Rússia sofre com ‘veneno lento’ das sanções, lucra menos com o petróleo e gasta mais na guerra


A Rússia, um dos maiores produtores de petróleo do mundo, está ganhando menos com os barris que vende em razão das sanções ocidentais

Por David Mchugh

ASSOCIATED PRESS - A oscilação no valor do rublo russo expôs uma rachadura na fortificada economia do presidente Vladimir Putin, uma vulnerabilidade rapidamente rebocada pela equipe econômica do Kremlin em um movimento que permitiu à moeda uma retomada, pelo menos por agora.

Mas o remendo — um aumento emergencial na taxa de juro — não é capaz de ocultar o dilema no coração da economia russa: como financiar o Exército sem minar a moeda nacional e superaquecer a economia com uma corrosiva e politicamente embaraçosa inflação.

A vida em Moscou aparenta normalidade apesar das amplas sanções ligadas à guerra na Ucrânia e da saída de centenas de empresas ocidentais.

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Moscovitas aproveitam a cidade de Moscou e tomam sorvete na Praça Vermelha Foto: Alexander Zemlianichenko/AP

As mesas na calçada dos restaurantes e bares na popular Rua Bolshaia Nikitskaia estavam lotadas numa noite recente de moradores bem vestidos desfrutando do clima ameno de agosto. Música alta de DJs bombava no jardim de um restaurante próximo. Num primeiro olhar, os shopping centers não mudaram, mas no lugar de Zara e H&M, os consumidores encontram as novas marcas de roupa Maag e Vilet.

E a loja de donuts Krunchy Dream poderia facilmente ser confundida com a Krispy Kreme que ficava anteriormente naquele mesmo nicho do shopping Evropeiski, até a logomarca é parecida. Na ausência do Apple Pay, os bancos fornecem chips adesivos que possibilitam pagamentos pelo celular.

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Medidores econômicos críticos também se situam em níveis normais. O índice de desemprego está baixo, o crescimento econômico vai melhor do que muitos haviam antecipado e a inflação está moderada segundo os padrões russos — 4% em julho — apesar de castigar cidadãos de renda limitada.

Habitantes de Moscou, onde criticar o Exército pode resultar em cadeia, alguns informando apenas o primeiro nome, expressaram uma combinação entre inquietação e resignação.

Pessoas sentam em um restaurante em Moscou. A vida na capital da Rússia parece normal, mesmo com a guerra e as sanções econômicas impostas por países do Ocidente  Foto: Alexander Zemlianichenko/
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O aposentado Vladimir Cheremesiev, de 68 anos, recordou que as dificuldades posteriores ao colapso da União Soviética, em 1991, tinham se adiado por muitos anos. “Eu considero que, apesar de ser pensionista e não ganhar muito, ainda não sinto tanto”, afirmou Cheremesiev. “Mas há ansiedade — às vezes minha pressão arterial aumenta.”

Preços

Outros notaram como os preços têm mudado constantemente.

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A empresária Yuliana, de 38 anos, mostrou-se mais preocupada: “Nossa condição se deteriorou rapidamente, isso é ruim. (…) Isso não vai acabar hoje, amanhã ou depois de amanhã. Eu acho que mais de uma geração pagará por essa história.”

Empresas em busca de insumos estão apelando para alternativas.

Andrei Lavrov, dono da clínica dental Ateliê do Sorriso, afirmou que tem de comprar itens para sutura e silicone da Ásia, porque usa “bastante” os materiais importados.

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“Mas, a propósito, nenhum desastre aconteceu”, afirmou ele. “Se algo deixa de ser fornecido é facilmente substituído por meio de canais paralelos.”

Alguns itens de sutura fabricados na Rússia são “material de qualidade muito alta”, afirmou ele, e a indústria local encontra maneiras de atender à demanda: “Uma certa substituição está ocorrendo.”

Pessoas caminham por uma casa de câmbio ao lado de um banner do exército russo com uma propaganda estimulando os russos a servirem no exército em meio a guerra na Ucrânia Foto: Alexander Zemlianichenko/AP
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Ainda assim, as importações russas vão sendo retomadas conforme mercadorias chegam por meio de países como Cazaquistão e Armênia, evitando sanções. O gasto do governo com militares e programas sociais está distribuindo dinheiro para indivíduos e empresas que usam parte do montante para importar produtos.

Crises de escassez laboral, ocasionadas pelos russos que deixam o país, também estão sustentando o valor dos salários, ao mesmo tempo que hipotecas subsidiadas pelo governo ajudam a manter a atividade do setor imobiliário.

Alguns impactos na economia são óbvios, particularmente o setor automobilístico após os fabricantes ocidentais abandonarem os negócios na Rússia. Mas as importações de veículos chineses estão ganhando terreno.

Viagens ao exterior são dolorosamente caras e limitadas por banimentos de vistos e linhas aéreas, mas os ricos, como sempre, conseguem viajar, e os cidadãos com rendas modestas não podem nem sonhar com tamanho gasto.

Duas russas com sacolas de compras na mão aproveitam um dia ensolarado em Moscou, Rússia  Foto: Alexander Zemlianichenko/AP

Em relação à pressão sobre o rublo, a Rússia, um dos maiores produtores de petróleo do mundo, está ganhando menos com os barris que vende em razão das sanções ocidentais. Isso está diminuindo o saldo comercial positivo do país em relação ao restante do mundo porque empresas e cidadãos russos também estão comprando mais produtos do exterior.

Ganhar mais com exportações do que gasta com importações tipicamente sustenta o rublo. Ainda que o superávit comercial em queda tenha ocasionado um declínio gradual no valor da moeda, Moscou tem se beneficiado porque um câmbio enfraquecido na realidade ajuda o governo a pagar suas contas.

Isso ocorre porque dólares obtidos com o petróleo podem ser trocados por uma quantidade maior de rublos a serem gastos em agências do governo, salários de funcionários e pensões.

Mas, para desgosto do Kremlin, o valor a moeda despencou demais — com US$ 1 valendo 100 rublos em 14 de agosto, um nível psicologicamente importante. Isso fez com que o Banco Central russo determinasse um grande aumento na taxa de juro, de 3,5 pontos porcentuais, destinado a frear a demanda local por importações. O dólar baixou para 92 rublos nos dias seguintes ao pico, mas tem subido constantemente desde então; na quarta-feira, US$ 1 era negociado a 96 rublos.

Ainda que mais enfraquecido em relação aos níveis do ano passado, de aproximadamente 60 rublos por US$ 1, o câmbio mais baixo não configurará uma crise contanto que uma queda-livre possa ser evitada.

Na Praça Lubianskaia, em Moscou, uma loja da Bentley, especializada em carros de luxo, segue operando normalmente, apesar das sanções do Ocidente  Foto: Alexander Zemlianichenko/AP

O Kremlin tem trabalhado para blindar sua economia contra sanções desde que anexou a península ucraniana da Crimeia, em 2014, transferido a produção de alimentos para empresas locais, banindo importações de produtores da União Europeia, e pressionado manufaturas a obter componentes localmente.

Graças aos ganhos do petróleo, o governo tem pouca dívida e reservas robustas, apesar de aproximadamente metade do montante ter sido congelado por sanções.

A médio prazo, contudo, a economia russa enfrenta uma “combustão lenta”, sob pressão das sanções e dos gastos de guerra de Putin, afirmou Robin Brooks, economista-chefe do Instituto de Finanças Internacionais.

“O dilema, de um lado, é que ele tem de gastar muito dinheiro — travar uma guerra é supercaro”, afirmou Brooks. “Como você equilibra a necessidade de dinheiro e o aumento da taxa de juro para evitar que a situação fuja do controle? Na minha visão, não há nenhuma boa solução.”

O petróleo russo enfrenta banimentos do Ocidente e é submetido a um teto de preço imposto pelo Grupo dos Sete sobre vendas para outras nações. O G-7 poderia “tornar essa contrapartida muito mais difícil para Putin” baixando o teto de preço de US$ 60 para US$ 50 o barril, reduzindo os ganhos da Rússia com o petróleo, afirmou Brooks.

Isso “colocaria ainda mais pressão sobre o rublo, pressionaria ainda mais o Banco Central russo a elevar taxas de juro e tornaria essa contrapartida muito mais difícil”, afirmou ele.

No curto prazo, o declínio do rublo “não é sinal de que a Rússia está prestes a entrar em uma grande crise financeira”, afirmou Chris Weafer, diretor-executivo e analista de economia russa da firma de consultoria Macro-Advisory Ltd.

Sem investimento estrangeiro na moeda, o Kremlin é capaz de influenciar o câmbio simplesmente dizendo a exportadores controlados pelo Estado quando vender moeda estrangeira em troca de rublos, afirmou Weafer. Além disso, os preços do petróleo russo aumentaram recentemente, diminuindo os descontos que Moscou tinha que conceder a clientes na Índia e na China.

Aumentar taxas de juro para impulsionar o rublo “asfixia a economia privada — ou a parte da economia que não é relacionada à guerra e às indústrias de defesa — para que recursos suficientes sobrem para a guerra continuar”, disse Janis Kluge, especialista em economia russa do Instituto Alemão de Assuntos Internacionais e de Segurança, de Berlim. “É uma clara priorização da parte do governo a esta guerra em detrimento do bem-estar dos lares”, afirmou ele.

No médio prazo, as escolhas de Putin erodirão o crescimento econômico e colocarão mais pressão sobre o rublo a longo prazo, afirmou Kluge. Sem o investimento estrangeiro necessário para produzir mercadorias complexas, a Rússia produzirá domesticamente menos do que necessita e importará mais. “E isso significa que no futuro os cidadãos russos não conseguirão manter o mesmo nível, o mesmo estilo de vida de antes”, afirmou Kluge. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

ASSOCIATED PRESS - A oscilação no valor do rublo russo expôs uma rachadura na fortificada economia do presidente Vladimir Putin, uma vulnerabilidade rapidamente rebocada pela equipe econômica do Kremlin em um movimento que permitiu à moeda uma retomada, pelo menos por agora.

Mas o remendo — um aumento emergencial na taxa de juro — não é capaz de ocultar o dilema no coração da economia russa: como financiar o Exército sem minar a moeda nacional e superaquecer a economia com uma corrosiva e politicamente embaraçosa inflação.

A vida em Moscou aparenta normalidade apesar das amplas sanções ligadas à guerra na Ucrânia e da saída de centenas de empresas ocidentais.

Moscovitas aproveitam a cidade de Moscou e tomam sorvete na Praça Vermelha Foto: Alexander Zemlianichenko/AP

As mesas na calçada dos restaurantes e bares na popular Rua Bolshaia Nikitskaia estavam lotadas numa noite recente de moradores bem vestidos desfrutando do clima ameno de agosto. Música alta de DJs bombava no jardim de um restaurante próximo. Num primeiro olhar, os shopping centers não mudaram, mas no lugar de Zara e H&M, os consumidores encontram as novas marcas de roupa Maag e Vilet.

E a loja de donuts Krunchy Dream poderia facilmente ser confundida com a Krispy Kreme que ficava anteriormente naquele mesmo nicho do shopping Evropeiski, até a logomarca é parecida. Na ausência do Apple Pay, os bancos fornecem chips adesivos que possibilitam pagamentos pelo celular.

Medidores econômicos críticos também se situam em níveis normais. O índice de desemprego está baixo, o crescimento econômico vai melhor do que muitos haviam antecipado e a inflação está moderada segundo os padrões russos — 4% em julho — apesar de castigar cidadãos de renda limitada.

Habitantes de Moscou, onde criticar o Exército pode resultar em cadeia, alguns informando apenas o primeiro nome, expressaram uma combinação entre inquietação e resignação.

Pessoas sentam em um restaurante em Moscou. A vida na capital da Rússia parece normal, mesmo com a guerra e as sanções econômicas impostas por países do Ocidente  Foto: Alexander Zemlianichenko/

O aposentado Vladimir Cheremesiev, de 68 anos, recordou que as dificuldades posteriores ao colapso da União Soviética, em 1991, tinham se adiado por muitos anos. “Eu considero que, apesar de ser pensionista e não ganhar muito, ainda não sinto tanto”, afirmou Cheremesiev. “Mas há ansiedade — às vezes minha pressão arterial aumenta.”

Preços

Outros notaram como os preços têm mudado constantemente.

A empresária Yuliana, de 38 anos, mostrou-se mais preocupada: “Nossa condição se deteriorou rapidamente, isso é ruim. (…) Isso não vai acabar hoje, amanhã ou depois de amanhã. Eu acho que mais de uma geração pagará por essa história.”

Empresas em busca de insumos estão apelando para alternativas.

Andrei Lavrov, dono da clínica dental Ateliê do Sorriso, afirmou que tem de comprar itens para sutura e silicone da Ásia, porque usa “bastante” os materiais importados.

“Mas, a propósito, nenhum desastre aconteceu”, afirmou ele. “Se algo deixa de ser fornecido é facilmente substituído por meio de canais paralelos.”

Alguns itens de sutura fabricados na Rússia são “material de qualidade muito alta”, afirmou ele, e a indústria local encontra maneiras de atender à demanda: “Uma certa substituição está ocorrendo.”

Pessoas caminham por uma casa de câmbio ao lado de um banner do exército russo com uma propaganda estimulando os russos a servirem no exército em meio a guerra na Ucrânia Foto: Alexander Zemlianichenko/AP

Ainda assim, as importações russas vão sendo retomadas conforme mercadorias chegam por meio de países como Cazaquistão e Armênia, evitando sanções. O gasto do governo com militares e programas sociais está distribuindo dinheiro para indivíduos e empresas que usam parte do montante para importar produtos.

Crises de escassez laboral, ocasionadas pelos russos que deixam o país, também estão sustentando o valor dos salários, ao mesmo tempo que hipotecas subsidiadas pelo governo ajudam a manter a atividade do setor imobiliário.

Alguns impactos na economia são óbvios, particularmente o setor automobilístico após os fabricantes ocidentais abandonarem os negócios na Rússia. Mas as importações de veículos chineses estão ganhando terreno.

Viagens ao exterior são dolorosamente caras e limitadas por banimentos de vistos e linhas aéreas, mas os ricos, como sempre, conseguem viajar, e os cidadãos com rendas modestas não podem nem sonhar com tamanho gasto.

Duas russas com sacolas de compras na mão aproveitam um dia ensolarado em Moscou, Rússia  Foto: Alexander Zemlianichenko/AP

Em relação à pressão sobre o rublo, a Rússia, um dos maiores produtores de petróleo do mundo, está ganhando menos com os barris que vende em razão das sanções ocidentais. Isso está diminuindo o saldo comercial positivo do país em relação ao restante do mundo porque empresas e cidadãos russos também estão comprando mais produtos do exterior.

Ganhar mais com exportações do que gasta com importações tipicamente sustenta o rublo. Ainda que o superávit comercial em queda tenha ocasionado um declínio gradual no valor da moeda, Moscou tem se beneficiado porque um câmbio enfraquecido na realidade ajuda o governo a pagar suas contas.

Isso ocorre porque dólares obtidos com o petróleo podem ser trocados por uma quantidade maior de rublos a serem gastos em agências do governo, salários de funcionários e pensões.

Mas, para desgosto do Kremlin, o valor a moeda despencou demais — com US$ 1 valendo 100 rublos em 14 de agosto, um nível psicologicamente importante. Isso fez com que o Banco Central russo determinasse um grande aumento na taxa de juro, de 3,5 pontos porcentuais, destinado a frear a demanda local por importações. O dólar baixou para 92 rublos nos dias seguintes ao pico, mas tem subido constantemente desde então; na quarta-feira, US$ 1 era negociado a 96 rublos.

Ainda que mais enfraquecido em relação aos níveis do ano passado, de aproximadamente 60 rublos por US$ 1, o câmbio mais baixo não configurará uma crise contanto que uma queda-livre possa ser evitada.

Na Praça Lubianskaia, em Moscou, uma loja da Bentley, especializada em carros de luxo, segue operando normalmente, apesar das sanções do Ocidente  Foto: Alexander Zemlianichenko/AP

O Kremlin tem trabalhado para blindar sua economia contra sanções desde que anexou a península ucraniana da Crimeia, em 2014, transferido a produção de alimentos para empresas locais, banindo importações de produtores da União Europeia, e pressionado manufaturas a obter componentes localmente.

Graças aos ganhos do petróleo, o governo tem pouca dívida e reservas robustas, apesar de aproximadamente metade do montante ter sido congelado por sanções.

A médio prazo, contudo, a economia russa enfrenta uma “combustão lenta”, sob pressão das sanções e dos gastos de guerra de Putin, afirmou Robin Brooks, economista-chefe do Instituto de Finanças Internacionais.

“O dilema, de um lado, é que ele tem de gastar muito dinheiro — travar uma guerra é supercaro”, afirmou Brooks. “Como você equilibra a necessidade de dinheiro e o aumento da taxa de juro para evitar que a situação fuja do controle? Na minha visão, não há nenhuma boa solução.”

O petróleo russo enfrenta banimentos do Ocidente e é submetido a um teto de preço imposto pelo Grupo dos Sete sobre vendas para outras nações. O G-7 poderia “tornar essa contrapartida muito mais difícil para Putin” baixando o teto de preço de US$ 60 para US$ 50 o barril, reduzindo os ganhos da Rússia com o petróleo, afirmou Brooks.

Isso “colocaria ainda mais pressão sobre o rublo, pressionaria ainda mais o Banco Central russo a elevar taxas de juro e tornaria essa contrapartida muito mais difícil”, afirmou ele.

No curto prazo, o declínio do rublo “não é sinal de que a Rússia está prestes a entrar em uma grande crise financeira”, afirmou Chris Weafer, diretor-executivo e analista de economia russa da firma de consultoria Macro-Advisory Ltd.

Sem investimento estrangeiro na moeda, o Kremlin é capaz de influenciar o câmbio simplesmente dizendo a exportadores controlados pelo Estado quando vender moeda estrangeira em troca de rublos, afirmou Weafer. Além disso, os preços do petróleo russo aumentaram recentemente, diminuindo os descontos que Moscou tinha que conceder a clientes na Índia e na China.

Aumentar taxas de juro para impulsionar o rublo “asfixia a economia privada — ou a parte da economia que não é relacionada à guerra e às indústrias de defesa — para que recursos suficientes sobrem para a guerra continuar”, disse Janis Kluge, especialista em economia russa do Instituto Alemão de Assuntos Internacionais e de Segurança, de Berlim. “É uma clara priorização da parte do governo a esta guerra em detrimento do bem-estar dos lares”, afirmou ele.

No médio prazo, as escolhas de Putin erodirão o crescimento econômico e colocarão mais pressão sobre o rublo a longo prazo, afirmou Kluge. Sem o investimento estrangeiro necessário para produzir mercadorias complexas, a Rússia produzirá domesticamente menos do que necessita e importará mais. “E isso significa que no futuro os cidadãos russos não conseguirão manter o mesmo nível, o mesmo estilo de vida de antes”, afirmou Kluge. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

ASSOCIATED PRESS - A oscilação no valor do rublo russo expôs uma rachadura na fortificada economia do presidente Vladimir Putin, uma vulnerabilidade rapidamente rebocada pela equipe econômica do Kremlin em um movimento que permitiu à moeda uma retomada, pelo menos por agora.

