Arábia Saudita tenta se tornar uma superpotência de I.A. - e fica no caminho de China e EUA


Reino rico em petróleo investe em eventos chamativos e pesquisa em inteligência artificial, situando-se no meio da crescente disputa entre EUA e China por influência tecnológica

Por Adam Satariano e Paul Mozur
Atualização:

RIAD - Em uma manhã de segunda feira do mês passado, executivos de tecnologia, engenheiros e representantes de vendas da Amazon, Google, TikTok e outras empresas enfrentaram um engarrafamento de três horas enquanto seus carros se arrastavam em direção a uma gigantesca conferência em um espaço para eventos no deserto, a 80 quilômetros de Riad.

A isca: bilhões de dólares em dinheiro saudita, disponíveis enquanto o reino procura construir uma indústria tecnológica para complementar o seu domínio no setor do petróleo.

Para contornar o congestionamento, os frustrados participantes do evento dirigiram até o acostamento da rodovia, levantando nuvens de areia do deserto ao passarem por aqueles que seguiam as regras de trânsito. Alguns sortudos aproveitaram uma saída especial da rodovia dedicada a “VVIPs” – pessoas muito, muito importantes.

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Conferência de tecnologia Leap no deserto nos arredores de Riad reuniu mais de 200 mil pessoas, 6 de março de 2024.  Foto: Iman Al-dabbagh/The New York Times

Mais de 200 mil pessoas convergiram para a conferência, incluindo Adam Selipsky, diretor executivo da divisão de computação em nuvem da Amazon, que anunciou um investimento de US$ 5,3 bilhões na Arábia Saudita para centrais de dados e tecnologia de inteligência artificial. Arvind Krishna, diretor executivo da IBM, falou do que um ministro do governo chamou de “amizade para a vida toda” com o reino. Executivos da Huawei e de dezenas de outras empresas fizeram discursos. Mais de US$ 10 bilhões em negócios foram feitos lá, de acordo com a agência de imprensa estatal da Arábia Saudita.

“Este é um grande país”, disse Shou Chew, diretor executivo do TikTok, durante a conferência, anunciando o crescimento do aplicativo de vídeo no reino. “Esperamos investir ainda mais.”

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Todo mundo no setor da tecnologia parece querer se aproximar da Arábia Saudita agora, já que o reino definiu como seu objetivo tornar-se um participante dominante na IA – e está investindo somas impressionantes para tal fim.

A Arábia Saudita criou um fundo de US$ 100 bilhões este ano para investir em IA e outras tecnologias. Está em negociações com a Andreessen Horowitz, a firma de capital de risco do Vale do Silício, e outros investidores para aplicar US$ 40 bilhões adicionais em empresas de IA. Em março, o governo disse que investiria US$ 1 bilhão em uma aceleradora de startups inspirada no Vale do Silício para atrair empresários da IA para o reino. As iniciativas superam facilmente as da maioria dos grandes investimentos de estados-nações, como a promessa britânica de aplicar US$ 100 milhões no Instituto Alan Turing.

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Estande da conferência de tecnologia Leap, Riad, 6 de março de 2024.  Foto: Iman Al-dabbagh/The New York Times

A campanha de gastos resulta de um esforço geracional delineado em 2016 pelo príncipe herdeiro Mohammed bin Salman e conhecido como “Visão 2030″. A Arábia Saudita está correndo para diversificar sua economia rica em petróleo em áreas como tecnologia, turismo, cultura e esportes, investindo cerca de US$ 200 milhões por ano para ter a estrela do futebol Cristiano Ronaldo e planejando a construção de um arranha-céu espelhado com 160 quilômetros de comprimento no deserto.

Para a indústria tecnológica, faz tempo que a Arábia Saudita é uma fonte de financiamento. Mas o reino está agora redirecionando sua riqueza petrolífera para a construção de uma indústria tecnológica nacional, exigindo que as empresas internacionais estabeleçam raízes lá se quiserem o seu dinheiro.

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Se o príncipe Mohammed tiver sucesso, colocará a Arábia Saudita no meio de uma crescente competição global entre China, Estados Unidos e outros países como a França, que fizeram avanços na IA generativa. Combinando seus esforços em IA com os do seu vizinho, os Emirados Árabes Unidos, o plano da Arábia Saudita tem o potencial de criar um novo centro de poder na indústria tecnológica global.

“Venho aqui convidar todos os sonhadores, inovadores, investidores e pensadores a se juntarem a nós, aqui no reino, para realizarmos juntos nossas ambições”, observou o príncipe Mohammed em um discurso de 2020 sobre IA.

As ambições dele são geopoliticamente delicadas, conforme China e EUA procuram criar esferas de influência no domínio da IA para moldar o futuro das tecnologias mais importantes.

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Participantes da conferência de tecnologia Leap, na Arábia Saudita, 6 de março de 2024.  Foto: Iman Al-dabbagh/The New York Times

Em Washington, muitos temem que os objetivos e as tendências autoritárias do reino possam funcionar contra os interesses dos EUA – por exemplo, se a Arábia Saudita acabar fornecendo poder computacional a pesquisadores e empresas chinesas. Este mês, a Casa Branca negociou um acordo para o investimento da Microsoft na G42, uma empresa de IA nos Emirados, com o objetivo parcial de diminuir a influência da China.

Para a China, a região do Golfo Pérsico oferece um grande mercado, acesso a investidores endinheirados e uma oportunidade de exercer influência em países tradicionalmente aliados aos EUA. A forma de vigilância alimentada por IA da China já foi incorporada no policiamento na região.

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Alguns líderes da indústria começaram a chegar. Jürgen Schmidhuber, um pioneiro da IA que agora lidera um programa de IA na principal universidade de pesquisa da Arábia Saudita, a Universidade de Ciência e Tecnologia Rei Abdullah, relembrou as raízes do reino séculos atrás como um centro científico e matemático.

“Seria maravilhoso contribuir para um novo mundo e ressuscitar esta era de ouro”, disse ele. “Sim, vai custar dinheiro, mas há muito dinheiro neste país.”

A disposição em gastar esteve em destaque no mês passado, em um evento de gala em Riad organizado pelo governo saudita, que coincidiu com a conferência Leap. Holofotes de Hollywood brilhavam no céu acima da cidade enquanto os convidados chegavam em Maseratis, Mercedes e Porches com motorista. Dentro de um estacionamento de 28.000 metros quadrados que foi convertido há dois anos em um dos maiores espaços para start-ups do mundo, os participantes se misturaram, debateram a abertura de escritórios em Riad e beberam suco de romã e café com aroma de cardamomo.

“Há algo acontecendo aqui”, disse Hilmar Veigar Petursson, diretor executivo da CCP Games, a empresa islandesa por trás do popular jogo Eve Online, que estava no evento. “Tive uma sensação muito semelhante quando voltei da China em 2005.”

Garagem, um antigo estacionamento que foi convertido há dois anos no maior espaço de startups do mundo, Riad, 5 de março de 2024.  Foto: Iman Al-dabbagh/The New York Times
Dentro do Garagem, grafite com mensagem motivacional, sala para cochilos e mesa de ping-pong.  Foto: Iman Al-dabbagh/The New York Times

Um roteiro de ficção científica

O projeto Visão 2030 do príncipe Mohammed, revelado há oito anos, parece saído de um roteiro de ficção científica.

De acordo com o plano, novas cidades futurísticas serão construídas no deserto ao longo do Mar Vermelho, voltadas para a tecnologia e os serviços digitais. E o reino, que investiu bilhões em start-ups tecnológicas como a Uber e em veículos de investimento como o Vision Fund do SoftBank, gastaria mais.

Isso chamou a atenção do Vale do Silício. Quando o príncipe Mohammed visitou a Califórnia em 2018, Sergey Brin, cofundador do Google, acompanhou-o em uma caminhada pelo arborizado campus da empresa. Tim Cook, diretor executivo da Apple, mostrou-lhe os produtos da empresa. O príncipe também viajou para Seattle, onde se encontrou com Bill Gates, da Microsoft; Satya Nadella, diretor executivo da empresa; e Jeff Bezos, da Amazon.

Foi um momento chave para as ambições tecnológicas da Arábia Saudita, com o príncipe Mohammed se apresentando como um reformador jovem e com experiência digital. Mas o entusiasmo diminuiu alguns meses depois, quando Jamal Khashoggi, colunista do Washington Post e crítico do príncipe herdeiro, foi morto no consulado saudita em Istambul. O príncipe Mohammed negou envolvimento, mas a CIA concluiu que ele havia aprovado o assassinato.

Por um breve período, foi considerado inconveniente associar-se à Arábia Saudita. Executivos cancelaram visitas ao reino. Mas a atração do seu dinheiro acabou por ser forte demais.

Cartaz de divulgação do Vision 2030 com a foto do príncipe herdeiro Mohammed bin Salman exibido em prédio em Riad, 22 de outubro de 2024. Foto: Tamir Kalifa/The New York Times

O desenvolvimento da IA depende de duas coisas fundamentais que a Arábia Saudita tem em abundância: dinheiro e energia. O reino está investindo os lucros do petróleo na compra de semicondutores, na construção de supercomputadores, na atração de talentos e na construção de centrais de dados alimentadas pela sua abundante eletricidade. A aposta é que a Arábia Saudita um dia seja exportadora de poder de computação de IA.

