Rixa entre Ucrânia e Polônia que ameaça apoio na guerra envolve grãos e disputa eleitoral polonesa


Importação de grãos ucranianos na Polônia aumentou após invasão russa na Ucrânia e saturou mercado polonês

Por Loveday Morris e Annabelle Chapman

ROGOW, Polônia — Há tantos grãos na fazenda de Wieslaw Gryn, no leste da Polônia, a fazenda que sua família administrou por dois séculos, que o trigo transborda do celeiro. “Não há espaço nos silos”, afirmou Gryn, de 65 anos, enquanto tampava uma das torres de metal repletas de grãos colhidos nos campos que se estendem até a fronteira com a Ucrânia. “Cheios”, afirmou ele, “todos cheios”.

Por toda a região agrícola, alguns fazendeiros, assim como Gryn, afirmam estar com dificuldades de vender seus grãos a preços capazes de cobrir os custos, o que ocasiona silos e armazéns transbordantes. Eles colocam a culpa de suas agruras em parte no fluxo de grãos ucranianos à Europa no ano passado: a União Europeia deu luz verde às importações para ajudar Kiev a contornar o bloqueio russo.

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O movimento, que levou grãos ucranianos baratos ao mercado europeu, provocou uma saturação na Polônia e fez os preços locais despencarem, enfurecendo os fazendeiros. Apaziguá-los é prioridade do partido Lei e Justiça na campanha para as eleições de 15 de outubro, mesmo que isso arrisque impingir um dano duradouro à aliança com a Ucrânia.

Imagem mostra o polonês Wieslaw Gryn, proprietário de uma fazenda de grãos. Importações de grãos da Ucrânia para a Polônia tem enfurecido fazendeiros do país Foto: Karolina Jonderko/Washington Post

O partido de direita populista, que chegou ao poder oito anos atrás, está derramando bilhões em subsídios e, de forma controvertida, fazendo vigorar um embargo europeu expirado sobre trigo, milho, colza e sementes de girassol. Especialistas afirmam que a querela a respeito dos grãos poderia ser sinal de mais fricção adiante, conforme os fazendeiros europeus sentirem-se ameaçados pelas vastas fazendas da Ucrânia.

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“Nós estamos fechando as fronteiras para defender o fazendeiro polonês, porque defender os interesses do fazendeiro polonês é o nosso imperativo mais importante”, afirmou o primeiro-ministro da Polônia, Mateusz Morawiecki, durante um evento de campanha em Tomaszow Lubelski, 40 quilômetros ao sul da fazenda de Gryn, na Província de Lublin, no leste do país, anteriormente este mês.

A Ucrânia é um dos países que mais produz trigo no mundo, exportando cerca de 20 milhões de toneladas métricas anualmente antes da guerra de acordo com a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura. Essa quantidade é equivalente a mais de um terço das exportações totais de grãos da UE e também faz as 4 milhões de toneladas métricas exportadas anualmente pela Polônia parecer pouco.

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A disputa ameaça pôr fim à boa vontade que Varsóvia construiu em relação a Kiev desde que a Rússia lançou sua invasão, em 2022. A Polônia tem sido apoiadora convicta da Ucrânia em face à agressão russa e abrigou cerca de 1,4 milhão de refugiados ucranianos.

O presidente da Ucrânia, Volodmir Zelenski, sugeriu que a Polônia está criando um “teatro político” em relação ao tema dos grãos e jogando a favor da Rússia. Na semana passada, Kiev afirmou que estava abrindo uma queixa contra Varsóvia na Organização Mundial do Comércio, enfurecendo ainda mais o governo polonês.

Mas há muito em jogo domesticamente para o partido Lei e Justiça, que também tem se posicionado como defensor dos valores tradicionais da família cristã. E os vilarejos que pontuam os campos sulcados nas proximidades da fazenda de Gryn, de 900 hectares, poderiam ser determinantes para sua vitória nas urnas.

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Imagem exibe cartazes eleitorais em Krasniczyn, na Polônia. Disputa que acontece em outubro alterou relações do país com a Ucrânia Foto: Karolina Jonderko/Washington Post

Com a campanha em ritmo total, anúncios do Lei e Justiça cobrem as cercas das casas e dominam painéis publicitários nesta região rural da Polônia. Nacionalmente, a coalizão liderada pelo partido figura com 35% da preferência do eleitorado, o que não lhe conferiria os 231 assentos necessários no Parlamento para formar governo, de acordo com uma sondagem do Instituto de Pesquisas Mercadológicas e Sociais (IBRiS) para o website polonês de notícias Onet. O bloco opositor de centro-direita conhecido como Plataforma Cívica registrou 26% na mesma pesquisa, e o partido Confederação, de extrema direita, concentrou 10% das intenções. Isso possivelmente daria à Confederação, que se recusa a entrar em uma coalizão com qualquer partido grande, o poder de frustrar negociações para um novo governo.

Analistas afirmam que, para o Lei e Justiça, reter os eleitores rurais do leste que votaram esmagadoramente no partido em 2019 é crucial para conquistar o terceiro mandato.

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“Vencer nesses distritos é a coisa mais importante para eles terem qualquer chance de manter o poder em nível nacional”, afirmou Maciej Onasz, professor-assistente da Universidade de Lodz especialista em comportamento eleitoral. “Eles não têm de colocar foco sobre as grandes cidades, não têm de colocar foco sobre o Ocidente; eles estão lutando por pessoas do leste que votaram neles nas últimas eleições.”

E num país com 1,4 milhão de fazendas, o recente caos no mercado de grãos é frontal e central na mente das pessoas.

O atual banimento é “irracional”, afirmou o ex-vice-ministro da Agricultura Jerzy Plewa. Desde que ele foi introduzido, os preços dos cereais caíram ainda mais porque acompanham mercados internacionais em que os preços foram influenciados por colheitas extraordinariamente abundantes, afirmou ele. Especialistas afirmam que o mercado de grãos em grande medida se estabilizou, mesmo que alguns agricultores possam estar com dificuldades em vender com lucro.

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Imagem mostra o polonês Stanislaw Panko em sua plantação em Hrubieszow Foto: Karolina Jonderko/Washington Post

“Estão prometendo protegê-los dos grãos ucranianos, mas essa promessa é vazia”, afirmou ele. Ainda assim, ela está ajudando a manter os fazendeiros longe das ruas. No escritório de administração da fazenda de grãos da sua família, Gryn deu risada enquanto assistia a um vídeo gravado este ano em que centenas de fazendeiros cercaram o então ministro da Agricultura, Henryk Kowalczyk, em uma feira comercial.

Gryn, eleitor da opositora Plataforma Cívica, ainda considera que o governo não está lidando com problemas a longo prazo nem com a ampliação de portos e ferrovias necessária para aumentar as exportações. Mas no momento não há protestos.

A disputa na indústria dos grãos ocorre em um cenário de fricções crescentes com a Ucrânia, mesmo que autoridades polonesas afirmem que a aliança fundamental permanece forte. O cansaço com a guerra e a inflação galopante deram impulso à Confederação, fazendo o Lei e Justiça adotar uma retórica mais “Polônia em primeiro lugar”, de acordo com analistas.

A Confederação expressou uma posição mais dura em relação à Ucrânia, pedindo o fim do apoio financeiro aos refugiados e questionando abertamente se a Polônia deve ou não mandar tanta ajuda militar para Kiev.

O Lei e Justiça “percebe que alguns de seus eleitores estão céticos a respeito da ajuda polonesa e quer esses eleitores de volta”, afirmou Onasz.

Ponto de venda de grãos em Kosmow, na Polônia Foto: Karolina Jonderko/Washington Post

Mas alguns dizem temer que essa retórica cause um dano duradouro à relação com a Ucrânia. Os países já compartilham uma história amarga e complexa — e em meses recentes, o volume das exigências da Polônia por um pedido de desculpas da Ucrânia em razão de um massacre de aproximadamente 100 mil poloneses da época da 2.ª Guerra, aumentou.

“Mais de um ano atrás, nós convidamos 1 milhão de ucranianos para entrar, nós abrimos nossos corações, nós criamos uma amizade”, afirmou Dariusz Szymczycha, vice-presidente da Câmara de Comércio Polônia-Ucrânia. “Mas agora nós estamos mandando sinais negativos, com egoísmo polonês, e isso poderia destruir algo.”

A discussão política acalorada pode acabar após as eleições, porém mais diplomacia será necessária para suavizar a entrada de um peso-pesado agrícola como a Ucrânia no mercado europeu, afirmam especialistas.

De acordo com Plewa é de interesse da Polônia a Ucrânia ser integrada à UE o mais rapidamente possível. Atualmente a Ucrânia pode vender seus grãos sem tarifas para grande parte do mercado europeu, afirmou ele, mas não é sujeita às mesmas regulações em relação a pesticidas, antibióticos, fertilizantes e bem-estar animal que a Polônia — o que significa que o custo dos fazendeiros ucranianos é menor que o dos poloneses. Fazendeiros em outros setores já reclamam.

Em uma fazenda de grãos próxima à fronteira ucraniana, Ewa Belina-Wawryk, que concorre ao Parlamento na lista da Plataforma Cívica, afirmou que as simpatias em relação à Ucrânia estão mudando. Belina-Wawryk também é fazendeira — e quer negociações imediatas entre Polônia, Ucrânia e UE a respeito de agricultura.

Se isso não ocorrer, afirmou ela, “a Polônia estará navegando na direção de um iceberg”. /TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

ROGOW, Polônia — Há tantos grãos na fazenda de Wieslaw Gryn, no leste da Polônia, a fazenda que sua família administrou por dois séculos, que o trigo transborda do celeiro. “Não há espaço nos silos”, afirmou Gryn, de 65 anos, enquanto tampava uma das torres de metal repletas de grãos colhidos nos campos que se estendem até a fronteira com a Ucrânia. “Cheios”, afirmou ele, “todos cheios”.

Por toda a região agrícola, alguns fazendeiros, assim como Gryn, afirmam estar com dificuldades de vender seus grãos a preços capazes de cobrir os custos, o que ocasiona silos e armazéns transbordantes. Eles colocam a culpa de suas agruras em parte no fluxo de grãos ucranianos à Europa no ano passado: a União Europeia deu luz verde às importações para ajudar Kiev a contornar o bloqueio russo.

O movimento, que levou grãos ucranianos baratos ao mercado europeu, provocou uma saturação na Polônia e fez os preços locais despencarem, enfurecendo os fazendeiros. Apaziguá-los é prioridade do partido Lei e Justiça na campanha para as eleições de 15 de outubro, mesmo que isso arrisque impingir um dano duradouro à aliança com a Ucrânia.

Imagem mostra o polonês Wieslaw Gryn, proprietário de uma fazenda de grãos. Importações de grãos da Ucrânia para a Polônia tem enfurecido fazendeiros do país Foto: Karolina Jonderko/Washington Post

O partido de direita populista, que chegou ao poder oito anos atrás, está derramando bilhões em subsídios e, de forma controvertida, fazendo vigorar um embargo europeu expirado sobre trigo, milho, colza e sementes de girassol. Especialistas afirmam que a querela a respeito dos grãos poderia ser sinal de mais fricção adiante, conforme os fazendeiros europeus sentirem-se ameaçados pelas vastas fazendas da Ucrânia.

“Nós estamos fechando as fronteiras para defender o fazendeiro polonês, porque defender os interesses do fazendeiro polonês é o nosso imperativo mais importante”, afirmou o primeiro-ministro da Polônia, Mateusz Morawiecki, durante um evento de campanha em Tomaszow Lubelski, 40 quilômetros ao sul da fazenda de Gryn, na Província de Lublin, no leste do país, anteriormente este mês.

A Ucrânia é um dos países que mais produz trigo no mundo, exportando cerca de 20 milhões de toneladas métricas anualmente antes da guerra de acordo com a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura. Essa quantidade é equivalente a mais de um terço das exportações totais de grãos da UE e também faz as 4 milhões de toneladas métricas exportadas anualmente pela Polônia parecer pouco.

A disputa ameaça pôr fim à boa vontade que Varsóvia construiu em relação a Kiev desde que a Rússia lançou sua invasão, em 2022. A Polônia tem sido apoiadora convicta da Ucrânia em face à agressão russa e abrigou cerca de 1,4 milhão de refugiados ucranianos.

O presidente da Ucrânia, Volodmir Zelenski, sugeriu que a Polônia está criando um “teatro político” em relação ao tema dos grãos e jogando a favor da Rússia. Na semana passada, Kiev afirmou que estava abrindo uma queixa contra Varsóvia na Organização Mundial do Comércio, enfurecendo ainda mais o governo polonês.

Mas há muito em jogo domesticamente para o partido Lei e Justiça, que também tem se posicionado como defensor dos valores tradicionais da família cristã. E os vilarejos que pontuam os campos sulcados nas proximidades da fazenda de Gryn, de 900 hectares, poderiam ser determinantes para sua vitória nas urnas.

Imagem exibe cartazes eleitorais em Krasniczyn, na Polônia. Disputa que acontece em outubro alterou relações do país com a Ucrânia Foto: Karolina Jonderko/Washington Post

Com a campanha em ritmo total, anúncios do Lei e Justiça cobrem as cercas das casas e dominam painéis publicitários nesta região rural da Polônia. Nacionalmente, a coalizão liderada pelo partido figura com 35% da preferência do eleitorado, o que não lhe conferiria os 231 assentos necessários no Parlamento para formar governo, de acordo com uma sondagem do Instituto de Pesquisas Mercadológicas e Sociais (IBRiS) para o website polonês de notícias Onet. O bloco opositor de centro-direita conhecido como Plataforma Cívica registrou 26% na mesma pesquisa, e o partido Confederação, de extrema direita, concentrou 10% das intenções. Isso possivelmente daria à Confederação, que se recusa a entrar em uma coalizão com qualquer partido grande, o poder de frustrar negociações para um novo governo.

Analistas afirmam que, para o Lei e Justiça, reter os eleitores rurais do leste que votaram esmagadoramente no partido em 2019 é crucial para conquistar o terceiro mandato.

“Vencer nesses distritos é a coisa mais importante para eles terem qualquer chance de manter o poder em nível nacional”, afirmou Maciej Onasz, professor-assistente da Universidade de Lodz especialista em comportamento eleitoral. “Eles não têm de colocar foco sobre as grandes cidades, não têm de colocar foco sobre o Ocidente; eles estão lutando por pessoas do leste que votaram neles nas últimas eleições.”

E num país com 1,4 milhão de fazendas, o recente caos no mercado de grãos é frontal e central na mente das pessoas.

O atual banimento é “irracional”, afirmou o ex-vice-ministro da Agricultura Jerzy Plewa. Desde que ele foi introduzido, os preços dos cereais caíram ainda mais porque acompanham mercados internacionais em que os preços foram influenciados por colheitas extraordinariamente abundantes, afirmou ele. Especialistas afirmam que o mercado de grãos em grande medida se estabilizou, mesmo que alguns agricultores possam estar com dificuldades em vender com lucro.

Imagem mostra o polonês Stanislaw Panko em sua plantação em Hrubieszow Foto: Karolina Jonderko/Washington Post

“Estão prometendo protegê-los dos grãos ucranianos, mas essa promessa é vazia”, afirmou ele. Ainda assim, ela está ajudando a manter os fazendeiros longe das ruas. No escritório de administração da fazenda de grãos da sua família, Gryn deu risada enquanto assistia a um vídeo gravado este ano em que centenas de fazendeiros cercaram o então ministro da Agricultura, Henryk Kowalczyk, em uma feira comercial.

Gryn, eleitor da opositora Plataforma Cívica, ainda considera que o governo não está lidando com problemas a longo prazo nem com a ampliação de portos e ferrovias necessária para aumentar as exportações. Mas no momento não há protestos.

A disputa na indústria dos grãos ocorre em um cenário de fricções crescentes com a Ucrânia, mesmo que autoridades polonesas afirmem que a aliança fundamental permanece forte. O cansaço com a guerra e a inflação galopante deram impulso à Confederação, fazendo o Lei e Justiça adotar uma retórica mais “Polônia em primeiro lugar”, de acordo com analistas.

A Confederação expressou uma posição mais dura em relação à Ucrânia, pedindo o fim do apoio financeiro aos refugiados e questionando abertamente se a Polônia deve ou não mandar tanta ajuda militar para Kiev.

O Lei e Justiça “percebe que alguns de seus eleitores estão céticos a respeito da ajuda polonesa e quer esses eleitores de volta”, afirmou Onasz.

Ponto de venda de grãos em Kosmow, na Polônia Foto: Karolina Jonderko/Washington Post

Mas alguns dizem temer que essa retórica cause um dano duradouro à relação com a Ucrânia. Os países já compartilham uma história amarga e complexa — e em meses recentes, o volume das exigências da Polônia por um pedido de desculpas da Ucrânia em razão de um massacre de aproximadamente 100 mil poloneses da época da 2.ª Guerra, aumentou.

“Mais de um ano atrás, nós convidamos 1 milhão de ucranianos para entrar, nós abrimos nossos corações, nós criamos uma amizade”, afirmou Dariusz Szymczycha, vice-presidente da Câmara de Comércio Polônia-Ucrânia. “Mas agora nós estamos mandando sinais negativos, com egoísmo polonês, e isso poderia destruir algo.”

