Rishi Sunak vive numa bolha, e não vai salvar o Reino Unido; leia a análise


Apesar de toda a aparência de calma e competência de Sunak, ele permanece profundamente fora de contato com o país que em breve irá governar

Por Kimi Chaddah

LONDRES - Em março, Rishi Sunak foi fotografado abastecendo um carro em um posto de gasolina em um supermercado. O objetivo, é claro, era a autopromoção: Sunak estava ansioso para anunciar seu papel, como ministro das Finanças, na redução do preço do combustível. Mas a jogada falhou.

O carro, um modesto Kia Rio vermelho, não era dele (pertencia a um funcionário do supermercado). Dentro do supermercado, Sunak ficou ainda mais constrangido ao deixar claro que não tinha ideia de como fazer um pagamento sem contato. Nada melhor do que essa situação para mostrar o distanciamento de Sunak da vida comum da maioria dos britânicos.

Esse descolamento será agora posto à prova. Depois de garantir o apoio de seu partido, Sunak será o primeiro-ministro britânico. Na superfície, ele tem muito a seu favor: o desastroso mandato de 45 dias de Liz Truss provou que seus alertas sobre “contos de fadas” econômicos foram premonitórios; ele tem o apoio da maioria da base parlamentar do Partido Conservador, dividido em facções; e sua ascensão - calcada em sua compreensão da economia - acalmou os mercados financeiros.

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Rishi Sunak é recebido por parlamentares conservadores na sede do partido, em Londres, após ser anunciado como novo líder da legenda na segunda-feira, 24. Foto: Daniel Leal/ AFP

No entanto, apesar de toda a aparência de calma e competência de Sunak, ele permanece profundamente fora de contato com o país que em breve irá governar. Esse país, economicamente estagnado, regionalmente desequilibrado, socialmente sobrecarregado, precisa urgentemente de uma liderança que tenha compaixão. Em Sunak, por convicção um devoto do thatcherismo do Estado pequeno e sem nenhuma preocupação visível com a vida da maioria, é improvável que o Reino Unido tenha essa compaixão.

Os defensores de Sunak apontam para o sucesso da política que ele criou em março de 2020, na qual o governo cobriu até 80% do salário de um funcionário durante a pandemia. No entanto, sua ansiedade para acabar com isso – e seus buracos gritantes, como a exclusão do auxílio de três milhões de trabalhadores autônomos – minam a aparente generosidade.

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Em dois meses, Sunak esboçou planos para sua retirada gradual e, no final do ano, atrasou a extensão da política, o que fez muitos trabalhadores perderem o emprego. Ele estava ansioso para cortar o pequeno aumento no pagamento do auxílio financeiro durante a pandemia, no que foi o maior corte em um benefício de bem-estar social na história britânica, e se irritou com a escala do apoio estatal. Em conversas privadas, ele reclamou que não havia “árvore mágica do dinheiro”.

Ele adotou o mesmo tom avarento ao abordar a crise do aumento do custo de vida. Em março, Sunak prometeu fornecer bilhões de libras em apoio financeiro às famílias durante a crise e aumentar benefícios de acordo com a inflação. Mas essas medidas, aparentemente substanciais, foram fragmentadas.

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Sunak foi amplamente criticado - inclusive dentro de seu próprio partido - por não fazer o suficiente para proteger os mais pobres do país; estima se que, na ausência de um maior apoio, 1,3 milhão de pessoas cairiam na pobreza absoluta. Seus escassos planos para a crise foram consideradas “insuficientes, ineficientes e pouco conservadoras” pelo jornal The Times of London, jornal de tendência conservadora. A crítica define seu mandato como um todo, sempre com uma preocupação seletiva e superficial com os outros.

É um mau momento para o país estar em mãos desapaixonadas. A inflação está acima de 10%. Os padrões de vida diminuíram, com os britânicos prontos para ver a maior queda na renda disponível desde o início dos registros. Pela primeira vez, a demanda pela distribuição de alimentos gratuitos está superando a oferta.

