As eleições mais importantes de 2024: como Rússia e Ucrânia irão às urnas em meio à guerra?


O presidente da Rússia, Vladimir Putin, é favorito em um contexto de diversas denúncias de fraude nas eleições russas e Zelenski segue popular na Ucrânia, apesar da incerteza sobre a viabilidade de realizar eleições durante a guerra

Por Daniel Gateno
Atualização:

O recheado ano eleitoral de 2024 promete pleitos importantes que irão movimentar as perspectivas para os principais conflitos da atualidade. Para o mês de março, estão agendadas eleições em dois países em guerra: Rússia e Ucrânia. Em Kiev, o presidente Volodimir Zelenski questiona a logística de realizar um pleito em meio a uma guerra, além de restrições por conta da lei marcial que está em vigor no país. Já em Moscou, as eleições vão acontecer em um cenário de diversas suspeitas de fraude e oposicionistas na prisão, colocando o presidente da Rússia, Vladimir Putin, como favorito para ganhar de novo com uma vasta porcentagem.

Putin já sinalizou que vai concorrer ao pleito que será realizado entre os dias 15 e 17 de março de 2024. O presidente russo domina o cenário político no país há duas décadas, colocando opositores como Alexei Navalni e Ilya Yashin, que seriam concorrentes competitivos, na prisão. Em outras eleições, Putin já venceu de forma esmagadora, mas investigações independentes confirmaram diversas irregularidades na votação.

O presidente russo aparelhou ainda mais as instituições quando sancionou uma lei em 2021 que permite que ele concorra a mais dois mandatos depois do fim da atual administração, em 2024. Na Rússia, o presidente possui um mandato de seis anos, com isso, a legislação agora permite que o atual mandatário possa ficar no poder até 2036, quando Vladimir Putin completaria 84 anos.

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“Não há dúvida de que Putin vai vencer, principalmente por conta dos relatos de fraude das últimas eleições”, aponta Steven Pifer, analista do Instituto Brookings e diplomata americano com experiência no Leste Europeu, tendo sido embaixador dos Estados Unidos na Ucrânia entre 1998 e 2000 e trabalhado na embaixada americana em Moscou e Varsóvia.

O presidente da Rússia, Vladimir Putin, participa de uma reunião em seu gabinete em Moscou, Rússia  Foto: MIKHAIL KLIMENTYEV / EFE

Esta será a primeira eleição desde o início da guerra da Ucrânia no dia 22 de fevereiro de 2022, mas o professor de relações internacionais da FGV e colunista do Estadão, Oliver Stuenkel, destaca ser difícil medir a aprovação da guerra pela população russa. “Não podemos confiar muito nos números. Eu sou muito cético em relação às eleições na Rússia, vai ser difícil deduzir algo sobre o resultado. Acredito que a maioria da população russa não é contra a guerra, mas não avalio que o resultado eleitoral pode medir isso”.

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Pifer aponta que a participação eleitoral será importante para medir a popularidade do presidente russo. “Se tivermos uma participação eleitoral significativamente menor do que há seis anos atrás, então saberemos que uma parcela da população está insatisfeita”, diz Pifer. “Mas é importante destacar que pesquisas indicam que Putin continua um político bem popular na Rússia”.

Segundo o Kremlin, Putin conta com grande apoio da população da Rússia, mesmo após o início da guerra da Ucrânia em 22 de fevereiro de 2022, quando forças russas atacaram a Ucrânia e ocuparam algumas regiões do país vizinho. Pesquisas de opinião na Rússia mostram que o atual presidente conta com índices de aprovação acima de 80%.Em 2018, o presidente russo venceu as eleições com 76,7% dos votos.

Putin é o segundo líder russo com mais tempo no cargo, só perdendo o primeiro posto para Josef Stalin, que liderou a União Soviética depois da morte de Lênin. Ele assumiu o poder no último dia de 1999 e ganhou duas eleições até 2008, quando apoiou e elegeu o seu aliado Dmitri Medvedev, que ficou um mandato como presidente, tendo Putin como primeiro-ministro. Naquele momento, a legislação russa não permitia que o mesmo presidente permanecesse no cargo por mais de dois mandatos consecutivos. O atual mandatário russo retornou ao poder em 2012 e não saiu mais.

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Cartaz em São Petersburgo, na Rússia, anuncia que as eleições irão ocorrer entre os dias 15 e 17 de março  Foto: ANATOLY MALTSEV / EFE

Oposição

Após anos de repressão, uma política que ficou ainda mais intensa desde o início da ofensiva na Ucrânia, em fevereiro de 2022, a lista de candidatos que poderão concorrer no pleito russo é pequena. Dentre as legendas que poderão lançar candidatos, o Partido Comunista Russo já designou Nikolai Jaritonov, um membro da Duma (Parlamento russo), como candidato à presidência.

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O partido Iniciativa Cívica – que não está representado na Duma – apoiou a nomeação de Boris Nadezhdin, um advogado que ficou conhecido por fazer campanha contra a ofensiva da Rússia na Ucrânia. Já o Partido Liberal Democrata da Rússia anunciou que nomeou o líder da legenda, Leonid Slutsky, como candidato à presidência. A presidente da Comissão Eleitoral Russa, Ella Pamfilova, apontou que 29 pessoas já aplicaram para participarem das eleições presidenciais da Rússia.

Muitas candidaturas são rejeitadas pela Comissão Eleitoral, como a da jornalista Yekaterina Duntsova, uma ativista pela democracia na Rússia e defensora do fim da ofensiva russa na Ucrânia. A comissão alegou “erros na documentação” da candidata.

“Os candidatos que irão concorrer contra Putin fazem parte da oposição oficial do Kremlin, nenhum deles tem chance de vencer. Eles podem conseguir até 10% dos votos no máximo”, avalia Pifer.

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A candidatura de Yekaterina Duntsova foi negada pela Comissão Eleitoral da Rússia  Foto: Maxim Shemetov / REUTERS

O principal político da oposição russa não participará das eleições. O advogado e ativista russo Alexei Navalni, que ficou famoso por organizar protestos contra o governo de Vladimir Putin e criticar a corrupção de seu governo, está preso. Navalni ganhou notoriedade ao denunciar supostos esquemas de corrupção em estatais russas. Em 2011, foi uma das lideranças da onda de protestos que denunciava fraude nas eleições parlamentares. Em 2018, era considerado o único político capaz de derrotar Vladimir Putin nas urnas e foi impedido de disputar a eleição.

Em 2020, quase morreu vítima de um envenenamento enquanto voava da Sibéria para Moscou. Depois de ser atendido em solo russo, ficou internado em Berlim. Os testes feitos na Alemanha identificaram a presença do agente nervoso da era soviética, Novichok. A descoberta elevou o tom das críticas contra o Kremlin que foi acusado de envenenar o opositor. Em 2021, voltou para a Rússia apesar das ameaças de prisão e foi detido no aeroporto de Moscou ao desembarcar. Em agosto, Navalny foi condenado a passar mais 19 anos em prisão de segurança máxima por organizar, financiar e convocar atividades “extremistas”, crimes que ele nega.

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O opositor de Putin foi transferido de sua prisão em dezembro e sua família ficou três semanas sem saber sobre o seu paradeiro. No domingo, 25, ele foi localizado em uma colônia penal em Jarp, no Ártico russo.

O opositor russo Alexei Navalni durante uma manifestação em Moscou, Rússia  Foto: Pavel Golovkin / AP

Para o diplomata americano, Navalni seria competitivo em uma eleição livre contra Putin, mas não conseguiria vencer o atual presidente russo. “Navalni poderia conseguir até 25% dos votos, o que seria inaceitável para o Kremlin, mas não tiraria Putin do poder em uma eleição justa e livre”.

O ultranacionalista Igor Girkin, que declarou ser a favor da guerra na Ucrânia, também está preso desde julho e aguarda seu julgamento sob a acusação de “extremismo”. Ele apontou que gostaria de se candidatar à presidência, mas disse que as eleições já estavam “resolvidas” porque todos sabiam quem seria o vencedor.

Novo mandato de Putin

Especialistas entrevistados pelo Estadão apontam que um novo mandato de Vladimir Putin deve seguir as mesmas diretrizes impostas desde o início da guerra na Ucrânia, com um grande distanciamento do Ocidente, uma dependência econômica da China e intensificação da repressão.

“Eu não vejo uma reaproximação da Rússia com o Ocidente enquanto Putin estiver no poder”, opina Stuenkel, da FGV. O momento econômico russo pode fazer com que ocorra uma maior dependência do setor de exportação de gás, petróleo e de commodities como o trigo, pondera o especialista. “Além disso, a fuga da classe intelectual russa deve continuar por conta da falta de acesso à tecnologia e uma conexão menor com o mundo Ocidental”.

No âmbito militar, a Rússia deve continuar focada nos combates na Ucrânia, em meio a um clima de cansaço e de redução do apoio ocidental a Kiev, além dos poucos resultados significativos da contraofensiva ucraniana. Contudo, segundo uma reportagem do jornal The New York Times, o presidente russo tem sinalizado através de intermediários desde pelo menos setembro que está aberto a um cessar-fogo que congele os combates nos moldes atuais.

Segundo o professor da Universidade Federal Fluminense (UFF) e pesquisador da Universidade de Harvard, Vitelio Brustolin, Putin poderia tentar fazer um corredor entre regiões anexadas da Ucrânia e a Transnístria, um território entre a Ucrânia e a Moldávia que tem uma maioria étnica russa. O território declarou a sua independência da Moldávia em 1990 com ajuda russa, mas é reconhecido pela comunidade internacional como parte da Moldávia. Oficiais russos já apontaram que tem o desejo de obter o controle total da região ucraniana de Donbass, obtendo acesso a Transnístria, que conta com cerca de 1.500 soldados russos para proteção.

“A Rússia teria muitos problemas logísticos para fazer isso e teria que conquistar territórios da Ucrânia que ainda não conquistou, então logisticamente seria difícil fazer essa expansão, embora militares russos já sugeriram que este pode ser um objetivo de Moscou”, opina Brustolin.

Eleições na Ucrânia

Na Ucrânia, as eleições presidenciais estão marcadas para o dia 31 de março do ano que vem, mas os ucranianos não tem certeza se a eleição irá acontecer. O país está sob lei marcial desde o início da guerra, o que proíbe Kiev de realizar eleições e o presidente da Ucrânia, Volodimir Zelenski, tem insistido nas dificuldades logísticas de se realizar uma eleição em meio a guerra.

Milhares de soldados estão no campo de batalha, uma parcela da população ucraniana vive sob a ocupação russa e 6,3 milhões de ucranianos saíram do país após o início da guerra com Moscou. O governo de Zelenski declarou que não descartou nenhuma opção e pode até alterar a legislação para que eleições sejam feitas. O pleito parlamentar que tinha sido agendado para outubro foi adiado até o fim da guerra após um consenso entre todos os partidos do parlamento.

Steven Pifer, ex-embaixador dos Estados Unidos na Ucrânia, avalia que Washington e a União Europeia não irão pressionar Zelenski para realizar eleições em 2024. “Não acredito que os EUA ou a União Europeia irão pressionar a Ucrânia a realizar eleições em 2024. Se a guerra se arrastar até 2025 e 2026, a situação pode mudar”. Apesar disso, o diplomata ressaltou a necessidade de não adiar indefinidamente o pleito.

O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, conversa com o presidente da Ucrânia, Volodimir Zelenski, na Casa Branca  Foto: Evan Vucci / AP

Para o pesquisador da Universidade de Harvard, Vitelio Brustolin, é possível que Zelenski concorde com a realização de eleições como um gesto ao Ocidente. “Muitos países apoiam a Ucrânia com a justificativa de que estão defendendo a democracia, então acredito que o presidente ucraniano pode realizar eleições como um gesto a estes países”.

Em visita a Kiev no mês de agosto, o senador americano Lindsey Graham, do Partido Republicano, apontou que desejaria que Kiev realizasse eleições durante a guerra para mostrar que era diferente da nação governada por Vladimir Putin.

Zelenski respondeu que precisaria de suporte financeiro do Ocidente para que isso acontecesse, ressaltando que as eleições na Ucrânia custam US$ 135 milhões em tempos de paz. “Não sei quanto custaria em tempos de guerra, mas precisaríamos de ajuda dos EUA e da UE”.O mandatário ucraniano também ressaltou que não tiraria fundos reservados da compra de armas para eleições.

A segurança também seria uma questão, com a possibilidade de bombardeios russos em zonas eleitorais ucranianas. Zelenski ressaltou que os soldados ucranianos na linha de frente não conseguiriam votar. “Estes soldados estão lutando pela nossa democracia e seria injusto que não pudessem participar”.

Soldados ucranianos disparam tiros de artilharia contra posições russas na região de Donetsk  Foto: Viacheslav Ratynskyi / REUTERS

Ucranianos não querem eleições neste momento, segundo pesquisas

Para a população ucraniana, o país não deve realizar eleições durante a guerra com a Rússia. Segundo duas pesquisas de opinião, uma do Instituto Internacional de Sociologia de Kiev e outra do Instituto Internacional Republicano, apenas duas pessoas de 10 entrevistados acreditam que Kiev deve realizar eleições durante a guerra.

Grupos da sociedade civil ucraniana também acreditam nisso. Em setembro, 100 entidades não governamentais da Ucrânia e também internacionais publicaram um posicionamento contra o pleito em meio ao conflito com Moscou.

Para o professor de relações internacionais da FGV, Oliver Stuenkel, a relação entre Kiev, Washington e Bruxelas continuaria a mesma sem as eleições. “A decisão de adiar as eleições não deve ter um grande impacto, é muito difícil argumentar que existe um cenário adequado para que o pleito seja feito neste momento”.

O presidente da Ucrânia, Volodimir Zelenski, posa para foto após uma entrevista para a Associated Press em Kharkiv, Ucrânia  Foto: Felipe Dana/ AP

Zelenski seria favorito?

Volodimir Zelenski já declarou que gostaria de se candidatar para um segundo mandato caso as eleições ucranianas fossem realizadas durante a guerra com a Ucrânia, mas apontou que caso o pleito seja realizado após o fim do conflito, não tem certeza se iria tentar mais um mandato.

Com um discurso antissistema, o então ator e humorista Zelenski venceu as eleições ucranianas com 73% dos votos no segundo turno em 2019, contra o então presidente do país Petro Poroshenko.

Mesmo com a diminuição de sua popularidade, em um contexto de resultados pouco expressivos no campo de batalha contra a Rússia, casos de corrupção no governo e rusgas entre membros das Forças Armadas da Ucrânia e o presidente, Zelenski continua forte e seria eleito para um segundo mandato, de acordo com pesquisas de opinião e especialistas entrevistados pelo Estadão.

De acordo com uma pesquisa do Instituto Internacional de Sociologia de Kiev que foi divulgada em dezembro, Zelenski segue sendo o político mais confiável dentro da Ucrânia para a população, com 77%. Em maio de 2022 o atual presidente ucraniano chegou a ter 90% de confiança do público. Já o Instituto americano Galloup mostra em uma pesquisa publicada em outubro que 81% dos ucranianos aprovam Zelenski como presidente.

“Ele tem muito apoio popular, não tenho dúvida nenhuma de que seria o favorito”, aponta Brustolin. “O fato de Zelenski afirmar que não tem certeza se tentaria concorrer a um segundo mandato em tempos de paz mostra que ele é diferente de Vladimir Putin e que a democracia na Ucrânia não está ameaçada caso as eleições não ocorram na data estabelecida”.

Oposição

Especulações da mídia ucraniana apontam que o Chefe das Forças Armadas da Ucrânia, Valerii Zaluzhnyi, poderia concorrer contra Zelenski, mas o general não deu indícios de que prepara uma candidatura neste momento. O ex-conselheiro de Zelenski, Oleksii Arestovich, já anunciou que quer concorrer contra o ex-chefe.

O ex-presidente ucraniano Petro Poroshenko também é especulado como um possível candidato. No início de dezembro, Poroshenko tinha a intenção de sair da Ucrânia para se encontrar com o primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orban, considerado um aliado de Putin. Contudo, apesar de ter conseguido uma autorização do Parlamento para sair do país, o Serviço de Segurança da Ucrânia (SSU) negou a permissão. Por conta da lei marcial, homens ucranianos entre 18 e 60 anos não podem sair do país sem uma autorização especial.

A Hungria bloqueou em dezembro o pacote de ajuda de 50 bilhões de euros da União Europeia para Kiev e se opôs à entrada da Ucrânia no bloco econômico, apesar de ter liberado o início das negociações para a adesão do país na UE, por conta de negociações entre os países.

Poroshenko acusou Zelenski de ter negado a permissão de viagem do ex-presidente por motivos políticos antes das eleições. O Serviço de Segurança da Ucrânia apontou que uma reunião entre Poroshenko e Orban seria negativa e poderia ser usada como ferramenta de guerra russa contra a Ucrânia. “Orban é um amigo de Putin e sistematicamente tem uma posição contrária a Ucrânia”.

“A Ucrânia está sob lei marcial, não faz sentido permitir que um possível candidato à presidência converse com um político estrangeiro que é claramente alinhado a Rússia”, pondera Brustolin. “Não me parece autoritarismo, é no mínimo suspeito que ele queira conversar com o Orban neste momento, durante um período de lei marcial em que os homens de 18 a 60 anos não podem sair do país”.

O recheado ano eleitoral de 2024 promete pleitos importantes que irão movimentar as perspectivas para os principais conflitos da atualidade. Para o mês de março, estão agendadas eleições em dois países em guerra: Rússia e Ucrânia. Em Kiev, o presidente Volodimir Zelenski questiona a logística de realizar um pleito em meio a uma guerra, além de restrições por conta da lei marcial que está em vigor no país. Já em Moscou, as eleições vão acontecer em um cenário de diversas suspeitas de fraude e oposicionistas na prisão, colocando o presidente da Rússia, Vladimir Putin, como favorito para ganhar de novo com uma vasta porcentagem.

Putin já sinalizou que vai concorrer ao pleito que será realizado entre os dias 15 e 17 de março de 2024. O presidente russo domina o cenário político no país há duas décadas, colocando opositores como Alexei Navalni e Ilya Yashin, que seriam concorrentes competitivos, na prisão. Em outras eleições, Putin já venceu de forma esmagadora, mas investigações independentes confirmaram diversas irregularidades na votação.

O presidente russo aparelhou ainda mais as instituições quando sancionou uma lei em 2021 que permite que ele concorra a mais dois mandatos depois do fim da atual administração, em 2024. Na Rússia, o presidente possui um mandato de seis anos, com isso, a legislação agora permite que o atual mandatário possa ficar no poder até 2036, quando Vladimir Putin completaria 84 anos.

“Não há dúvida de que Putin vai vencer, principalmente por conta dos relatos de fraude das últimas eleições”, aponta Steven Pifer, analista do Instituto Brookings e diplomata americano com experiência no Leste Europeu, tendo sido embaixador dos Estados Unidos na Ucrânia entre 1998 e 2000 e trabalhado na embaixada americana em Moscou e Varsóvia.

O presidente da Rússia, Vladimir Putin, participa de uma reunião em seu gabinete em Moscou, Rússia  Foto: MIKHAIL KLIMENTYEV / EFE

Esta será a primeira eleição desde o início da guerra da Ucrânia no dia 22 de fevereiro de 2022, mas o professor de relações internacionais da FGV e colunista do Estadão, Oliver Stuenkel, destaca ser difícil medir a aprovação da guerra pela população russa. “Não podemos confiar muito nos números. Eu sou muito cético em relação às eleições na Rússia, vai ser difícil deduzir algo sobre o resultado. Acredito que a maioria da população russa não é contra a guerra, mas não avalio que o resultado eleitoral pode medir isso”.

Pifer aponta que a participação eleitoral será importante para medir a popularidade do presidente russo. “Se tivermos uma participação eleitoral significativamente menor do que há seis anos atrás, então saberemos que uma parcela da população está insatisfeita”, diz Pifer. “Mas é importante destacar que pesquisas indicam que Putin continua um político bem popular na Rússia”.

Segundo o Kremlin, Putin conta com grande apoio da população da Rússia, mesmo após o início da guerra da Ucrânia em 22 de fevereiro de 2022, quando forças russas atacaram a Ucrânia e ocuparam algumas regiões do país vizinho. Pesquisas de opinião na Rússia mostram que o atual presidente conta com índices de aprovação acima de 80%.Em 2018, o presidente russo venceu as eleições com 76,7% dos votos.

Putin é o segundo líder russo com mais tempo no cargo, só perdendo o primeiro posto para Josef Stalin, que liderou a União Soviética depois da morte de Lênin. Ele assumiu o poder no último dia de 1999 e ganhou duas eleições até 2008, quando apoiou e elegeu o seu aliado Dmitri Medvedev, que ficou um mandato como presidente, tendo Putin como primeiro-ministro. Naquele momento, a legislação russa não permitia que o mesmo presidente permanecesse no cargo por mais de dois mandatos consecutivos. O atual mandatário russo retornou ao poder em 2012 e não saiu mais.

Cartaz em São Petersburgo, na Rússia, anuncia que as eleições irão ocorrer entre os dias 15 e 17 de março  Foto: ANATOLY MALTSEV / EFE

Oposição

Após anos de repressão, uma política que ficou ainda mais intensa desde o início da ofensiva na Ucrânia, em fevereiro de 2022, a lista de candidatos que poderão concorrer no pleito russo é pequena. Dentre as legendas que poderão lançar candidatos, o Partido Comunista Russo já designou Nikolai Jaritonov, um membro da Duma (Parlamento russo), como candidato à presidência.

O partido Iniciativa Cívica – que não está representado na Duma – apoiou a nomeação de Boris Nadezhdin, um advogado que ficou conhecido por fazer campanha contra a ofensiva da Rússia na Ucrânia. Já o Partido Liberal Democrata da Rússia anunciou que nomeou o líder da legenda, Leonid Slutsky, como candidato à presidência. A presidente da Comissão Eleitoral Russa, Ella Pamfilova, apontou que 29 pessoas já aplicaram para participarem das eleições presidenciais da Rússia.

Muitas candidaturas são rejeitadas pela Comissão Eleitoral, como a da jornalista Yekaterina Duntsova, uma ativista pela democracia na Rússia e defensora do fim da ofensiva russa na Ucrânia. A comissão alegou “erros na documentação” da candidata.

“Os candidatos que irão concorrer contra Putin fazem parte da oposição oficial do Kremlin, nenhum deles tem chance de vencer. Eles podem conseguir até 10% dos votos no máximo”, avalia Pifer.

A candidatura de Yekaterina Duntsova foi negada pela Comissão Eleitoral da Rússia  Foto: Maxim Shemetov / REUTERS

O principal político da oposição russa não participará das eleições. O advogado e ativista russo Alexei Navalni, que ficou famoso por organizar protestos contra o governo de Vladimir Putin e criticar a corrupção de seu governo, está preso. Navalni ganhou notoriedade ao denunciar supostos esquemas de corrupção em estatais russas. Em 2011, foi uma das lideranças da onda de protestos que denunciava fraude nas eleições parlamentares. Em 2018, era considerado o único político capaz de derrotar Vladimir Putin nas urnas e foi impedido de disputar a eleição.

Em 2020, quase morreu vítima de um envenenamento enquanto voava da Sibéria para Moscou. Depois de ser atendido em solo russo, ficou internado em Berlim. Os testes feitos na Alemanha identificaram a presença do agente nervoso da era soviética, Novichok. A descoberta elevou o tom das críticas contra o Kremlin que foi acusado de envenenar o opositor. Em 2021, voltou para a Rússia apesar das ameaças de prisão e foi detido no aeroporto de Moscou ao desembarcar. Em agosto, Navalny foi condenado a passar mais 19 anos em prisão de segurança máxima por organizar, financiar e convocar atividades “extremistas”, crimes que ele nega.

O opositor de Putin foi transferido de sua prisão em dezembro e sua família ficou três semanas sem saber sobre o seu paradeiro. No domingo, 25, ele foi localizado em uma colônia penal em Jarp, no Ártico russo.

O opositor russo Alexei Navalni durante uma manifestação em Moscou, Rússia  Foto: Pavel Golovkin / AP

Para o diplomata americano, Navalni seria competitivo em uma eleição livre contra Putin, mas não conseguiria vencer o atual presidente russo. “Navalni poderia conseguir até 25% dos votos, o que seria inaceitável para o Kremlin, mas não tiraria Putin do poder em uma eleição justa e livre”.

O ultranacionalista Igor Girkin, que declarou ser a favor da guerra na Ucrânia, também está preso desde julho e aguarda seu julgamento sob a acusação de “extremismo”. Ele apontou que gostaria de se candidatar à presidência, mas disse que as eleições já estavam “resolvidas” porque todos sabiam quem seria o vencedor.

Novo mandato de Putin

Especialistas entrevistados pelo Estadão apontam que um novo mandato de Vladimir Putin deve seguir as mesmas diretrizes impostas desde o início da guerra na Ucrânia, com um grande distanciamento do Ocidente, uma dependência econômica da China e intensificação da repressão.

“Eu não vejo uma reaproximação da Rússia com o Ocidente enquanto Putin estiver no poder”, opina Stuenkel, da FGV. O momento econômico russo pode fazer com que ocorra uma maior dependência do setor de exportação de gás, petróleo e de commodities como o trigo, pondera o especialista. “Além disso, a fuga da classe intelectual russa deve continuar por conta da falta de acesso à tecnologia e uma conexão menor com o mundo Ocidental”.