Majid Ali AlShehry, gerente-geral de estudos da Autoridade Saudita para os Dados e a IA, uma agência governamental que supervisiona iniciativas de IA, disse que 70% dos 96 objetivos estratégicos delineados na Visão 2030 envolviam o uso de dados e IA.

“Vemos a IA como um dos principais facilitadores de todos os demais setores”, disse ele em uma entrevista no escritório da agência em Riad, onde funcionários próximos trabalhavam no desenvolvimento de um chatbot árabe chamado Allam.

Esses objetivos permearam o reino. Cartazes da Visão 2030 são visíveis em toda Riad. Os jovens sauditas descrevem o príncipe herdeiro como alguém que administra o reino como se este fosse uma start-up. Muitos líderes tecnológicos repetiram o sentimento.

“A Arábia Saudita tem um fundador”, disse Ben Horowitz, fundador da Andreessen Horowitz, no ano passado, em uma conferência em Miami. “Mas não o chamamos de fundador, e sim de sua alteza real.”

Alguns questionam se a Arábia Saudita pode se tornar um centro tecnológico global. O reino tem enfrentado escrutínio por causa do seu histórico em relação aos direitos humanos, intolerância à homossexualidade e calor brutal. Mas, para aqueles do mundo tecnológico que visitaram Riad no mês passado, as preocupações pareciam secundárias em relação à quantidade vertiginosa de negociações em curso.

“Eles estão simplesmente despejando dinheiro na IA”, disse Peter Lillian, engenheiro da Groq, fabricante americana de semicondutores que alimentam sistemas de IA. A Groq está trabalhando com a Neom, uma cidade futurista que a Arábia Saudita está construindo no deserto, e com a Aramco, a gigante estatal do petróleo. “Estamos fazendo muitos acordos”, disse ele.

Dividida entre superpotências

Situada ao longo das águas azul-turquesa do Mar Vermelho, a Universidade de Ciência e Tecnologia Rei Abdullah tornou-se um palco do embate tecnológico entre EUA e China.

A universidade, conhecida como KAUST, é fundamental para os planos da Arábia Saudita de saltar para a liderança no setor da IA. Inspirada em universidades como a Caltech, a KAUST é a principal faculdade de pesquisa científica do reino, trazendo líderes de IA estrangeiros e fornecendo recursos de computação para construir um epicentro para a pesquisa em IA.

Para atingir esse objetivo, a KAUST recorreu frequentemente à China para recrutar estudantes e professores e para estabelecer parcerias de pesquisa, alarmando as autoridades americanas. Eles temem que estudantes e professores de universidades ligadas ao exército chinês usem o KAUST para contornar as sanções dos EUA e impulsionar a China na corrida pela supremacia em IA, disseram analistas e autoridades dos EUA.

Particularmente preocupante é a construção por parte da universidade de um dos supercomputadores mais rápidos da região, que precisa de milhares de microchips fabricados pela Nvidia, a maior fabricante dos preciosos chips que alimentam os sistemas de IA. A encomenda de chips da universidade, com valor estimado em mais de US$ 100 milhões, está sendo adiada por uma revisão do governo dos EUA, que precisa fornecer uma licença de exportação antes que a venda possa ser concretizada.

Vista de Riad da Al-Faisaliah Tower, 27 de outubro de 2022.  Foto: Tamir Kalifa/The New York Times

Tanto China como EUA querem manter o príncipe Mohammed por perto. As ambições em relação à IA acrescentam uma nova camada de importância geopolítica a um reino que já é fundamental para a política do Médio Oriente e para o abastecimento energético global. Uma visita de Xi Jinping, líder da China, à Arábia Saudita em 2016 abriu caminho para novas cooperações tecnológicas. Habituadas a uma política industrial de cima para baixo, as empresas chinesas se expandiram rapidamente no reino, formando parcerias com grandes empresas estatais. Os EUA pressionaram a Arábia Saudita a escolher um lado, mas o príncipe Mohammed parece contente em se beneficiar de ambos os países.

Schmidhuber, o pesquisador que lidera os esforços de IA da KAUST, viu essa briga de perto. Considerado um pioneiro da IA moderna (entre os alunos de um laboratório que ele liderou estavam o fundador da DeepMind, uma empresa de IA agora pertencente ao Google), ele foi atraído para o deserto em 2021.

Ele disse que relutou em se mudar no início, mas os funcionários da universidade, por meio de um headhunter, “tentaram torná-la cada vez mais atraente para mim”.

Agora Schmidhuber aguarda a conclusão do supercomputador Shaheen 3, que é uma oportunidade para atrair mais talentos de alto nível para o Golfo Pérsico e para dar aos pesquisadores acesso a um poder computacional muitas vezes reservado a grandes empresas.

“Nenhuma outra universidade terá algo semelhante”, disse ele. Alguns em Washington temem que o supercomputador possa proporcionar aos pesquisadores das universidades chinesas acesso a recursos computacionais de ponta que eles não teriam como acessar na China. Mais de uma dúzia de estudantes e funcionários da KAUST são de universidades chinesas ligadas aos militares, conhecidas como os Sete Filhos da Defesa Nacional, de acordo com uma análise do New York Times. Durante o governo Trump, os EUA bloquearam a entrada de estudantes dessas universidades por causa de preocupações com a possibilidade de eles levarem tecnologias delicadas de volta às forças armadas da China.

“Os EUA deveriam agir rapidamente para negar licenças de exportação a qualquer entidade se o usuário final for provavelmente um agente do Exército de Libertação Popular”, disse o deputado republicano Mike Gallagher, de Wisconsin, em um comunicado.

Um funcionário do alto escalão da Casa Branca, falando sob condição de anonimato, disse que a política padrão dos EUA era compartilhar tecnologia com a Arábia Saudita, um aliado fundamental no golfo, mas que havia preocupações e riscos de segurança nacional em relação à IA.

O departamento do comércio não quis comentar. O ministério das relações exteriores da China não respondeu às perguntas enviadas por fax.

Uma porta-voz da KAUST disse: “Cumpriremos rigorosamente todos os termos e condições da licença de exportação dos EUA para todo o ciclo de vida do Shaheen 3″.

Schmidhuber disse que o governo saudita estava, em última análise, alinhado com os EUA. Assim como a tecnologia dos EUA ajudou a criar a indústria petrolífera da Arábia Saudita, ela desempenhará um papel fundamental no desenvolvimento da IA. “Ninguém quer colocar isso em risco”, disse ele.

A corrida do ouro

Aladin Ben, um empreendedor da IA de origem alemã e tunisiana, estava em Bali no ano passado quando recebeu um e-mail de uma agência saudita que trabalhava com problemas de IA. A agência conhecia sua startup de software, Memorality, que projeta ferramentas para facilitar a incorporação de IA pelas empresas, e queria trabalhar em conjunto.

Desde então, Ben, 31 anos, viajou cinco vezes para a Arábia Saudita. Ele agora está negociando com o reino um investimento e outras parcerias. Mas a sua empresa poderá ter de se constituir na Arábia Saudita para obter todos os benefícios da oferta do governo, que inclui a compra de centenas de assinaturas anuais do seu software em um contrato no valor de cerca de US$ 800 mil por mês.

“Quer quer um acordo sério precisa estar aqui”, disse Ben em entrevista em Riad.

A Arábia Saudita já foi vista como uma fonte de dinheiro com poucos compromissos. Agora, acrescentou condições aos seus negócios, exigindo que muitas empresas estabelecessem raízes no reino para participarem nos lucros financeiros extraordinários.

Isso ficou evidente no GAIA, um acelerador de start-ups de IA, para o qual as autoridades sauditas anunciaram US$ 1 bilhão em financiamento no mês passado.

Cada startup do programa recebe uma subvenção no valor de cerca de US$ 40 mil em troca de passar pelo menos três meses em Riad, juntamente com um investimento potencial de US$ 100 mil. Os empresários são obrigados a registar a sua empresa no reino e a gastar 50% do seu investimento na Arábia Saudita. Eles também recebem acesso gratuito ao poder de computação adquirido da Amazon e do Google.

Cerca de 50 start-ups – incluindo de países como Taiwan, Coreia do Sul, Suécia, Polônia e EUA – passaram pelo programa GAIA desde o seu início, no ano passado.

“Queremos atrair talentos e queremos que eles permaneçam”, disse Mohammed Almazyad, gestor de programa do GAIA. “Costumávamos depender muito do petróleo e agora queremos diversificar.”

Mohammed Almazyad, gerente de programação da GAIA no Garagem, 5 de março de 2024.  Foto: Iman Al-dabbagh/The New York Times

Uma das maiores tentações para start-ups de IA é a oportunidade de fazer do abastado governo saudita um cliente. Em uma reunião recente, Abdullah Alswaha, ministro sênior das comunicações e tecnologias de informação, pediu às startups do GAIA que sugerissem o que poderiam fornecer ao governo saudita, incluindo para projetos de megacidades como Neom. Posteriormente, muitas das empresas receberam mensagens apresentando-as a empresas estatais, disse Almazyad.

“Eu diria que, nas primeiras etapas, esse processo não é orgânico”, disse ele. “Não encontramos isso no Vale do Silício. Um dia, o processo será orgânico.”

A decisão de se estabelecer em Riad traz desafios. Há o calor, que atinge mais de 43˚C no verão, bem como os ajustes da mudança para um reino muçulmano profundamente religioso. Embora a Arábia Saudita tenha afrouxado algumas restrições nos últimos anos, a liberdade de expressão permanece limitada e pessoas LGBTQ podem enfrentar sanções criminais.

Almazyad, que espera um dia estudar nos EUA, disse que as diferenças culturais podem dificultar o recrutamento internacional de talentos no setor da IA. Mas advertiu contra subestimar a determinação da Arábia Saudita.

“Este é apenas o começo”, disse ele./ TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

RIAD - Em uma manhã de segunda feira do mês passado, executivos de tecnologia, engenheiros e representantes de vendas da Amazon, Google, TikTok e outras empresas enfrentaram um engarrafamento de três horas enquanto seus carros se arrastavam em direção a uma gigantesca conferência em um espaço para eventos no deserto, a 80 quilômetros de Riad.

A isca: bilhões de dólares em dinheiro saudita, disponíveis enquanto o reino procura construir uma indústria tecnológica para complementar o seu domínio no setor do petróleo.

Para contornar o congestionamento, os frustrados participantes do evento dirigiram até o acostamento da rodovia, levantando nuvens de areia do deserto ao passarem por aqueles que seguiam as regras de trânsito. Alguns sortudos aproveitaram uma saída especial da rodovia dedicada a “VVIPs” – pessoas muito, muito importantes.

Conferência de tecnologia Leap no deserto nos arredores de Riad reuniu mais de 200 mil pessoas, 6 de março de 2024.  Foto: Iman Al-dabbagh/The New York Times

Mais de 200 mil pessoas convergiram para a conferência, incluindo Adam Selipsky, diretor executivo da divisão de computação em nuvem da Amazon, que anunciou um investimento de US$ 5,3 bilhões na Arábia Saudita para centrais de dados e tecnologia de inteligência artificial. Arvind Krishna, diretor executivo da IBM, falou do que um ministro do governo chamou de “amizade para a vida toda” com o reino. Executivos da Huawei e de dezenas de outras empresas fizeram discursos. Mais de US$ 10 bilhões em negócios foram feitos lá, de acordo com a agência de imprensa estatal da Arábia Saudita.

“Este é um grande país”, disse Shou Chew, diretor executivo do TikTok, durante a conferência, anunciando o crescimento do aplicativo de vídeo no reino. “Esperamos investir ainda mais.”

Todo mundo no setor da tecnologia parece querer se aproximar da Arábia Saudita agora, já que o reino definiu como seu objetivo tornar-se um participante dominante na IA – e está investindo somas impressionantes para tal fim.

A Arábia Saudita criou um fundo de US$ 100 bilhões este ano para investir em IA e outras tecnologias. Está em negociações com a Andreessen Horowitz, a firma de capital de risco do Vale do Silício, e outros investidores para aplicar US$ 40 bilhões adicionais em empresas de IA. Em março, o governo disse que investiria US$ 1 bilhão em uma aceleradora de startups inspirada no Vale do Silício para atrair empresários da IA para o reino. As iniciativas superam facilmente as da maioria dos grandes investimentos de estados-nações, como a promessa britânica de aplicar US$ 100 milhões no Instituto Alan Turing.

Estande da conferência de tecnologia Leap, Riad, 6 de março de 2024.  Foto: Iman Al-dabbagh/The New York Times

A campanha de gastos resulta de um esforço geracional delineado em 2016 pelo príncipe herdeiro Mohammed bin Salman e conhecido como “Visão 2030″. A Arábia Saudita está correndo para diversificar sua economia rica em petróleo em áreas como tecnologia, turismo, cultura e esportes, investindo cerca de US$ 200 milhões por ano para ter a estrela do futebol Cristiano Ronaldo e planejando a construção de um arranha-céu espelhado com 160 quilômetros de comprimento no deserto.

Para a indústria tecnológica, faz tempo que a Arábia Saudita é uma fonte de financiamento. Mas o reino está agora redirecionando sua riqueza petrolífera para a construção de uma indústria tecnológica nacional, exigindo que as empresas internacionais estabeleçam raízes lá se quiserem o seu dinheiro.

Se o príncipe Mohammed tiver sucesso, colocará a Arábia Saudita no meio de uma crescente competição global entre China, Estados Unidos e outros países como a França, que fizeram avanços na IA generativa. Combinando seus esforços em IA com os do seu vizinho, os Emirados Árabes Unidos, o plano da Arábia Saudita tem o potencial de criar um novo centro de poder na indústria tecnológica global.

“Venho aqui convidar todos os sonhadores, inovadores, investidores e pensadores a se juntarem a nós, aqui no reino, para realizarmos juntos nossas ambições”, observou o príncipe Mohammed em um discurso de 2020 sobre IA.

As ambições dele são geopoliticamente delicadas, conforme China e EUA procuram criar esferas de influência no domínio da IA para moldar o futuro das tecnologias mais importantes.

Participantes da conferência de tecnologia Leap, na Arábia Saudita, 6 de março de 2024.  Foto: Iman Al-dabbagh/The New York Times

Em Washington, muitos temem que os objetivos e as tendências autoritárias do reino possam funcionar contra os interesses dos EUA – por exemplo, se a Arábia Saudita acabar fornecendo poder computacional a pesquisadores e empresas chinesas. Este mês, a Casa Branca negociou um acordo para o investimento da Microsoft na G42, uma empresa de IA nos Emirados, com o objetivo parcial de diminuir a influência da China.

Para a China, a região do Golfo Pérsico oferece um grande mercado, acesso a investidores endinheirados e uma oportunidade de exercer influência em países tradicionalmente aliados aos EUA. A forma de vigilância alimentada por IA da China já foi incorporada no policiamento na região.

Alguns líderes da indústria começaram a chegar. Jürgen Schmidhuber, um pioneiro da IA que agora lidera um programa de IA na principal universidade de pesquisa da Arábia Saudita, a Universidade de Ciência e Tecnologia Rei Abdullah, relembrou as raízes do reino séculos atrás como um centro científico e matemático.

“Seria maravilhoso contribuir para um novo mundo e ressuscitar esta era de ouro”, disse ele. “Sim, vai custar dinheiro, mas há muito dinheiro neste país.”

A disposição em gastar esteve em destaque no mês passado, em um evento de gala em Riad organizado pelo governo saudita, que coincidiu com a conferência Leap. Holofotes de Hollywood brilhavam no céu acima da cidade enquanto os convidados chegavam em Maseratis, Mercedes e Porches com motorista. Dentro de um estacionamento de 28.000 metros quadrados que foi convertido há dois anos em um dos maiores espaços para start-ups do mundo, os participantes se misturaram, debateram a abertura de escritórios em Riad e beberam suco de romã e café com aroma de cardamomo.

“Há algo acontecendo aqui”, disse Hilmar Veigar Petursson, diretor executivo da CCP Games, a empresa islandesa por trás do popular jogo Eve Online, que estava no evento. “Tive uma sensação muito semelhante quando voltei da China em 2005.”

Garagem, um antigo estacionamento que foi convertido há dois anos no maior espaço de startups do mundo, Riad, 5 de março de 2024.  Foto: Iman Al-dabbagh/The New York Times
Dentro do Garagem, grafite com mensagem motivacional, sala para cochilos e mesa de ping-pong.  Foto: Iman Al-dabbagh/The New York Times

Um roteiro de ficção científica

O projeto Visão 2030 do príncipe Mohammed, revelado há oito anos, parece saído de um roteiro de ficção científica.

De acordo com o plano, novas cidades futurísticas serão construídas no deserto ao longo do Mar Vermelho, voltadas para a tecnologia e os serviços digitais. E o reino, que investiu bilhões em start-ups tecnológicas como a Uber e em veículos de investimento como o Vision Fund do SoftBank, gastaria mais.

Isso chamou a atenção do Vale do Silício. Quando o príncipe Mohammed visitou a Califórnia em 2018, Sergey Brin, cofundador do Google, acompanhou-o em uma caminhada pelo arborizado campus da empresa. Tim Cook, diretor executivo da Apple, mostrou-lhe os produtos da empresa. O príncipe também viajou para Seattle, onde se encontrou com Bill Gates, da Microsoft; Satya Nadella, diretor executivo da empresa; e Jeff Bezos, da Amazon.

Foi um momento chave para as ambições tecnológicas da Arábia Saudita, com o príncipe Mohammed se apresentando como um reformador jovem e com experiência digital. Mas o entusiasmo diminuiu alguns meses depois, quando Jamal Khashoggi, colunista do Washington Post e crítico do príncipe herdeiro, foi morto no consulado saudita em Istambul. O príncipe Mohammed negou envolvimento, mas a CIA concluiu que ele havia aprovado o assassinato.

Por um breve período, foi considerado inconveniente associar-se à Arábia Saudita. Executivos cancelaram visitas ao reino. Mas a atração do seu dinheiro acabou por ser forte demais.

Cartaz de divulgação do Vision 2030 com a foto do príncipe herdeiro Mohammed bin Salman exibido em prédio em Riad, 22 de outubro de 2024. Foto: Tamir Kalifa/The New York Times

O desenvolvimento da IA depende de duas coisas fundamentais que a Arábia Saudita tem em abundância: dinheiro e energia. O reino está investindo os lucros do petróleo na compra de semicondutores, na construção de supercomputadores, na atração de talentos e na construção de centrais de dados alimentadas pela sua abundante eletricidade. A aposta é que a Arábia Saudita um dia seja exportadora de poder de computação de IA.

Majid Ali AlShehry, gerente-geral de estudos da Autoridade Saudita para os Dados e a IA, uma agência governamental que supervisiona iniciativas de IA, disse que 70% dos 96 objetivos estratégicos delineados na Visão 2030 envolviam o uso de dados e IA.

“Vemos a IA como um dos principais facilitadores de todos os demais setores”, disse ele em uma entrevista no escritório da agência em Riad, onde funcionários próximos trabalhavam no desenvolvimento de um chatbot árabe chamado Allam.

Esses objetivos permearam o reino. Cartazes da Visão 2030 são visíveis em toda Riad. Os jovens sauditas descrevem o príncipe herdeiro como alguém que administra o reino como se este fosse uma start-up. Muitos líderes tecnológicos repetiram o sentimento.

“A Arábia Saudita tem um fundador”, disse Ben Horowitz, fundador da Andreessen Horowitz, no ano passado, em uma conferência em Miami. “Mas não o chamamos de fundador, e sim de sua alteza real.”

Alguns questionam se a Arábia Saudita pode se tornar um centro tecnológico global. O reino tem enfrentado escrutínio por causa do seu histórico em relação aos direitos humanos, intolerância à homossexualidade e calor brutal. Mas, para aqueles do mundo tecnológico que visitaram Riad no mês passado, as preocupações pareciam secundárias em relação à quantidade vertiginosa de negociações em curso.

“Eles estão simplesmente despejando dinheiro na IA”, disse Peter Lillian, engenheiro da Groq, fabricante americana de semicondutores que alimentam sistemas de IA. A Groq está trabalhando com a Neom, uma cidade futurista que a Arábia Saudita está construindo no deserto, e com a Aramco, a gigante estatal do petróleo. “Estamos fazendo muitos acordos”, disse ele.

Dividida entre superpotências

Situada ao longo das águas azul-turquesa do Mar Vermelho, a Universidade de Ciência e Tecnologia Rei Abdullah tornou-se um palco do embate tecnológico entre EUA e China.

A universidade, conhecida como KAUST, é fundamental para os planos da Arábia Saudita de saltar para a liderança no setor da IA. Inspirada em universidades como a Caltech, a KAUST é a principal faculdade de pesquisa científica do reino, trazendo líderes de IA estrangeiros e fornecendo recursos de computação para construir um epicentro para a pesquisa em IA.

Para atingir esse objetivo, a KAUST recorreu frequentemente à China para recrutar estudantes e professores e para estabelecer parcerias de pesquisa, alarmando as autoridades americanas. Eles temem que estudantes e professores de universidades ligadas ao exército chinês usem o KAUST para contornar as sanções dos EUA e impulsionar a China na corrida pela supremacia em IA, disseram analistas e autoridades dos EUA.

Particularmente preocupante é a construção por parte da universidade de um dos supercomputadores mais rápidos da região, que precisa de milhares de microchips fabricados pela Nvidia, a maior fabricante dos preciosos chips que alimentam os sistemas de IA. A encomenda de chips da universidade, com valor estimado em mais de US$ 100 milhões, está sendo adiada por uma revisão do governo dos EUA, que precisa fornecer uma licença de exportação antes que a venda possa ser concretizada.

Vista de Riad da Al-Faisaliah Tower, 27 de outubro de 2022.  Foto: Tamir Kalifa/The New York Times

Tanto China como EUA querem manter o príncipe Mohammed por perto. As ambições em relação à IA acrescentam uma nova camada de importância geopolítica a um reino que já é fundamental para a política do Médio Oriente e para o abastecimento energético global. Uma visita de Xi Jinping, líder da China, à Arábia Saudita em 2016 abriu caminho para novas cooperações tecnológicas. Habituadas a uma política industrial de cima para baixo, as empresas chinesas se expandiram rapidamente no reino, formando parcerias com grandes empresas estatais. Os EUA pressionaram a Arábia Saudita a escolher um lado, mas o príncipe Mohammed parece contente em se beneficiar de ambos os países.

Schmidhuber, o pesquisador que lidera os esforços de IA da KAUST, viu essa briga de perto. Considerado um pioneiro da IA moderna (entre os alunos de um laboratório que ele liderou estavam o fundador da DeepMind, uma empresa de IA agora pertencente ao Google), ele foi atraído para o deserto em 2021.

Ele disse que relutou em se mudar no início, mas os funcionários da universidade, por meio de um headhunter, “tentaram torná-la cada vez mais atraente para mim”.

Agora Schmidhuber aguarda a conclusão do supercomputador Shaheen 3, que é uma oportunidade para atrair mais talentos de alto nível para o Golfo Pérsico e para dar aos pesquisadores acesso a um poder computacional muitas vezes reservado a grandes empresas.

“Nenhuma outra universidade terá algo semelhante”, disse ele. Alguns em Washington temem que o supercomputador possa proporcionar aos pesquisadores das universidades chinesas acesso a recursos computacionais de ponta que eles não teriam como acessar na China. Mais de uma dúzia de estudantes e funcionários da KAUST são de universidades chinesas ligadas aos militares, conhecidas como os Sete Filhos da Defesa Nacional, de acordo com uma análise do New York Times. Durante o governo Trump, os EUA bloquearam a entrada de estudantes dessas universidades por causa de preocupações com a possibilidade de eles levarem tecnologias delicadas de volta às forças armadas da China.

“Os EUA deveriam agir rapidamente para negar licenças de exportação a qualquer entidade se o usuário final for provavelmente um agente do Exército de Libertação Popular”, disse o deputado republicano Mike Gallagher, de Wisconsin, em um comunicado.

Um funcionário do alto escalão da Casa Branca, falando sob condição de anonimato, disse que a política padrão dos EUA era compartilhar tecnologia com a Arábia Saudita, um aliado fundamental no golfo, mas que havia preocupações e riscos de segurança nacional em relação à IA.

O departamento do comércio não quis comentar. O ministério das relações exteriores da China não respondeu às perguntas enviadas por fax.

Uma porta-voz da KAUST disse: “Cumpriremos rigorosamente todos os termos e condições da licença de exportação dos EUA para todo o ciclo de vida do Shaheen 3″.

Schmidhuber disse que o governo saudita estava, em última análise, alinhado com os EUA. Assim como a tecnologia dos EUA ajudou a criar a indústria petrolífera da Arábia Saudita, ela desempenhará um papel fundamental no desenvolvimento da IA. “Ninguém quer colocar isso em risco”, disse ele.

A corrida do ouro

Aladin Ben, um empreendedor da IA de origem alemã e tunisiana, estava em Bali no ano passado quando recebeu um e-mail de uma agência saudita que trabalhava com problemas de IA. A agência conhecia sua startup de software, Memorality, que projeta ferramentas para facilitar a incorporação de IA pelas empresas, e queria trabalhar em conjunto.

Desde então, Ben, 31 anos, viajou cinco vezes para a Arábia Saudita. Ele agora está negociando com o reino um investimento e outras parcerias. Mas a sua empresa poderá ter de se constituir na Arábia Saudita para obter todos os benefícios da oferta do governo, que inclui a compra de centenas de assinaturas anuais do seu software em um contrato no valor de cerca de US$ 800 mil por mês.

“Quer quer um acordo sério precisa estar aqui”, disse Ben em entrevista em Riad.

A Arábia Saudita já foi vista como uma fonte de dinheiro com poucos compromissos. Agora, acrescentou condições aos seus negócios, exigindo que muitas empresas estabelecessem raízes no reino para participarem nos lucros financeiros extraordinários.

Isso ficou evidente no GAIA, um acelerador de start-ups de IA, para o qual as autoridades sauditas anunciaram US$ 1 bilhão em financiamento no mês passado.

Cada startup do programa recebe uma subvenção no valor de cerca de US$ 40 mil em troca de passar pelo menos três meses em Riad, juntamente com um investimento potencial de US$ 100 mil. Os empresários são obrigados a registar a sua empresa no reino e a gastar 50% do seu investimento na Arábia Saudita. Eles também recebem acesso gratuito ao poder de computação adquirido da Amazon e do Google.

Cerca de 50 start-ups – incluindo de países como Taiwan, Coreia do Sul, Suécia, Polônia e EUA – passaram pelo programa GAIA desde o seu início, no ano passado.

“Queremos atrair talentos e queremos que eles permaneçam”, disse Mohammed Almazyad, gestor de programa do GAIA. “Costumávamos depender muito do petróleo e agora queremos diversificar.”

Mohammed Almazyad, gerente de programação da GAIA no Garagem, 5 de março de 2024.  Foto: Iman Al-dabbagh/The New York Times

Uma das maiores tentações para start-ups de IA é a oportunidade de fazer do abastado governo saudita um cliente. Em uma reunião recente, Abdullah Alswaha, ministro sênior das comunicações e tecnologias de informação, pediu às startups do GAIA que sugerissem o que poderiam fornecer ao governo saudita, incluindo para projetos de megacidades como Neom. Posteriormente, muitas das empresas receberam mensagens apresentando-as a empresas estatais, disse Almazyad.

“Eu diria que, nas primeiras etapas, esse processo não é orgânico”, disse ele. “Não encontramos isso no Vale do Silício. Um dia, o processo será orgânico.”

A decisão de se estabelecer em Riad traz desafios. Há o calor, que atinge mais de 43˚C no verão, bem como os ajustes da mudança para um reino muçulmano profundamente religioso. Embora a Arábia Saudita tenha afrouxado algumas restrições nos últimos anos, a liberdade de expressão permanece limitada e pessoas LGBTQ podem enfrentar sanções criminais.

Almazyad, que espera um dia estudar nos EUA, disse que as diferenças culturais podem dificultar o recrutamento internacional de talentos no setor da IA. Mas advertiu contra subestimar a determinação da Arábia Saudita.

“Este é apenas o começo”, disse ele./ TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

RIAD - Em uma manhã de segunda feira do mês passado, executivos de tecnologia, engenheiros e representantes de vendas da Amazon, Google, TikTok e outras empresas enfrentaram um engarrafamento de três horas enquanto seus carros se arrastavam em direção a uma gigantesca conferência em um espaço para eventos no deserto, a 80 quilômetros de Riad.

A isca: bilhões de dólares em dinheiro saudita, disponíveis enquanto o reino procura construir uma indústria tecnológica para complementar o seu domínio no setor do petróleo.

Para contornar o congestionamento, os frustrados participantes do evento dirigiram até o acostamento da rodovia, levantando nuvens de areia do deserto ao passarem por aqueles que seguiam as regras de trânsito. Alguns sortudos aproveitaram uma saída especial da rodovia dedicada a “VVIPs” – pessoas muito, muito importantes.

Conferência de tecnologia Leap no deserto nos arredores de Riad reuniu mais de 200 mil pessoas, 6 de março de 2024.  Foto: Iman Al-dabbagh/The New York Times

Mais de 200 mil pessoas convergiram para a conferência, incluindo Adam Selipsky, diretor executivo da divisão de computação em nuvem da Amazon, que anunciou um investimento de US$ 5,3 bilhões na Arábia Saudita para centrais de dados e tecnologia de inteligência artificial. Arvind Krishna, diretor executivo da IBM, falou do que um ministro do governo chamou de “amizade para a vida toda” com o reino. Executivos da Huawei e de dezenas de outras empresas fizeram discursos. Mais de US$ 10 bilhões em negócios foram feitos lá, de acordo com a agência de imprensa estatal da Arábia Saudita.

“Este é um grande país”, disse Shou Chew, diretor executivo do TikTok, durante a conferência, anunciando o crescimento do aplicativo de vídeo no reino. “Esperamos investir ainda mais.”

Todo mundo no setor da tecnologia parece querer se aproximar da Arábia Saudita agora, já que o reino definiu como seu objetivo tornar-se um participante dominante na IA – e está investindo somas impressionantes para tal fim.

A Arábia Saudita criou um fundo de US$ 100 bilhões este ano para investir em IA e outras tecnologias. Está em negociações com a Andreessen Horowitz, a firma de capital de risco do Vale do Silício, e outros investidores para aplicar US$ 40 bilhões adicionais em empresas de IA. Em março, o governo disse que investiria US$ 1 bilhão em uma aceleradora de startups inspirada no Vale do Silício para atrair empresários da IA para o reino. As iniciativas superam facilmente as da maioria dos grandes investimentos de estados-nações, como a promessa britânica de aplicar US$ 100 milhões no Instituto Alan Turing.

Estande da conferência de tecnologia Leap, Riad, 6 de março de 2024.  Foto: Iman Al-dabbagh/The New York Times

A campanha de gastos resulta de um esforço geracional delineado em 2016 pelo príncipe herdeiro Mohammed bin Salman e conhecido como “Visão 2030″. A Arábia Saudita está correndo para diversificar sua economia rica em petróleo em áreas como tecnologia, turismo, cultura e esportes, investindo cerca de US$ 200 milhões por ano para ter a estrela do futebol Cristiano Ronaldo e planejando a construção de um arranha-céu espelhado com 160 quilômetros de comprimento no deserto.

Para a indústria tecnológica, faz tempo que a Arábia Saudita é uma fonte de financiamento. Mas o reino está agora redirecionando sua riqueza petrolífera para a construção de uma indústria tecnológica nacional, exigindo que as empresas internacionais estabeleçam raízes lá se quiserem o seu dinheiro.

Se o príncipe Mohammed tiver sucesso, colocará a Arábia Saudita no meio de uma crescente competição global entre China, Estados Unidos e outros países como a França, que fizeram avanços na IA generativa. Combinando seus esforços em IA com os do seu vizinho, os Emirados Árabes Unidos, o plano da Arábia Saudita tem o potencial de criar um novo centro de poder na indústria tecnológica global.

“Venho aqui convidar todos os sonhadores, inovadores, investidores e pensadores a se juntarem a nós, aqui no reino, para realizarmos juntos nossas ambições”, observou o príncipe Mohammed em um discurso de 2020 sobre IA.

As ambições dele são geopoliticamente delicadas, conforme China e EUA procuram criar esferas de influência no domínio da IA para moldar o futuro das tecnologias mais importantes.

Participantes da conferência de tecnologia Leap, na Arábia Saudita, 6 de março de 2024.  Foto: Iman Al-dabbagh/The New York Times

Em Washington, muitos temem que os objetivos e as tendências autoritárias do reino possam funcionar contra os interesses dos EUA – por exemplo, se a Arábia Saudita acabar fornecendo poder computacional a pesquisadores e empresas chinesas. Este mês, a Casa Branca negociou um acordo para o investimento da Microsoft na G42, uma empresa de IA nos Emirados, com o objetivo parcial de diminuir a influência da China.

Para a China, a região do Golfo Pérsico oferece um grande mercado, acesso a investidores endinheirados e uma oportunidade de exercer influência em países tradicionalmente aliados aos EUA. A forma de vigilância alimentada por IA da China já foi incorporada no policiamento na região.

Alguns líderes da indústria começaram a chegar. Jürgen Schmidhuber, um pioneiro da IA que agora lidera um programa de IA na principal universidade de pesquisa da Arábia Saudita, a Universidade de Ciência e Tecnologia Rei Abdullah, relembrou as raízes do reino séculos atrás como um centro científico e matemático.

“Seria maravilhoso contribuir para um novo mundo e ressuscitar esta era de ouro”, disse ele. “Sim, vai custar dinheiro, mas há muito dinheiro neste país.”

A disposição em gastar esteve em destaque no mês passado, em um evento de gala em Riad organizado pelo governo saudita, que coincidiu com a conferência Leap. Holofotes de Hollywood brilhavam no céu acima da cidade enquanto os convidados chegavam em Maseratis, Mercedes e Porches com motorista. Dentro de um estacionamento de 28.000 metros quadrados que foi convertido há dois anos em um dos maiores espaços para start-ups do mundo, os participantes se misturaram, debateram a abertura de escritórios em Riad e beberam suco de romã e café com aroma de cardamomo.

“Há algo acontecendo aqui”, disse Hilmar Veigar Petursson, diretor executivo da CCP Games, a empresa islandesa por trás do popular jogo Eve Online, que estava no evento. “Tive uma sensação muito semelhante quando voltei da China em 2005.”

Garagem, um antigo estacionamento que foi convertido há dois anos no maior espaço de startups do mundo, Riad, 5 de março de 2024.  Foto: Iman Al-dabbagh/The New York Times
Dentro do Garagem, grafite com mensagem motivacional, sala para cochilos e mesa de ping-pong.  Foto: Iman Al-dabbagh/The New York Times

Um roteiro de ficção científica

O projeto Visão 2030 do príncipe Mohammed, revelado há oito anos, parece saído de um roteiro de ficção científica.

De acordo com o plano, novas cidades futurísticas serão construídas no deserto ao longo do Mar Vermelho, voltadas para a tecnologia e os serviços digitais. E o reino, que investiu bilhões em start-ups tecnológicas como a Uber e em veículos de investimento como o Vision Fund do SoftBank, gastaria mais.

Isso chamou a atenção do Vale do Silício. Quando o príncipe Mohammed visitou a Califórnia em 2018, Sergey Brin, cofundador do Google, acompanhou-o em uma caminhada pelo arborizado campus da empresa. Tim Cook, diretor executivo da Apple, mostrou-lhe os produtos da empresa. O príncipe também viajou para Seattle, onde se encontrou com Bill Gates, da Microsoft; Satya Nadella, diretor executivo da empresa; e Jeff Bezos, da Amazon.

Foi um momento chave para as ambições tecnológicas da Arábia Saudita, com o príncipe Mohammed se apresentando como um reformador jovem e com experiência digital. Mas o entusiasmo diminuiu alguns meses depois, quando Jamal Khashoggi, colunista do Washington Post e crítico do príncipe herdeiro, foi morto no consulado saudita em Istambul. O príncipe Mohammed negou envolvimento, mas a CIA concluiu que ele havia aprovado o assassinato.

Por um breve período, foi considerado inconveniente associar-se à Arábia Saudita. Executivos cancelaram visitas ao reino. Mas a atração do seu dinheiro acabou por ser forte demais.

Cartaz de divulgação do Vision 2030 com a foto do príncipe herdeiro Mohammed bin Salman exibido em prédio em Riad, 22 de outubro de 2024. Foto: Tamir Kalifa/The New York Times

O desenvolvimento da IA depende de duas coisas fundamentais que a Arábia Saudita tem em abundância: dinheiro e energia. O reino está investindo os lucros do petróleo na compra de semicondutores, na construção de supercomputadores, na atração de talentos e na construção de centrais de dados alimentadas pela sua abundante eletricidade. A aposta é que a Arábia Saudita um dia seja exportadora de poder de computação de IA.

Majid Ali AlShehry, gerente-geral de estudos da Autoridade Saudita para os Dados e a IA, uma agência governamental que supervisiona iniciativas de IA, disse que 70% dos 96 objetivos estratégicos delineados na Visão 2030 envolviam o uso de dados e IA.

“Vemos a IA como um dos principais facilitadores de todos os demais setores”, disse ele em uma entrevista no escritório da agência em Riad, onde funcionários próximos trabalhavam no desenvolvimento de um chatbot árabe chamado Allam.

Esses objetivos permearam o reino. Cartazes da Visão 2030 são visíveis em toda Riad. Os jovens sauditas descrevem o príncipe herdeiro como alguém que administra o reino como se este fosse uma start-up. Muitos líderes tecnológicos repetiram o sentimento.

“A Arábia Saudita tem um fundador”, disse Ben Horowitz, fundador da Andreessen Horowitz, no ano passado, em uma conferência em Miami. “Mas não o chamamos de fundador, e sim de sua alteza real.”

Alguns questionam se a Arábia Saudita pode se tornar um centro tecnológico global. O reino tem enfrentado escrutínio por causa do seu histórico em relação aos direitos humanos, intolerância à homossexualidade e calor brutal. Mas, para aqueles do mundo tecnológico que visitaram Riad no mês passado, as preocupações pareciam secundárias em relação à quantidade vertiginosa de negociações em curso.

“Eles estão simplesmente despejando dinheiro na IA”, disse Peter Lillian, engenheiro da Groq, fabricante americana de semicondutores que alimentam sistemas de IA. A Groq está trabalhando com a Neom, uma cidade futurista que a Arábia Saudita está construindo no deserto, e com a Aramco, a gigante estatal do petróleo. “Estamos fazendo muitos acordos”, disse ele.

Dividida entre superpotências

Situada ao longo das águas azul-turquesa do Mar Vermelho, a Universidade de Ciência e Tecnologia Rei Abdullah tornou-se um palco do embate tecnológico entre EUA e China.

A universidade, conhecida como KAUST, é fundamental para os planos da Arábia Saudita de saltar para a liderança no setor da IA. Inspirada em universidades como a Caltech, a KAUST é a principal faculdade de pesquisa científica do reino, trazendo líderes de IA estrangeiros e fornecendo recursos de computação para construir um epicentro para a pesquisa em IA.

Para atingir esse objetivo, a KAUST recorreu frequentemente à China para recrutar estudantes e professores e para estabelecer parcerias de pesquisa, alarmando as autoridades americanas. Eles temem que estudantes e professores de universidades ligadas ao exército chinês usem o KAUST para contornar as sanções dos EUA e impulsionar a China na corrida pela supremacia em IA, disseram analistas e autoridades dos EUA.

Particularmente preocupante é a construção por parte da universidade de um dos supercomputadores mais rápidos da região, que precisa de milhares de microchips fabricados pela Nvidia, a maior fabricante dos preciosos chips que alimentam os sistemas de IA. A encomenda de chips da universidade, com valor estimado em mais de US$ 100 milhões, está sendo adiada por uma revisão do governo dos EUA, que precisa fornecer uma licença de exportação antes que a venda possa ser concretizada.

Vista de Riad da Al-Faisaliah Tower, 27 de outubro de 2022.  Foto: Tamir Kalifa/The New York Times

Tanto China como EUA querem manter o príncipe Mohammed por perto. As ambições em relação à IA acrescentam uma nova camada de importância geopolítica a um reino que já é fundamental para a política do Médio Oriente e para o abastecimento energético global. Uma visita de Xi Jinping, líder da China, à Arábia Saudita em 2016 abriu caminho para novas cooperações tecnológicas. Habituadas a uma política industrial de cima para baixo, as empresas chinesas se expandiram rapidamente no reino, formando parcerias com grandes empresas estatais. Os EUA pressionaram a Arábia Saudita a escolher um lado, mas o príncipe Mohammed parece contente em se beneficiar de ambos os países.

Schmidhuber, o pesquisador que lidera os esforços de IA da KAUST, viu essa briga de perto. Considerado um pioneiro da IA moderna (entre os alunos de um laboratório que ele liderou estavam o fundador da DeepMind, uma empresa de IA agora pertencente ao Google), ele foi atraído para o deserto em 2021.

Ele disse que relutou em se mudar no início, mas os funcionários da universidade, por meio de um headhunter, “tentaram torná-la cada vez mais atraente para mim”.

Agora Schmidhuber aguarda a conclusão do supercomputador Shaheen 3, que é uma oportunidade para atrair mais talentos de alto nível para o Golfo Pérsico e para dar aos pesquisadores acesso a um poder computacional muitas vezes reservado a grandes empresas.

“Nenhuma outra universidade terá algo semelhante”, disse ele. Alguns em Washington temem que o supercomputador possa proporcionar aos pesquisadores das universidades chinesas acesso a recursos computacionais de ponta que eles não teriam como acessar na China. Mais de uma dúzia de estudantes e funcionários da KAUST são de universidades chinesas ligadas aos militares, conhecidas como os Sete Filhos da Defesa Nacional, de acordo com uma análise do New York Times. Durante o governo Trump, os EUA bloquearam a entrada de estudantes dessas universidades por causa de preocupações com a possibilidade de eles levarem tecnologias delicadas de volta às forças armadas da China.

“Os EUA deveriam agir rapidamente para negar licenças de exportação a qualquer entidade se o usuário final for provavelmente um agente do Exército de Libertação Popular”, disse o deputado republicano Mike Gallagher, de Wisconsin, em um comunicado.

Um funcionário do alto escalão da Casa Branca, falando sob condição de anonimato, disse que a política padrão dos EUA era compartilhar tecnologia com a Arábia Saudita, um aliado fundamental no golfo, mas que havia preocupações e riscos de segurança nacional em relação à IA.

O departamento do comércio não quis comentar. O ministério das relações exteriores da China não respondeu às perguntas enviadas por fax.

Uma porta-voz da KAUST disse: “Cumpriremos rigorosamente todos os termos e condições da licença de exportação dos EUA para todo o ciclo de vida do Shaheen 3″.

Schmidhuber disse que o governo saudita estava, em última análise, alinhado com os EUA. Assim como a tecnologia dos EUA ajudou a criar a indústria petrolífera da Arábia Saudita, ela desempenhará um papel fundamental no desenvolvimento da IA. “Ninguém quer colocar isso em risco”, disse ele.

A corrida do ouro

Aladin Ben, um empreendedor da IA de origem alemã e tunisiana, estava em Bali no ano passado quando recebeu um e-mail de uma agência saudita que trabalhava com problemas de IA. A agência conhecia sua startup de software, Memorality, que projeta ferramentas para facilitar a incorporação de IA pelas empresas, e queria trabalhar em conjunto.

Desde então, Ben, 31 anos, viajou cinco vezes para a Arábia Saudita. Ele agora está negociando com o reino um investimento e outras parcerias. Mas a sua empresa poderá ter de se constituir na Arábia Saudita para obter todos os benefícios da oferta do governo, que inclui a compra de centenas de assinaturas anuais do seu software em um contrato no valor de cerca de US$ 800 mil por mês.

“Quer quer um acordo sério precisa estar aqui”, disse Ben em entrevista em Riad.

A Arábia Saudita já foi vista como uma fonte de dinheiro com poucos compromissos. Agora, acrescentou condições aos seus negócios, exigindo que muitas empresas estabelecessem raízes no reino para participarem nos lucros financeiros extraordinários.

Isso ficou evidente no GAIA, um acelerador de start-ups de IA, para o qual as autoridades sauditas anunciaram US$ 1 bilhão em financiamento no mês passado.

Cada startup do programa recebe uma subvenção no valor de cerca de US$ 40 mil em troca de passar pelo menos três meses em Riad, juntamente com um investimento potencial de US$ 100 mil. Os empresários são obrigados a registar a sua empresa no reino e a gastar 50% do seu investimento na Arábia Saudita. Eles também recebem acesso gratuito ao poder de computação adquirido da Amazon e do Google.

Cerca de 50 start-ups – incluindo de países como Taiwan, Coreia do Sul, Suécia, Polônia e EUA – passaram pelo programa GAIA desde o seu início, no ano passado.

“Queremos atrair talentos e queremos que eles permaneçam”, disse Mohammed Almazyad, gestor de programa do GAIA. “Costumávamos depender muito do petróleo e agora queremos diversificar.”

Mohammed Almazyad, gerente de programação da GAIA no Garagem, 5 de março de 2024.  Foto: Iman Al-dabbagh/The New York Times

Uma das maiores tentações para start-ups de IA é a oportunidade de fazer do abastado governo saudita um cliente. Em uma reunião recente, Abdullah Alswaha, ministro sênior das comunicações e tecnologias de informação, pediu às startups do GAIA que sugerissem o que poderiam fornecer ao governo saudita, incluindo para projetos de megacidades como Neom. Posteriormente, muitas das empresas receberam mensagens apresentando-as a empresas estatais, disse Almazyad.

“Eu diria que, nas primeiras etapas, esse processo não é orgânico”, disse ele. “Não encontramos isso no Vale do Silício. Um dia, o processo será orgânico.”

A decisão de se estabelecer em Riad traz desafios. Há o calor, que atinge mais de 43˚C no verão, bem como os ajustes da mudança para um reino muçulmano profundamente religioso. Embora a Arábia Saudita tenha afrouxado algumas restrições nos últimos anos, a liberdade de expressão permanece limitada e pessoas LGBTQ podem enfrentar sanções criminais.

Almazyad, que espera um dia estudar nos EUA, disse que as diferenças culturais podem dificultar o recrutamento internacional de talentos no setor da IA. Mas advertiu contra subestimar a determinação da Arábia Saudita.

“Este é apenas o começo”, disse ele./ TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

RIAD - Em uma manhã de segunda feira do mês passado, executivos de tecnologia, engenheiros e representantes de vendas da Amazon, Google, TikTok e outras empresas enfrentaram um engarrafamento de três horas enquanto seus carros se arrastavam em direção a uma gigantesca conferência em um espaço para eventos no deserto, a 80 quilômetros de Riad.

A isca: bilhões de dólares em dinheiro saudita, disponíveis enquanto o reino procura construir uma indústria tecnológica para complementar o seu domínio no setor do petróleo.

Para contornar o congestionamento, os frustrados participantes do evento dirigiram até o acostamento da rodovia, levantando nuvens de areia do deserto ao passarem por aqueles que seguiam as regras de trânsito. Alguns sortudos aproveitaram uma saída especial da rodovia dedicada a “VVIPs” – pessoas muito, muito importantes.

Conferência de tecnologia Leap no deserto nos arredores de Riad reuniu mais de 200 mil pessoas, 6 de março de 2024.  Foto: Iman Al-dabbagh/The New York Times

Mais de 200 mil pessoas convergiram para a conferência, incluindo Adam Selipsky, diretor executivo da divisão de computação em nuvem da Amazon, que anunciou um investimento de US$ 5,3 bilhões na Arábia Saudita para centrais de dados e tecnologia de inteligência artificial. Arvind Krishna, diretor executivo da IBM, falou do que um ministro do governo chamou de “amizade para a vida toda” com o reino. Executivos da Huawei e de dezenas de outras empresas fizeram discursos. Mais de US$ 10 bilhões em negócios foram feitos lá, de acordo com a agência de imprensa estatal da Arábia Saudita.

“Este é um grande país”, disse Shou Chew, diretor executivo do TikTok, durante a conferência, anunciando o crescimento do aplicativo de vídeo no reino. “Esperamos investir ainda mais.”

Todo mundo no setor da tecnologia parece querer se aproximar da Arábia Saudita agora, já que o reino definiu como seu objetivo tornar-se um participante dominante na IA – e está investindo somas impressionantes para tal fim.

A Arábia Saudita criou um fundo de US$ 100 bilhões este ano para investir em IA e outras tecnologias. Está em negociações com a Andreessen Horowitz, a firma de capital de risco do Vale do Silício, e outros investidores para aplicar US$ 40 bilhões adicionais em empresas de IA. Em março, o governo disse que investiria US$ 1 bilhão em uma aceleradora de startups inspirada no Vale do Silício para atrair empresários da IA para o reino. As iniciativas superam facilmente as da maioria dos grandes investimentos de estados-nações, como a promessa britânica de aplicar US$ 100 milhões no Instituto Alan Turing.

Estande da conferência de tecnologia Leap, Riad, 6 de março de 2024.  Foto: Iman Al-dabbagh/The New York Times

A campanha de gastos resulta de um esforço geracional delineado em 2016 pelo príncipe herdeiro Mohammed bin Salman e conhecido como “Visão 2030″. A Arábia Saudita está correndo para diversificar sua economia rica em petróleo em áreas como tecnologia, turismo, cultura e esportes, investindo cerca de US$ 200 milhões por ano para ter a estrela do futebol Cristiano Ronaldo e planejando a construção de um arranha-céu espelhado com 160 quilômetros de comprimento no deserto.

Para a indústria tecnológica, faz tempo que a Arábia Saudita é uma fonte de financiamento. Mas o reino está agora redirecionando sua riqueza petrolífera para a construção de uma indústria tecnológica nacional, exigindo que as empresas internacionais estabeleçam raízes lá se quiserem o seu dinheiro.

Se o príncipe Mohammed tiver sucesso, colocará a Arábia Saudita no meio de uma crescente competição global entre China, Estados Unidos e outros países como a França, que fizeram avanços na IA generativa. Combinando seus esforços em IA com os do seu vizinho, os Emirados Árabes Unidos, o plano da Arábia Saudita tem o potencial de criar um novo centro de poder na indústria tecnológica global.

“Venho aqui convidar todos os sonhadores, inovadores, investidores e pensadores a se juntarem a nós, aqui no reino, para realizarmos juntos nossas ambições”, observou o príncipe Mohammed em um discurso de 2020 sobre IA.

As ambições dele são geopoliticamente delicadas, conforme China e EUA procuram criar esferas de influência no domínio da IA para moldar o futuro das tecnologias mais importantes.

Participantes da conferência de tecnologia Leap, na Arábia Saudita, 6 de março de 2024.  Foto: Iman Al-dabbagh/The New York Times

Em Washington, muitos temem que os objetivos e as tendências autoritárias do reino possam funcionar contra os interesses dos EUA – por exemplo, se a Arábia Saudita acabar fornecendo poder computacional a pesquisadores e empresas chinesas. Este mês, a Casa Branca negociou um acordo para o investimento da Microsoft na G42, uma empresa de IA nos Emirados, com o objetivo parcial de diminuir a influência da China.

Para a China, a região do Golfo Pérsico oferece um grande mercado, acesso a investidores endinheirados e uma oportunidade de exercer influência em países tradicionalmente aliados aos EUA. A forma de vigilância alimentada por IA da China já foi incorporada no policiamento na região.

Alguns líderes da indústria começaram a chegar. Jürgen Schmidhuber, um pioneiro da IA que agora lidera um programa de IA na principal universidade de pesquisa da Arábia Saudita, a Universidade de Ciência e Tecnologia Rei Abdullah, relembrou as raízes do reino séculos atrás como um centro científico e matemático.

“Seria maravilhoso contribuir para um novo mundo e ressuscitar esta era de ouro”, disse ele. “Sim, vai custar dinheiro, mas há muito dinheiro neste país.”

A disposição em gastar esteve em destaque no mês passado, em um evento de gala em Riad organizado pelo governo saudita, que coincidiu com a conferência Leap. Holofotes de Hollywood brilhavam no céu acima da cidade enquanto os convidados chegavam em Maseratis, Mercedes e Porches com motorista. Dentro de um estacionamento de 28.000 metros quadrados que foi convertido há dois anos em um dos maiores espaços para start-ups do mundo, os participantes se misturaram, debateram a abertura de escritórios em Riad e beberam suco de romã e café com aroma de cardamomo.

“Há algo acontecendo aqui”, disse Hilmar Veigar Petursson, diretor executivo da CCP Games, a empresa islandesa por trás do popular jogo Eve Online, que estava no evento. “Tive uma sensação muito semelhante quando voltei da China em 2005.”

Garagem, um antigo estacionamento que foi convertido há dois anos no maior espaço de startups do mundo, Riad, 5 de março de 2024.  Foto: Iman Al-dabbagh/The New York Times
Dentro do Garagem, grafite com mensagem motivacional, sala para cochilos e mesa de ping-pong.  Foto: Iman Al-dabbagh/The New York Times

Um roteiro de ficção científica

O projeto Visão 2030 do príncipe Mohammed, revelado há oito anos, parece saído de um roteiro de ficção científica.

De acordo com o plano, novas cidades futurísticas serão construídas no deserto ao longo do Mar Vermelho, voltadas para a tecnologia e os serviços digitais. E o reino, que investiu bilhões em start-ups tecnológicas como a Uber e em veículos de investimento como o Vision Fund do SoftBank, gastaria mais.

Isso chamou a atenção do Vale do Silício. Quando o príncipe Mohammed visitou a Califórnia em 2018, Sergey Brin, cofundador do Google, acompanhou-o em uma caminhada pelo arborizado campus da empresa. Tim Cook, diretor executivo da Apple, mostrou-lhe os produtos da empresa. O príncipe também viajou para Seattle, onde se encontrou com Bill Gates, da Microsoft; Satya Nadella, diretor executivo da empresa; e Jeff Bezos, da Amazon.

Foi um momento chave para as ambições tecnológicas da Arábia Saudita, com o príncipe Mohammed se apresentando como um reformador jovem e com experiência digital. Mas o entusiasmo diminuiu alguns meses depois, quando Jamal Khashoggi, colunista do Washington Post e crítico do príncipe herdeiro, foi morto no consulado saudita em Istambul. O príncipe Mohammed negou envolvimento, mas a CIA concluiu que ele havia aprovado o assassinato.

Por um breve período, foi considerado inconveniente associar-se à Arábia Saudita. Executivos cancelaram visitas ao reino. Mas a atração do seu dinheiro acabou por ser forte demais.

Cartaz de divulgação do Vision 2030 com a foto do príncipe herdeiro Mohammed bin Salman exibido em prédio em Riad, 22 de outubro de 2024. Foto: Tamir Kalifa/The New York Times

O desenvolvimento da IA depende de duas coisas fundamentais que a Arábia Saudita tem em abundância: dinheiro e energia. O reino está investindo os lucros do petróleo na compra de semicondutores, na construção de supercomputadores, na atração de talentos e na construção de centrais de dados alimentadas pela sua abundante eletricidade. A aposta é que a Arábia Saudita um dia seja exportadora de poder de computação de IA.

Majid Ali AlShehry, gerente-geral de estudos da Autoridade Saudita para os Dados e a IA, uma agência governamental que supervisiona iniciativas de IA, disse que 70% dos 96 objetivos estratégicos delineados na Visão 2030 envolviam o uso de dados e IA.

“Vemos a IA como um dos principais facilitadores de todos os demais setores”, disse ele em uma entrevista no escritório da agência em Riad, onde funcionários próximos trabalhavam no desenvolvimento de um chatbot árabe chamado Allam.

Esses objetivos permearam o reino. Cartazes da Visão 2030 são visíveis em toda Riad. Os jovens sauditas descrevem o príncipe herdeiro como alguém que administra o reino como se este fosse uma start-up. Muitos líderes tecnológicos repetiram o sentimento.

“A Arábia Saudita tem um fundador”, disse Ben Horowitz, fundador da Andreessen Horowitz, no ano passado, em uma conferência em Miami. “Mas não o chamamos de fundador, e sim de sua alteza real.”

Alguns questionam se a Arábia Saudita pode se tornar um centro tecnológico global. O reino tem enfrentado escrutínio por causa do seu histórico em relação aos direitos humanos, intolerância à homossexualidade e calor brutal. Mas, para aqueles do mundo tecnológico que visitaram Riad no mês passado, as preocupações pareciam secundárias em relação à quantidade vertiginosa de negociações em curso.

“Eles estão simplesmente despejando dinheiro na IA”, disse Peter Lillian, engenheiro da Groq, fabricante americana de semicondutores que alimentam sistemas de IA. A Groq está trabalhando com a Neom, uma cidade futurista que a Arábia Saudita está construindo no deserto, e com a Aramco, a gigante estatal do petróleo. “Estamos fazendo muitos acordos”, disse ele.

Dividida entre superpotências

Situada ao longo das águas azul-turquesa do Mar Vermelho, a Universidade de Ciência e Tecnologia Rei Abdullah tornou-se um palco do embate tecnológico entre EUA e China.

A universidade, conhecida como KAUST, é fundamental para os planos da Arábia Saudita de saltar para a liderança no setor da IA. Inspirada em universidades como a Caltech, a KAUST é a principal faculdade de pesquisa científica do reino, trazendo líderes de IA estrangeiros e fornecendo recursos de computação para construir um epicentro para a pesquisa em IA.

Para atingir esse objetivo, a KAUST recorreu frequentemente à China para recrutar estudantes e professores e para estabelecer parcerias de pesquisa, alarmando as autoridades americanas. Eles temem que estudantes e professores de universidades ligadas ao exército chinês usem o KAUST para contornar as sanções dos EUA e impulsionar a China na corrida pela supremacia em IA, disseram analistas e autoridades dos EUA.

Particularmente preocupante é a construção por parte da universidade de um dos supercomputadores mais rápidos da região, que precisa de milhares de microchips fabricados pela Nvidia, a maior fabricante dos preciosos chips que alimentam os sistemas de IA. A encomenda de chips da universidade, com valor estimado em mais de US$ 100 milhões, está sendo adiada por uma revisão do governo dos EUA, que precisa fornecer uma licença de exportação antes que a venda possa ser concretizada.

Vista de Riad da Al-Faisaliah Tower, 27 de outubro de 2022.  Foto: Tamir Kalifa/The New York Times

Tanto China como EUA querem manter o príncipe Mohammed por perto. As ambições em relação à IA acrescentam uma nova camada de importância geopolítica a um reino que já é fundamental para a política do Médio Oriente e para o abastecimento energético global. Uma visita de Xi Jinping, líder da China, à Arábia Saudita em 2016 abriu caminho para novas cooperações tecnológicas. Habituadas a uma política industrial de cima para baixo, as empresas chinesas se expandiram rapidamente no reino, formando parcerias com grandes empresas estatais. Os EUA pressionaram a Arábia Saudita a escolher um lado, mas o príncipe Mohammed parece contente em se beneficiar de ambos os países.

Schmidhuber, o pesquisador que lidera os esforços de IA da KAUST, viu essa briga de perto. Considerado um pioneiro da IA moderna (entre os alunos de um laboratório que ele liderou estavam o fundador da DeepMind, uma empresa de IA agora pertencente ao Google), ele foi atraído para o deserto em 2021.

Ele disse que relutou em se mudar no início, mas os funcionários da universidade, por meio de um headhunter, “tentaram torná-la cada vez mais atraente para mim”.

Agora Schmidhuber aguarda a conclusão do supercomputador Shaheen 3, que é uma oportunidade para atrair mais talentos de alto nível para o Golfo Pérsico e para dar aos pesquisadores acesso a um poder computacional muitas vezes reservado a grandes empresas.

“Nenhuma outra universidade terá algo semelhante”, disse ele. Alguns em Washington temem que o supercomputador possa proporcionar aos pesquisadores das universidades chinesas acesso a recursos computacionais de ponta que eles não teriam como acessar na China. Mais de uma dúzia de estudantes e funcionários da KAUST são de universidades chinesas ligadas aos militares, conhecidas como os Sete Filhos da Defesa Nacional, de acordo com uma análise do New York Times. Durante o governo Trump, os EUA bloquearam a entrada de estudantes dessas universidades por causa de preocupações com a possibilidade de eles levarem tecnologias delicadas de volta às forças armadas da China.

“Os EUA deveriam agir rapidamente para negar licenças de exportação a qualquer entidade se o usuário final for provavelmente um agente do Exército de Libertação Popular”, disse o deputado republicano Mike Gallagher, de Wisconsin, em um comunicado.

Um funcionário do alto escalão da Casa Branca, falando sob condição de anonimato, disse que a política padrão dos EUA era compartilhar tecnologia com a Arábia Saudita, um aliado fundamental no golfo, mas que havia preocupações e riscos de segurança nacional em relação à IA.

O departamento do comércio não quis comentar. O ministério das relações exteriores da China não respondeu às perguntas enviadas por fax.

Uma porta-voz da KAUST disse: “Cumpriremos rigorosamente todos os termos e condições da licença de exportação dos EUA para todo o ciclo de vida do Shaheen 3″.

Schmidhuber disse que o governo saudita estava, em última análise, alinhado com os EUA. Assim como a tecnologia dos EUA ajudou a criar a indústria petrolífera da Arábia Saudita, ela desempenhará um papel fundamental no desenvolvimento da IA. “Ninguém quer colocar isso em risco”, disse ele.

A corrida do ouro

Aladin Ben, um empreendedor da IA de origem alemã e tunisiana, estava em Bali no ano passado quando recebeu um e-mail de uma agência saudita que trabalhava com problemas de IA. A agência conhecia sua startup de software, Memorality, que projeta ferramentas para facilitar a incorporação de IA pelas empresas, e queria trabalhar em conjunto.

Desde então, Ben, 31 anos, viajou cinco vezes para a Arábia Saudita. Ele agora está negociando com o reino um investimento e outras parcerias. Mas a sua empresa poderá ter de se constituir na Arábia Saudita para obter todos os benefícios da oferta do governo, que inclui a compra de centenas de assinaturas anuais do seu software em um contrato no valor de cerca de US$ 800 mil por mês.

“Quer quer um acordo sério precisa estar aqui”, disse Ben em entrevista em Riad.

A Arábia Saudita já foi vista como uma fonte de dinheiro com poucos compromissos. Agora, acrescentou condições aos seus negócios, exigindo que muitas empresas estabelecessem raízes no reino para participarem nos lucros financeiros extraordinários.

Isso ficou evidente no GAIA, um acelerador de start-ups de IA, para o qual as autoridades sauditas anunciaram US$ 1 bilhão em financiamento no mês passado.

Cada startup do programa recebe uma subvenção no valor de cerca de US$ 40 mil em troca de passar pelo menos três meses em Riad, juntamente com um investimento potencial de US$ 100 mil. Os empresários são obrigados a registar a sua empresa no reino e a gastar 50% do seu investimento na Arábia Saudita. Eles também recebem acesso gratuito ao poder de computação adquirido da Amazon e do Google.

Cerca de 50 start-ups – incluindo de países como Taiwan, Coreia do Sul, Suécia, Polônia e EUA – passaram pelo programa GAIA desde o seu início, no ano passado.

“Queremos atrair talentos e queremos que eles permaneçam”, disse Mohammed Almazyad, gestor de programa do GAIA. “Costumávamos depender muito do petróleo e agora queremos diversificar.”

Mohammed Almazyad, gerente de programação da GAIA no Garagem, 5 de março de 2024.  Foto: Iman Al-dabbagh/The New York Times

Uma das maiores tentações para start-ups de IA é a oportunidade de fazer do abastado governo saudita um cliente. Em uma reunião recente, Abdullah Alswaha, ministro sênior das comunicações e tecnologias de informação, pediu às startups do GAIA que sugerissem o que poderiam fornecer ao governo saudita, incluindo para projetos de megacidades como Neom. Posteriormente, muitas das empresas receberam mensagens apresentando-as a empresas estatais, disse Almazyad.

“Eu diria que, nas primeiras etapas, esse processo não é orgânico”, disse ele. “Não encontramos isso no Vale do Silício. Um dia, o processo será orgânico.”

A decisão de se estabelecer em Riad traz desafios. Há o calor, que atinge mais de 43˚C no verão, bem como os ajustes da mudança para um reino muçulmano profundamente religioso. Embora a Arábia Saudita tenha afrouxado algumas restrições nos últimos anos, a liberdade de expressão permanece limitada e pessoas LGBTQ podem enfrentar sanções criminais.

Almazyad, que espera um dia estudar nos EUA, disse que as diferenças culturais podem dificultar o recrutamento internacional de talentos no setor da IA. Mas advertiu contra subestimar a determinação da Arábia Saudita.

“Este é apenas o começo”, disse ele./ TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

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