Rússia coopta políticos de extrema direita na Europa com dinheiro, dizem autoridades


Um meio de comunicação apoiado pelo Kremlin – a Voz da Europa, com sede em Praga – canalizou centenas de milhares de euros para políticos de extrema-direita, dizem as autoridades.

Por Catherine Belton e Souad Mekhennet

PRAGA — Quando um associado de um dos aliados mais próximos do presidente russo, Vladimir Putin, lançou aqui um meio de comunicação pró-Kremlin, em maio de 2023, os oficiais da contra-espionagem checa começaram a vigiá-lo cuidadosamente.

Durante quase um ano, de acordo com funcionários dos serviços de informação europeus, as autoridades checas registaram secretamente horas de reuniões entre vários políticos de extrema-direita de toda a Europa e o associado, Artem Marchevsky, que dirigia o site de propaganda Voz da Europa, incluindo no escritório dele em uma rua tranquila no centro de Praga. Autoridades checas e da União Europeia, que fecharam o site, classificaram a Voz da Europa como uma operação russa de propaganda.

A investigação checa se expandiu rapidamente para a Bélgica, Alemanha, Países Baixos, Polônia e França, disseram funcionários europeus de serviços de segurança e inteligência, enquanto os investigadores concluíam que a Voz da Europa representava muito mais do que sua fachada oficial de website pró-Rússia que entrevistava políticos europeus de sua preferência a respeito do fim ajuda à Ucrânia.

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A organização estava sendo usada para canalizar centenas de milhares de euros – até 1 milhão por mês – para dezenas de políticos de extrema-direita em mais de cinco países, para disseminar propaganda do Kremlin nos meios de comunicação ocidentais, o que semearia a divisão na Europa e reforçaria a posição dos candidatos pró-Rússia nas eleições para o Parlamento Europeu desta semana, de acordo com entrevistas com uma dúzia de funcionários de inteligência europeus de cinco países diferentes. A maioria dessas fontes falou sob condição de anonimato para poder comentar uma investigação delicada e ainda em andamento.

As autoridades descreveram a operação russa como uma das mais ambiciosas empreendidas pelo Kremlin na Europa nos seus esforços para minar o apoio à Ucrânia e criar divisões na aliança transatlântica. Ações secretas anteriores apoiadas pelo Kremlin incluem uma tentativa de união da extrema-direita e da extrema-esquerda na Alemanha, alimentar divisões internas na França e sabotagem na Polônia, informou o Washington Post.

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Voz da Europa foi usado para canalizar milhares de euros para políticos de extrema-direita em mais de 5 países, para disseminar propaganda do Kremlin nos meios de comunicação ocidentais. Na foto, presidente russo, Vladimir Putin. Foto: Alexander Kazakov/AFP

Documentos internos do Kremlin obtidos por um dos serviços de inteligência europeus e analisados pelo Post mostram pela primeira vez que a Voz da Europa fazia parte de uma campanha de influência estabelecida pelo Kremlin em estreita coordenação com Viktor Medvedchuk, o aliado de Putin que, até à invasão russa da Ucrânia, liderou um partido de oposição pró-Moscou em Kiev. Mais tarde, foi administrada por um importante representante de Medvedchuk que, de acordo com outros documentos, trabalhou em estreita colaboração com uma unidade do Serviço Federal de Segurança da Rússia, ou FSB, responsável pela Ucrânia e alguns antigos estados soviéticos, também conhecido como Quinto Serviço do FSB.

Após a expulsão da Europa de dezenas de oficiais de inteligência russos após a invasão da Ucrânia, frentes como a Voz da Europa tornaram-se instrumentos para o Kremlin recuperar o terreno perdido, disse um dos funcionários do alto escalão da inteligência europeia. “Os serviços de inteligência russos tiveram de mudar seu trabalho. O resultado é, por exemplo, redes de influência como a Voz da Europa”, disse o funcionário.

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O status do website como organização de notícias foi concebido para dar cobertura, disse outro funcionário dos serviços de informação, tornando “mais fácil abordar os políticos” sob o pretexto de entrevistá-los a respeito da Ucrânia, do antiglobalismo e outras questões.

Michal Koudelka, chefe do serviço de segurança interna checo, disse que a operação Voz da Europa foi também uma tentativa de conseguir mais membros pró-Rússia no Parlamento Europeu e que, depois da votação que começa esta quinta-feira, “havia um plano para que pessoas no Parlamento Europeu conduzissem operações de espionagem clássica” em nome da Rússia.

“Foi uma operação que visava moldar a Europa”, disse Koudelka em uma entrevista.

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Os partidos de extrema-direita podem ficar com 25% dos assentos entre os 720 membros do Parlamento Europeu, de acordo com algumas pesquisas de opinião. E, para a Rússia, o aumento da influência entre esses partidos poderia proporcionar um mecanismo para ameaçar a ajuda à Ucrânia, bem como um terreno fértil para a espionagem, de acordo com Vera Jourova, vice-presidente da Comissão Europeia.

Os políticos pró-Rússia “poderiam realmente dificultar o financiamento [à Ucrânia]”, disse Jourova ao Post.

Dezenas de milhares em dinheiro

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A investigação checa levou a batidas policiais na casa e nos escritórios de um assessor de um membro holandês de extrema-direita do Parlamento Europeu e de Petr Bystron, um dos principais membros do partido Alternativa para a Alemanha, ou AfD, de extrema-direita, e candidato número 2 do partido ao Parlamento Europeu. Bystron, o porta-voz da AfD para as relações exteriores, tem estado entre os alemães mais veementes contra o envio de armas ocidentais para a Ucrânia e a favor da suspensão das sanções à Rússia.