No âmbito militar, a Rússia deve continuar focada nos combates na Ucrânia, em meio a um clima de cansaço e de redução do apoio ocidental a Kiev, além dos poucos resultados significativos da contraofensiva ucraniana. Contudo, segundo uma reportagem do jornal The New York Times, o presidente russo tem sinalizado através de intermediários desde pelo menos setembro que está aberto a um cessar-fogo que congele os combates nos moldes atuais.

Segundo o professor da Universidade Federal Fluminense (UFF) e pesquisador da Universidade de Harvard, Vitelio Brustolin, Putin poderia tentar fazer um corredor entre regiões anexadas da Ucrânia e a Transnístria, um território entre a Ucrânia e a Moldávia que tem uma maioria étnica russa. O território declarou a sua independência da Moldávia em 1990 com ajuda russa, mas é reconhecido pela comunidade internacional como parte da Moldávia. Oficiais russos já apontaram que tem o desejo de obter o controle total da região ucraniana de Donbass, obtendo acesso a Transnístria, que conta com cerca de 1.500 soldados russos para proteção.

“A Rússia teria muitos problemas logísticos para fazer isso e teria que conquistar territórios da Ucrânia que ainda não conquistou, então logisticamente seria difícil fazer essa expansão, embora militares russos já sugeriram que este pode ser um objetivo de Moscou”, opina Brustolin.

Eleições na Ucrânia

Na Ucrânia, as eleições presidenciais estão marcadas para o dia 31 de março do ano que vem, mas os ucranianos não tem certeza se a eleição irá acontecer. O país está sob lei marcial desde o início da guerra, o que proíbe Kiev de realizar eleições e o presidente da Ucrânia, Volodimir Zelenski, tem insistido nas dificuldades logísticas de se realizar uma eleição em meio a guerra.

Milhares de soldados estão no campo de batalha, uma parcela da população ucraniana vive sob a ocupação russa e 6,3 milhões de ucranianos saíram do país após o início da guerra com Moscou. O governo de Zelenski declarou que não descartou nenhuma opção e pode até alterar a legislação para que eleições sejam feitas. O pleito parlamentar que tinha sido agendado para outubro foi adiado até o fim da guerra após um consenso entre todos os partidos do parlamento.

Steven Pifer, ex-embaixador dos Estados Unidos na Ucrânia, avalia que Washington e a União Europeia não irão pressionar Zelenski para realizar eleições em 2024. “Não acredito que os EUA ou a União Europeia irão pressionar a Ucrânia a realizar eleições em 2024. Se a guerra se arrastar até 2025 e 2026, a situação pode mudar”. Apesar disso, o diplomata ressaltou a necessidade de não adiar indefinidamente o pleito.

O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, conversa com o presidente da Ucrânia, Volodimir Zelenski, na Casa Branca  Foto: Evan Vucci / AP

Para o pesquisador da Universidade de Harvard, Vitelio Brustolin, é possível que Zelenski concorde com a realização de eleições como um gesto ao Ocidente. “Muitos países apoiam a Ucrânia com a justificativa de que estão defendendo a democracia, então acredito que o presidente ucraniano pode realizar eleições como um gesto a estes países”.

Em visita a Kiev no mês de agosto, o senador americano Lindsey Graham, do Partido Republicano, apontou que desejaria que Kiev realizasse eleições durante a guerra para mostrar que era diferente da nação governada por Vladimir Putin.

Zelenski respondeu que precisaria de suporte financeiro do Ocidente para que isso acontecesse, ressaltando que as eleições na Ucrânia custam US$ 135 milhões em tempos de paz. “Não sei quanto custaria em tempos de guerra, mas precisaríamos de ajuda dos EUA e da UE”.O mandatário ucraniano também ressaltou que não tiraria fundos reservados da compra de armas para eleições.

A segurança também seria uma questão, com a possibilidade de bombardeios russos em zonas eleitorais ucranianas. Zelenski ressaltou que os soldados ucranianos na linha de frente não conseguiriam votar. “Estes soldados estão lutando pela nossa democracia e seria injusto que não pudessem participar”.

Soldados ucranianos disparam tiros de artilharia contra posições russas na região de Donetsk  Foto: Viacheslav Ratynskyi / REUTERS

Ucranianos não querem eleições neste momento, segundo pesquisas

Para a população ucraniana, o país não deve realizar eleições durante a guerra com a Rússia. Segundo duas pesquisas de opinião, uma do Instituto Internacional de Sociologia de Kiev e outra do Instituto Internacional Republicano, apenas duas pessoas de 10 entrevistados acreditam que Kiev deve realizar eleições durante a guerra.

Grupos da sociedade civil ucraniana também acreditam nisso. Em setembro, 100 entidades não governamentais da Ucrânia e também internacionais publicaram um posicionamento contra o pleito em meio ao conflito com Moscou.

Para o professor de relações internacionais da FGV, Oliver Stuenkel, a relação entre Kiev, Washington e Bruxelas continuaria a mesma sem as eleições. “A decisão de adiar as eleições não deve ter um grande impacto, é muito difícil argumentar que existe um cenário adequado para que o pleito seja feito neste momento”.

O presidente da Ucrânia, Volodimir Zelenski, posa para foto após uma entrevista para a Associated Press em Kharkiv, Ucrânia  Foto: Felipe Dana/ AP

Zelenski seria favorito?

Volodimir Zelenski já declarou que gostaria de se candidatar para um segundo mandato caso as eleições ucranianas fossem realizadas durante a guerra com a Ucrânia, mas apontou que caso o pleito seja realizado após o fim do conflito, não tem certeza se iria tentar mais um mandato.

Com um discurso antissistema, o então ator e humorista Zelenski venceu as eleições ucranianas com 73% dos votos no segundo turno em 2019, contra o então presidente do país Petro Poroshenko.

Mesmo com a diminuição de sua popularidade, em um contexto de resultados pouco expressivos no campo de batalha contra a Rússia, casos de corrupção no governo e rusgas entre membros das Forças Armadas da Ucrânia e o presidente, Zelenski continua forte e seria eleito para um segundo mandato, de acordo com pesquisas de opinião e especialistas entrevistados pelo Estadão.

De acordo com uma pesquisa do Instituto Internacional de Sociologia de Kiev que foi divulgada em dezembro, Zelenski segue sendo o político mais confiável dentro da Ucrânia para a população, com 77%. Em maio de 2022 o atual presidente ucraniano chegou a ter 90% de confiança do público. Já o Instituto americano Galloup mostra em uma pesquisa publicada em outubro que 81% dos ucranianos aprovam Zelenski como presidente.

“Ele tem muito apoio popular, não tenho dúvida nenhuma de que seria o favorito”, aponta Brustolin. “O fato de Zelenski afirmar que não tem certeza se tentaria concorrer a um segundo mandato em tempos de paz mostra que ele é diferente de Vladimir Putin e que a democracia na Ucrânia não está ameaçada caso as eleições não ocorram na data estabelecida”.

Oposição

Especulações da mídia ucraniana apontam que o Chefe das Forças Armadas da Ucrânia, Valerii Zaluzhnyi, poderia concorrer contra Zelenski, mas o general não deu indícios de que prepara uma candidatura neste momento. O ex-conselheiro de Zelenski, Oleksii Arestovich, já anunciou que quer concorrer contra o ex-chefe.

O ex-presidente ucraniano Petro Poroshenko também é especulado como um possível candidato. No início de dezembro, Poroshenko tinha a intenção de sair da Ucrânia para se encontrar com o primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orban, considerado um aliado de Putin. Contudo, apesar de ter conseguido uma autorização do Parlamento para sair do país, o Serviço de Segurança da Ucrânia (SSU) negou a permissão. Por conta da lei marcial, homens ucranianos entre 18 e 60 anos não podem sair do país sem uma autorização especial.

A Hungria bloqueou em dezembro o pacote de ajuda de 50 bilhões de euros da União Europeia para Kiev e se opôs à entrada da Ucrânia no bloco econômico, apesar de ter liberado o início das negociações para a adesão do país na UE, por conta de negociações entre os países.

Poroshenko acusou Zelenski de ter negado a permissão de viagem do ex-presidente por motivos políticos antes das eleições. O Serviço de Segurança da Ucrânia apontou que uma reunião entre Poroshenko e Orban seria negativa e poderia ser usada como ferramenta de guerra russa contra a Ucrânia. “Orban é um amigo de Putin e sistematicamente tem uma posição contrária a Ucrânia”.

“A Ucrânia está sob lei marcial, não faz sentido permitir que um possível candidato à presidência converse com um político estrangeiro que é claramente alinhado a Rússia”, pondera Brustolin. “Não me parece autoritarismo, é no mínimo suspeito que ele queira conversar com o Orban neste momento, durante um período de lei marcial em que os homens de 18 a 60 anos não podem sair do país”.

O recheado ano eleitoral de 2024 promete pleitos importantes que irão movimentar as perspectivas para os principais conflitos da atualidade. Para o mês de março, estão agendadas eleições em dois países em guerra: Rússia e Ucrânia. Em Kiev, o presidente Volodimir Zelenski questiona a logística de realizar um pleito em meio a uma guerra, além de restrições por conta da lei marcial que está em vigor no país. Já em Moscou, as eleições vão acontecer em um cenário de diversas suspeitas de fraude e oposicionistas na prisão, colocando o presidente da Rússia, Vladimir Putin, como favorito para ganhar de novo com uma vasta porcentagem.

Putin já sinalizou que vai concorrer ao pleito que será realizado entre os dias 15 e 17 de março de 2024. O presidente russo domina o cenário político no país há duas décadas, colocando opositores como Alexei Navalni e Ilya Yashin, que seriam concorrentes competitivos, na prisão. Em outras eleições, Putin já venceu de forma esmagadora, mas investigações independentes confirmaram diversas irregularidades na votação.

O presidente russo aparelhou ainda mais as instituições quando sancionou uma lei em 2021 que permite que ele concorra a mais dois mandatos depois do fim da atual administração, em 2024. Na Rússia, o presidente possui um mandato de seis anos, com isso, a legislação agora permite que o atual mandatário possa ficar no poder até 2036, quando Vladimir Putin completaria 84 anos.

“Não há dúvida de que Putin vai vencer, principalmente por conta dos relatos de fraude das últimas eleições”, aponta Steven Pifer, analista do Instituto Brookings e diplomata americano com experiência no Leste Europeu, tendo sido embaixador dos Estados Unidos na Ucrânia entre 1998 e 2000 e trabalhado na embaixada americana em Moscou e Varsóvia.

O presidente da Rússia, Vladimir Putin, participa de uma reunião em seu gabinete em Moscou, Rússia  Foto: MIKHAIL KLIMENTYEV / EFE

Esta será a primeira eleição desde o início da guerra da Ucrânia no dia 22 de fevereiro de 2022, mas o professor de relações internacionais da FGV e colunista do Estadão, Oliver Stuenkel, destaca ser difícil medir a aprovação da guerra pela população russa. “Não podemos confiar muito nos números. Eu sou muito cético em relação às eleições na Rússia, vai ser difícil deduzir algo sobre o resultado. Acredito que a maioria da população russa não é contra a guerra, mas não avalio que o resultado eleitoral pode medir isso”.

Pifer aponta que a participação eleitoral será importante para medir a popularidade do presidente russo. “Se tivermos uma participação eleitoral significativamente menor do que há seis anos atrás, então saberemos que uma parcela da população está insatisfeita”, diz Pifer. “Mas é importante destacar que pesquisas indicam que Putin continua um político bem popular na Rússia”.

Segundo o Kremlin, Putin conta com grande apoio da população da Rússia, mesmo após o início da guerra da Ucrânia em 22 de fevereiro de 2022, quando forças russas atacaram a Ucrânia e ocuparam algumas regiões do país vizinho. Pesquisas de opinião na Rússia mostram que o atual presidente conta com índices de aprovação acima de 80%.Em 2018, o presidente russo venceu as eleições com 76,7% dos votos.

Putin é o segundo líder russo com mais tempo no cargo, só perdendo o primeiro posto para Josef Stalin, que liderou a União Soviética depois da morte de Lênin. Ele assumiu o poder no último dia de 1999 e ganhou duas eleições até 2008, quando apoiou e elegeu o seu aliado Dmitri Medvedev, que ficou um mandato como presidente, tendo Putin como primeiro-ministro. Naquele momento, a legislação russa não permitia que o mesmo presidente permanecesse no cargo por mais de dois mandatos consecutivos. O atual mandatário russo retornou ao poder em 2012 e não saiu mais.

Cartaz em São Petersburgo, na Rússia, anuncia que as eleições irão ocorrer entre os dias 15 e 17 de março  Foto: ANATOLY MALTSEV / EFE

Oposição

Após anos de repressão, uma política que ficou ainda mais intensa desde o início da ofensiva na Ucrânia, em fevereiro de 2022, a lista de candidatos que poderão concorrer no pleito russo é pequena. Dentre as legendas que poderão lançar candidatos, o Partido Comunista Russo já designou Nikolai Jaritonov, um membro da Duma (Parlamento russo), como candidato à presidência.

O partido Iniciativa Cívica – que não está representado na Duma – apoiou a nomeação de Boris Nadezhdin, um advogado que ficou conhecido por fazer campanha contra a ofensiva da Rússia na Ucrânia. Já o Partido Liberal Democrata da Rússia anunciou que nomeou o líder da legenda, Leonid Slutsky, como candidato à presidência. A presidente da Comissão Eleitoral Russa, Ella Pamfilova, apontou que 29 pessoas já aplicaram para participarem das eleições presidenciais da Rússia.

Muitas candidaturas são rejeitadas pela Comissão Eleitoral, como a da jornalista Yekaterina Duntsova, uma ativista pela democracia na Rússia e defensora do fim da ofensiva russa na Ucrânia. A comissão alegou “erros na documentação” da candidata.

“Os candidatos que irão concorrer contra Putin fazem parte da oposição oficial do Kremlin, nenhum deles tem chance de vencer. Eles podem conseguir até 10% dos votos no máximo”, avalia Pifer.

A candidatura de Yekaterina Duntsova foi negada pela Comissão Eleitoral da Rússia  Foto: Maxim Shemetov / REUTERS

O principal político da oposição russa não participará das eleições. O advogado e ativista russo Alexei Navalni, que ficou famoso por organizar protestos contra o governo de Vladimir Putin e criticar a corrupção de seu governo, está preso. Navalni ganhou notoriedade ao denunciar supostos esquemas de corrupção em estatais russas. Em 2011, foi uma das lideranças da onda de protestos que denunciava fraude nas eleições parlamentares. Em 2018, era considerado o único político capaz de derrotar Vladimir Putin nas urnas e foi impedido de disputar a eleição.

Em 2020, quase morreu vítima de um envenenamento enquanto voava da Sibéria para Moscou. Depois de ser atendido em solo russo, ficou internado em Berlim. Os testes feitos na Alemanha identificaram a presença do agente nervoso da era soviética, Novichok. A descoberta elevou o tom das críticas contra o Kremlin que foi acusado de envenenar o opositor. Em 2021, voltou para a Rússia apesar das ameaças de prisão e foi detido no aeroporto de Moscou ao desembarcar. Em agosto, Navalny foi condenado a passar mais 19 anos em prisão de segurança máxima por organizar, financiar e convocar atividades “extremistas”, crimes que ele nega.

O opositor de Putin foi transferido de sua prisão em dezembro e sua família ficou três semanas sem saber sobre o seu paradeiro. No domingo, 25, ele foi localizado em uma colônia penal em Jarp, no Ártico russo.

O opositor russo Alexei Navalni durante uma manifestação em Moscou, Rússia  Foto: Pavel Golovkin / AP

Para o diplomata americano, Navalni seria competitivo em uma eleição livre contra Putin, mas não conseguiria vencer o atual presidente russo. “Navalni poderia conseguir até 25% dos votos, o que seria inaceitável para o Kremlin, mas não tiraria Putin do poder em uma eleição justa e livre”.

O ultranacionalista Igor Girkin, que declarou ser a favor da guerra na Ucrânia, também está preso desde julho e aguarda seu julgamento sob a acusação de “extremismo”. Ele apontou que gostaria de se candidatar à presidência, mas disse que as eleições já estavam “resolvidas” porque todos sabiam quem seria o vencedor.

Novo mandato de Putin

Especialistas entrevistados pelo Estadão apontam que um novo mandato de Vladimir Putin deve seguir as mesmas diretrizes impostas desde o início da guerra na Ucrânia, com um grande distanciamento do Ocidente, uma dependência econômica da China e intensificação da repressão.

“Eu não vejo uma reaproximação da Rússia com o Ocidente enquanto Putin estiver no poder”, opina Stuenkel, da FGV. O momento econômico russo pode fazer com que ocorra uma maior dependência do setor de exportação de gás, petróleo e de commodities como o trigo, pondera o especialista. “Além disso, a fuga da classe intelectual russa deve continuar por conta da falta de acesso à tecnologia e uma conexão menor com o mundo Ocidental”.

