Maria e o marido, Aleksandr, tinham certeza de que o presidente Vladimir Putin iria garantir seu quinto mandato como líder da Rússia, como de fato aconteceu neste domingo, 17.
Mas o casal, que vive em Moscou com os três filhos, não tem tanta certeza quanto ao que virá a seguir. A sua principal preocupação é a possibilidade de Putin, encorajado pela conquista de um novo mandato de seis anos, declare uma nova mobilização de soldados para combater na Ucrânia. Aleksandr, de 38 anos, deixou a Rússia pouco depois de Putin ter anunciado a primeira mobilização, em setembro de 2022, e voltou recentemente ao país, mas agora pensa em partir novamente, disse a mulher.
“Só se fala em mobilização, em planos para uma ofensiva no verão e na necessidade de revezamento dos soldados” disse Maria, 34 anos, em conversa pelo WhatsApp. Ela não quis que o sobrenome da família fosse revelado por temer repercussões por parte do governo.
Muitos russos se preocupavam com uma série de questões antes da votação, que teve início na sexta feira e foi realizada ao longo de três dias. Embora as autoridades russas tenham negado que outra mobilização para a guerra esteja nos planos, persiste um sentimento de incerteza.
As preocupações parecem baseadas na possibilidade de Putin usar seu poder ilimitado para fazer mudanças evitadas antes da votação. Denis Volkov, diretor do Levada Center, um dos poucos institutos de pesquisa de opinião independentes da Rússia, disse que tais temores seguiam acompanhando principalmente a minoria dos russos que se opõe ao governo.
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Embora uma potencial mobilização continue sendo o principal motivo de preocupação, também há temores em relação às finanças e à economia. Alguns russos temem que o rublo, sustentado pelo governo depois de despencar de valor no ano passado, tenha nova rodada de desvalorização, aumentando o custo das importações. Empresários estão preocupados com uma alta nos impostos, e os ativistas da oposição esperam novas ondas de repressão contra dissidentes.
“As pessoas estão assustadas”, disse Nina L. Khrushcheva, professora de assuntos internacionais da New School em Nova York, que visita a Rússia com frequência. “A incerteza é o pior, por mais que os russos já estejam acostumados à ela.”
As preocupações refletem o clima atual na Rússia, onde muitos aprenderam a torcer pelo melhor, mas esperar o pior. A incerteza foi agravada por um governo que, de acordo com especialistas, torna-se cada vez mais autoritário.
Depois de mais de duas décadas no poder, Putin não é contido por um partido da oposição no Parlamento e nem por uma sociedade civil forte. Com isso, fica relativamente livre para agir como quiser.
Alguns especialistas dizem que o Kremlin poderia usar o resultado da votaçãopara reprimir ainda mais a dissidência e intensificar a guerra na Ucrânia, planejada como uma rápida “operação militar especial” e transformada em um atoleiro que custou centenas de milhares de baixas.
“Em uma eleição autoritária, os resultados são previsíveis, mas as consequências, não”, disse Yekaterina Schulmann, cientista política russa, em resposta a perguntas feitas por escrito pela reportagem. “Se o sistema avaliar que foi bem e que tudo está em ordem, o período após a eleição pode ser o momento de tomar decisões impopulares.”
Yekaterina apontou como exemplo a última reeleição de Putin, em 2018, seguida por um aumento na idade mínima para a aposentadoria na Rússia, medida extremamente impopular.
As eleições na Rússia são administradas de perto pelo Kremlin por meio do seu controle quase total da mídia e dos empreendimentos estatais, cujos funcionários são frequentemente pressionados a votar. A máquina eleitoral afasta os candidatos indesejados, e os ativistas da oposição são obrigados a deixar o país ou acabam em prisões russas. O mais conhecido dissidente do país, Aleksei Navalny, morreu no mês passado em uma colônia penal no Ártico, onde tinha sido aprisionado.
Se o resultado da eleição já seria conhecido, os russos ainda assim se preocupavam com o processo eleitoral. A votação será a primeira desde a decisão de Putin de invadir a Ucrânia, em fevereiro de 2022.
Um consultor de Moscou que trabalha com empresas russas disse que algumas de suas clientes tinham agendado deliberadamente novas ofertas de ações na bolsa de Moscou para coincidirem com o que seria um período de relativa calmaria antes da eleição. Ele pediu para não ser identificado para preservar seu relacionamento com os clientes.
Os consumidores russos também correram para comprar carros no começo do ano, depois que analistas do mercado de automóveis indicaram que o período anterior às eleições poderia ser o melhor momento para uma compra por causa da possibilidade de uma desvalorização do rublo após a votação. O número de carros novos vendidos na Rússia em janeiro e fevereiro teve alta de mais de 80% em comparação com o mesmo período do ano anterior, de acordo com o site Avtostat, que publica notícias a respeito da indústria automobilística russa.
As empresas temem que o governo aumente os impostos depois da eleição. Na quarta feira, Putin disse que o governo apresentaria novas regras para a tributação de indivíduos e entidades privadas, e os especialistas dizem que isso provavelmente significa um aumento na contribuição de ambos os grupos.
Yevgeny Nadorshin, economista-chefe da consultoria PF Capital em Moscou, disse que as empresas estão particularmente preocupadas com uma alta nos impostos e com os crescentes custos de mão de obra. “Isso prejudicaria a competitividade da Rússia”, disse ele.
Nadorshin também destacou os rumores generalizados de uma nova mobilização de soldados que, se ocorrer, poderá limitar ainda mais o mercado de trabalho para as empresas, disse ele.
Volkov, do Levada Center, disse que após o choque inicial da invasão total da Ucrânia e da mobilização que ocorreu sete meses depois, a maioria dos russos se adaptou ao novo mundo. Boa parte disso é resultado dos esforços do governo para elevar o moral garantindo a saúde da economia do país e injetando dinheiro no setor industrial.
“Houve uma aguda redistribuição dos recursos em favor da maioria, que agora tem a sensação de poder levar uma vida normal sem se envolver diretamente na guerra”, disse ele, referindo-se a aumentos de salário para os trabalhadores das fábricas e várias outras recompensas de programas sociais.
Ainda assim, ele destacou o que seria uma crescente polarização entre os defensores e os opositores de Putin.
“Hoje, os desentendimentos mútuos são piores do que antes”, disse Volkov.
Muitos ativistas russos contrários ao Kremlin, tanto os que permanecem no país quanto aqueles que o deixaram, temem uma nova onda de repressão contra dissidentes.
Yevgeny Chichvarkin, empresário russo e ativista da oposição em Londres, disse acreditar que após a eleição, os dissidentes se verão diante de uma dura escolha entre fugir do país ou enfrentar a prisão.
“Não haverá saída; a escolha será entre a prisão ou o exílio”, disse ele em entrevista ao jornal independente russo Zhivoy Gvozd.
Mas alguns analistas expressaram suas dúvidas quanto à possibilidade de Putin aprofundar as medidas de perseguição aos dissidentes.
“O sistema não pode viver em estado perpétuo de estresse e mobilização”, disse o cientista político Aleksandr Kynev, que vive na Rússia e se especializa em questões regionais. “Se damos muito poder aos serviços de segurança, amanhã eles podem tentar nos depor”, disse ele. “Vladimir Putin entende isso bem.”
Alina Lobzina contribuiu com a reportagem. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL