Rússia fortalece trincheiras após 10 meses de sangue derramado em Bakhmut


Captura da cidade após 10 meses levanta dúvidas sobre o que russos farão a seguir; o mais provável, dizem especialistas, é que os soldados exaustos fiquem na defensiva

Por Thomas Gibbons-Neff

BAKHMUT, THE NEW YOKR TIMES - A batalha pela cidade de Bakhmut, no leste ucraniano, está essencialmente finalizada por agora. Após 10 meses de combates intensos, avanços frenéticos de soldados e milhares de mortos de ambos os lados, os russos têm o controle do polo industrial, enquanto as forças do presidente VolodImir Zelenski tentam pressioná-los nos arredores da cidade.

Mas o que vem em seguida para a Rússia, que já disse almejar o controle de toda a região do Donbass, não está claro. Em momentos anteriores da batalha, Moscou esperava usar a captura de Bakhmut como uma catapulta para mais avanços para o oeste — idealmente em direção às cidades grandes de Kramatorsk e Sloviansk. A meta, entretanto, parece fora de alcance neste momento.

Os soldados russos aparentam estar exaustos, dizem analistas militares, após sofrerem perdas extensas em sua cruzada para garantir Bakhmut. Além disso, as forças do presidente Vladimir Putin mostraram pouca habilidade de tomar mais território em outras regiões, recorrendo majoritariamente a ataques de menor escala em um punhado de cidades no leste do país.

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Um soldado ucraniano tapa os ouvidos enquanto dispara um morteiro contra posições russas na linha de frente em Bakhmut Foto: Efrem Lukatsky / AP

A Ucrânia, enquanto isso, treinou novos soldados, armados com equipamentos doados pelo Ocidente, e deve lançar em breve uma contraofensiva mais ampla em algum ponto da linha de frente de aproximadamente 800 quilômetros. Os russos, por sua vez, estão em uma posição um tanto defensiva, com suas forças estiradas, enquanto constroem fortificações e se preparam para a próxima fase da guerra.

”Nós provavelmente veremos assaltos táticos mais localizados”, disse Rob Lee, analista militar no Instituto de Pesquisa sobre Política Externa, referindo-se às forças russas. “Mas a Rússia possivelmente terá como foco primário a defesa e a preparação para a contraofensiva ucraniana.”

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As forças russas passaram boa parte do inverno e da primavera boreal cavando trincheiras e se preparando para o ataque ucraniano, apesar de algumas unidades terem continuado na ofensiva em áreas como Kreminna, ao norte de Bakhmut, e Avidiivka, ao sul. Mas tiveram pouco avanço territorial e dizimaram centros residenciais em seu caminho — tudo isso enquanto acumulavam baixas em suas forças militares.

Trincheiras

No sul, que alguns militares preveem ser o foco da nova contraofensiva, forças russas cavaram uma rede intricada de trincheiras primárias e secundárias, além de campos minados para atrapalhar qualquer avanço ucraniano, de acordo com fotos de satélite.

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Se a Ucrânia conseguir retomar território, dizem os especialistas, isso pode dar à significativamente maior força aérea russa uma vantagem, já que os ucranianos caminham pra além do alcance de suas defesas aéreas.

Mais ao sudoeste, a Ucrânia agora tem o controle da cidade portuária de Kherson, após retomá-la em novembro. Mas com o rio Dniéper servindo de fronteira natural, soldados russos podem atirar contra a cidade pelo lado oriental com pouco risco de serem derrotados pelas forças terrestres ucranianas, dada a dificuldade de cruzar um corpo d’água largo e exposto.

Ukranian army commander Volodymyr Ribalkin and a soldier stand next to a destroyed bridge near Sviatohirsk, amid Russia's invasion of Ukraine, in Donetsk region, Ukraine April 26, 2022. REUTERS/Jorge Silva Foto: REUTERS / REUTERS
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Ao norte, unidades paramilitares apoiadas por Kiev penetraram pelas fronteiras russas nos últimos dias, conquistando uma pequena fatia de território no que é visto como uma manobra de propaganda para atrapalhar as forças russas. Além disso, almejam causar embaraço ao Kremlin após a tomada de Bakhmut.

Mas a batalha de Bakmut teve um custo significativo para a Rússia e a Ucrânia — e pesará significativamente sobre o que vem adiante. Ambos lados fizeram investimentos humanos e materiais significativos para tomar e controlar uma cidade relativamente pequena e agora devastada, cuja população antes de o conflito eclodir em 24 de fevereiro do ano passado ficava ao redor de 70 mil.