No âmbito militar, a Rússia deve continuar focada nos combates na Ucrânia, em meio a um clima de cansaço e de redução do apoio ocidental a Kiev, além dos poucos resultados significativos da contraofensiva ucraniana. Contudo, segundo uma reportagem do jornal The New York Times, o presidente russo tem sinalizado através de intermediários desde pelo menos setembro que está aberto a um cessar-fogo que congele os combates nos moldes atuais.

Segundo o professor da Universidade Federal Fluminense (UFF) e pesquisador da Universidade de Harvard, Vitelio Brustolin, Putin poderia tentar fazer um corredor entre regiões anexadas da Ucrânia e a Transnístria, um território entre a Ucrânia e a Moldávia que tem uma maioria étnica russa. O território declarou a sua independência da Moldávia em 1990 com ajuda russa, mas é reconhecido pela comunidade internacional como parte da Moldávia. Oficiais russos já apontaram que tem o desejo de obter o controle total da região ucraniana de Donbass, obtendo acesso a Transnístria, que conta com cerca de 1.500 soldados russos para proteção.

“A Rússia teria muitos problemas logísticos para fazer isso e teria que conquistar territórios da Ucrânia que ainda não conquistou, então logisticamente seria difícil fazer essa expansão, embora militares russos já sugeriram que este pode ser um objetivo de Moscou”, opina Brustolin.

Eleições na Ucrânia

Na Ucrânia, as eleições presidenciais estão marcadas para o dia 31 de março do ano que vem, mas os ucranianos não tem certeza se a eleição irá acontecer. O país está sob lei marcial desde o início da guerra, o que proíbe Kiev de realizar eleições e o presidente da Ucrânia, Volodimir Zelenski, tem insistido nas dificuldades logísticas de se realizar uma eleição em meio a guerra.

Milhares de soldados estão no campo de batalha, uma parcela da população ucraniana vive sob a ocupação russa e 6,3 milhões de ucranianos saíram do país após o início da guerra com Moscou. O governo de Zelenski declarou que não descartou nenhuma opção e pode até alterar a legislação para que eleições sejam feitas. O pleito parlamentar que tinha sido agendado para outubro foi adiado até o fim da guerra após um consenso entre todos os partidos do parlamento.

Steven Pifer, ex-embaixador dos Estados Unidos na Ucrânia, avalia que Washington e a União Europeia não irão pressionar Zelenski para realizar eleições em 2024. “Não acredito que os EUA ou a União Europeia irão pressionar a Ucrânia a realizar eleições em 2024. Se a guerra se arrastar até 2025 e 2026, a situação pode mudar”. Apesar disso, o diplomata ressaltou a necessidade de não adiar indefinidamente o pleito.

O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, conversa com o presidente da Ucrânia, Volodimir Zelenski, na Casa Branca  Foto: Evan Vucci / AP

Para o pesquisador da Universidade de Harvard, Vitelio Brustolin, é possível que Zelenski concorde com a realização de eleições como um gesto ao Ocidente. “Muitos países apoiam a Ucrânia com a justificativa de que estão defendendo a democracia, então acredito que o presidente ucraniano pode realizar eleições como um gesto a estes países”.

Em visita a Kiev no mês de agosto, o senador americano Lindsey Graham, do Partido Republicano, apontou que desejaria que Kiev realizasse eleições durante a guerra para mostrar que era diferente da nação governada por Vladimir Putin.

Zelenski respondeu que precisaria de suporte financeiro do Ocidente para que isso acontecesse, ressaltando que as eleições na Ucrânia custam US$ 135 milhões em tempos de paz. “Não sei quanto custaria em tempos de guerra, mas precisaríamos de ajuda dos EUA e da UE”.O mandatário ucraniano também ressaltou que não tiraria fundos reservados da compra de armas para eleições.

A segurança também seria uma questão, com a possibilidade de bombardeios russos em zonas eleitorais ucranianas. Zelenski ressaltou que os soldados ucranianos na linha de frente não conseguiriam votar. “Estes soldados estão lutando pela nossa democracia e seria injusto que não pudessem participar”.

Soldados ucranianos disparam tiros de artilharia contra posições russas na região de Donetsk  Foto: Viacheslav Ratynskyi / REUTERS

Ucranianos não querem eleições neste momento, segundo pesquisas

Para a população ucraniana, o país não deve realizar eleições durante a guerra com a Rússia. Segundo duas pesquisas de opinião, uma do Instituto Internacional de Sociologia de Kiev e outra do Instituto Internacional Republicano, apenas duas pessoas de 10 entrevistados acreditam que Kiev deve realizar eleições durante a guerra.

Grupos da sociedade civil ucraniana também acreditam nisso. Em setembro, 100 entidades não governamentais da Ucrânia e também internacionais publicaram um posicionamento contra o pleito em meio ao conflito com Moscou.

Para o professor de relações internacionais da FGV, Oliver Stuenkel, a relação entre Kiev, Washington e Bruxelas continuaria a mesma sem as eleições. “A decisão de adiar as eleições não deve ter um grande impacto, é muito difícil argumentar que existe um cenário adequado para que o pleito seja feito neste momento”.

O presidente da Ucrânia, Volodimir Zelenski, posa para foto após uma entrevista para a Associated Press em Kharkiv, Ucrânia  Foto: Felipe Dana/ AP

Zelenski seria favorito?

Volodimir Zelenski já declarou que gostaria de se candidatar para um segundo mandato caso as eleições ucranianas fossem realizadas durante a guerra com a Ucrânia, mas apontou que caso o pleito seja realizado após o fim do conflito, não tem certeza se iria tentar mais um mandato.

Com um discurso antissistema, o então ator e humorista Zelenski venceu as eleições ucranianas com 73% dos votos no segundo turno em 2019, contra o então presidente do país Petro Poroshenko.

Mesmo com a diminuição de sua popularidade, em um contexto de resultados pouco expressivos no campo de batalha contra a Rússia, casos de corrupção no governo e rusgas entre membros das Forças Armadas da Ucrânia e o presidente, Zelenski continua forte e seria eleito para um segundo mandato, de acordo com pesquisas de opinião e especialistas entrevistados pelo Estadão.

De acordo com uma pesquisa do Instituto Internacional de Sociologia de Kiev que foi divulgada em dezembro, Zelenski segue sendo o político mais confiável dentro da Ucrânia para a população, com 77%. Em maio de 2022 o atual presidente ucraniano chegou a ter 90% de confiança do público. Já o Instituto americano Galloup mostra em uma pesquisa publicada em outubro que 81% dos ucranianos aprovam Zelenski como presidente.

“Ele tem muito apoio popular, não tenho dúvida nenhuma de que seria o favorito”, aponta Brustolin. “O fato de Zelenski afirmar que não tem certeza se tentaria concorrer a um segundo mandato em tempos de paz mostra que ele é diferente de Vladimir Putin e que a democracia na Ucrânia não está ameaçada caso as eleições não ocorram na data estabelecida”.

Oposição

Especulações da mídia ucraniana apontam que o Chefe das Forças Armadas da Ucrânia, Valerii Zaluzhnyi, poderia concorrer contra Zelenski, mas o general não deu indícios de que prepara uma candidatura neste momento. O ex-conselheiro de Zelenski, Oleksii Arestovich, já anunciou que quer concorrer contra o ex-chefe.

O ex-presidente ucraniano Petro Poroshenko também é especulado como um possível candidato. No início de dezembro, Poroshenko tinha a intenção de sair da Ucrânia para se encontrar com o primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orban, considerado um aliado de Putin. Contudo, apesar de ter conseguido uma autorização do Parlamento para sair do país, o Serviço de Segurança da Ucrânia (SSU) negou a permissão. Por conta da lei marcial, homens ucranianos entre 18 e 60 anos não podem sair do país sem uma autorização especial.

A Hungria bloqueou em dezembro o pacote de ajuda de 50 bilhões de euros da União Europeia para Kiev e se opôs à entrada da Ucrânia no bloco econômico, apesar de ter liberado o início das negociações para a adesão do país na UE, por conta de negociações entre os países.

Poroshenko acusou Zelenski de ter negado a permissão de viagem do ex-presidente por motivos políticos antes das eleições. O Serviço de Segurança da Ucrânia apontou que uma reunião entre Poroshenko e Orban seria negativa e poderia ser usada como ferramenta de guerra russa contra a Ucrânia. “Orban é um amigo de Putin e sistematicamente tem uma posição contrária a Ucrânia”.

“A Ucrânia está sob lei marcial, não faz sentido permitir que um possível candidato à presidência converse com um político estrangeiro que é claramente alinhado a Rússia”, pondera Brustolin. “Não me parece autoritarismo, é no mínimo suspeito que ele queira conversar com o Orban neste momento, durante um período de lei marcial em que os homens de 18 a 60 anos não podem sair do país”.

O recheado ano eleitoral de 2024 promete pleitos importantes que irão movimentar as perspectivas para os principais conflitos da atualidade. Para o mês de março, estão agendadas eleições em dois países em guerra: Rússia e Ucrânia. Em Kiev, o presidente Volodimir Zelenski questiona a logística de realizar um pleito em meio a uma guerra, além de restrições por conta da lei marcial que está em vigor no país. Já em Moscou, as eleições vão acontecer em um cenário de diversas suspeitas de fraude e oposicionistas na prisão, colocando o presidente da Rússia, Vladimir Putin, como favorito para ganhar de novo com uma vasta porcentagem.

Putin já sinalizou que vai concorrer ao pleito que será realizado entre os dias 15 e 17 de março de 2024. O presidente russo domina o cenário político no país há duas décadas, colocando opositores como Alexei Navalni e Ilya Yashin, que seriam concorrentes competitivos, na prisão. Em outras eleições, Putin já venceu de forma esmagadora, mas investigações independentes confirmaram diversas irregularidades na votação.

O presidente russo aparelhou ainda mais as instituições quando sancionou uma lei em 2021 que permite que ele concorra a mais dois mandatos depois do fim da atual administração, em 2024. Na Rússia, o presidente possui um mandato de seis anos, com isso, a legislação agora permite que o atual mandatário possa ficar no poder até 2036, quando Vladimir Putin completaria 84 anos.

“Não há dúvida de que Putin vai vencer, principalmente por conta dos relatos de fraude das últimas eleições”, aponta Steven Pifer, analista do Instituto Brookings e diplomata americano com experiência no Leste Europeu, tendo sido embaixador dos Estados Unidos na Ucrânia entre 1998 e 2000 e trabalhado na embaixada americana em Moscou e Varsóvia.

O presidente da Rússia, Vladimir Putin, participa de uma reunião em seu gabinete em Moscou, Rússia  Foto: MIKHAIL KLIMENTYEV / EFE

Esta será a primeira eleição desde o início da guerra da Ucrânia no dia 22 de fevereiro de 2022, mas o professor de relações internacionais da FGV e colunista do Estadão, Oliver Stuenkel, destaca ser difícil medir a aprovação da guerra pela população russa. “Não podemos confiar muito nos números. Eu sou muito cético em relação às eleições na Rússia, vai ser difícil deduzir algo sobre o resultado. Acredito que a maioria da população russa não é contra a guerra, mas não avalio que o resultado eleitoral pode medir isso”.

Pifer aponta que a participação eleitoral será importante para medir a popularidade do presidente russo. “Se tivermos uma participação eleitoral significativamente menor do que há seis anos atrás, então saberemos que uma parcela da população está insatisfeita”, diz Pifer. “Mas é importante destacar que pesquisas indicam que Putin continua um político bem popular na Rússia”.

Segundo o Kremlin, Putin conta com grande apoio da população da Rússia, mesmo após o início da guerra da Ucrânia em 22 de fevereiro de 2022, quando forças russas atacaram a Ucrânia e ocuparam algumas regiões do país vizinho. Pesquisas de opinião na Rússia mostram que o atual presidente conta com índices de aprovação acima de 80%.Em 2018, o presidente russo venceu as eleições com 76,7% dos votos.

Putin é o segundo líder russo com mais tempo no cargo, só perdendo o primeiro posto para Josef Stalin, que liderou a União Soviética depois da morte de Lênin. Ele assumiu o poder no último dia de 1999 e ganhou duas eleições até 2008, quando apoiou e elegeu o seu aliado Dmitri Medvedev, que ficou um mandato como presidente, tendo Putin como primeiro-ministro. Naquele momento, a legislação russa não permitia que o mesmo presidente permanecesse no cargo por mais de dois mandatos consecutivos. O atual mandatário russo retornou ao poder em 2012 e não saiu mais.

Cartaz em São Petersburgo, na Rússia, anuncia que as eleições irão ocorrer entre os dias 15 e 17 de março  Foto: ANATOLY MALTSEV / EFE

Oposição

Após anos de repressão, uma política que ficou ainda mais intensa desde o início da ofensiva na Ucrânia, em fevereiro de 2022, a lista de candidatos que poderão concorrer no pleito russo é pequena. Dentre as legendas que poderão lançar candidatos, o Partido Comunista Russo já designou Nikolai Jaritonov, um membro da Duma (Parlamento russo), como candidato à presidência.

O partido Iniciativa Cívica – que não está representado na Duma – apoiou a nomeação de Boris Nadezhdin, um advogado que ficou conhecido por fazer campanha contra a ofensiva da Rússia na Ucrânia. Já o Partido Liberal Democrata da Rússia anunciou que nomeou o líder da legenda, Leonid Slutsky, como candidato à presidência. A presidente da Comissão Eleitoral Russa, Ella Pamfilova, apontou que 29 pessoas já aplicaram para participarem das eleições presidenciais da Rússia.

Muitas candidaturas são rejeitadas pela Comissão Eleitoral, como a da jornalista Yekaterina Duntsova, uma ativista pela democracia na Rússia e defensora do fim da ofensiva russa na Ucrânia. A comissão alegou “erros na documentação” da candidata.

“Os candidatos que irão concorrer contra Putin fazem parte da oposição oficial do Kremlin, nenhum deles tem chance de vencer. Eles podem conseguir até 10% dos votos no máximo”, avalia Pifer.

A candidatura de Yekaterina Duntsova foi negada pela Comissão Eleitoral da Rússia  Foto: Maxim Shemetov / REUTERS

O principal político da oposição russa não participará das eleições. O advogado e ativista russo Alexei Navalni, que ficou famoso por organizar protestos contra o governo de Vladimir Putin e criticar a corrupção de seu governo, está preso. Navalni ganhou notoriedade ao denunciar supostos esquemas de corrupção em estatais russas. Em 2011, foi uma das lideranças da onda de protestos que denunciava fraude nas eleições parlamentares. Em 2018, era considerado o único político capaz de derrotar Vladimir Putin nas urnas e foi impedido de disputar a eleição.

Em 2020, quase morreu vítima de um envenenamento enquanto voava da Sibéria para Moscou. Depois de ser atendido em solo russo, ficou internado em Berlim. Os testes feitos na Alemanha identificaram a presença do agente nervoso da era soviética, Novichok. A descoberta elevou o tom das críticas contra o Kremlin que foi acusado de envenenar o opositor. Em 2021, voltou para a Rússia apesar das ameaças de prisão e foi detido no aeroporto de Moscou ao desembarcar. Em agosto, Navalny foi condenado a passar mais 19 anos em prisão de segurança máxima por organizar, financiar e convocar atividades “extremistas”, crimes que ele nega.

O opositor de Putin foi transferido de sua prisão em dezembro e sua família ficou três semanas sem saber sobre o seu paradeiro. No domingo, 25, ele foi localizado em uma colônia penal em Jarp, no Ártico russo.

O opositor russo Alexei Navalni durante uma manifestação em Moscou, Rússia  Foto: Pavel Golovkin / AP

Para o diplomata americano, Navalni seria competitivo em uma eleição livre contra Putin, mas não conseguiria vencer o atual presidente russo. “Navalni poderia conseguir até 25% dos votos, o que seria inaceitável para o Kremlin, mas não tiraria Putin do poder em uma eleição justa e livre”.

O ultranacionalista Igor Girkin, que declarou ser a favor da guerra na Ucrânia, também está preso desde julho e aguarda seu julgamento sob a acusação de “extremismo”. Ele apontou que gostaria de se candidatar à presidência, mas disse que as eleições já estavam “resolvidas” porque todos sabiam quem seria o vencedor.

Novo mandato de Putin

Especialistas entrevistados pelo Estadão apontam que um novo mandato de Vladimir Putin deve seguir as mesmas diretrizes impostas desde o início da guerra na Ucrânia, com um grande distanciamento do Ocidente, uma dependência econômica da China e intensificação da repressão.

“Eu não vejo uma reaproximação da Rússia com o Ocidente enquanto Putin estiver no poder”, opina Stuenkel, da FGV. O momento econômico russo pode fazer com que ocorra uma maior dependência do setor de exportação de gás, petróleo e de commodities como o trigo, pondera o especialista. “Além disso, a fuga da classe intelectual russa deve continuar por conta da falta de acesso à tecnologia e uma conexão menor com o mundo Ocidental”.

No âmbito militar, a Rússia deve continuar focada nos combates na Ucrânia, em meio a um clima de cansaço e de redução do apoio ocidental a Kiev, além dos poucos resultados significativos da contraofensiva ucraniana. Contudo, segundo uma reportagem do jornal The New York Times, o presidente russo tem sinalizado através de intermediários desde pelo menos setembro que está aberto a um cessar-fogo que congele os combates nos moldes atuais.

Segundo o professor da Universidade Federal Fluminense (UFF) e pesquisador da Universidade de Harvard, Vitelio Brustolin, Putin poderia tentar fazer um corredor entre regiões anexadas da Ucrânia e a Transnístria, um território entre a Ucrânia e a Moldávia que tem uma maioria étnica russa. O território declarou a sua independência da Moldávia em 1990 com ajuda russa, mas é reconhecido pela comunidade internacional como parte da Moldávia. Oficiais russos já apontaram que tem o desejo de obter o controle total da região ucraniana de Donbass, obtendo acesso a Transnístria, que conta com cerca de 1.500 soldados russos para proteção.

“A Rússia teria muitos problemas logísticos para fazer isso e teria que conquistar territórios da Ucrânia que ainda não conquistou, então logisticamente seria difícil fazer essa expansão, embora militares russos já sugeriram que este pode ser um objetivo de Moscou”, opina Brustolin.

Eleições na Ucrânia

Na Ucrânia, as eleições presidenciais estão marcadas para o dia 31 de março do ano que vem, mas os ucranianos não tem certeza se a eleição irá acontecer. O país está sob lei marcial desde o início da guerra, o que proíbe Kiev de realizar eleições e o presidente da Ucrânia, Volodimir Zelenski, tem insistido nas dificuldades logísticas de se realizar uma eleição em meio a guerra.

Milhares de soldados estão no campo de batalha, uma parcela da população ucraniana vive sob a ocupação russa e 6,3 milhões de ucranianos saíram do país após o início da guerra com Moscou. O governo de Zelenski declarou que não descartou nenhuma opção e pode até alterar a legislação para que eleições sejam feitas. O pleito parlamentar que tinha sido agendado para outubro foi adiado até o fim da guerra após um consenso entre todos os partidos do parlamento.

Steven Pifer, ex-embaixador dos Estados Unidos na Ucrânia, avalia que Washington e a União Europeia não irão pressionar Zelenski para realizar eleições em 2024. “Não acredito que os EUA ou a União Europeia irão pressionar a Ucrânia a realizar eleições em 2024. Se a guerra se arrastar até 2025 e 2026, a situação pode mudar”. Apesar disso, o diplomata ressaltou a necessidade de não adiar indefinidamente o pleito.

O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, conversa com o presidente da Ucrânia, Volodimir Zelenski, na Casa Branca  Foto: Evan Vucci / AP

Para o pesquisador da Universidade de Harvard, Vitelio Brustolin, é possível que Zelenski concorde com a realização de eleições como um gesto ao Ocidente. “Muitos países apoiam a Ucrânia com a justificativa de que estão defendendo a democracia, então acredito que o presidente ucraniano pode realizar eleições como um gesto a estes países”.

Em visita a Kiev no mês de agosto, o senador americano Lindsey Graham, do Partido Republicano, apontou que desejaria que Kiev realizasse eleições durante a guerra para mostrar que era diferente da nação governada por Vladimir Putin.

Zelenski respondeu que precisaria de suporte financeiro do Ocidente para que isso acontecesse, ressaltando que as eleições na Ucrânia custam US$ 135 milhões em tempos de paz. “Não sei quanto custaria em tempos de guerra, mas precisaríamos de ajuda dos EUA e da UE”.O mandatário ucraniano também ressaltou que não tiraria fundos reservados da compra de armas para eleições.

A segurança também seria uma questão, com a possibilidade de bombardeios russos em zonas eleitorais ucranianas. Zelenski ressaltou que os soldados ucranianos na linha de frente não conseguiriam votar. “Estes soldados estão lutando pela nossa democracia e seria injusto que não pudessem participar”.

Soldados ucranianos disparam tiros de artilharia contra posições russas na região de Donetsk  Foto: Viacheslav Ratynskyi / REUTERS

Ucranianos não querem eleições neste momento, segundo pesquisas

Para a população ucraniana, o país não deve realizar eleições durante a guerra com a Rússia. Segundo duas pesquisas de opinião, uma do Instituto Internacional de Sociologia de Kiev e outra do Instituto Internacional Republicano, apenas duas pessoas de 10 entrevistados acreditam que Kiev deve realizar eleições durante a guerra.

Grupos da sociedade civil ucraniana também acreditam nisso. Em setembro, 100 entidades não governamentais da Ucrânia e também internacionais publicaram um posicionamento contra o pleito em meio ao conflito com Moscou.

Para o professor de relações internacionais da FGV, Oliver Stuenkel, a relação entre Kiev, Washington e Bruxelas continuaria a mesma sem as eleições. “A decisão de adiar as eleições não deve ter um grande impacto, é muito difícil argumentar que existe um cenário adequado para que o pleito seja feito neste momento”.

O presidente da Ucrânia, Volodimir Zelenski, posa para foto após uma entrevista para a Associated Press em Kharkiv, Ucrânia  Foto: Felipe Dana/ AP

Zelenski seria favorito?

Volodimir Zelenski já declarou que gostaria de se candidatar para um segundo mandato caso as eleições ucranianas fossem realizadas durante a guerra com a Ucrânia, mas apontou que caso o pleito seja realizado após o fim do conflito, não tem certeza se iria tentar mais um mandato.

Com um discurso antissistema, o então ator e humorista Zelenski venceu as eleições ucranianas com 73% dos votos no segundo turno em 2019, contra o então presidente do país Petro Poroshenko.

Mesmo com a diminuição de sua popularidade, em um contexto de resultados pouco expressivos no campo de batalha contra a Rússia, casos de corrupção no governo e rusgas entre membros das Forças Armadas da Ucrânia e o presidente, Zelenski continua forte e seria eleito para um segundo mandato, de acordo com pesquisas de opinião e especialistas entrevistados pelo Estadão.

De acordo com uma pesquisa do Instituto Internacional de Sociologia de Kiev que foi divulgada em dezembro, Zelenski segue sendo o político mais confiável dentro da Ucrânia para a população, com 77%. Em maio de 2022 o atual presidente ucraniano chegou a ter 90% de confiança do público. Já o Instituto americano Galloup mostra em uma pesquisa publicada em outubro que 81% dos ucranianos aprovam Zelenski como presidente.

“Ele tem muito apoio popular, não tenho dúvida nenhuma de que seria o favorito”, aponta Brustolin. “O fato de Zelenski afirmar que não tem certeza se tentaria concorrer a um segundo mandato em tempos de paz mostra que ele é diferente de Vladimir Putin e que a democracia na Ucrânia não está ameaçada caso as eleições não ocorram na data estabelecida”.

Oposição

Especulações da mídia ucraniana apontam que o Chefe das Forças Armadas da Ucrânia, Valerii Zaluzhnyi, poderia concorrer contra Zelenski, mas o general não deu indícios de que prepara uma candidatura neste momento. O ex-conselheiro de Zelenski, Oleksii Arestovich, já anunciou que quer concorrer contra o ex-chefe.

O ex-presidente ucraniano Petro Poroshenko também é especulado como um possível candidato. No início de dezembro, Poroshenko tinha a intenção de sair da Ucrânia para se encontrar com o primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orban, considerado um aliado de Putin. Contudo, apesar de ter conseguido uma autorização do Parlamento para sair do país, o Serviço de Segurança da Ucrânia (SSU) negou a permissão. Por conta da lei marcial, homens ucranianos entre 18 e 60 anos não podem sair do país sem uma autorização especial.

A Hungria bloqueou em dezembro o pacote de ajuda de 50 bilhões de euros da União Europeia para Kiev e se opôs à entrada da Ucrânia no bloco econômico, apesar de ter liberado o início das negociações para a adesão do país na UE, por conta de negociações entre os países.

Poroshenko acusou Zelenski de ter negado a permissão de viagem do ex-presidente por motivos políticos antes das eleições. O Serviço de Segurança da Ucrânia apontou que uma reunião entre Poroshenko e Orban seria negativa e poderia ser usada como ferramenta de guerra russa contra a Ucrânia. “Orban é um amigo de Putin e sistematicamente tem uma posição contrária a Ucrânia”.

“A Ucrânia está sob lei marcial, não faz sentido permitir que um possível candidato à presidência converse com um político estrangeiro que é claramente alinhado a Rússia”, pondera Brustolin. “Não me parece autoritarismo, é no mínimo suspeito que ele queira conversar com o Orban neste momento, durante um período de lei marcial em que os homens de 18 a 60 anos não podem sair do país”.

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