A discussão política acalorada pode acabar após as eleições, porém mais diplomacia será necessária para suavizar a entrada de um peso-pesado agrícola como a Ucrânia no mercado europeu, afirmam especialistas.

De acordo com Plewa é de interesse da Polônia a Ucrânia ser integrada à UE o mais rapidamente possível. Atualmente a Ucrânia pode vender seus grãos sem tarifas para grande parte do mercado europeu, afirmou ele, mas não é sujeita às mesmas regulações em relação a pesticidas, antibióticos, fertilizantes e bem-estar animal que a Polônia — o que significa que o custo dos fazendeiros ucranianos é menor que o dos poloneses. Fazendeiros em outros setores já reclamam.

Em uma fazenda de grãos próxima à fronteira ucraniana, Ewa Belina-Wawryk, que concorre ao Parlamento na lista da Plataforma Cívica, afirmou que as simpatias em relação à Ucrânia estão mudando. Belina-Wawryk também é fazendeira — e quer negociações imediatas entre Polônia, Ucrânia e UE a respeito de agricultura.

Se isso não ocorrer, afirmou ela, “a Polônia estará navegando na direção de um iceberg”. /TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

ROGOW, Polônia — Há tantos grãos na fazenda de Wieslaw Gryn, no leste da Polônia, a fazenda que sua família administrou por dois séculos, que o trigo transborda do celeiro. “Não há espaço nos silos”, afirmou Gryn, de 65 anos, enquanto tampava uma das torres de metal repletas de grãos colhidos nos campos que se estendem até a fronteira com a Ucrânia. “Cheios”, afirmou ele, “todos cheios”.

Por toda a região agrícola, alguns fazendeiros, assim como Gryn, afirmam estar com dificuldades de vender seus grãos a preços capazes de cobrir os custos, o que ocasiona silos e armazéns transbordantes. Eles colocam a culpa de suas agruras em parte no fluxo de grãos ucranianos à Europa no ano passado: a União Europeia deu luz verde às importações para ajudar Kiev a contornar o bloqueio russo.

O movimento, que levou grãos ucranianos baratos ao mercado europeu, provocou uma saturação na Polônia e fez os preços locais despencarem, enfurecendo os fazendeiros. Apaziguá-los é prioridade do partido Lei e Justiça na campanha para as eleições de 15 de outubro, mesmo que isso arrisque impingir um dano duradouro à aliança com a Ucrânia.

Imagem mostra o polonês Wieslaw Gryn, proprietário de uma fazenda de grãos. Importações de grãos da Ucrânia para a Polônia tem enfurecido fazendeiros do país Foto: Karolina Jonderko/Washington Post

O partido de direita populista, que chegou ao poder oito anos atrás, está derramando bilhões em subsídios e, de forma controvertida, fazendo vigorar um embargo europeu expirado sobre trigo, milho, colza e sementes de girassol. Especialistas afirmam que a querela a respeito dos grãos poderia ser sinal de mais fricção adiante, conforme os fazendeiros europeus sentirem-se ameaçados pelas vastas fazendas da Ucrânia.

“Nós estamos fechando as fronteiras para defender o fazendeiro polonês, porque defender os interesses do fazendeiro polonês é o nosso imperativo mais importante”, afirmou o primeiro-ministro da Polônia, Mateusz Morawiecki, durante um evento de campanha em Tomaszow Lubelski, 40 quilômetros ao sul da fazenda de Gryn, na Província de Lublin, no leste do país, anteriormente este mês.

A Ucrânia é um dos países que mais produz trigo no mundo, exportando cerca de 20 milhões de toneladas métricas anualmente antes da guerra de acordo com a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura. Essa quantidade é equivalente a mais de um terço das exportações totais de grãos da UE e também faz as 4 milhões de toneladas métricas exportadas anualmente pela Polônia parecer pouco.

A disputa ameaça pôr fim à boa vontade que Varsóvia construiu em relação a Kiev desde que a Rússia lançou sua invasão, em 2022. A Polônia tem sido apoiadora convicta da Ucrânia em face à agressão russa e abrigou cerca de 1,4 milhão de refugiados ucranianos.

O presidente da Ucrânia, Volodmir Zelenski, sugeriu que a Polônia está criando um “teatro político” em relação ao tema dos grãos e jogando a favor da Rússia. Na semana passada, Kiev afirmou que estava abrindo uma queixa contra Varsóvia na Organização Mundial do Comércio, enfurecendo ainda mais o governo polonês.

Mas há muito em jogo domesticamente para o partido Lei e Justiça, que também tem se posicionado como defensor dos valores tradicionais da família cristã. E os vilarejos que pontuam os campos sulcados nas proximidades da fazenda de Gryn, de 900 hectares, poderiam ser determinantes para sua vitória nas urnas.

Imagem exibe cartazes eleitorais em Krasniczyn, na Polônia. Disputa que acontece em outubro alterou relações do país com a Ucrânia Foto: Karolina Jonderko/Washington Post

Com a campanha em ritmo total, anúncios do Lei e Justiça cobrem as cercas das casas e dominam painéis publicitários nesta região rural da Polônia. Nacionalmente, a coalizão liderada pelo partido figura com 35% da preferência do eleitorado, o que não lhe conferiria os 231 assentos necessários no Parlamento para formar governo, de acordo com uma sondagem do Instituto de Pesquisas Mercadológicas e Sociais (IBRiS) para o website polonês de notícias Onet. O bloco opositor de centro-direita conhecido como Plataforma Cívica registrou 26% na mesma pesquisa, e o partido Confederação, de extrema direita, concentrou 10% das intenções. Isso possivelmente daria à Confederação, que se recusa a entrar em uma coalizão com qualquer partido grande, o poder de frustrar negociações para um novo governo.

Analistas afirmam que, para o Lei e Justiça, reter os eleitores rurais do leste que votaram esmagadoramente no partido em 2019 é crucial para conquistar o terceiro mandato.

“Vencer nesses distritos é a coisa mais importante para eles terem qualquer chance de manter o poder em nível nacional”, afirmou Maciej Onasz, professor-assistente da Universidade de Lodz especialista em comportamento eleitoral. “Eles não têm de colocar foco sobre as grandes cidades, não têm de colocar foco sobre o Ocidente; eles estão lutando por pessoas do leste que votaram neles nas últimas eleições.”

E num país com 1,4 milhão de fazendas, o recente caos no mercado de grãos é frontal e central na mente das pessoas.

O atual banimento é “irracional”, afirmou o ex-vice-ministro da Agricultura Jerzy Plewa. Desde que ele foi introduzido, os preços dos cereais caíram ainda mais porque acompanham mercados internacionais em que os preços foram influenciados por colheitas extraordinariamente abundantes, afirmou ele. Especialistas afirmam que o mercado de grãos em grande medida se estabilizou, mesmo que alguns agricultores possam estar com dificuldades em vender com lucro.

Imagem mostra o polonês Stanislaw Panko em sua plantação em Hrubieszow Foto: Karolina Jonderko/Washington Post

“Estão prometendo protegê-los dos grãos ucranianos, mas essa promessa é vazia”, afirmou ele. Ainda assim, ela está ajudando a manter os fazendeiros longe das ruas. No escritório de administração da fazenda de grãos da sua família, Gryn deu risada enquanto assistia a um vídeo gravado este ano em que centenas de fazendeiros cercaram o então ministro da Agricultura, Henryk Kowalczyk, em uma feira comercial.

Gryn, eleitor da opositora Plataforma Cívica, ainda considera que o governo não está lidando com problemas a longo prazo nem com a ampliação de portos e ferrovias necessária para aumentar as exportações. Mas no momento não há protestos.

A disputa na indústria dos grãos ocorre em um cenário de fricções crescentes com a Ucrânia, mesmo que autoridades polonesas afirmem que a aliança fundamental permanece forte. O cansaço com a guerra e a inflação galopante deram impulso à Confederação, fazendo o Lei e Justiça adotar uma retórica mais “Polônia em primeiro lugar”, de acordo com analistas.

A Confederação expressou uma posição mais dura em relação à Ucrânia, pedindo o fim do apoio financeiro aos refugiados e questionando abertamente se a Polônia deve ou não mandar tanta ajuda militar para Kiev.

O Lei e Justiça “percebe que alguns de seus eleitores estão céticos a respeito da ajuda polonesa e quer esses eleitores de volta”, afirmou Onasz.

Ponto de venda de grãos em Kosmow, na Polônia Foto: Karolina Jonderko/Washington Post

Mas alguns dizem temer que essa retórica cause um dano duradouro à relação com a Ucrânia. Os países já compartilham uma história amarga e complexa — e em meses recentes, o volume das exigências da Polônia por um pedido de desculpas da Ucrânia em razão de um massacre de aproximadamente 100 mil poloneses da época da 2.ª Guerra, aumentou.

“Mais de um ano atrás, nós convidamos 1 milhão de ucranianos para entrar, nós abrimos nossos corações, nós criamos uma amizade”, afirmou Dariusz Szymczycha, vice-presidente da Câmara de Comércio Polônia-Ucrânia. “Mas agora nós estamos mandando sinais negativos, com egoísmo polonês, e isso poderia destruir algo.”

A discussão política acalorada pode acabar após as eleições, porém mais diplomacia será necessária para suavizar a entrada de um peso-pesado agrícola como a Ucrânia no mercado europeu, afirmam especialistas.

De acordo com Plewa é de interesse da Polônia a Ucrânia ser integrada à UE o mais rapidamente possível. Atualmente a Ucrânia pode vender seus grãos sem tarifas para grande parte do mercado europeu, afirmou ele, mas não é sujeita às mesmas regulações em relação a pesticidas, antibióticos, fertilizantes e bem-estar animal que a Polônia — o que significa que o custo dos fazendeiros ucranianos é menor que o dos poloneses. Fazendeiros em outros setores já reclamam.

Em uma fazenda de grãos próxima à fronteira ucraniana, Ewa Belina-Wawryk, que concorre ao Parlamento na lista da Plataforma Cívica, afirmou que as simpatias em relação à Ucrânia estão mudando. Belina-Wawryk também é fazendeira — e quer negociações imediatas entre Polônia, Ucrânia e UE a respeito de agricultura.

Se isso não ocorrer, afirmou ela, “a Polônia estará navegando na direção de um iceberg”. /TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

ROGOW, Polônia — Há tantos grãos na fazenda de Wieslaw Gryn, no leste da Polônia, a fazenda que sua família administrou por dois séculos, que o trigo transborda do celeiro. “Não há espaço nos silos”, afirmou Gryn, de 65 anos, enquanto tampava uma das torres de metal repletas de grãos colhidos nos campos que se estendem até a fronteira com a Ucrânia. “Cheios”, afirmou ele, “todos cheios”.

Por toda a região agrícola, alguns fazendeiros, assim como Gryn, afirmam estar com dificuldades de vender seus grãos a preços capazes de cobrir os custos, o que ocasiona silos e armazéns transbordantes. Eles colocam a culpa de suas agruras em parte no fluxo de grãos ucranianos à Europa no ano passado: a União Europeia deu luz verde às importações para ajudar Kiev a contornar o bloqueio russo.

O movimento, que levou grãos ucranianos baratos ao mercado europeu, provocou uma saturação na Polônia e fez os preços locais despencarem, enfurecendo os fazendeiros. Apaziguá-los é prioridade do partido Lei e Justiça na campanha para as eleições de 15 de outubro, mesmo que isso arrisque impingir um dano duradouro à aliança com a Ucrânia.

