As vendas de ingressos para o maior evento anual de arrecadação de fundos do Partido Republicano tinham caído em dois terços. Um grupo de apoiadores leais ignorou completamente o evento. O salão de baile do JW Marriott Turnberry Resort & Spa abrigou mais que espaçosamente as 380 pessoas que apareceram. A produção se apressou para instalar painéis “antivazio” por todo o recinto para fazê-lo parecer menos rarefeito.
Quando DeSantis chegou ao encontro político, realizado no início de julho, pronunciou um discurso qualificado pelas pessoas que o ouviram como familiar e apagado.
“Pareceu um discurso de bar mitzvá”, afirmou um republicano que falou sob condição de anonimato por medo de represálias dos líderes do partido no em Miami-Dade. “Ele só foi aplaudido de verdade no momento que foi apresentado e quando terminou sua fala. Enquanto ele discursava, só se ouvia o tilintar dos talheres e pessoas conversando.”
Aquela noite ofereceu um retrato de um contrassenso na campanha de DeSantis: enquanto a plataforma de campanha do governador é “transformar os EUA na Flórida”, seu apoio no Sunshine State cambaleia. A dureza da batalha em seu próprio Estado é um sinal perturbador num momento que sua campanha enfrenta dificuldades para recuperar impulso.
Várias pesquisas mostram que, se as primárias do Partido Republicano fossem organizadas hoje, DeSantis perderia retumbantemente para o ex-presidente Donald Trump no Estado que ambos chamam de seu.
Uma sondagem de março que ouviu cerca de 1,5 mil eleitores republicanos, organizada pela Universidade do Norte da Flórida, constatou que DeSantis venceria a indicação republicana no Estado por uma margem de mais de 30 pontos porcentuais em relação a Trump. DeSantis concentrava o apoio de 59% dos entrevistados, contra 28% favoráveis a Trump. Mas pesquisas recentes têm mostrado consistentemente o governador atrás do ex-presidente.
A sondagem mais recente da Universidade Atlântica da Flórida constatou, entre mais de 900 eleitores republicanos entrevistados, que 54% votariam em Trump se a primária no Estado fosse realizada hoje, contra 37% favoráveis ao governador numa simulação que leva em conta apenas os dois pré-candidatos.
Analistas políticos afirmam que a Flórida oferece um teste de tornassol sobre como DeSantis desempenharia diante de um eleitorado mais amplo, nos primeiros Estados a realizar primárias. Enquanto tentam conquistar eleitores conservadores fora da Flórida, alguns apoiadores de DeSantis passaram a temer que ele tenha afastado a base que lhe propeliu ao sucesso no Estado.
Aliados do governador notam que seu índice geral de aprovação na Flórida permanece alto e que ele ainda está tomando pé como pré-candidato presidencial.
“É cedo demais para tirá-lo do jogo”, afirmou o deputado estadual republicano Spencer Roach, que representa Fort Myers. “Ainda há muito tempo para ele riscar o fósforo e incendiar sua campanha.”
Mas mesmo Roach afirmou que DeSantis encontraria um público mais receptivo se colocasse a economia no centro de sua mensagem, em vez da “guerra à lacração e a covid”.
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Vários ex-apoiadores de DeSantis ecoaram essas declarações, com vários expressando preocupação particular em relação a políticas como a nova lei de aborto. Pesquisas mostram que a maioria dos habitantes da Flórida apoia o acesso ao procedimento, mas DeSantis deu apoio a um banimento ao aborto após a sexta semana de gestação aprovada recentemente na legislatura estadual. Críticos republicanos também apontam para sua disputa com o grupo Disney, que segue, e para a quantidade de tempo que ele passa fora do Estado.
Todas essas preocupações estavam nas mesas do Jantar do Dia de Lincoln do Partido Republicano no Condado de Miami-Dade. Muitos dos presentes também colaboraram com a campanha para reeleição do governador, no ano passado. DeSantis foi o primeiro governador republicano no Estado em 22 anos. Passados oito meses de sua reeleição, porém, os sentimentos em relação a ele têm oscilado.