Tal é a natureza desta guerra de 15 meses: ambas Forças Armadas, ainda dependentes de táticas de estilo soviético, têm uma grande dependência de artilharia, tanques e avanços limitados de soldados para tomar e controlar território.

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”A batalha por Bakhmut é menos importante em termos de território e mais no impacto que tem sobre ambas Forças [Armadas] e no que revela sobre elas”, disse Michael Kofman, diretor de estudos sobre a Rússia no CNA, um instituto de pesquisa em Arlington, no estado americano da Virgínia.

Forças russas foram derrotadas em três frentes no ano passado — ao redor de Kiev, na região nordeste de Kharkov e em Kherson. Moscou tenta cuidar de seus soldados exaustos e feridos, após o brutal combate urbano em Bakhmut. A Ucrânia também lida com grandes baixas, mas prepara-se em terreno bem mais favorável e alto nos arredores da cidade.

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Grupo Wagner

Nos últimos dias, as forças ucranianas tiveram pequenos avanços no norte e no sul de Bakhmut, com seus soldados em uma posição melhor para prevenir que os russos avancem mais. O chefe do grupo paramilitar Wagner, Yevgeniy Prigozhin, cujos mercenários foram os principais responsáveis pela captura de Bakhmut, prometeu tirar seus homens da região e entregar a defesa nas mãos dos soldados russos, arriscando uma troca desorganizada de comando.

”[O Wagner] não foi desenvolvido para operações defensivas”, disse Lee.

O Grupo Wagner provou-se ser um dos algozes mais duros de Kiev, e ainda não está claro como uma hipotética saída da região poderia afetar a habilidade ucraniana de pressionar os russos em Bakhmut e além. Prigozhin tem uma relação conturbada com o alto comando militar do Kremlin, que vê com maus olhos o protagonismo que os mercenários vêm assumindo na guerra.

O fundador do grupo mercenário Wagner, Yevgeny Prigozhin, posa com os mercenários "Biber" e "Dolik" durante uma declaração sobre o início da retirada de suas forças de Bakhmut e a entrega de suas posições às tropas regulares russas Foto: Concord/ REUTERS

Analistas militares, agências de inteligência ocidentais e funcionários ucranianos debatem há meses sobre o significado estratégico da campanha em Bakhmut. Moscou poderia ter investido seus recursos em outros pontos da linha de frente ao invés de desperdiçar vidas e munição por alguns poucos quilômetros de terra, afirmavam. Kiev poderia ter recuado antes, preservando seus batalhões, brigadas e recursos para ofensivas futuras.A decisão de ambos lados de continuar e lutar terá impactos duradouros em manobras futuras.

A batalha de Bakhmut foi única no sentido de que o grupo Wagner dependia de prisioneiros russos recrutados para atacar as trincheiras ucranianas, tanto para exaurir a defesa adversária quanto para expor as posições de disparo do país de Volodimir Zelenski. A habilidade russa de reabastecer seus quadros, frequentemente com forças sem treinamento, outrora fora uma de suas vantagens, já que forçava Kiev a arriscar seus soldados mais bem treinados contra homens que Moscou considerava dispensáveis.

Mas a Ucrânia revidou, apesar de ter pedido terreno na cidade e sofrer um número enorme de baixas. O país tirou proveito dos campos abertos e da cobertura vegetal na periferia da cidade, além de usar armas ocidentais de boa precisão como os Himars, modernos sistemas de foguete americanos, e obuses de 155 milímetros para matar e ferir soldados adversários a distância.

Um soldado do Exército ucraniano pula uma lacuna em uma trincheira defensiva fora de Kostyanynivka, na região de Donetsk, no leste da Ucrânia Foto: Tyler Hicks / NYT

Moscou agora tem que decidir se tentará avançar para o leste de Bakhmut. A alguns quilômetros fica a cidade de Chasiv Yar, mas a Ucrânia pode recuar para terrenos mais altos no meio, ficando em posição vantajosa para disparar contra os russos. Mais provável é que o país de Putin se concentre em defender Bakhmut e seus arredores.

As consequências da batalha por Bakhmut ainda não são completamente conhecidas, tanto no saldo de mortes de ambos lados quanto no volume de equipamentos e munições destruídos. Estimativas ocidentais do início do ano põem o número de russos mortos e feridos ao redor de 200 mil desde a invasão. Acredita-se que a quantia ucraniana seja similar. Mas a batalha por Bakhmut desde então aumentou bem as casualidades.

”Esse capítulo se fechará, mesmo que os confrontos continuem nos campos do lado de fora da cidade, mas ele diz muito sobre a vontade ucraniana de lutar”, disse Kofman. “Os soldados, contudo, podem se indagar se a batalha por Bakhmut foi guiada por considerações políticas ao invés de militares.”

BAKHMUT, THE NEW YOKR TIMES - A batalha pela cidade de Bakhmut, no leste ucraniano, está essencialmente finalizada por agora. Após 10 meses de combates intensos, avanços frenéticos de soldados e milhares de mortos de ambos os lados, os russos têm o controle do polo industrial, enquanto as forças do presidente VolodImir Zelenski tentam pressioná-los nos arredores da cidade.

Mas o que vem em seguida para a Rússia, que já disse almejar o controle de toda a região do Donbass, não está claro. Em momentos anteriores da batalha, Moscou esperava usar a captura de Bakhmut como uma catapulta para mais avanços para o oeste — idealmente em direção às cidades grandes de Kramatorsk e Sloviansk. A meta, entretanto, parece fora de alcance neste momento.

Os soldados russos aparentam estar exaustos, dizem analistas militares, após sofrerem perdas extensas em sua cruzada para garantir Bakhmut. Além disso, as forças do presidente Vladimir Putin mostraram pouca habilidade de tomar mais território em outras regiões, recorrendo majoritariamente a ataques de menor escala em um punhado de cidades no leste do país.

Um soldado ucraniano tapa os ouvidos enquanto dispara um morteiro contra posições russas na linha de frente em Bakhmut Foto: Efrem Lukatsky / AP

A Ucrânia, enquanto isso, treinou novos soldados, armados com equipamentos doados pelo Ocidente, e deve lançar em breve uma contraofensiva mais ampla em algum ponto da linha de frente de aproximadamente 800 quilômetros. Os russos, por sua vez, estão em uma posição um tanto defensiva, com suas forças estiradas, enquanto constroem fortificações e se preparam para a próxima fase da guerra.

”Nós provavelmente veremos assaltos táticos mais localizados”, disse Rob Lee, analista militar no Instituto de Pesquisa sobre Política Externa, referindo-se às forças russas. “Mas a Rússia possivelmente terá como foco primário a defesa e a preparação para a contraofensiva ucraniana.”

As forças russas passaram boa parte do inverno e da primavera boreal cavando trincheiras e se preparando para o ataque ucraniano, apesar de algumas unidades terem continuado na ofensiva em áreas como Kreminna, ao norte de Bakhmut, e Avidiivka, ao sul. Mas tiveram pouco avanço territorial e dizimaram centros residenciais em seu caminho — tudo isso enquanto acumulavam baixas em suas forças militares.

Trincheiras

No sul, que alguns militares preveem ser o foco da nova contraofensiva, forças russas cavaram uma rede intricada de trincheiras primárias e secundárias, além de campos minados para atrapalhar qualquer avanço ucraniano, de acordo com fotos de satélite.

Se a Ucrânia conseguir retomar território, dizem os especialistas, isso pode dar à significativamente maior força aérea russa uma vantagem, já que os ucranianos caminham pra além do alcance de suas defesas aéreas.

Mais ao sudoeste, a Ucrânia agora tem o controle da cidade portuária de Kherson, após retomá-la em novembro. Mas com o rio Dniéper servindo de fronteira natural, soldados russos podem atirar contra a cidade pelo lado oriental com pouco risco de serem derrotados pelas forças terrestres ucranianas, dada a dificuldade de cruzar um corpo d’água largo e exposto.

Ukranian army commander Volodymyr Ribalkin and a soldier stand next to a destroyed bridge near Sviatohirsk, amid Russia's invasion of Ukraine, in Donetsk region, Ukraine April 26, 2022. REUTERS/Jorge Silva Foto: REUTERS / REUTERS

Ao norte, unidades paramilitares apoiadas por Kiev penetraram pelas fronteiras russas nos últimos dias, conquistando uma pequena fatia de território no que é visto como uma manobra de propaganda para atrapalhar as forças russas. Além disso, almejam causar embaraço ao Kremlin após a tomada de Bakhmut.

Mas a batalha de Bakmut teve um custo significativo para a Rússia e a Ucrânia — e pesará significativamente sobre o que vem adiante. Ambos lados fizeram investimentos humanos e materiais significativos para tomar e controlar uma cidade relativamente pequena e agora devastada, cuja população antes de o conflito eclodir em 24 de fevereiro do ano passado ficava ao redor de 70 mil.

Tal é a natureza desta guerra de 15 meses: ambas Forças Armadas, ainda dependentes de táticas de estilo soviético, têm uma grande dependência de artilharia, tanques e avanços limitados de soldados para tomar e controlar território.

”A batalha por Bakhmut é menos importante em termos de território e mais no impacto que tem sobre ambas Forças [Armadas] e no que revela sobre elas”, disse Michael Kofman, diretor de estudos sobre a Rússia no CNA, um instituto de pesquisa em Arlington, no estado americano da Virgínia.

Forças russas foram derrotadas em três frentes no ano passado — ao redor de Kiev, na região nordeste de Kharkov e em Kherson. Moscou tenta cuidar de seus soldados exaustos e feridos, após o brutal combate urbano em Bakhmut. A Ucrânia também lida com grandes baixas, mas prepara-se em terreno bem mais favorável e alto nos arredores da cidade.

Grupo Wagner

Nos últimos dias, as forças ucranianas tiveram pequenos avanços no norte e no sul de Bakhmut, com seus soldados em uma posição melhor para prevenir que os russos avancem mais. O chefe do grupo paramilitar Wagner, Yevgeniy Prigozhin, cujos mercenários foram os principais responsáveis pela captura de Bakhmut, prometeu tirar seus homens da região e entregar a defesa nas mãos dos soldados russos, arriscando uma troca desorganizada de comando.

”[O Wagner] não foi desenvolvido para operações defensivas”, disse Lee.

O Grupo Wagner provou-se ser um dos algozes mais duros de Kiev, e ainda não está claro como uma hipotética saída da região poderia afetar a habilidade ucraniana de pressionar os russos em Bakhmut e além. Prigozhin tem uma relação conturbada com o alto comando militar do Kremlin, que vê com maus olhos o protagonismo que os mercenários vêm assumindo na guerra.

O fundador do grupo mercenário Wagner, Yevgeny Prigozhin, posa com os mercenários "Biber" e "Dolik" durante uma declaração sobre o início da retirada de suas forças de Bakhmut e a entrega de suas posições às tropas regulares russas Foto: Concord/ REUTERS

Analistas militares, agências de inteligência ocidentais e funcionários ucranianos debatem há meses sobre o significado estratégico da campanha em Bakhmut. Moscou poderia ter investido seus recursos em outros pontos da linha de frente ao invés de desperdiçar vidas e munição por alguns poucos quilômetros de terra, afirmavam. Kiev poderia ter recuado antes, preservando seus batalhões, brigadas e recursos para ofensivas futuras.A decisão de ambos lados de continuar e lutar terá impactos duradouros em manobras futuras.

A batalha de Bakhmut foi única no sentido de que o grupo Wagner dependia de prisioneiros russos recrutados para atacar as trincheiras ucranianas, tanto para exaurir a defesa adversária quanto para expor as posições de disparo do país de Volodimir Zelenski. A habilidade russa de reabastecer seus quadros, frequentemente com forças sem treinamento, outrora fora uma de suas vantagens, já que forçava Kiev a arriscar seus soldados mais bem treinados contra homens que Moscou considerava dispensáveis.

Mas a Ucrânia revidou, apesar de ter pedido terreno na cidade e sofrer um número enorme de baixas. O país tirou proveito dos campos abertos e da cobertura vegetal na periferia da cidade, além de usar armas ocidentais de boa precisão como os Himars, modernos sistemas de foguete americanos, e obuses de 155 milímetros para matar e ferir soldados adversários a distância.

Um soldado do Exército ucraniano pula uma lacuna em uma trincheira defensiva fora de Kostyanynivka, na região de Donetsk, no leste da Ucrânia Foto: Tyler Hicks / NYT

Moscou agora tem que decidir se tentará avançar para o leste de Bakhmut. A alguns quilômetros fica a cidade de Chasiv Yar, mas a Ucrânia pode recuar para terrenos mais altos no meio, ficando em posição vantajosa para disparar contra os russos. Mais provável é que o país de Putin se concentre em defender Bakhmut e seus arredores.

As consequências da batalha por Bakhmut ainda não são completamente conhecidas, tanto no saldo de mortes de ambos lados quanto no volume de equipamentos e munições destruídos. Estimativas ocidentais do início do ano põem o número de russos mortos e feridos ao redor de 200 mil desde a invasão. Acredita-se que a quantia ucraniana seja similar. Mas a batalha por Bakhmut desde então aumentou bem as casualidades.

”Esse capítulo se fechará, mesmo que os confrontos continuem nos campos do lado de fora da cidade, mas ele diz muito sobre a vontade ucraniana de lutar”, disse Kofman. “Os soldados, contudo, podem se indagar se a batalha por Bakhmut foi guiada por considerações políticas ao invés de militares.”

BAKHMUT, THE NEW YOKR TIMES - A batalha pela cidade de Bakhmut, no leste ucraniano, está essencialmente finalizada por agora. Após 10 meses de combates intensos, avanços frenéticos de soldados e milhares de mortos de ambos os lados, os russos têm o controle do polo industrial, enquanto as forças do presidente VolodImir Zelenski tentam pressioná-los nos arredores da cidade.

Mas o que vem em seguida para a Rússia, que já disse almejar o controle de toda a região do Donbass, não está claro. Em momentos anteriores da batalha, Moscou esperava usar a captura de Bakhmut como uma catapulta para mais avanços para o oeste — idealmente em direção às cidades grandes de Kramatorsk e Sloviansk. A meta, entretanto, parece fora de alcance neste momento.

Os soldados russos aparentam estar exaustos, dizem analistas militares, após sofrerem perdas extensas em sua cruzada para garantir Bakhmut. Além disso, as forças do presidente Vladimir Putin mostraram pouca habilidade de tomar mais território em outras regiões, recorrendo majoritariamente a ataques de menor escala em um punhado de cidades no leste do país.

Um soldado ucraniano tapa os ouvidos enquanto dispara um morteiro contra posições russas na linha de frente em Bakhmut Foto: Efrem Lukatsky / AP

A Ucrânia, enquanto isso, treinou novos soldados, armados com equipamentos doados pelo Ocidente, e deve lançar em breve uma contraofensiva mais ampla em algum ponto da linha de frente de aproximadamente 800 quilômetros. Os russos, por sua vez, estão em uma posição um tanto defensiva, com suas forças estiradas, enquanto constroem fortificações e se preparam para a próxima fase da guerra.

”Nós provavelmente veremos assaltos táticos mais localizados”, disse Rob Lee, analista militar no Instituto de Pesquisa sobre Política Externa, referindo-se às forças russas. “Mas a Rússia possivelmente terá como foco primário a defesa e a preparação para a contraofensiva ucraniana.”

As forças russas passaram boa parte do inverno e da primavera boreal cavando trincheiras e se preparando para o ataque ucraniano, apesar de algumas unidades terem continuado na ofensiva em áreas como Kreminna, ao norte de Bakhmut, e Avidiivka, ao sul. Mas tiveram pouco avanço territorial e dizimaram centros residenciais em seu caminho — tudo isso enquanto acumulavam baixas em suas forças militares.

Trincheiras

No sul, que alguns militares preveem ser o foco da nova contraofensiva, forças russas cavaram uma rede intricada de trincheiras primárias e secundárias, além de campos minados para atrapalhar qualquer avanço ucraniano, de acordo com fotos de satélite.

Se a Ucrânia conseguir retomar território, dizem os especialistas, isso pode dar à significativamente maior força aérea russa uma vantagem, já que os ucranianos caminham pra além do alcance de suas defesas aéreas.

Mais ao sudoeste, a Ucrânia agora tem o controle da cidade portuária de Kherson, após retomá-la em novembro. Mas com o rio Dniéper servindo de fronteira natural, soldados russos podem atirar contra a cidade pelo lado oriental com pouco risco de serem derrotados pelas forças terrestres ucranianas, dada a dificuldade de cruzar um corpo d’água largo e exposto.

Ukranian army commander Volodymyr Ribalkin and a soldier stand next to a destroyed bridge near Sviatohirsk, amid Russia's invasion of Ukraine, in Donetsk region, Ukraine April 26, 2022. REUTERS/Jorge Silva Foto: REUTERS / REUTERS

Ao norte, unidades paramilitares apoiadas por Kiev penetraram pelas fronteiras russas nos últimos dias, conquistando uma pequena fatia de território no que é visto como uma manobra de propaganda para atrapalhar as forças russas. Além disso, almejam causar embaraço ao Kremlin após a tomada de Bakhmut.

Mas a batalha de Bakmut teve um custo significativo para a Rússia e a Ucrânia — e pesará significativamente sobre o que vem adiante. Ambos lados fizeram investimentos humanos e materiais significativos para tomar e controlar uma cidade relativamente pequena e agora devastada, cuja população antes de o conflito eclodir em 24 de fevereiro do ano passado ficava ao redor de 70 mil.

Tal é a natureza desta guerra de 15 meses: ambas Forças Armadas, ainda dependentes de táticas de estilo soviético, têm uma grande dependência de artilharia, tanques e avanços limitados de soldados para tomar e controlar território.

”A batalha por Bakhmut é menos importante em termos de território e mais no impacto que tem sobre ambas Forças [Armadas] e no que revela sobre elas”, disse Michael Kofman, diretor de estudos sobre a Rússia no CNA, um instituto de pesquisa em Arlington, no estado americano da Virgínia.

Forças russas foram derrotadas em três frentes no ano passado — ao redor de Kiev, na região nordeste de Kharkov e em Kherson. Moscou tenta cuidar de seus soldados exaustos e feridos, após o brutal combate urbano em Bakhmut. A Ucrânia também lida com grandes baixas, mas prepara-se em terreno bem mais favorável e alto nos arredores da cidade.

Grupo Wagner

Nos últimos dias, as forças ucranianas tiveram pequenos avanços no norte e no sul de Bakhmut, com seus soldados em uma posição melhor para prevenir que os russos avancem mais. O chefe do grupo paramilitar Wagner, Yevgeniy Prigozhin, cujos mercenários foram os principais responsáveis pela captura de Bakhmut, prometeu tirar seus homens da região e entregar a defesa nas mãos dos soldados russos, arriscando uma troca desorganizada de comando.

”[O Wagner] não foi desenvolvido para operações defensivas”, disse Lee.

O Grupo Wagner provou-se ser um dos algozes mais duros de Kiev, e ainda não está claro como uma hipotética saída da região poderia afetar a habilidade ucraniana de pressionar os russos em Bakhmut e além. Prigozhin tem uma relação conturbada com o alto comando militar do Kremlin, que vê com maus olhos o protagonismo que os mercenários vêm assumindo na guerra.

O fundador do grupo mercenário Wagner, Yevgeny Prigozhin, posa com os mercenários "Biber" e "Dolik" durante uma declaração sobre o início da retirada de suas forças de Bakhmut e a entrega de suas posições às tropas regulares russas Foto: Concord/ REUTERS

Analistas militares, agências de inteligência ocidentais e funcionários ucranianos debatem há meses sobre o significado estratégico da campanha em Bakhmut. Moscou poderia ter investido seus recursos em outros pontos da linha de frente ao invés de desperdiçar vidas e munição por alguns poucos quilômetros de terra, afirmavam. Kiev poderia ter recuado antes, preservando seus batalhões, brigadas e recursos para ofensivas futuras.A decisão de ambos lados de continuar e lutar terá impactos duradouros em manobras futuras.

A batalha de Bakhmut foi única no sentido de que o grupo Wagner dependia de prisioneiros russos recrutados para atacar as trincheiras ucranianas, tanto para exaurir a defesa adversária quanto para expor as posições de disparo do país de Volodimir Zelenski. A habilidade russa de reabastecer seus quadros, frequentemente com forças sem treinamento, outrora fora uma de suas vantagens, já que forçava Kiev a arriscar seus soldados mais bem treinados contra homens que Moscou considerava dispensáveis.

Mas a Ucrânia revidou, apesar de ter pedido terreno na cidade e sofrer um número enorme de baixas. O país tirou proveito dos campos abertos e da cobertura vegetal na periferia da cidade, além de usar armas ocidentais de boa precisão como os Himars, modernos sistemas de foguete americanos, e obuses de 155 milímetros para matar e ferir soldados adversários a distância.

Um soldado do Exército ucraniano pula uma lacuna em uma trincheira defensiva fora de Kostyanynivka, na região de Donetsk, no leste da Ucrânia Foto: Tyler Hicks / NYT

Moscou agora tem que decidir se tentará avançar para o leste de Bakhmut. A alguns quilômetros fica a cidade de Chasiv Yar, mas a Ucrânia pode recuar para terrenos mais altos no meio, ficando em posição vantajosa para disparar contra os russos. Mais provável é que o país de Putin se concentre em defender Bakhmut e seus arredores.

As consequências da batalha por Bakhmut ainda não são completamente conhecidas, tanto no saldo de mortes de ambos lados quanto no volume de equipamentos e munições destruídos. Estimativas ocidentais do início do ano põem o número de russos mortos e feridos ao redor de 200 mil desde a invasão. Acredita-se que a quantia ucraniana seja similar. Mas a batalha por Bakhmut desde então aumentou bem as casualidades.

”Esse capítulo se fechará, mesmo que os confrontos continuem nos campos do lado de fora da cidade, mas ele diz muito sobre a vontade ucraniana de lutar”, disse Kofman. “Os soldados, contudo, podem se indagar se a batalha por Bakhmut foi guiada por considerações políticas ao invés de militares.”

BAKHMUT, THE NEW YOKR TIMES - A batalha pela cidade de Bakhmut, no leste ucraniano, está essencialmente finalizada por agora. Após 10 meses de combates intensos, avanços frenéticos de soldados e milhares de mortos de ambos os lados, os russos têm o controle do polo industrial, enquanto as forças do presidente VolodImir Zelenski tentam pressioná-los nos arredores da cidade.

Mas o que vem em seguida para a Rússia, que já disse almejar o controle de toda a região do Donbass, não está claro. Em momentos anteriores da batalha, Moscou esperava usar a captura de Bakhmut como uma catapulta para mais avanços para o oeste — idealmente em direção às cidades grandes de Kramatorsk e Sloviansk. A meta, entretanto, parece fora de alcance neste momento.

Os soldados russos aparentam estar exaustos, dizem analistas militares, após sofrerem perdas extensas em sua cruzada para garantir Bakhmut. Além disso, as forças do presidente Vladimir Putin mostraram pouca habilidade de tomar mais território em outras regiões, recorrendo majoritariamente a ataques de menor escala em um punhado de cidades no leste do país.

Um soldado ucraniano tapa os ouvidos enquanto dispara um morteiro contra posições russas na linha de frente em Bakhmut Foto: Efrem Lukatsky / AP

A Ucrânia, enquanto isso, treinou novos soldados, armados com equipamentos doados pelo Ocidente, e deve lançar em breve uma contraofensiva mais ampla em algum ponto da linha de frente de aproximadamente 800 quilômetros. Os russos, por sua vez, estão em uma posição um tanto defensiva, com suas forças estiradas, enquanto constroem fortificações e se preparam para a próxima fase da guerra.

”Nós provavelmente veremos assaltos táticos mais localizados”, disse Rob Lee, analista militar no Instituto de Pesquisa sobre Política Externa, referindo-se às forças russas. “Mas a Rússia possivelmente terá como foco primário a defesa e a preparação para a contraofensiva ucraniana.”

As forças russas passaram boa parte do inverno e da primavera boreal cavando trincheiras e se preparando para o ataque ucraniano, apesar de algumas unidades terem continuado na ofensiva em áreas como Kreminna, ao norte de Bakhmut, e Avidiivka, ao sul. Mas tiveram pouco avanço territorial e dizimaram centros residenciais em seu caminho — tudo isso enquanto acumulavam baixas em suas forças militares.

Trincheiras

No sul, que alguns militares preveem ser o foco da nova contraofensiva, forças russas cavaram uma rede intricada de trincheiras primárias e secundárias, além de campos minados para atrapalhar qualquer avanço ucraniano, de acordo com fotos de satélite.

Se a Ucrânia conseguir retomar território, dizem os especialistas, isso pode dar à significativamente maior força aérea russa uma vantagem, já que os ucranianos caminham pra além do alcance de suas defesas aéreas.

Mais ao sudoeste, a Ucrânia agora tem o controle da cidade portuária de Kherson, após retomá-la em novembro. Mas com o rio Dniéper servindo de fronteira natural, soldados russos podem atirar contra a cidade pelo lado oriental com pouco risco de serem derrotados pelas forças terrestres ucranianas, dada a dificuldade de cruzar um corpo d’água largo e exposto.

Ukranian army commander Volodymyr Ribalkin and a soldier stand next to a destroyed bridge near Sviatohirsk, amid Russia's invasion of Ukraine, in Donetsk region, Ukraine April 26, 2022. REUTERS/Jorge Silva Foto: REUTERS / REUTERS

Ao norte, unidades paramilitares apoiadas por Kiev penetraram pelas fronteiras russas nos últimos dias, conquistando uma pequena fatia de território no que é visto como uma manobra de propaganda para atrapalhar as forças russas. Além disso, almejam causar embaraço ao Kremlin após a tomada de Bakhmut.

Mas a batalha de Bakmut teve um custo significativo para a Rússia e a Ucrânia — e pesará significativamente sobre o que vem adiante. Ambos lados fizeram investimentos humanos e materiais significativos para tomar e controlar uma cidade relativamente pequena e agora devastada, cuja população antes de o conflito eclodir em 24 de fevereiro do ano passado ficava ao redor de 70 mil.

Tal é a natureza desta guerra de 15 meses: ambas Forças Armadas, ainda dependentes de táticas de estilo soviético, têm uma grande dependência de artilharia, tanques e avanços limitados de soldados para tomar e controlar território.

”A batalha por Bakhmut é menos importante em termos de território e mais no impacto que tem sobre ambas Forças [Armadas] e no que revela sobre elas”, disse Michael Kofman, diretor de estudos sobre a Rússia no CNA, um instituto de pesquisa em Arlington, no estado americano da Virgínia.

Forças russas foram derrotadas em três frentes no ano passado — ao redor de Kiev, na região nordeste de Kharkov e em Kherson. Moscou tenta cuidar de seus soldados exaustos e feridos, após o brutal combate urbano em Bakhmut. A Ucrânia também lida com grandes baixas, mas prepara-se em terreno bem mais favorável e alto nos arredores da cidade.

Grupo Wagner

Nos últimos dias, as forças ucranianas tiveram pequenos avanços no norte e no sul de Bakhmut, com seus soldados em uma posição melhor para prevenir que os russos avancem mais. O chefe do grupo paramilitar Wagner, Yevgeniy Prigozhin, cujos mercenários foram os principais responsáveis pela captura de Bakhmut, prometeu tirar seus homens da região e entregar a defesa nas mãos dos soldados russos, arriscando uma troca desorganizada de comando.

”[O Wagner] não foi desenvolvido para operações defensivas”, disse Lee.

O Grupo Wagner provou-se ser um dos algozes mais duros de Kiev, e ainda não está claro como uma hipotética saída da região poderia afetar a habilidade ucraniana de pressionar os russos em Bakhmut e além. Prigozhin tem uma relação conturbada com o alto comando militar do Kremlin, que vê com maus olhos o protagonismo que os mercenários vêm assumindo na guerra.

O fundador do grupo mercenário Wagner, Yevgeny Prigozhin, posa com os mercenários "Biber" e "Dolik" durante uma declaração sobre o início da retirada de suas forças de Bakhmut e a entrega de suas posições às tropas regulares russas Foto: Concord/ REUTERS

Analistas militares, agências de inteligência ocidentais e funcionários ucranianos debatem há meses sobre o significado estratégico da campanha em Bakhmut. Moscou poderia ter investido seus recursos em outros pontos da linha de frente ao invés de desperdiçar vidas e munição por alguns poucos quilômetros de terra, afirmavam. Kiev poderia ter recuado antes, preservando seus batalhões, brigadas e recursos para ofensivas futuras.A decisão de ambos lados de continuar e lutar terá impactos duradouros em manobras futuras.

A batalha de Bakhmut foi única no sentido de que o grupo Wagner dependia de prisioneiros russos recrutados para atacar as trincheiras ucranianas, tanto para exaurir a defesa adversária quanto para expor as posições de disparo do país de Volodimir Zelenski. A habilidade russa de reabastecer seus quadros, frequentemente com forças sem treinamento, outrora fora uma de suas vantagens, já que forçava Kiev a arriscar seus soldados mais bem treinados contra homens que Moscou considerava dispensáveis.

Mas a Ucrânia revidou, apesar de ter pedido terreno na cidade e sofrer um número enorme de baixas. O país tirou proveito dos campos abertos e da cobertura vegetal na periferia da cidade, além de usar armas ocidentais de boa precisão como os Himars, modernos sistemas de foguete americanos, e obuses de 155 milímetros para matar e ferir soldados adversários a distância.

Um soldado do Exército ucraniano pula uma lacuna em uma trincheira defensiva fora de Kostyanynivka, na região de Donetsk, no leste da Ucrânia Foto: Tyler Hicks / NYT

Moscou agora tem que decidir se tentará avançar para o leste de Bakhmut. A alguns quilômetros fica a cidade de Chasiv Yar, mas a Ucrânia pode recuar para terrenos mais altos no meio, ficando em posição vantajosa para disparar contra os russos. Mais provável é que o país de Putin se concentre em defender Bakhmut e seus arredores.

As consequências da batalha por Bakhmut ainda não são completamente conhecidas, tanto no saldo de mortes de ambos lados quanto no volume de equipamentos e munições destruídos. Estimativas ocidentais do início do ano põem o número de russos mortos e feridos ao redor de 200 mil desde a invasão. Acredita-se que a quantia ucraniana seja similar. Mas a batalha por Bakhmut desde então aumentou bem as casualidades.

”Esse capítulo se fechará, mesmo que os confrontos continuem nos campos do lado de fora da cidade, mas ele diz muito sobre a vontade ucraniana de lutar”, disse Kofman. “Os soldados, contudo, podem se indagar se a batalha por Bakhmut foi guiada por considerações políticas ao invés de militares.”

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