Imagem mostra o polonês Wieslaw Gryn, proprietário de uma fazenda de grãos. Importações de grãos da Ucrânia para a Polônia tem enfurecido fazendeiros do país Foto: Karolina Jonderko/Washington Post

O partido de direita populista, que chegou ao poder oito anos atrás, está derramando bilhões em subsídios e, de forma controvertida, fazendo vigorar um embargo europeu expirado sobre trigo, milho, colza e sementes de girassol. Especialistas afirmam que a querela a respeito dos grãos poderia ser sinal de mais fricção adiante, conforme os fazendeiros europeus sentirem-se ameaçados pelas vastas fazendas da Ucrânia.

“Nós estamos fechando as fronteiras para defender o fazendeiro polonês, porque defender os interesses do fazendeiro polonês é o nosso imperativo mais importante”, afirmou o primeiro-ministro da Polônia, Mateusz Morawiecki, durante um evento de campanha em Tomaszow Lubelski, 40 quilômetros ao sul da fazenda de Gryn, na Província de Lublin, no leste do país, anteriormente este mês.

A Ucrânia é um dos países que mais produz trigo no mundo, exportando cerca de 20 milhões de toneladas métricas anualmente antes da guerra de acordo com a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura. Essa quantidade é equivalente a mais de um terço das exportações totais de grãos da UE e também faz as 4 milhões de toneladas métricas exportadas anualmente pela Polônia parecer pouco.

A disputa ameaça pôr fim à boa vontade que Varsóvia construiu em relação a Kiev desde que a Rússia lançou sua invasão, em 2022. A Polônia tem sido apoiadora convicta da Ucrânia em face à agressão russa e abrigou cerca de 1,4 milhão de refugiados ucranianos.

O presidente da Ucrânia, Volodmir Zelenski, sugeriu que a Polônia está criando um “teatro político” em relação ao tema dos grãos e jogando a favor da Rússia. Na semana passada, Kiev afirmou que estava abrindo uma queixa contra Varsóvia na Organização Mundial do Comércio, enfurecendo ainda mais o governo polonês.

Mas há muito em jogo domesticamente para o partido Lei e Justiça, que também tem se posicionado como defensor dos valores tradicionais da família cristã. E os vilarejos que pontuam os campos sulcados nas proximidades da fazenda de Gryn, de 900 hectares, poderiam ser determinantes para sua vitória nas urnas.

Imagem exibe cartazes eleitorais em Krasniczyn, na Polônia. Disputa que acontece em outubro alterou relações do país com a Ucrânia Foto: Karolina Jonderko/Washington Post

Com a campanha em ritmo total, anúncios do Lei e Justiça cobrem as cercas das casas e dominam painéis publicitários nesta região rural da Polônia. Nacionalmente, a coalizão liderada pelo partido figura com 35% da preferência do eleitorado, o que não lhe conferiria os 231 assentos necessários no Parlamento para formar governo, de acordo com uma sondagem do Instituto de Pesquisas Mercadológicas e Sociais (IBRiS) para o website polonês de notícias Onet. O bloco opositor de centro-direita conhecido como Plataforma Cívica registrou 26% na mesma pesquisa, e o partido Confederação, de extrema direita, concentrou 10% das intenções. Isso possivelmente daria à Confederação, que se recusa a entrar em uma coalizão com qualquer partido grande, o poder de frustrar negociações para um novo governo.

Analistas afirmam que, para o Lei e Justiça, reter os eleitores rurais do leste que votaram esmagadoramente no partido em 2019 é crucial para conquistar o terceiro mandato.

“Vencer nesses distritos é a coisa mais importante para eles terem qualquer chance de manter o poder em nível nacional”, afirmou Maciej Onasz, professor-assistente da Universidade de Lodz especialista em comportamento eleitoral. “Eles não têm de colocar foco sobre as grandes cidades, não têm de colocar foco sobre o Ocidente; eles estão lutando por pessoas do leste que votaram neles nas últimas eleições.”

E num país com 1,4 milhão de fazendas, o recente caos no mercado de grãos é frontal e central na mente das pessoas.

O atual banimento é “irracional”, afirmou o ex-vice-ministro da Agricultura Jerzy Plewa. Desde que ele foi introduzido, os preços dos cereais caíram ainda mais porque acompanham mercados internacionais em que os preços foram influenciados por colheitas extraordinariamente abundantes, afirmou ele. Especialistas afirmam que o mercado de grãos em grande medida se estabilizou, mesmo que alguns agricultores possam estar com dificuldades em vender com lucro.

Imagem mostra o polonês Stanislaw Panko em sua plantação em Hrubieszow Foto: Karolina Jonderko/Washington Post

“Estão prometendo protegê-los dos grãos ucranianos, mas essa promessa é vazia”, afirmou ele. Ainda assim, ela está ajudando a manter os fazendeiros longe das ruas. No escritório de administração da fazenda de grãos da sua família, Gryn deu risada enquanto assistia a um vídeo gravado este ano em que centenas de fazendeiros cercaram o então ministro da Agricultura, Henryk Kowalczyk, em uma feira comercial.

Gryn, eleitor da opositora Plataforma Cívica, ainda considera que o governo não está lidando com problemas a longo prazo nem com a ampliação de portos e ferrovias necessária para aumentar as exportações. Mas no momento não há protestos.

A disputa na indústria dos grãos ocorre em um cenário de fricções crescentes com a Ucrânia, mesmo que autoridades polonesas afirmem que a aliança fundamental permanece forte. O cansaço com a guerra e a inflação galopante deram impulso à Confederação, fazendo o Lei e Justiça adotar uma retórica mais “Polônia em primeiro lugar”, de acordo com analistas.