Alguns desgostaram de um pedido de última hora da campanha de DeSantis para que o Partido Republicano local pagasse US$ 25 mil pela contratação do jatinho particular que ele usou para viajar a Miami para comparecer ao evento, de acordo com uma fonte com conhecimento direto a respeito da demanda. Membros da Log Cabin Republicans, a organização defensora de direitos LGBT+ e conservadora mais antiga dos Estados Unidos, decidiram não comparecer após DeSantis publicar um vídeo de campanha, no fim de junho, atacando um apoio que Trump manifestou no passado à comunidade.
A campanha de DeSantis não retornou um pedido de comentário da reportagem a respeito dos números do governador nas pesquisas realizadas na Flórida e das requisições de pagamentos da fretagem do jatinho particular ao Partido Republicano em Miami-Dade.
“Nós acreditamos que ele está estabelecendo um tom equivocado diante da direção do partido”, declarou em um comunicado o presidente da Log Cabin Republicans na Flórida, Joe LaFauci. “DeSantis alienar a comunidade gay e eleitores indecisos é rejeitar as mesmas pessoas que propiciaram sua reeleição em 2022.”
Uma virada para a direita
DeSantis surfou uma onda de entusiasmo após sua reeleição por uma margem de 19 pontos porcentuais sobre o candidato democrata, em novembro. Sem nem mesmo anunciar sua pré-candidatura à presidência, ele ascendeu ao topo das pesquisas sobre as primárias republicanas.
O governador fala com frequência de sua vitória eleitoral.
“Se as pessoas veem que você está disposto a lutar por elas, se veem que você está disposto a defendê-las, elas aparecem para apoiar você”, afirmou DeSantis durante um discurso recente, numa conferência do Conselho de Intercâmbio Legislativo Americano. “Elas estarão dispostas a andar sobre brasas para apoiar você.”
Mas pesquisas eleitorais detectaram que há limites a esse apoio nas primárias, particularmente contra Trump.
Na pesquisa FAU de abril, 57% dos quase 1,1 mil republicanos registrados ouvidos no levantamento indicaram que votariam em Trump, contra 33% favoráveis a DeSantis. Os números do governador melhoraram em uma sondagem realizada no fim de junho, mas ainda indicam vantagem de dois dígitos de Trump em relação ao governador.
A liderança do ex-presidente sobre DeSantis nas pesquisas ocorreu enquanto o governador se voltava ainda mais para a direita em relação a uma gama de temas. A supermaioria republicana na legislatura estadual vinha avançando rapidamente em uma série de projetos de lei que pretendiam banir assistência para afirmação de gênero para menores, restringir shows de drags, impor restrições mais duras contra imigração e expandir uma controvertida lei educacional que proíbe orientações e debates sobre identidade de gênero em sala de aula. DeSantis sancionou todas as legislações.
Camille Fiveash votou em DeSantis duas vezes e agora considera desfiliar-se do Partido Republicano e virar democrata. Ela disse que o governador começou a perder seu apoio com leis que ocasionaram remoções de livros considerados inapropriados das escolas e contrariando direitos da comunidade LGBT+.
Quando ele sancionou a lei que baniu aborto após a sexta semana de gestação e a lei que atrela pensões alimentícias a dependentes ao tempo que o casal permaneceu casado, eliminando “pensões permanentes”, Fiveash ficou ultrajada. “Nós não o elegemos para ele fazer coisas assim”, afirmou ela.
Fiveash é integrante do First Wives Advocacy, um grupo em defesa de mulheres divorciadas que combateu com sucesso — até este ano — iniciativas para reescrever a lei de pensões do Estado para facilitar que ex-cônjuges parem de pagar pensões para os filhos criados pelo ex, uma questão que prejudica muito mais mulheres do que homens. No ano passado, DeSantis tinha vetado um projeto de lei similar.
A virada para a direita do governador em relação a dois temas que influenciam diretamente as vidas das eleitoras — pensões alimentícias e abortos — contraria as posições mais moderadas das eleitoras republicanas na Flórida.
A fundadora da First Wives Advocacy, Jan Killilea, afirmou que mulheres de todo o país a procuram para compartilhar receios e opiniões desde que DeSantis sancionou essas leis. Killilea votou em DeSantis duas vezes, mas acha que ele provavelmente perdeu apoio de muitas mulheres republicanas dentro e fora da Flórida.
“Uma mulher de Washington me disse que pretendia votar nele para presidente antes, mas que agora não vota nele de jeito nenhum”, afirmou Killilea, “Muitas amigas minhas republicanas em Palm Beach que tinham deixado o Partido Democrata disseram que a lei de aborto vai fazê-las voltar. Todas têm filhas e estão muito preocupadas com essa restrição.”
Questionada sobre quem apoiará nas primárias, DeSantis ou Trump, Killilea silenciou por um instante. “Haverá outros nomes na cédula além desses dois”, afirmou ela.
Fora do ‘Time DeSantis’
Alguns empresários republicanos, vêm questionando a atuação de DeSantis em operações de corporações privadas. A briga do governador com a Disney captura a maioria das manchetes, mas tensões ocorrem desde o início da pandemia de covid.
A Norwegian Cruise Line Holdings processou DeSantis em 2021 em razão de uma lei que proibiu empresas de exigir que os funcionários comprovassem vacinação contra covid. Executivos da indústria de cruzeiros — que traz estimados US$ 8,5 bilhões ao Estado — afirmaram que tinham direito de agir para manter seus clientes seguros conforme a variante Delta se espalhava pelo país.
DeSantis argumentou que ninguém tinha direito de exigir “passaportes vacinais” das pessoas que não queriam tomar “a picada”. Um juiz distrital deliberou favoravelmente à Norwegian, mas sua decisão foi revertida posteriormente, em 2022.
Agora, como pré-candidato à presidência, DeSantis tem usado sua luta contra a Disney — e a “doutrinação lacradora” que segundo ele a empresa promove com seu conteúdo — como parte de seu discurso de campanha.
A disputa emergiu após um ex-CEO da Disney criticar publicamente uma legislação que os oponentes chamam de lei “não diga a palavra gay”, que proíbe aulas e debates sobre identidade de gênero em escolas públicas — e funcionou como sua marca registrada no ano de sua reeleição. DeSantis respondeu desmantelando o distrito de tributação especial que a empresa vinha usando por meio século para abrigar seu complexo de parques temáticos.
Este ano, DeSantis intensificou o cerco substituindo membros da Disney na gestão do distrito de tributação especial por aliados escolhidos a dedo. O CEO da Disney, Bob Iger, qualificou as ações de DeSantis como “ruins para os negócios”. Dois meses atrás, a Disney cancelou um projeto de construção de US$ 1 bilhão no Estado.
Alguns republicanos na cidade de Celebration, uma área residencial construída pela Disney próxima ao Magic Kingdom, afirmam que DeSantis perdeu apoio porque escolheu uma briga que só colabora para aumentar a incerteza financeira de restaurantes e comércios locais que dependem dos visitantes dos parques. Os aliados de DeSantis na gestão do distrito de tributação da região da Disney estão agora avaliando medidas de cortes de custos para eliminar US$ 8 milhões destinados a financiar a proteção policial às propriedades da empresa.
Um lobista de Tallahassee que trabalha principalmente com clientes republicanos afirmou que o imbróglio com a Disney — e o esforço de DeSantis em pichar publicamente a empresa considerada por tantos o pilar da indústria turística da Flórida, de US$ 102 bilhões — alarmou CEOs e prejudicou a imagem do governador. A fonte afirmou que vários líderes empresariais saíram do “Time DeSantis” mas não admitem isso publicamente, por temer represálias do governador.
“A briga com a Disney foi uma distração imensa”, afirmou o lobista, que falou sob condição de anonimato por preocupar-se com a possibilidade de seu testemunho colocar em risco a relação de seus clientes com o governador. “Isso mina realmente o que as pessoas gostavam nele em primeiro lugar.”
‘Ele traiu Trump’
Uma semana após DeSantis falar no Jantar do Dia de Lincoln do Partido Republicano no Condado de Miami-Dade, Donald Trump estava 96 quilômetros ao norte discursando em West Palm Beach. A multidão na conferência da Turning Point Action saudou o ex-presidente com um entusiasmo estridente. Quando qualquer pessoa mencionava DeSantis — que preferiu ir fazer campanha no Iowa em vez de comparecer ao evento — vaias reverberavam pelo centro de convenções.
“Ele disputou eleição para ser nosso governador pelos próximos quatro anos. Ele está sendo pago pelos contribuintes. Mas raramente é visto em seu Estado”, afirmou Rocco Talarico, republicano do Condado de Palm Beach e trumpista de longa data. “Ele está concorrendo contra Trump, e eu não gosto disso nem um pouco. Eu sinto como se ele tivesse dado uma facada nas costas de Trump.”
Talarico afirmou que, se DeSantis tivesse esperado até 2028 para postular sua candidatura à presidência, ele teria tido apoio total da maioria dos republicanos trumpistas da Flórida. Trump venceu no Sunshine State em 2016 e, novamente, por margem maior, em 2020. Em algumas partes do Estado, já é comum ver adesivos e bandeiras pró-Trump nos carros.
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“A maioria das pessoas sente que ele traiu Trump”, disse Talarico sobre DeSantis. “É difícil perdoar uma traição.”
O professor de ciência política Aubrey Jewett, da Universidade da Flórida Central, afirmou que Trump representa um desafio singular para DeSantis. Por um lado, o governador tem forte apoio de sua legislatura estadual — onde 100 dos 111 legisladores republicanos de ambas as Casas apoiaram sua pré-candidatura presidencial.
“Republicanos das bases se uniram a DeSantis porque ele era muito poderoso em Tallahassee”, disse Jewett. “O temor a DeSantis ocorria porque ele venceu por 19 pontos, ele era muito popular entre os eleitores.”
Mas fora de Tallahassee o quadro nubla. Pelo menos 11 membros da delegação republicana do Congresso para a Flórida apoiaram Trump. A maioria deles se reuniu com o ex-presidente em sua residência de Mar-a-Lago em abril. Uma foto compartilhada por um deputado mostrou o grupo sentado a uma imponente mesa de banquete.
DeSantis, enquanto isso, tem tido dificuldade em reunir apoio na delegação da Flórida. Ele se envolveu recentemente em uma discussão com o único negro da delegação republicana a respeito do novo currículo sobre a história negra nas escolas públicas, que o governador tem defendido apesar da indignação generalizada.
Alan Pincus, republicano do Condado de Palm Beach que pretende concorrer ao Congresso, afirmou que, se DeSantis perder, ele poderá não ter mais futuro na política da Flórida, pois alguns eleitores estarão tão decepcionados por sua decisão de enfrentar Trump que nunca mais votarão nele.
“DeSantis não tem nenhuma chance de vencer”, afirmou Pincus, que votou em DeSantis para governador. “Ele causou muito dano a si mesmo, talvez dano permanente.”
A analista política veterana Susan MacManus, especialista em política da Flórida, afirmou que é cedo demais para os fãs de DeSantis desistirem de vencer no Estado. Os mornos resultados do governador nas pesquisas podem ser sinal de que o apoio que ele obteve em razão de suas políticas pandêmicas “começa a desvanecer”, mas ela afirmou que a maioria dos eleitores não está pensando em primárias republicanas neste momento. A primária republicana na Flórida está marcada para 19 de março.
“As férias de verão estão acabando, as crianças se preparam para voltar à escola, e as pessoas não estão preocupadas tão seriamente a respeito de quem votarão no ano que vem”, afirmou MacManus, que lecionou ciência política na Universidade do Sul da Flórida até se aposentar. “Os cidadãos da Flórida simplesmente não dão muita atenção às minúcias da política durante o verão. Faz calor demais para isso.”
Em Miami-Dade, o diretório local do Partido Republicano está oficialmente neutro em relação ao pré-candidato que apoiará nas primárias presidenciais da Flórida, mas convidou DeSantis para pronunciar o discurso principal de seu evento anual de arrecadação de fundos. Kevin Cooper, vice-presidente do comitê executivo do partido, disse, contudo, que isso não significa que o governador é o único candidato a visitar o condado. “Nós estamos ansiosos para convidar o (ex-)presidente Trump a Miami-Dade”, afirmou ele. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO