A possibilidade de partidos que fazem oposição aos governos atuarem livremente é o valor democrático que obteve o menor apoio em uma pesquisa que contemplou 34 países. Apenas 54% dos entrevistados afirmaram acreditar ser importante que a oposição possa atuar com liberdade. Rússia (23%), Indonésia (24%), Líbano (35%) e Brasil (36%) foram os quatro piores classificados nesse quesito. Grécia (75%), Suécia (73%) e Reino Unido (72%) foram os melhores.
A liberdade de oposição é um valor mais bem avaliado na Europa, onde em oito países mais de 60% da população apoiam essa possibilidade. Na Argentina, 65% concordam com essa ideia, e no México, 43% dos entrevistados.
Conduzida pelo Pew Research Center, de Washington, nos Estados Unidos, a investigação ouviu 38.426 pessoas. Os entrevistados deviam avaliar a importância de nove valores democráticos: justiça igualitária, igualdade de gênero,liberdade religiosa, eleições regulares, liberdade de expressão, liberdade de imprensa, liberdade na internet, liberdade de atuação de grupos de direitos humanos e liberdade de atuação de partidos de oposição.
Os dois últimos valores tiveram o pior desempenho da pesquisa. Diretor de pesquisas do Pew Research Center, Richard Wike afirma que o resultado não significa, necessariamente, que as pessoas sejam contrárias a esses princípios. “O que percebemos é que, quando se trata da sociedade civil, esses quesitos tendem a ter uma prioridade menor para as pessoas, se comparados a outros, como a liberdade de expressão e a igualdade de gênero”, explica.
Incompreensão
Na avaliação do pesquisador Cláudio Couto, da FGV-SP, a baixa apreciação do papel da oposição decorre da incompreensão de sua função. “A oposição tem função fundamental de exercer a crítica e apontar o dedo para problemas que porventura haja nos governos. E, ao fazer isso, exerce um controle e uma limitação para não haver abusos de poder”, disse o doutor em ciência política pela Universidade de São Paulo.
Segundo Couto, governos populistas tentam deslegitimar a oposição ao qualificá-la como “inimiga do país” por ser adversária do governo. “Ela é legítima e é um contrapeso importante à ação do governo. É, no fundo, um aliado do país que pode fornecer alternativas no futuro”.
Para David Fleischer, professor emérito da Universidade de Brasília (UnB), a desarticulação e a passividade da oposição em alguns países aumenta a insatisfação com seu trabalho. “Nem sempre ela age fornecendo soluções, e isso faz parte do problema. As melhores avaliações estão na Europa, onde a oposição funciona melhor. São democracias mais enraizadas e sabe-se exatamente o que a oposição precisa fazer”.
Polarização
A pesquisa também mostrou que a polarização política que atinge muitos países, como os Estados Unidos e o Brasil, desempenha um papel fundamental na percepção que as pessoas têm da democracia. “Em particular, o modo como uma pessoa se sente em relação ao partido que está no poder em um país afeta muito como ela se sente em relação à democracia como um todo”, explica Wike. “Quem está ao lado de um partido que não está no poder no momento tende a se mostrar mais insatisfeito com o regime democrático”.
Os países que mais aprovam o papel da oposição são também os que defendem com mais afinco a liberdade de expressão, de internet e de imprensa. O direito de dizer o que se pensa sem censura do governo é mais difundido em países da Europa Ocidental, no Canadá e no Estados Unidos, onde mais de 65% aprovam essas liberdades. Na Rússia, Tunísia, Líbano e Índia, os números não passam de 45% em nenhum dos três quesitos. No Brasil, 70% apoiam a liberdade de expressão, 60% a de imprensa e 61% a de internet.
Wike conta que, nos últimos anos, aumentou o número de pessoas que classificam as liberdades relacionadas à comunicação como ‘muito importantes’. “Isso pode ser uma reação ao fato de que princípios democráticos estão sendo desafiados em alguns países”, afirma.
Richard Wike, Diretor de pesquisas do Pew Research Center
Descrença
Segundo o estudo, um dos principais motivos de insatisfação com o funcionamento da democracia é a descrença com as elites políticas. Seis em cada dez ouvidos afirmaram que as autoridades eleitas não se importam com o que os eleitores pensam. Nesse ponto, as piores avaliações estão na Europa, com destaque para Grécia (apenas 13%) e Bulgária (17%), e as melhores, nas Filipinas (69%) e na Indonésia (67%).
O princípio democrático mais apoiado pelos entrevistados foi o sistema judiciário justo, com média de 82% de respostas positivas. Os países que mais valorizam essa ideia são Grécia e Hungria, com 95%. Os que menos a apoiam são Índia e Indonésia, com 58% e 60%, respectivamente. O Brasil está dentro da média - 81%.