A Confederação expressou uma posição mais dura em relação à Ucrânia, pedindo o fim do apoio financeiro aos refugiados e questionando abertamente se a Polônia deve ou não mandar tanta ajuda militar para Kiev.

O Lei e Justiça “percebe que alguns de seus eleitores estão céticos a respeito da ajuda polonesa e quer esses eleitores de volta”, afirmou Onasz.

Ponto de venda de grãos em Kosmow, na Polônia Foto: Karolina Jonderko/Washington Post

Mas alguns dizem temer que essa retórica cause um dano duradouro à relação com a Ucrânia. Os países já compartilham uma história amarga e complexa — e em meses recentes, o volume das exigências da Polônia por um pedido de desculpas da Ucrânia em razão de um massacre de aproximadamente 100 mil poloneses da época da 2.ª Guerra, aumentou.

“Mais de um ano atrás, nós convidamos 1 milhão de ucranianos para entrar, nós abrimos nossos corações, nós criamos uma amizade”, afirmou Dariusz Szymczycha, vice-presidente da Câmara de Comércio Polônia-Ucrânia. “Mas agora nós estamos mandando sinais negativos, com egoísmo polonês, e isso poderia destruir algo.”

A discussão política acalorada pode acabar após as eleições, porém mais diplomacia será necessária para suavizar a entrada de um peso-pesado agrícola como a Ucrânia no mercado europeu, afirmam especialistas.

De acordo com Plewa é de interesse da Polônia a Ucrânia ser integrada à UE o mais rapidamente possível. Atualmente a Ucrânia pode vender seus grãos sem tarifas para grande parte do mercado europeu, afirmou ele, mas não é sujeita às mesmas regulações em relação a pesticidas, antibióticos, fertilizantes e bem-estar animal que a Polônia — o que significa que o custo dos fazendeiros ucranianos é menor que o dos poloneses. Fazendeiros em outros setores já reclamam.

Em uma fazenda de grãos próxima à fronteira ucraniana, Ewa Belina-Wawryk, que concorre ao Parlamento na lista da Plataforma Cívica, afirmou que as simpatias em relação à Ucrânia estão mudando. Belina-Wawryk também é fazendeira — e quer negociações imediatas entre Polônia, Ucrânia e UE a respeito de agricultura.

Se isso não ocorrer, afirmou ela, “a Polônia estará navegando na direção de um iceberg”. /TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

ROGOW, Polônia — Há tantos grãos na fazenda de Wieslaw Gryn, no leste da Polônia, a fazenda que sua família administrou por dois séculos, que o trigo transborda do celeiro. “Não há espaço nos silos”, afirmou Gryn, de 65 anos, enquanto tampava uma das torres de metal repletas de grãos colhidos nos campos que se estendem até a fronteira com a Ucrânia. “Cheios”, afirmou ele, “todos cheios”.

Por toda a região agrícola, alguns fazendeiros, assim como Gryn, afirmam estar com dificuldades de vender seus grãos a preços capazes de cobrir os custos, o que ocasiona silos e armazéns transbordantes. Eles colocam a culpa de suas agruras em parte no fluxo de grãos ucranianos à Europa no ano passado: a União Europeia deu luz verde às importações para ajudar Kiev a contornar o bloqueio russo.

O movimento, que levou grãos ucranianos baratos ao mercado europeu, provocou uma saturação na Polônia e fez os preços locais despencarem, enfurecendo os fazendeiros. Apaziguá-los é prioridade do partido Lei e Justiça na campanha para as eleições de 15 de outubro, mesmo que isso arrisque impingir um dano duradouro à aliança com a Ucrânia.

Imagem mostra o polonês Wieslaw Gryn, proprietário de uma fazenda de grãos. Importações de grãos da Ucrânia para a Polônia tem enfurecido fazendeiros do país Foto: Karolina Jonderko/Washington Post

O partido de direita populista, que chegou ao poder oito anos atrás, está derramando bilhões em subsídios e, de forma controvertida, fazendo vigorar um embargo europeu expirado sobre trigo, milho, colza e sementes de girassol. Especialistas afirmam que a querela a respeito dos grãos poderia ser sinal de mais fricção adiante, conforme os fazendeiros europeus sentirem-se ameaçados pelas vastas fazendas da Ucrânia.

“Nós estamos fechando as fronteiras para defender o fazendeiro polonês, porque defender os interesses do fazendeiro polonês é o nosso imperativo mais importante”, afirmou o primeiro-ministro da Polônia, Mateusz Morawiecki, durante um evento de campanha em Tomaszow Lubelski, 40 quilômetros ao sul da fazenda de Gryn, na Província de Lublin, no leste do país, anteriormente este mês.

A Ucrânia é um dos países que mais produz trigo no mundo, exportando cerca de 20 milhões de toneladas métricas anualmente antes da guerra de acordo com a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura. Essa quantidade é equivalente a mais de um terço das exportações totais de grãos da UE e também faz as 4 milhões de toneladas métricas exportadas anualmente pela Polônia parecer pouco.

A disputa ameaça pôr fim à boa vontade que Varsóvia construiu em relação a Kiev desde que a Rússia lançou sua invasão, em 2022. A Polônia tem sido apoiadora convicta da Ucrânia em face à agressão russa e abrigou cerca de 1,4 milhão de refugiados ucranianos.

O presidente da Ucrânia, Volodmir Zelenski, sugeriu que a Polônia está criando um “teatro político” em relação ao tema dos grãos e jogando a favor da Rússia. Na semana passada, Kiev afirmou que estava abrindo uma queixa contra Varsóvia na Organização Mundial do Comércio, enfurecendo ainda mais o governo polonês.

Mas há muito em jogo domesticamente para o partido Lei e Justiça, que também tem se posicionado como defensor dos valores tradicionais da família cristã. E os vilarejos que pontuam os campos sulcados nas proximidades da fazenda de Gryn, de 900 hectares, poderiam ser determinantes para sua vitória nas urnas.

Imagem exibe cartazes eleitorais em Krasniczyn, na Polônia. Disputa que acontece em outubro alterou relações do país com a Ucrânia Foto: Karolina Jonderko/Washington Post

Com a campanha em ritmo total, anúncios do Lei e Justiça cobrem as cercas das casas e dominam painéis publicitários nesta região rural da Polônia. Nacionalmente, a coalizão liderada pelo partido figura com 35% da preferência do eleitorado, o que não lhe conferiria os 231 assentos necessários no Parlamento para formar governo, de acordo com uma sondagem do Instituto de Pesquisas Mercadológicas e Sociais (IBRiS) para o website polonês de notícias Onet. O bloco opositor de centro-direita conhecido como Plataforma Cívica registrou 26% na mesma pesquisa, e o partido Confederação, de extrema direita, concentrou 10% das intenções. Isso possivelmente daria à Confederação, que se recusa a entrar em uma coalizão com qualquer partido grande, o poder de frustrar negociações para um novo governo.

Analistas afirmam que, para o Lei e Justiça, reter os eleitores rurais do leste que votaram esmagadoramente no partido em 2019 é crucial para conquistar o terceiro mandato.

“Vencer nesses distritos é a coisa mais importante para eles terem qualquer chance de manter o poder em nível nacional”, afirmou Maciej Onasz, professor-assistente da Universidade de Lodz especialista em comportamento eleitoral. “Eles não têm de colocar foco sobre as grandes cidades, não têm de colocar foco sobre o Ocidente; eles estão lutando por pessoas do leste que votaram neles nas últimas eleições.”

E num país com 1,4 milhão de fazendas, o recente caos no mercado de grãos é frontal e central na mente das pessoas.

O atual banimento é “irracional”, afirmou o ex-vice-ministro da Agricultura Jerzy Plewa. Desde que ele foi introduzido, os preços dos cereais caíram ainda mais porque acompanham mercados internacionais em que os preços foram influenciados por colheitas extraordinariamente abundantes, afirmou ele. Especialistas afirmam que o mercado de grãos em grande medida se estabilizou, mesmo que alguns agricultores possam estar com dificuldades em vender com lucro.

Imagem mostra o polonês Stanislaw Panko em sua plantação em Hrubieszow Foto: Karolina Jonderko/Washington Post

“Estão prometendo protegê-los dos grãos ucranianos, mas essa promessa é vazia”, afirmou ele. Ainda assim, ela está ajudando a manter os fazendeiros longe das ruas. No escritório de administração da fazenda de grãos da sua família, Gryn deu risada enquanto assistia a um vídeo gravado este ano em que centenas de fazendeiros cercaram o então ministro da Agricultura, Henryk Kowalczyk, em uma feira comercial.

Gryn, eleitor da opositora Plataforma Cívica, ainda considera que o governo não está lidando com problemas a longo prazo nem com a ampliação de portos e ferrovias necessária para aumentar as exportações. Mas no momento não há protestos.

A disputa na indústria dos grãos ocorre em um cenário de fricções crescentes com a Ucrânia, mesmo que autoridades polonesas afirmem que a aliança fundamental permanece forte. O cansaço com a guerra e a inflação galopante deram impulso à Confederação, fazendo o Lei e Justiça adotar uma retórica mais “Polônia em primeiro lugar”, de acordo com analistas.

A Confederação expressou uma posição mais dura em relação à Ucrânia, pedindo o fim do apoio financeiro aos refugiados e questionando abertamente se a Polônia deve ou não mandar tanta ajuda militar para Kiev.

O Lei e Justiça “percebe que alguns de seus eleitores estão céticos a respeito da ajuda polonesa e quer esses eleitores de volta”, afirmou Onasz.

Ponto de venda de grãos em Kosmow, na Polônia Foto: Karolina Jonderko/Washington Post

Mas alguns dizem temer que essa retórica cause um dano duradouro à relação com a Ucrânia. Os países já compartilham uma história amarga e complexa — e em meses recentes, o volume das exigências da Polônia por um pedido de desculpas da Ucrânia em razão de um massacre de aproximadamente 100 mil poloneses da época da 2.ª Guerra, aumentou.

“Mais de um ano atrás, nós convidamos 1 milhão de ucranianos para entrar, nós abrimos nossos corações, nós criamos uma amizade”, afirmou Dariusz Szymczycha, vice-presidente da Câmara de Comércio Polônia-Ucrânia. “Mas agora nós estamos mandando sinais negativos, com egoísmo polonês, e isso poderia destruir algo.”

A discussão política acalorada pode acabar após as eleições, porém mais diplomacia será necessária para suavizar a entrada de um peso-pesado agrícola como a Ucrânia no mercado europeu, afirmam especialistas.

De acordo com Plewa é de interesse da Polônia a Ucrânia ser integrada à UE o mais rapidamente possível. Atualmente a Ucrânia pode vender seus grãos sem tarifas para grande parte do mercado europeu, afirmou ele, mas não é sujeita às mesmas regulações em relação a pesticidas, antibióticos, fertilizantes e bem-estar animal que a Polônia — o que significa que o custo dos fazendeiros ucranianos é menor que o dos poloneses. Fazendeiros em outros setores já reclamam.

Em uma fazenda de grãos próxima à fronteira ucraniana, Ewa Belina-Wawryk, que concorre ao Parlamento na lista da Plataforma Cívica, afirmou que as simpatias em relação à Ucrânia estão mudando. Belina-Wawryk também é fazendeira — e quer negociações imediatas entre Polônia, Ucrânia e UE a respeito de agricultura.

Se isso não ocorrer, afirmou ela, “a Polônia estará navegando na direção de um iceberg”. /TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

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