Apagões de energia podem aumentar em janeiro. Em abril, após novos aumentos nas contas, o número de pessoas em situação de pobreza pode chegar a 10,7 milhões. A economia está anêmica, com a maior inflação e a menor taxa de crescimento do Grupo dos 7 países mais ricos do mundo no próximo ano.

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Esses males são resultados de problemas profundos e sistêmicos, com certeza. Mas Sunak é cúmplice de todos eles. Em nenhum momento ele mostrou qualquer interesse significativo em abordar, desafiar ou retificar essas questões. Sua atitude em relação à desigualdade regional, uma das piores de qualquer país desenvolvido, é instrutiva: no cargo, ele se gabou de manipular fórmulas do Tesouro para transferir recursos de “áreas urbanas carentes” para eleitorados mais ricos, independentemente da necessidade. Soa vazia sua promessa de consertar a economia, sobrecarregada por um buraco de 40 bilhões de libras nas finanças públicas e enfrentando condições econômicas globais precárias.

Cenário econômico desfavorável deve pressionar Rishi Sunak desde o primeiro momento de seu governo. Foto: Tolga Akmen/ EFE

Após 12 anos no poder, o Partido Conservador está quase sem ideias. Uma que perdura - equilibrar as contas cortando gastos sociais, transferindo o fardo para as costas das pessoas comuns em vez dos ricos - é algo que Sunak provavelmente defenderá com prazer.

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Afinal, ele está apegado às noções thatcheristas de um Estado pequeno, individualismo e gastos públicos limitados. Essa propensão não é segredo. Durante a eleição pela liderança, vencida por Truss, Sunak escreveu no The Telegraph: “Sou um thatcherista, estou concorrendo como um thatcherista e governarei como um Thatcherista”.

É impossível, é claro, saber exatamente o que Sunak planeja. E não ajuda que ele não tenha dado entrevistas durante a disputa deste mês até depois de tê-la vencido. Mas com base em sua história como ministro e na disputa com Liz Truss, é justo supor que, em nome da retidão fiscal, ele vai frear os gastos públicos e cortar as proteções sociais.

Quem sabe se tal abordagem, entregue com competência e ar de seriedade, ressuscitará as fortunas eleitorais do Partido Conservador. Mas no início de seu mandato, uma coisa parece garantida: Sunak, o salvador do Partido Conservador, não salvará o país.

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* Chaddah é jornalista e escreve sobre a política e a cultura do Reino Unido

LONDRES - Em março, Rishi Sunak foi fotografado abastecendo um carro em um posto de gasolina em um supermercado. O objetivo, é claro, era a autopromoção: Sunak estava ansioso para anunciar seu papel, como ministro das Finanças, na redução do preço do combustível. Mas a jogada falhou.

O carro, um modesto Kia Rio vermelho, não era dele (pertencia a um funcionário do supermercado). Dentro do supermercado, Sunak ficou ainda mais constrangido ao deixar claro que não tinha ideia de como fazer um pagamento sem contato. Nada melhor do que essa situação para mostrar o distanciamento de Sunak da vida comum da maioria dos britânicos.

Esse descolamento será agora posto à prova. Depois de garantir o apoio de seu partido, Sunak será o primeiro-ministro britânico. Na superfície, ele tem muito a seu favor: o desastroso mandato de 45 dias de Liz Truss provou que seus alertas sobre “contos de fadas” econômicos foram premonitórios; ele tem o apoio da maioria da base parlamentar do Partido Conservador, dividido em facções; e sua ascensão - calcada em sua compreensão da economia - acalmou os mercados financeiros.

Rishi Sunak é recebido por parlamentares conservadores na sede do partido, em Londres, após ser anunciado como novo líder da legenda na segunda-feira, 24. Foto: Daniel Leal/ AFP

No entanto, apesar de toda a aparência de calma e competência de Sunak, ele permanece profundamente fora de contato com o país que em breve irá governar. Esse país, economicamente estagnado, regionalmente desequilibrado, socialmente sobrecarregado, precisa urgentemente de uma liderança que tenha compaixão. Em Sunak, por convicção um devoto do thatcherismo do Estado pequeno e sem nenhuma preocupação visível com a vida da maioria, é improvável que o Reino Unido tenha essa compaixão.

Os defensores de Sunak apontam para o sucesso da política que ele criou em março de 2020, na qual o governo cobriu até 80% do salário de um funcionário durante a pandemia. No entanto, sua ansiedade para acabar com isso – e seus buracos gritantes, como a exclusão do auxílio de três milhões de trabalhadores autônomos – minam a aparente generosidade.

Em dois meses, Sunak esboçou planos para sua retirada gradual e, no final do ano, atrasou a extensão da política, o que fez muitos trabalhadores perderem o emprego. Ele estava ansioso para cortar o pequeno aumento no pagamento do auxílio financeiro durante a pandemia, no que foi o maior corte em um benefício de bem-estar social na história britânica, e se irritou com a escala do apoio estatal. Em conversas privadas, ele reclamou que não havia “árvore mágica do dinheiro”.

Ele adotou o mesmo tom avarento ao abordar a crise do aumento do custo de vida. Em março, Sunak prometeu fornecer bilhões de libras em apoio financeiro às famílias durante a crise e aumentar benefícios de acordo com a inflação. Mas essas medidas, aparentemente substanciais, foram fragmentadas.

Sunak foi amplamente criticado - inclusive dentro de seu próprio partido - por não fazer o suficiente para proteger os mais pobres do país; estima se que, na ausência de um maior apoio, 1,3 milhão de pessoas cairiam na pobreza absoluta. Seus escassos planos para a crise foram consideradas “insuficientes, ineficientes e pouco conservadoras” pelo jornal The Times of London, jornal de tendência conservadora. A crítica define seu mandato como um todo, sempre com uma preocupação seletiva e superficial com os outros.

É um mau momento para o país estar em mãos desapaixonadas. A inflação está acima de 10%. Os padrões de vida diminuíram, com os britânicos prontos para ver a maior queda na renda disponível desde o início dos registros. Pela primeira vez, a demanda pela distribuição de alimentos gratuitos está superando a oferta.

Apagões de energia podem aumentar em janeiro. Em abril, após novos aumentos nas contas, o número de pessoas em situação de pobreza pode chegar a 10,7 milhões. A economia está anêmica, com a maior inflação e a menor taxa de crescimento do Grupo dos 7 países mais ricos do mundo no próximo ano.

Esses males são resultados de problemas profundos e sistêmicos, com certeza. Mas Sunak é cúmplice de todos eles. Em nenhum momento ele mostrou qualquer interesse significativo em abordar, desafiar ou retificar essas questões. Sua atitude em relação à desigualdade regional, uma das piores de qualquer país desenvolvido, é instrutiva: no cargo, ele se gabou de manipular fórmulas do Tesouro para transferir recursos de “áreas urbanas carentes” para eleitorados mais ricos, independentemente da necessidade. Soa vazia sua promessa de consertar a economia, sobrecarregada por um buraco de 40 bilhões de libras nas finanças públicas e enfrentando condições econômicas globais precárias.

Cenário econômico desfavorável deve pressionar Rishi Sunak desde o primeiro momento de seu governo. Foto: Tolga Akmen/ EFE

Após 12 anos no poder, o Partido Conservador está quase sem ideias. Uma que perdura - equilibrar as contas cortando gastos sociais, transferindo o fardo para as costas das pessoas comuns em vez dos ricos - é algo que Sunak provavelmente defenderá com prazer.

Afinal, ele está apegado às noções thatcheristas de um Estado pequeno, individualismo e gastos públicos limitados. Essa propensão não é segredo. Durante a eleição pela liderança, vencida por Truss, Sunak escreveu no The Telegraph: “Sou um thatcherista, estou concorrendo como um thatcherista e governarei como um Thatcherista”.

É impossível, é claro, saber exatamente o que Sunak planeja. E não ajuda que ele não tenha dado entrevistas durante a disputa deste mês até depois de tê-la vencido. Mas com base em sua história como ministro e na disputa com Liz Truss, é justo supor que, em nome da retidão fiscal, ele vai frear os gastos públicos e cortar as proteções sociais.

Quem sabe se tal abordagem, entregue com competência e ar de seriedade, ressuscitará as fortunas eleitorais do Partido Conservador. Mas no início de seu mandato, uma coisa parece garantida: Sunak, o salvador do Partido Conservador, não salvará o país.

* Chaddah é jornalista e escreve sobre a política e a cultura do Reino Unido

LONDRES - Em março, Rishi Sunak foi fotografado abastecendo um carro em um posto de gasolina em um supermercado. O objetivo, é claro, era a autopromoção: Sunak estava ansioso para anunciar seu papel, como ministro das Finanças, na redução do preço do combustível. Mas a jogada falhou.

O carro, um modesto Kia Rio vermelho, não era dele (pertencia a um funcionário do supermercado). Dentro do supermercado, Sunak ficou ainda mais constrangido ao deixar claro que não tinha ideia de como fazer um pagamento sem contato. Nada melhor do que essa situação para mostrar o distanciamento de Sunak da vida comum da maioria dos britânicos.

Esse descolamento será agora posto à prova. Depois de garantir o apoio de seu partido, Sunak será o primeiro-ministro britânico. Na superfície, ele tem muito a seu favor: o desastroso mandato de 45 dias de Liz Truss provou que seus alertas sobre “contos de fadas” econômicos foram premonitórios; ele tem o apoio da maioria da base parlamentar do Partido Conservador, dividido em facções; e sua ascensão - calcada em sua compreensão da economia - acalmou os mercados financeiros.

Rishi Sunak é recebido por parlamentares conservadores na sede do partido, em Londres, após ser anunciado como novo líder da legenda na segunda-feira, 24. Foto: Daniel Leal/ AFP

No entanto, apesar de toda a aparência de calma e competência de Sunak, ele permanece profundamente fora de contato com o país que em breve irá governar. Esse país, economicamente estagnado, regionalmente desequilibrado, socialmente sobrecarregado, precisa urgentemente de uma liderança que tenha compaixão. Em Sunak, por convicção um devoto do thatcherismo do Estado pequeno e sem nenhuma preocupação visível com a vida da maioria, é improvável que o Reino Unido tenha essa compaixão.

Os defensores de Sunak apontam para o sucesso da política que ele criou em março de 2020, na qual o governo cobriu até 80% do salário de um funcionário durante a pandemia. No entanto, sua ansiedade para acabar com isso – e seus buracos gritantes, como a exclusão do auxílio de três milhões de trabalhadores autônomos – minam a aparente generosidade.

Em dois meses, Sunak esboçou planos para sua retirada gradual e, no final do ano, atrasou a extensão da política, o que fez muitos trabalhadores perderem o emprego. Ele estava ansioso para cortar o pequeno aumento no pagamento do auxílio financeiro durante a pandemia, no que foi o maior corte em um benefício de bem-estar social na história britânica, e se irritou com a escala do apoio estatal. Em conversas privadas, ele reclamou que não havia “árvore mágica do dinheiro”.

Ele adotou o mesmo tom avarento ao abordar a crise do aumento do custo de vida. Em março, Sunak prometeu fornecer bilhões de libras em apoio financeiro às famílias durante a crise e aumentar benefícios de acordo com a inflação. Mas essas medidas, aparentemente substanciais, foram fragmentadas.

Sunak foi amplamente criticado - inclusive dentro de seu próprio partido - por não fazer o suficiente para proteger os mais pobres do país; estima se que, na ausência de um maior apoio, 1,3 milhão de pessoas cairiam na pobreza absoluta. Seus escassos planos para a crise foram consideradas “insuficientes, ineficientes e pouco conservadoras” pelo jornal The Times of London, jornal de tendência conservadora. A crítica define seu mandato como um todo, sempre com uma preocupação seletiva e superficial com os outros.

É um mau momento para o país estar em mãos desapaixonadas. A inflação está acima de 10%. Os padrões de vida diminuíram, com os britânicos prontos para ver a maior queda na renda disponível desde o início dos registros. Pela primeira vez, a demanda pela distribuição de alimentos gratuitos está superando a oferta.

Apagões de energia podem aumentar em janeiro. Em abril, após novos aumentos nas contas, o número de pessoas em situação de pobreza pode chegar a 10,7 milhões. A economia está anêmica, com a maior inflação e a menor taxa de crescimento do Grupo dos 7 países mais ricos do mundo no próximo ano.

Esses males são resultados de problemas profundos e sistêmicos, com certeza. Mas Sunak é cúmplice de todos eles. Em nenhum momento ele mostrou qualquer interesse significativo em abordar, desafiar ou retificar essas questões. Sua atitude em relação à desigualdade regional, uma das piores de qualquer país desenvolvido, é instrutiva: no cargo, ele se gabou de manipular fórmulas do Tesouro para transferir recursos de “áreas urbanas carentes” para eleitorados mais ricos, independentemente da necessidade. Soa vazia sua promessa de consertar a economia, sobrecarregada por um buraco de 40 bilhões de libras nas finanças públicas e enfrentando condições econômicas globais precárias.

Cenário econômico desfavorável deve pressionar Rishi Sunak desde o primeiro momento de seu governo. Foto: Tolga Akmen/ EFE

Após 12 anos no poder, o Partido Conservador está quase sem ideias. Uma que perdura - equilibrar as contas cortando gastos sociais, transferindo o fardo para as costas das pessoas comuns em vez dos ricos - é algo que Sunak provavelmente defenderá com prazer.

Afinal, ele está apegado às noções thatcheristas de um Estado pequeno, individualismo e gastos públicos limitados. Essa propensão não é segredo. Durante a eleição pela liderança, vencida por Truss, Sunak escreveu no The Telegraph: “Sou um thatcherista, estou concorrendo como um thatcherista e governarei como um Thatcherista”.

É impossível, é claro, saber exatamente o que Sunak planeja. E não ajuda que ele não tenha dado entrevistas durante a disputa deste mês até depois de tê-la vencido. Mas com base em sua história como ministro e na disputa com Liz Truss, é justo supor que, em nome da retidão fiscal, ele vai frear os gastos públicos e cortar as proteções sociais.

Quem sabe se tal abordagem, entregue com competência e ar de seriedade, ressuscitará as fortunas eleitorais do Partido Conservador. Mas no início de seu mandato, uma coisa parece garantida: Sunak, o salvador do Partido Conservador, não salvará o país.

* Chaddah é jornalista e escreve sobre a política e a cultura do Reino Unido

LONDRES - Em março, Rishi Sunak foi fotografado abastecendo um carro em um posto de gasolina em um supermercado. O objetivo, é claro, era a autopromoção: Sunak estava ansioso para anunciar seu papel, como ministro das Finanças, na redução do preço do combustível. Mas a jogada falhou.

O carro, um modesto Kia Rio vermelho, não era dele (pertencia a um funcionário do supermercado). Dentro do supermercado, Sunak ficou ainda mais constrangido ao deixar claro que não tinha ideia de como fazer um pagamento sem contato. Nada melhor do que essa situação para mostrar o distanciamento de Sunak da vida comum da maioria dos britânicos.

Esse descolamento será agora posto à prova. Depois de garantir o apoio de seu partido, Sunak será o primeiro-ministro britânico. Na superfície, ele tem muito a seu favor: o desastroso mandato de 45 dias de Liz Truss provou que seus alertas sobre “contos de fadas” econômicos foram premonitórios; ele tem o apoio da maioria da base parlamentar do Partido Conservador, dividido em facções; e sua ascensão - calcada em sua compreensão da economia - acalmou os mercados financeiros.

Rishi Sunak é recebido por parlamentares conservadores na sede do partido, em Londres, após ser anunciado como novo líder da legenda na segunda-feira, 24. Foto: Daniel Leal/ AFP

No entanto, apesar de toda a aparência de calma e competência de Sunak, ele permanece profundamente fora de contato com o país que em breve irá governar. Esse país, economicamente estagnado, regionalmente desequilibrado, socialmente sobrecarregado, precisa urgentemente de uma liderança que tenha compaixão. Em Sunak, por convicção um devoto do thatcherismo do Estado pequeno e sem nenhuma preocupação visível com a vida da maioria, é improvável que o Reino Unido tenha essa compaixão.

Os defensores de Sunak apontam para o sucesso da política que ele criou em março de 2020, na qual o governo cobriu até 80% do salário de um funcionário durante a pandemia. No entanto, sua ansiedade para acabar com isso – e seus buracos gritantes, como a exclusão do auxílio de três milhões de trabalhadores autônomos – minam a aparente generosidade.

Em dois meses, Sunak esboçou planos para sua retirada gradual e, no final do ano, atrasou a extensão da política, o que fez muitos trabalhadores perderem o emprego. Ele estava ansioso para cortar o pequeno aumento no pagamento do auxílio financeiro durante a pandemia, no que foi o maior corte em um benefício de bem-estar social na história britânica, e se irritou com a escala do apoio estatal. Em conversas privadas, ele reclamou que não havia “árvore mágica do dinheiro”.

Ele adotou o mesmo tom avarento ao abordar a crise do aumento do custo de vida. Em março, Sunak prometeu fornecer bilhões de libras em apoio financeiro às famílias durante a crise e aumentar benefícios de acordo com a inflação. Mas essas medidas, aparentemente substanciais, foram fragmentadas.

Sunak foi amplamente criticado - inclusive dentro de seu próprio partido - por não fazer o suficiente para proteger os mais pobres do país; estima se que, na ausência de um maior apoio, 1,3 milhão de pessoas cairiam na pobreza absoluta. Seus escassos planos para a crise foram consideradas “insuficientes, ineficientes e pouco conservadoras” pelo jornal The Times of London, jornal de tendência conservadora. A crítica define seu mandato como um todo, sempre com uma preocupação seletiva e superficial com os outros.

É um mau momento para o país estar em mãos desapaixonadas. A inflação está acima de 10%. Os padrões de vida diminuíram, com os britânicos prontos para ver a maior queda na renda disponível desde o início dos registros. Pela primeira vez, a demanda pela distribuição de alimentos gratuitos está superando a oferta.

Apagões de energia podem aumentar em janeiro. Em abril, após novos aumentos nas contas, o número de pessoas em situação de pobreza pode chegar a 10,7 milhões. A economia está anêmica, com a maior inflação e a menor taxa de crescimento do Grupo dos 7 países mais ricos do mundo no próximo ano.

Esses males são resultados de problemas profundos e sistêmicos, com certeza. Mas Sunak é cúmplice de todos eles. Em nenhum momento ele mostrou qualquer interesse significativo em abordar, desafiar ou retificar essas questões. Sua atitude em relação à desigualdade regional, uma das piores de qualquer país desenvolvido, é instrutiva: no cargo, ele se gabou de manipular fórmulas do Tesouro para transferir recursos de “áreas urbanas carentes” para eleitorados mais ricos, independentemente da necessidade. Soa vazia sua promessa de consertar a economia, sobrecarregada por um buraco de 40 bilhões de libras nas finanças públicas e enfrentando condições econômicas globais precárias.

Cenário econômico desfavorável deve pressionar Rishi Sunak desde o primeiro momento de seu governo. Foto: Tolga Akmen/ EFE

Após 12 anos no poder, o Partido Conservador está quase sem ideias. Uma que perdura - equilibrar as contas cortando gastos sociais, transferindo o fardo para as costas das pessoas comuns em vez dos ricos - é algo que Sunak provavelmente defenderá com prazer.

Afinal, ele está apegado às noções thatcheristas de um Estado pequeno, individualismo e gastos públicos limitados. Essa propensão não é segredo. Durante a eleição pela liderança, vencida por Truss, Sunak escreveu no The Telegraph: “Sou um thatcherista, estou concorrendo como um thatcherista e governarei como um Thatcherista”.

É impossível, é claro, saber exatamente o que Sunak planeja. E não ajuda que ele não tenha dado entrevistas durante a disputa deste mês até depois de tê-la vencido. Mas com base em sua história como ministro e na disputa com Liz Truss, é justo supor que, em nome da retidão fiscal, ele vai frear os gastos públicos e cortar as proteções sociais.

Quem sabe se tal abordagem, entregue com competência e ar de seriedade, ressuscitará as fortunas eleitorais do Partido Conservador. Mas no início de seu mandato, uma coisa parece garantida: Sunak, o salvador do Partido Conservador, não salvará o país.

* Chaddah é jornalista e escreve sobre a política e a cultura do Reino Unido

LONDRES - Em março, Rishi Sunak foi fotografado abastecendo um carro em um posto de gasolina em um supermercado. O objetivo, é claro, era a autopromoção: Sunak estava ansioso para anunciar seu papel, como ministro das Finanças, na redução do preço do combustível. Mas a jogada falhou.

O carro, um modesto Kia Rio vermelho, não era dele (pertencia a um funcionário do supermercado). Dentro do supermercado, Sunak ficou ainda mais constrangido ao deixar claro que não tinha ideia de como fazer um pagamento sem contato. Nada melhor do que essa situação para mostrar o distanciamento de Sunak da vida comum da maioria dos britânicos.

Esse descolamento será agora posto à prova. Depois de garantir o apoio de seu partido, Sunak será o primeiro-ministro britânico. Na superfície, ele tem muito a seu favor: o desastroso mandato de 45 dias de Liz Truss provou que seus alertas sobre “contos de fadas” econômicos foram premonitórios; ele tem o apoio da maioria da base parlamentar do Partido Conservador, dividido em facções; e sua ascensão - calcada em sua compreensão da economia - acalmou os mercados financeiros.

Rishi Sunak é recebido por parlamentares conservadores na sede do partido, em Londres, após ser anunciado como novo líder da legenda na segunda-feira, 24. Foto: Daniel Leal/ AFP

No entanto, apesar de toda a aparência de calma e competência de Sunak, ele permanece profundamente fora de contato com o país que em breve irá governar. Esse país, economicamente estagnado, regionalmente desequilibrado, socialmente sobrecarregado, precisa urgentemente de uma liderança que tenha compaixão. Em Sunak, por convicção um devoto do thatcherismo do Estado pequeno e sem nenhuma preocupação visível com a vida da maioria, é improvável que o Reino Unido tenha essa compaixão.

Os defensores de Sunak apontam para o sucesso da política que ele criou em março de 2020, na qual o governo cobriu até 80% do salário de um funcionário durante a pandemia. No entanto, sua ansiedade para acabar com isso – e seus buracos gritantes, como a exclusão do auxílio de três milhões de trabalhadores autônomos – minam a aparente generosidade.

Em dois meses, Sunak esboçou planos para sua retirada gradual e, no final do ano, atrasou a extensão da política, o que fez muitos trabalhadores perderem o emprego. Ele estava ansioso para cortar o pequeno aumento no pagamento do auxílio financeiro durante a pandemia, no que foi o maior corte em um benefício de bem-estar social na história britânica, e se irritou com a escala do apoio estatal. Em conversas privadas, ele reclamou que não havia “árvore mágica do dinheiro”.

Ele adotou o mesmo tom avarento ao abordar a crise do aumento do custo de vida. Em março, Sunak prometeu fornecer bilhões de libras em apoio financeiro às famílias durante a crise e aumentar benefícios de acordo com a inflação. Mas essas medidas, aparentemente substanciais, foram fragmentadas.

Sunak foi amplamente criticado - inclusive dentro de seu próprio partido - por não fazer o suficiente para proteger os mais pobres do país; estima se que, na ausência de um maior apoio, 1,3 milhão de pessoas cairiam na pobreza absoluta. Seus escassos planos para a crise foram consideradas “insuficientes, ineficientes e pouco conservadoras” pelo jornal The Times of London, jornal de tendência conservadora. A crítica define seu mandato como um todo, sempre com uma preocupação seletiva e superficial com os outros.

É um mau momento para o país estar em mãos desapaixonadas. A inflação está acima de 10%. Os padrões de vida diminuíram, com os britânicos prontos para ver a maior queda na renda disponível desde o início dos registros. Pela primeira vez, a demanda pela distribuição de alimentos gratuitos está superando a oferta.

Apagões de energia podem aumentar em janeiro. Em abril, após novos aumentos nas contas, o número de pessoas em situação de pobreza pode chegar a 10,7 milhões. A economia está anêmica, com a maior inflação e a menor taxa de crescimento do Grupo dos 7 países mais ricos do mundo no próximo ano.

Esses males são resultados de problemas profundos e sistêmicos, com certeza. Mas Sunak é cúmplice de todos eles. Em nenhum momento ele mostrou qualquer interesse significativo em abordar, desafiar ou retificar essas questões. Sua atitude em relação à desigualdade regional, uma das piores de qualquer país desenvolvido, é instrutiva: no cargo, ele se gabou de manipular fórmulas do Tesouro para transferir recursos de “áreas urbanas carentes” para eleitorados mais ricos, independentemente da necessidade. Soa vazia sua promessa de consertar a economia, sobrecarregada por um buraco de 40 bilhões de libras nas finanças públicas e enfrentando condições econômicas globais precárias.

Cenário econômico desfavorável deve pressionar Rishi Sunak desde o primeiro momento de seu governo. Foto: Tolga Akmen/ EFE

Após 12 anos no poder, o Partido Conservador está quase sem ideias. Uma que perdura - equilibrar as contas cortando gastos sociais, transferindo o fardo para as costas das pessoas comuns em vez dos ricos - é algo que Sunak provavelmente defenderá com prazer.

Afinal, ele está apegado às noções thatcheristas de um Estado pequeno, individualismo e gastos públicos limitados. Essa propensão não é segredo. Durante a eleição pela liderança, vencida por Truss, Sunak escreveu no The Telegraph: “Sou um thatcherista, estou concorrendo como um thatcherista e governarei como um Thatcherista”.

É impossível, é claro, saber exatamente o que Sunak planeja. E não ajuda que ele não tenha dado entrevistas durante a disputa deste mês até depois de tê-la vencido. Mas com base em sua história como ministro e na disputa com Liz Truss, é justo supor que, em nome da retidão fiscal, ele vai frear os gastos públicos e cortar as proteções sociais.

Quem sabe se tal abordagem, entregue com competência e ar de seriedade, ressuscitará as fortunas eleitorais do Partido Conservador. Mas no início de seu mandato, uma coisa parece garantida: Sunak, o salvador do Partido Conservador, não salvará o país.

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