As autoridades alemãs disseram em maio que colocaram Bystron sob investigação por suposta corrupção e lavagem de dinheiro como parte da investigação, e a polícia invadiu seu escritório no parlamento alemão, bem como propriedades suas na Alemanha e na Espanha. De acordo com três dos funcionários do alto escalão da inteligência europeia, em uma gravação, Bystron pode ser ouvido queixando-se a um funcionário da Voz da Europa a respeito da dificuldade de transportar dezenas de milhares de dólares em dinheiro para sua casa de férias em Maiorca.

“Sabíamos que ele era pró-Rússia”, disse um dos funcionários do alto escalão da inteligência, observando os laços de longa data de Bystron com a Rússia e com políticos pró-Rússia na Ucrânia. O responsável acredita que as autoridades reuniram agora provas que sustentam a acusação de que Bystron recebeu dinheiro da Rússia e, em troca, colocou propaganda em publicações de extrema-direita.

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Bystron, nascido na República Checa, não era apenas “uma pessoa passiva que recebia dinheiro”, disse o funcionário. “Ele organizou as coisas”, segundo a fonte, dizendo que Bystron, que fala russo, trouxe outras figuras políticas para a órbita da Voz da Europa e foi “a principal personalidade” envolvida.

“Bystron sabia dos planos para as operações de espionagem” no Parlamento Europeu, disse esta fonte, acrescentando que há provas registradas disso.

Bystron continua sendo candidato ao Parlamento Europeu e denunciou a investigação como uma conspiração dos serviços de segurança europeus para prejudicar a posição da AfD antes das eleições. “Antes de cada eleição é a mesma coisa: difamação com a ajuda dos serviços secretos”, disse ele ao Deutschland Kurier, um site ligado à AfD.

Em uma breve troca de mensagens com a reportagem, Bystron disse: “Já tivemos uma busca domiciliar durante uma campanha eleitoral em 2017, que foi posteriormente declarada ilegal pelos tribunais. Ninguém se interessou depois da eleição.” Ele se recusou a continuar a entrevista e não respondeu a perguntas detalhadas por escrito.

A AfD ainda deve ficar em segundo ou terceiro lugar nas eleições de 6 de junho, atrás da União Democrata Cristã, de centro-direita, apesar da controvérsia, que tocou outros líderes da AfD. Os procuradores na Alemanha afirmaram em um comunicado que iniciaram uma investigação preliminar envolvendo Maximilian Krah por alegações de ter aceitado pagamentos da Rússia e da China pelo seu trabalho como membro da AfD no Parlamento Europeu. A polícia revistou seu escritório como parte de uma investigação de alegações de que um de seus assessores trabalhava como espião para a China. Na quarta feira, a polícia invadiu a residência e os escritórios do assistente parlamentar holandês que já havia trabalhado para Krah.

Krah disse em uma declaração à reportagem que as alegações faziam parte de uma “campanha de desinformação contra o meu partido orquestrada por agências de inteligência” e chamou as acusações de “não apenas erradas”, mas “caluniosas”.

Citação do político da AfD Maximilian Krah "Nunca direi que alguém que usou um uniforme da SS foi automaticamente um criminoso" é colocada em espelho em manifestação contra partido.  Foto: Adam Berry/ADAM BERRY

Os serviços de segurança na Europa ainda estão investigando o papel de dezenas de outros políticos de extrema-direita na rede Voz da Europa, incluindo da França, Bélgica e Países Baixos, bem como de mais seis figuras da AfD, incluindo políticos e assistentes parlamentares, de acordo com pessoas familiarizadas com a investigação. As autoridades belgas também desempenharam um papel de liderança na investigação, com reuniões importantes da Voz da Europa com políticos ocorrendo em outros locais da Europa, incluindo Bruxelas, disseram funcionários do alto escalão.

Uma série de escândalos

Autoridades de segurança europeias e documentos do Kremlin ligam a criação da Voz da Europa no início de 2023 ao governo da Rússia e a Medvedchuk, tão próximo de Putin que o presidente russo é padrinho da sua filha. Medvedchuk foi entregue à Rússia em setembro de 2022 como parte de uma troca de prisioneiros entre Moscou e Kiev. Ele era visto em Moscou como um possível líder da Ucrânia se a invasão russa fosse bem-sucedida e o Kremlin conseguisse instalar seus aliados no poder em Kiev, disseram autoridades de inteligência.

Os documentos do Kremlin mostram que a Voz da Europa estava inicialmente ligada a uma operação de propaganda russa lançada em janeiro de 2023 pelo primeiro vice-chefe de gabinete do Kremlin, Sergei Kiriyenko. Foi concebida para aumentar o apoio a Medvedchuk na Ucrânia e posicioná-lo entre os formadores de opinião europeus como um substituto viável para o presidente ucraniano Volodmir Zelenski, promovendo conversações de paz “como uma alternativa a uma possível guerra nuclear”, afirmam os documentos. A campanha, apelidada de “A Outra Ucrânia”, apresentaria Medvedchuk como o líder de um governo no exílio, mostram os documentos.

O objetivo era criar “uma organização que pudesse ser trazida depois de a Rússia demonstrar a ilegitimidade do regime de Zelenski e negociar o fim da guerra a partir de uma posição de força”, disse um oficial de inteligência familiarizado com os planos.

Medvedchuk não quis comentar.

Os estrategistas políticos do Kremlin, incluindo Ilya Gambashidze e Nikolai Tupikin, a quem os Estados Unidos aplicaram sanções por seu papel desempenhado em campanhas de desinformação, foram contratados para ajudar no lançamento do projeto, que previa a promoção de entrevistas com Medvedchuk e sua organização Outra Ucrânia por meio de uma teia de perfis nas redes sociais e contas do YouTube, e de aparições nos meios de comunicação ocidentais, mostram os documentos do Kremlin.

A Voz da Europa foi descrita como um “recurso de notícias”, com Marchevsky, um associado de longa data de Medvedchuk, no seu comando, mostra um dos documentos. Em julho, a direção-geral foi assumida por Renat Kuzmin, outro associado importante de Medvedchuk, que, de acordo com os documentos, trabalhou em estreita colaboração com o Quinto Serviço do FSB.

Nem o Kremlin nem Kuzmin responderam a pedidos detalhados de comentários.

O site de notícias em Praga, disseram autoridades de inteligência, deu a Marchevsky uma maneira de envolver uma rede de políticos europeus extremistas, alguns dos quais, incluindo Bystron, tinham sido cultivados pelos aliados políticos da Rússia na Ucrânia desde que o Kremlin anexou ilegalmente a Crimeia em 2014. Essas relações foram muitas vezes administradas inicialmente por Oleg Voloshyn, um agente político encarregado das relações exteriores do partido político Pela vida, de Medvedchuk, antes da invasão da Rússia.

Em uma entrevista, Voloshyn disse que apresentou Medvedchuk a Bystron em Berlim em 2020. Voloshyn disse que trouxe Bystron e Krah para Kiev para comemorar seu 40º aniversário em abril de 2021, apresentando-os a Marchevsky, que na época chefiava uma das três estações de televisão de Medvedchuk na Ucrânia.

Depois de Medvedchuk ter sido colocado em prisão domiciliar pelo governo de Zelenski, acusado de traição, Bystron e Krah viajaram novamente para Kiev para visitar Medvedchuk em casa, uma viagem que suscitou preocupações entre as autoridades de segurança europeias.

A capacidade de Voloshyn viajar pela Europa foi prejudicada em janeiro de 2022, pouco antes da invasão russa, quando o Departamento do Tesouro dos EUA o colocou na sua lista de sanções, chamando-o de “joguete do FSB” nos esforços da agência de segurança russa para desestabilizar e assumir o controle da Ucrânia. Voloshyn disse que as sanções — e as alegações de que ele estava ligado à inteligência russa — foram baseadas em informações imprecisas.

Quando Bystron fez uma viagem secreta a Belarus em novembro de 2022 – reconhecendo a visita apenas depois de esta ser denunciada pelos meios de comunicação lituanos e alemães – ele se encontrou com Voloshyn, que tinha mudado para lá após a invasão russa, Voloshyn disse à reportagem.

Voloshyn disse que conectou Bystron com Medvedchuk por telefone durante a visita, mas insistiu que o alemão e o ucraniano conversaram por não mais do que alguns minutos. Em uma entrevista de 2023 ao Post, Bystron disse que se encontrou apenas com autoridades de Belarus durante a viagem. Logo após a visita, Bystron apresentou ao parlamento alemão um plano de paz favorável ao Kremlin.

Com Voloshyn impossibilitado de viajar para a União Europeia, Marchevsky se tornou o rosto da Voz da Europa em Praga.

Marchevsky não respondeu a um pedido detalhado de comentários. Em comentários anteriores ao Financial Times, ele negou trabalhar como representante de Medvedchuk e disse que não estava envolvido na administração da Voz da Europa, alegando que sua empresa era apenas uma empresa terceirizada. Ele se recusou a revelar seu paradeiro depois de fugir da República Checa.

Uma série de escândalos que perseguem a AfD — incluindo uma declaração de Krah de que nem todos os membros das SS nazistas na Segunda Guerra Mundial eram culpados de crimes — prejudicou, mas não destruiu, a posição do partido antes das eleições para o Parlamento Europeu. Krah se retirou da disputa e espera-se que a AfD obtenha pelo menos 15% dos votos, o que poderá permitir que chegue em segundo lugar na Alemanha.

A declaração de Krah a respeito das SS levou o partido da extrema-direita francesa Reagrupamento Nacional França, liderado por Marine Le Pen, a dizer que não se sentaria com a AfD no Parlamento Europeu. Mas a adesão da AfD a tais grupos oficiais pode não significar muito quando se trata de votar questões relacionadas com a Rússia ou a Ucrânia, disse um dos funcionários dos serviços de informação europeus, com os partidos podendo votar em blocos ad hoc.

Os serviços de inteligência checos, por exemplo, ainda estão vigilantes. “Detivemos [a operação Voz da Europa] e estou muito orgulhoso do meu serviço”, disse Koudelka. Mas há preocupações de que outras redes possam estar funcionando em outros países europeus. “Essa luta não tem fim.”/ TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

PRAGA — Quando um associado de um dos aliados mais próximos do presidente russo, Vladimir Putin, lançou aqui um meio de comunicação pró-Kremlin, em maio de 2023, os oficiais da contra-espionagem checa começaram a vigiá-lo cuidadosamente.

Durante quase um ano, de acordo com funcionários dos serviços de informação europeus, as autoridades checas registaram secretamente horas de reuniões entre vários políticos de extrema-direita de toda a Europa e o associado, Artem Marchevsky, que dirigia o site de propaganda Voz da Europa, incluindo no escritório dele em uma rua tranquila no centro de Praga. Autoridades checas e da União Europeia, que fecharam o site, classificaram a Voz da Europa como uma operação russa de propaganda.

A investigação checa se expandiu rapidamente para a Bélgica, Alemanha, Países Baixos, Polônia e França, disseram funcionários europeus de serviços de segurança e inteligência, enquanto os investigadores concluíam que a Voz da Europa representava muito mais do que sua fachada oficial de website pró-Rússia que entrevistava políticos europeus de sua preferência a respeito do fim ajuda à Ucrânia.

A organização estava sendo usada para canalizar centenas de milhares de euros – até 1 milhão por mês – para dezenas de políticos de extrema-direita em mais de cinco países, para disseminar propaganda do Kremlin nos meios de comunicação ocidentais, o que semearia a divisão na Europa e reforçaria a posição dos candidatos pró-Rússia nas eleições para o Parlamento Europeu desta semana, de acordo com entrevistas com uma dúzia de funcionários de inteligência europeus de cinco países diferentes. A maioria dessas fontes falou sob condição de anonimato para poder comentar uma investigação delicada e ainda em andamento.

As autoridades descreveram a operação russa como uma das mais ambiciosas empreendidas pelo Kremlin na Europa nos seus esforços para minar o apoio à Ucrânia e criar divisões na aliança transatlântica. Ações secretas anteriores apoiadas pelo Kremlin incluem uma tentativa de união da extrema-direita e da extrema-esquerda na Alemanha, alimentar divisões internas na França e sabotagem na Polônia, informou o Washington Post.

Voz da Europa foi usado para canalizar milhares de euros para políticos de extrema-direita em mais de 5 países, para disseminar propaganda do Kremlin nos meios de comunicação ocidentais. Na foto, presidente russo, Vladimir Putin. Foto: Alexander Kazakov/AFP

Documentos internos do Kremlin obtidos por um dos serviços de inteligência europeus e analisados pelo Post mostram pela primeira vez que a Voz da Europa fazia parte de uma campanha de influência estabelecida pelo Kremlin em estreita coordenação com Viktor Medvedchuk, o aliado de Putin que, até à invasão russa da Ucrânia, liderou um partido de oposição pró-Moscou em Kiev. Mais tarde, foi administrada por um importante representante de Medvedchuk que, de acordo com outros documentos, trabalhou em estreita colaboração com uma unidade do Serviço Federal de Segurança da Rússia, ou FSB, responsável pela Ucrânia e alguns antigos estados soviéticos, também conhecido como Quinto Serviço do FSB.

Após a expulsão da Europa de dezenas de oficiais de inteligência russos após a invasão da Ucrânia, frentes como a Voz da Europa tornaram-se instrumentos para o Kremlin recuperar o terreno perdido, disse um dos funcionários do alto escalão da inteligência europeia. “Os serviços de inteligência russos tiveram de mudar seu trabalho. O resultado é, por exemplo, redes de influência como a Voz da Europa”, disse o funcionário.

O status do website como organização de notícias foi concebido para dar cobertura, disse outro funcionário dos serviços de informação, tornando “mais fácil abordar os políticos” sob o pretexto de entrevistá-los a respeito da Ucrânia, do antiglobalismo e outras questões.

Michal Koudelka, chefe do serviço de segurança interna checo, disse que a operação Voz da Europa foi também uma tentativa de conseguir mais membros pró-Rússia no Parlamento Europeu e que, depois da votação que começa esta quinta-feira, “havia um plano para que pessoas no Parlamento Europeu conduzissem operações de espionagem clássica” em nome da Rússia.

“Foi uma operação que visava moldar a Europa”, disse Koudelka em uma entrevista.

Os partidos de extrema-direita podem ficar com 25% dos assentos entre os 720 membros do Parlamento Europeu, de acordo com algumas pesquisas de opinião. E, para a Rússia, o aumento da influência entre esses partidos poderia proporcionar um mecanismo para ameaçar a ajuda à Ucrânia, bem como um terreno fértil para a espionagem, de acordo com Vera Jourova, vice-presidente da Comissão Europeia.

Os políticos pró-Rússia “poderiam realmente dificultar o financiamento [à Ucrânia]”, disse Jourova ao Post.

Dezenas de milhares em dinheiro

A investigação checa levou a batidas policiais na casa e nos escritórios de um assessor de um membro holandês de extrema-direita do Parlamento Europeu e de Petr Bystron, um dos principais membros do partido Alternativa para a Alemanha, ou AfD, de extrema-direita, e candidato número 2 do partido ao Parlamento Europeu. Bystron, o porta-voz da AfD para as relações exteriores, tem estado entre os alemães mais veementes contra o envio de armas ocidentais para a Ucrânia e a favor da suspensão das sanções à Rússia.

As autoridades alemãs disseram em maio que colocaram Bystron sob investigação por suposta corrupção e lavagem de dinheiro como parte da investigação, e a polícia invadiu seu escritório no parlamento alemão, bem como propriedades suas na Alemanha e na Espanha. De acordo com três dos funcionários do alto escalão da inteligência europeia, em uma gravação, Bystron pode ser ouvido queixando-se a um funcionário da Voz da Europa a respeito da dificuldade de transportar dezenas de milhares de dólares em dinheiro para sua casa de férias em Maiorca.

“Sabíamos que ele era pró-Rússia”, disse um dos funcionários do alto escalão da inteligência, observando os laços de longa data de Bystron com a Rússia e com políticos pró-Rússia na Ucrânia. O responsável acredita que as autoridades reuniram agora provas que sustentam a acusação de que Bystron recebeu dinheiro da Rússia e, em troca, colocou propaganda em publicações de extrema-direita.

Bystron, nascido na República Checa, não era apenas “uma pessoa passiva que recebia dinheiro”, disse o funcionário. “Ele organizou as coisas”, segundo a fonte, dizendo que Bystron, que fala russo, trouxe outras figuras políticas para a órbita da Voz da Europa e foi “a principal personalidade” envolvida.

“Bystron sabia dos planos para as operações de espionagem” no Parlamento Europeu, disse esta fonte, acrescentando que há provas registradas disso.

Bystron continua sendo candidato ao Parlamento Europeu e denunciou a investigação como uma conspiração dos serviços de segurança europeus para prejudicar a posição da AfD antes das eleições. “Antes de cada eleição é a mesma coisa: difamação com a ajuda dos serviços secretos”, disse ele ao Deutschland Kurier, um site ligado à AfD.

Em uma breve troca de mensagens com a reportagem, Bystron disse: “Já tivemos uma busca domiciliar durante uma campanha eleitoral em 2017, que foi posteriormente declarada ilegal pelos tribunais. Ninguém se interessou depois da eleição.” Ele se recusou a continuar a entrevista e não respondeu a perguntas detalhadas por escrito.

A AfD ainda deve ficar em segundo ou terceiro lugar nas eleições de 6 de junho, atrás da União Democrata Cristã, de centro-direita, apesar da controvérsia, que tocou outros líderes da AfD. Os procuradores na Alemanha afirmaram em um comunicado que iniciaram uma investigação preliminar envolvendo Maximilian Krah por alegações de ter aceitado pagamentos da Rússia e da China pelo seu trabalho como membro da AfD no Parlamento Europeu. A polícia revistou seu escritório como parte de uma investigação de alegações de que um de seus assessores trabalhava como espião para a China. Na quarta feira, a polícia invadiu a residência e os escritórios do assistente parlamentar holandês que já havia trabalhado para Krah.

Krah disse em uma declaração à reportagem que as alegações faziam parte de uma “campanha de desinformação contra o meu partido orquestrada por agências de inteligência” e chamou as acusações de “não apenas erradas”, mas “caluniosas”.

Citação do político da AfD Maximilian Krah "Nunca direi que alguém que usou um uniforme da SS foi automaticamente um criminoso" é colocada em espelho em manifestação contra partido.  Foto: Adam Berry/ADAM BERRY

Os serviços de segurança na Europa ainda estão investigando o papel de dezenas de outros políticos de extrema-direita na rede Voz da Europa, incluindo da França, Bélgica e Países Baixos, bem como de mais seis figuras da AfD, incluindo políticos e assistentes parlamentares, de acordo com pessoas familiarizadas com a investigação. As autoridades belgas também desempenharam um papel de liderança na investigação, com reuniões importantes da Voz da Europa com políticos ocorrendo em outros locais da Europa, incluindo Bruxelas, disseram funcionários do alto escalão.

Uma série de escândalos

Autoridades de segurança europeias e documentos do Kremlin ligam a criação da Voz da Europa no início de 2023 ao governo da Rússia e a Medvedchuk, tão próximo de Putin que o presidente russo é padrinho da sua filha. Medvedchuk foi entregue à Rússia em setembro de 2022 como parte de uma troca de prisioneiros entre Moscou e Kiev. Ele era visto em Moscou como um possível líder da Ucrânia se a invasão russa fosse bem-sucedida e o Kremlin conseguisse instalar seus aliados no poder em Kiev, disseram autoridades de inteligência.

Os documentos do Kremlin mostram que a Voz da Europa estava inicialmente ligada a uma operação de propaganda russa lançada em janeiro de 2023 pelo primeiro vice-chefe de gabinete do Kremlin, Sergei Kiriyenko. Foi concebida para aumentar o apoio a Medvedchuk na Ucrânia e posicioná-lo entre os formadores de opinião europeus como um substituto viável para o presidente ucraniano Volodmir Zelenski, promovendo conversações de paz “como uma alternativa a uma possível guerra nuclear”, afirmam os documentos. A campanha, apelidada de “A Outra Ucrânia”, apresentaria Medvedchuk como o líder de um governo no exílio, mostram os documentos.

O objetivo era criar “uma organização que pudesse ser trazida depois de a Rússia demonstrar a ilegitimidade do regime de Zelenski e negociar o fim da guerra a partir de uma posição de força”, disse um oficial de inteligência familiarizado com os planos.

Medvedchuk não quis comentar.

Os estrategistas políticos do Kremlin, incluindo Ilya Gambashidze e Nikolai Tupikin, a quem os Estados Unidos aplicaram sanções por seu papel desempenhado em campanhas de desinformação, foram contratados para ajudar no lançamento do projeto, que previa a promoção de entrevistas com Medvedchuk e sua organização Outra Ucrânia por meio de uma teia de perfis nas redes sociais e contas do YouTube, e de aparições nos meios de comunicação ocidentais, mostram os documentos do Kremlin.

A Voz da Europa foi descrita como um “recurso de notícias”, com Marchevsky, um associado de longa data de Medvedchuk, no seu comando, mostra um dos documentos. Em julho, a direção-geral foi assumida por Renat Kuzmin, outro associado importante de Medvedchuk, que, de acordo com os documentos, trabalhou em estreita colaboração com o Quinto Serviço do FSB.

Nem o Kremlin nem Kuzmin responderam a pedidos detalhados de comentários.

O site de notícias em Praga, disseram autoridades de inteligência, deu a Marchevsky uma maneira de envolver uma rede de políticos europeus extremistas, alguns dos quais, incluindo Bystron, tinham sido cultivados pelos aliados políticos da Rússia na Ucrânia desde que o Kremlin anexou ilegalmente a Crimeia em 2014. Essas relações foram muitas vezes administradas inicialmente por Oleg Voloshyn, um agente político encarregado das relações exteriores do partido político Pela vida, de Medvedchuk, antes da invasão da Rússia.

Em uma entrevista, Voloshyn disse que apresentou Medvedchuk a Bystron em Berlim em 2020. Voloshyn disse que trouxe Bystron e Krah para Kiev para comemorar seu 40º aniversário em abril de 2021, apresentando-os a Marchevsky, que na época chefiava uma das três estações de televisão de Medvedchuk na Ucrânia.

Depois de Medvedchuk ter sido colocado em prisão domiciliar pelo governo de Zelenski, acusado de traição, Bystron e Krah viajaram novamente para Kiev para visitar Medvedchuk em casa, uma viagem que suscitou preocupações entre as autoridades de segurança europeias.

A capacidade de Voloshyn viajar pela Europa foi prejudicada em janeiro de 2022, pouco antes da invasão russa, quando o Departamento do Tesouro dos EUA o colocou na sua lista de sanções, chamando-o de “joguete do FSB” nos esforços da agência de segurança russa para desestabilizar e assumir o controle da Ucrânia. Voloshyn disse que as sanções — e as alegações de que ele estava ligado à inteligência russa — foram baseadas em informações imprecisas.

Quando Bystron fez uma viagem secreta a Belarus em novembro de 2022 – reconhecendo a visita apenas depois de esta ser denunciada pelos meios de comunicação lituanos e alemães – ele se encontrou com Voloshyn, que tinha mudado para lá após a invasão russa, Voloshyn disse à reportagem.

Voloshyn disse que conectou Bystron com Medvedchuk por telefone durante a visita, mas insistiu que o alemão e o ucraniano conversaram por não mais do que alguns minutos. Em uma entrevista de 2023 ao Post, Bystron disse que se encontrou apenas com autoridades de Belarus durante a viagem. Logo após a visita, Bystron apresentou ao parlamento alemão um plano de paz favorável ao Kremlin.

Com Voloshyn impossibilitado de viajar para a União Europeia, Marchevsky se tornou o rosto da Voz da Europa em Praga.

Marchevsky não respondeu a um pedido detalhado de comentários. Em comentários anteriores ao Financial Times, ele negou trabalhar como representante de Medvedchuk e disse que não estava envolvido na administração da Voz da Europa, alegando que sua empresa era apenas uma empresa terceirizada. Ele se recusou a revelar seu paradeiro depois de fugir da República Checa.

Uma série de escândalos que perseguem a AfD — incluindo uma declaração de Krah de que nem todos os membros das SS nazistas na Segunda Guerra Mundial eram culpados de crimes — prejudicou, mas não destruiu, a posição do partido antes das eleições para o Parlamento Europeu. Krah se retirou da disputa e espera-se que a AfD obtenha pelo menos 15% dos votos, o que poderá permitir que chegue em segundo lugar na Alemanha.

A declaração de Krah a respeito das SS levou o partido da extrema-direita francesa Reagrupamento Nacional França, liderado por Marine Le Pen, a dizer que não se sentaria com a AfD no Parlamento Europeu. Mas a adesão da AfD a tais grupos oficiais pode não significar muito quando se trata de votar questões relacionadas com a Rússia ou a Ucrânia, disse um dos funcionários dos serviços de informação europeus, com os partidos podendo votar em blocos ad hoc.

Os serviços de inteligência checos, por exemplo, ainda estão vigilantes. “Detivemos [a operação Voz da Europa] e estou muito orgulhoso do meu serviço”, disse Koudelka. Mas há preocupações de que outras redes possam estar funcionando em outros países europeus. “Essa luta não tem fim.”/ TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

PRAGA — Quando um associado de um dos aliados mais próximos do presidente russo, Vladimir Putin, lançou aqui um meio de comunicação pró-Kremlin, em maio de 2023, os oficiais da contra-espionagem checa começaram a vigiá-lo cuidadosamente.

Durante quase um ano, de acordo com funcionários dos serviços de informação europeus, as autoridades checas registaram secretamente horas de reuniões entre vários políticos de extrema-direita de toda a Europa e o associado, Artem Marchevsky, que dirigia o site de propaganda Voz da Europa, incluindo no escritório dele em uma rua tranquila no centro de Praga. Autoridades checas e da União Europeia, que fecharam o site, classificaram a Voz da Europa como uma operação russa de propaganda.

A investigação checa se expandiu rapidamente para a Bélgica, Alemanha, Países Baixos, Polônia e França, disseram funcionários europeus de serviços de segurança e inteligência, enquanto os investigadores concluíam que a Voz da Europa representava muito mais do que sua fachada oficial de website pró-Rússia que entrevistava políticos europeus de sua preferência a respeito do fim ajuda à Ucrânia.

A organização estava sendo usada para canalizar centenas de milhares de euros – até 1 milhão por mês – para dezenas de políticos de extrema-direita em mais de cinco países, para disseminar propaganda do Kremlin nos meios de comunicação ocidentais, o que semearia a divisão na Europa e reforçaria a posição dos candidatos pró-Rússia nas eleições para o Parlamento Europeu desta semana, de acordo com entrevistas com uma dúzia de funcionários de inteligência europeus de cinco países diferentes. A maioria dessas fontes falou sob condição de anonimato para poder comentar uma investigação delicada e ainda em andamento.

As autoridades descreveram a operação russa como uma das mais ambiciosas empreendidas pelo Kremlin na Europa nos seus esforços para minar o apoio à Ucrânia e criar divisões na aliança transatlântica. Ações secretas anteriores apoiadas pelo Kremlin incluem uma tentativa de união da extrema-direita e da extrema-esquerda na Alemanha, alimentar divisões internas na França e sabotagem na Polônia, informou o Washington Post.

Voz da Europa foi usado para canalizar milhares de euros para políticos de extrema-direita em mais de 5 países, para disseminar propaganda do Kremlin nos meios de comunicação ocidentais. Na foto, presidente russo, Vladimir Putin. Foto: Alexander Kazakov/AFP

Documentos internos do Kremlin obtidos por um dos serviços de inteligência europeus e analisados pelo Post mostram pela primeira vez que a Voz da Europa fazia parte de uma campanha de influência estabelecida pelo Kremlin em estreita coordenação com Viktor Medvedchuk, o aliado de Putin que, até à invasão russa da Ucrânia, liderou um partido de oposição pró-Moscou em Kiev. Mais tarde, foi administrada por um importante representante de Medvedchuk que, de acordo com outros documentos, trabalhou em estreita colaboração com uma unidade do Serviço Federal de Segurança da Rússia, ou FSB, responsável pela Ucrânia e alguns antigos estados soviéticos, também conhecido como Quinto Serviço do FSB.

Após a expulsão da Europa de dezenas de oficiais de inteligência russos após a invasão da Ucrânia, frentes como a Voz da Europa tornaram-se instrumentos para o Kremlin recuperar o terreno perdido, disse um dos funcionários do alto escalão da inteligência europeia. “Os serviços de inteligência russos tiveram de mudar seu trabalho. O resultado é, por exemplo, redes de influência como a Voz da Europa”, disse o funcionário.

O status do website como organização de notícias foi concebido para dar cobertura, disse outro funcionário dos serviços de informação, tornando “mais fácil abordar os políticos” sob o pretexto de entrevistá-los a respeito da Ucrânia, do antiglobalismo e outras questões.

Michal Koudelka, chefe do serviço de segurança interna checo, disse que a operação Voz da Europa foi também uma tentativa de conseguir mais membros pró-Rússia no Parlamento Europeu e que, depois da votação que começa esta quinta-feira, “havia um plano para que pessoas no Parlamento Europeu conduzissem operações de espionagem clássica” em nome da Rússia.

“Foi uma operação que visava moldar a Europa”, disse Koudelka em uma entrevista.

Os partidos de extrema-direita podem ficar com 25% dos assentos entre os 720 membros do Parlamento Europeu, de acordo com algumas pesquisas de opinião. E, para a Rússia, o aumento da influência entre esses partidos poderia proporcionar um mecanismo para ameaçar a ajuda à Ucrânia, bem como um terreno fértil para a espionagem, de acordo com Vera Jourova, vice-presidente da Comissão Europeia.

Os políticos pró-Rússia “poderiam realmente dificultar o financiamento [à Ucrânia]”, disse Jourova ao Post.

Dezenas de milhares em dinheiro

A investigação checa levou a batidas policiais na casa e nos escritórios de um assessor de um membro holandês de extrema-direita do Parlamento Europeu e de Petr Bystron, um dos principais membros do partido Alternativa para a Alemanha, ou AfD, de extrema-direita, e candidato número 2 do partido ao Parlamento Europeu. Bystron, o porta-voz da AfD para as relações exteriores, tem estado entre os alemães mais veementes contra o envio de armas ocidentais para a Ucrânia e a favor da suspensão das sanções à Rússia.

As autoridades alemãs disseram em maio que colocaram Bystron sob investigação por suposta corrupção e lavagem de dinheiro como parte da investigação, e a polícia invadiu seu escritório no parlamento alemão, bem como propriedades suas na Alemanha e na Espanha. De acordo com três dos funcionários do alto escalão da inteligência europeia, em uma gravação, Bystron pode ser ouvido queixando-se a um funcionário da Voz da Europa a respeito da dificuldade de transportar dezenas de milhares de dólares em dinheiro para sua casa de férias em Maiorca.

“Sabíamos que ele era pró-Rússia”, disse um dos funcionários do alto escalão da inteligência, observando os laços de longa data de Bystron com a Rússia e com políticos pró-Rússia na Ucrânia. O responsável acredita que as autoridades reuniram agora provas que sustentam a acusação de que Bystron recebeu dinheiro da Rússia e, em troca, colocou propaganda em publicações de extrema-direita.

Bystron, nascido na República Checa, não era apenas “uma pessoa passiva que recebia dinheiro”, disse o funcionário. “Ele organizou as coisas”, segundo a fonte, dizendo que Bystron, que fala russo, trouxe outras figuras políticas para a órbita da Voz da Europa e foi “a principal personalidade” envolvida.

“Bystron sabia dos planos para as operações de espionagem” no Parlamento Europeu, disse esta fonte, acrescentando que há provas registradas disso.

Bystron continua sendo candidato ao Parlamento Europeu e denunciou a investigação como uma conspiração dos serviços de segurança europeus para prejudicar a posição da AfD antes das eleições. “Antes de cada eleição é a mesma coisa: difamação com a ajuda dos serviços secretos”, disse ele ao Deutschland Kurier, um site ligado à AfD.

Em uma breve troca de mensagens com a reportagem, Bystron disse: “Já tivemos uma busca domiciliar durante uma campanha eleitoral em 2017, que foi posteriormente declarada ilegal pelos tribunais. Ninguém se interessou depois da eleição.” Ele se recusou a continuar a entrevista e não respondeu a perguntas detalhadas por escrito.

A AfD ainda deve ficar em segundo ou terceiro lugar nas eleições de 6 de junho, atrás da União Democrata Cristã, de centro-direita, apesar da controvérsia, que tocou outros líderes da AfD. Os procuradores na Alemanha afirmaram em um comunicado que iniciaram uma investigação preliminar envolvendo Maximilian Krah por alegações de ter aceitado pagamentos da Rússia e da China pelo seu trabalho como membro da AfD no Parlamento Europeu. A polícia revistou seu escritório como parte de uma investigação de alegações de que um de seus assessores trabalhava como espião para a China. Na quarta feira, a polícia invadiu a residência e os escritórios do assistente parlamentar holandês que já havia trabalhado para Krah.

Krah disse em uma declaração à reportagem que as alegações faziam parte de uma “campanha de desinformação contra o meu partido orquestrada por agências de inteligência” e chamou as acusações de “não apenas erradas”, mas “caluniosas”.

Citação do político da AfD Maximilian Krah "Nunca direi que alguém que usou um uniforme da SS foi automaticamente um criminoso" é colocada em espelho em manifestação contra partido.  Foto: Adam Berry/ADAM BERRY

Os serviços de segurança na Europa ainda estão investigando o papel de dezenas de outros políticos de extrema-direita na rede Voz da Europa, incluindo da França, Bélgica e Países Baixos, bem como de mais seis figuras da AfD, incluindo políticos e assistentes parlamentares, de acordo com pessoas familiarizadas com a investigação. As autoridades belgas também desempenharam um papel de liderança na investigação, com reuniões importantes da Voz da Europa com políticos ocorrendo em outros locais da Europa, incluindo Bruxelas, disseram funcionários do alto escalão.

Uma série de escândalos

Autoridades de segurança europeias e documentos do Kremlin ligam a criação da Voz da Europa no início de 2023 ao governo da Rússia e a Medvedchuk, tão próximo de Putin que o presidente russo é padrinho da sua filha. Medvedchuk foi entregue à Rússia em setembro de 2022 como parte de uma troca de prisioneiros entre Moscou e Kiev. Ele era visto em Moscou como um possível líder da Ucrânia se a invasão russa fosse bem-sucedida e o Kremlin conseguisse instalar seus aliados no poder em Kiev, disseram autoridades de inteligência.

Os documentos do Kremlin mostram que a Voz da Europa estava inicialmente ligada a uma operação de propaganda russa lançada em janeiro de 2023 pelo primeiro vice-chefe de gabinete do Kremlin, Sergei Kiriyenko. Foi concebida para aumentar o apoio a Medvedchuk na Ucrânia e posicioná-lo entre os formadores de opinião europeus como um substituto viável para o presidente ucraniano Volodmir Zelenski, promovendo conversações de paz “como uma alternativa a uma possível guerra nuclear”, afirmam os documentos. A campanha, apelidada de “A Outra Ucrânia”, apresentaria Medvedchuk como o líder de um governo no exílio, mostram os documentos.

O objetivo era criar “uma organização que pudesse ser trazida depois de a Rússia demonstrar a ilegitimidade do regime de Zelenski e negociar o fim da guerra a partir de uma posição de força”, disse um oficial de inteligência familiarizado com os planos.

Medvedchuk não quis comentar.

Os estrategistas políticos do Kremlin, incluindo Ilya Gambashidze e Nikolai Tupikin, a quem os Estados Unidos aplicaram sanções por seu papel desempenhado em campanhas de desinformação, foram contratados para ajudar no lançamento do projeto, que previa a promoção de entrevistas com Medvedchuk e sua organização Outra Ucrânia por meio de uma teia de perfis nas redes sociais e contas do YouTube, e de aparições nos meios de comunicação ocidentais, mostram os documentos do Kremlin.

A Voz da Europa foi descrita como um “recurso de notícias”, com Marchevsky, um associado de longa data de Medvedchuk, no seu comando, mostra um dos documentos. Em julho, a direção-geral foi assumida por Renat Kuzmin, outro associado importante de Medvedchuk, que, de acordo com os documentos, trabalhou em estreita colaboração com o Quinto Serviço do FSB.

Nem o Kremlin nem Kuzmin responderam a pedidos detalhados de comentários.

O site de notícias em Praga, disseram autoridades de inteligência, deu a Marchevsky uma maneira de envolver uma rede de políticos europeus extremistas, alguns dos quais, incluindo Bystron, tinham sido cultivados pelos aliados políticos da Rússia na Ucrânia desde que o Kremlin anexou ilegalmente a Crimeia em 2014. Essas relações foram muitas vezes administradas inicialmente por Oleg Voloshyn, um agente político encarregado das relações exteriores do partido político Pela vida, de Medvedchuk, antes da invasão da Rússia.

Em uma entrevista, Voloshyn disse que apresentou Medvedchuk a Bystron em Berlim em 2020. Voloshyn disse que trouxe Bystron e Krah para Kiev para comemorar seu 40º aniversário em abril de 2021, apresentando-os a Marchevsky, que na época chefiava uma das três estações de televisão de Medvedchuk na Ucrânia.

Depois de Medvedchuk ter sido colocado em prisão domiciliar pelo governo de Zelenski, acusado de traição, Bystron e Krah viajaram novamente para Kiev para visitar Medvedchuk em casa, uma viagem que suscitou preocupações entre as autoridades de segurança europeias.

A capacidade de Voloshyn viajar pela Europa foi prejudicada em janeiro de 2022, pouco antes da invasão russa, quando o Departamento do Tesouro dos EUA o colocou na sua lista de sanções, chamando-o de “joguete do FSB” nos esforços da agência de segurança russa para desestabilizar e assumir o controle da Ucrânia. Voloshyn disse que as sanções — e as alegações de que ele estava ligado à inteligência russa — foram baseadas em informações imprecisas.

Quando Bystron fez uma viagem secreta a Belarus em novembro de 2022 – reconhecendo a visita apenas depois de esta ser denunciada pelos meios de comunicação lituanos e alemães – ele se encontrou com Voloshyn, que tinha mudado para lá após a invasão russa, Voloshyn disse à reportagem.

Voloshyn disse que conectou Bystron com Medvedchuk por telefone durante a visita, mas insistiu que o alemão e o ucraniano conversaram por não mais do que alguns minutos. Em uma entrevista de 2023 ao Post, Bystron disse que se encontrou apenas com autoridades de Belarus durante a viagem. Logo após a visita, Bystron apresentou ao parlamento alemão um plano de paz favorável ao Kremlin.

Com Voloshyn impossibilitado de viajar para a União Europeia, Marchevsky se tornou o rosto da Voz da Europa em Praga.

Marchevsky não respondeu a um pedido detalhado de comentários. Em comentários anteriores ao Financial Times, ele negou trabalhar como representante de Medvedchuk e disse que não estava envolvido na administração da Voz da Europa, alegando que sua empresa era apenas uma empresa terceirizada. Ele se recusou a revelar seu paradeiro depois de fugir da República Checa.

Uma série de escândalos que perseguem a AfD — incluindo uma declaração de Krah de que nem todos os membros das SS nazistas na Segunda Guerra Mundial eram culpados de crimes — prejudicou, mas não destruiu, a posição do partido antes das eleições para o Parlamento Europeu. Krah se retirou da disputa e espera-se que a AfD obtenha pelo menos 15% dos votos, o que poderá permitir que chegue em segundo lugar na Alemanha.

A declaração de Krah a respeito das SS levou o partido da extrema-direita francesa Reagrupamento Nacional França, liderado por Marine Le Pen, a dizer que não se sentaria com a AfD no Parlamento Europeu. Mas a adesão da AfD a tais grupos oficiais pode não significar muito quando se trata de votar questões relacionadas com a Rússia ou a Ucrânia, disse um dos funcionários dos serviços de informação europeus, com os partidos podendo votar em blocos ad hoc.

Os serviços de inteligência checos, por exemplo, ainda estão vigilantes. “Detivemos [a operação Voz da Europa] e estou muito orgulhoso do meu serviço”, disse Koudelka. Mas há preocupações de que outras redes possam estar funcionando em outros países europeus. “Essa luta não tem fim.”/ TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

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