiadores do presidente no dia 6 de janeiro, passa longe de ser unanimidade na sigla.
Outro dos grandes aliados de Trump, o senador Lindsey Graham, também deu início à própria cruzada, mas dessa vez para evitar uma condenação que poderia enterrar a carreira política de Trump. Entre os itens que podem ser votados está um veto permanente a futuras candidaturas. De acordo com o site Politico, Graham está ligando para colegas senadores e pedindo que se posicionem contra o impeachment de Trump.
“A última coisa que este país precisa é de um julgamento de impeachment de um presidente que está deixando o cargo em uma semana”, afirmou, em declaração publicada na noite de quarta-feira.
Mesmo antes da invasão ao Capitólio, Graham adotou uma posição contrária à tentativa de Trump de derrubar a vitória de Biden no Colégio Eleitoral. Mesmo assim, na terça-feira estava no mesmo avião de Trump durante uma viagem ao Texas para inspecionar parte do muro na fronteira com o México.
Até o momento, cinco senadores republicanos vieram a público defender a saída de Trump, enquanto a maioria preferiu não tecer comentários sobre o processo. Para que ele seja condenado, são necessários 67 votos na Casa, ou seja, 17 deserções republicanas.
Jamais um presidente foi condenado em um processo de impeachment — e Trump provavelmente será o primeiro a ser julgado após o fim do mandato.
Antes de pensar nos cálculos e procedimentos para o segundo julgamento de Trump, resta a dúvida sobre quando o processo vai começar. Frustrando democratas que torciam por uma votação antes do fim do mandato de Trump, McConnell avisou que não vai antecipar o fim do recesso, e o problema vai acabar “estourando” no colo do presidente eleito Joe Biden: depois de iniciado o julgamento, o Senado suspende as votações e sessões ordinárias, incluindo sobre as indicações para cargos no novo governo.
Sem definição
Por isso, Biden fez um pedido para que os senadores encontrem uma forma de votar as pautas caras ao novo governo e, ao mesmo tempo, levar adiante o impeachment. Em outra frente, democratas defendem que a entrega do processo ao Senado pela Câmara seja adiada, dando ao novo presidente certo fôlego em seus primeiros dias.
Uma das responsáveis por fazer a acusação em nome da Câmara no julgamento, a deputada Diana DeGette, revelou que a presidente da Casa, Nancy Pelosi, ainda discute com McConnell quando será dado esse passo protocolar. ‘
Ainda na Câmara, onde Trump foi derrotado por 232 votos a 197, os 10 republicanos que votaram contra ele começam a ver sinais de que poderão sofrer represálias de setores mais radicais do partido. A começar pela número três da sigla na Casa, Liz Cheney, uma das principais vozes pedindo a condenação do presidente.
Parlamentares do chamado Freedom Caucus, que representa uma ala ultraconservadora da sigla, pedem que ela renuncie ao posto de liderança do Partido Republicano na Câmara, e a acusam de não refletir os valores da sigla.
Cheney, filha do ex-vice de George W. Bush, Dick Cheney, afirma acreditar que está do “lado certo da história” e que “não vai a lugar algum”. Ela também recebeu o apoio de outros colegas de partido.
“Não devemos silenciar vozes dissidentes. Essa é uma das razões que nos fizeram chegar aqui hoje, permitir que adeptos da teoria da conspiração QAnon nos liderassem’, afirmou a deputada Nancy Mace, que votou contra o impeachment./ NYT e REUTERS