Mas o remendo — um aumento emergencial na taxa de juro — não é capaz de ocultar o dilema no coração da economia russa: como financiar o Exército sem minar a moeda nacional e superaquecer a economia com uma corrosiva e politicamente embaraçosa inflação.

A vida em Moscou aparenta normalidade apesar das amplas sanções ligadas à guerra na Ucrânia e da saída de centenas de empresas ocidentais.

Moscovitas aproveitam a cidade de Moscou e tomam sorvete na Praça Vermelha Foto: Alexander Zemlianichenko/AP

As mesas na calçada dos restaurantes e bares na popular Rua Bolshaia Nikitskaia estavam lotadas numa noite recente de moradores bem vestidos desfrutando do clima ameno de agosto. Música alta de DJs bombava no jardim de um restaurante próximo. Num primeiro olhar, os shopping centers não mudaram, mas no lugar de Zara e H&M, os consumidores encontram as novas marcas de roupa Maag e Vilet.

E a loja de donuts Krunchy Dream poderia facilmente ser confundida com a Krispy Kreme que ficava anteriormente naquele mesmo nicho do shopping Evropeiski, até a logomarca é parecida. Na ausência do Apple Pay, os bancos fornecem chips adesivos que possibilitam pagamentos pelo celular.

Medidores econômicos críticos também se situam em níveis normais. O índice de desemprego está baixo, o crescimento econômico vai melhor do que muitos haviam antecipado e a inflação está moderada segundo os padrões russos — 4% em julho — apesar de castigar cidadãos de renda limitada.

Habitantes de Moscou, onde criticar o Exército pode resultar em cadeia, alguns informando apenas o primeiro nome, expressaram uma combinação entre inquietação e resignação.

Pessoas sentam em um restaurante em Moscou. A vida na capital da Rússia parece normal, mesmo com a guerra e as sanções econômicas impostas por países do Ocidente  Foto: Alexander Zemlianichenko/

O aposentado Vladimir Cheremesiev, de 68 anos, recordou que as dificuldades posteriores ao colapso da União Soviética, em 1991, tinham se adiado por muitos anos. “Eu considero que, apesar de ser pensionista e não ganhar muito, ainda não sinto tanto”, afirmou Cheremesiev. “Mas há ansiedade — às vezes minha pressão arterial aumenta.”

Preços

Outros notaram como os preços têm mudado constantemente.

A empresária Yuliana, de 38 anos, mostrou-se mais preocupada: “Nossa condição se deteriorou rapidamente, isso é ruim. (…) Isso não vai acabar hoje, amanhã ou depois de amanhã. Eu acho que mais de uma geração pagará por essa história.”

Empresas em busca de insumos estão apelando para alternativas.

Andrei Lavrov, dono da clínica dental Ateliê do Sorriso, afirmou que tem de comprar itens para sutura e silicone da Ásia, porque usa “bastante” os materiais importados.

“Mas, a propósito, nenhum desastre aconteceu”, afirmou ele. “Se algo deixa de ser fornecido é facilmente substituído por meio de canais paralelos.”

Alguns itens de sutura fabricados na Rússia são “material de qualidade muito alta”, afirmou ele, e a indústria local encontra maneiras de atender à demanda: “Uma certa substituição está ocorrendo.”

Pessoas caminham por uma casa de câmbio ao lado de um banner do exército russo com uma propaganda estimulando os russos a servirem no exército em meio a guerra na Ucrânia Foto: Alexander Zemlianichenko/AP

Ainda assim, as importações russas vão sendo retomadas conforme mercadorias chegam por meio de países como Cazaquistão e Armênia, evitando sanções. O gasto do governo com militares e programas sociais está distribuindo dinheiro para indivíduos e empresas que usam parte do montante para importar produtos.

Crises de escassez laboral, ocasionadas pelos russos que deixam o país, também estão sustentando o valor dos salários, ao mesmo tempo que hipotecas subsidiadas pelo governo ajudam a manter a atividade do setor imobiliário.

Alguns impactos na economia são óbvios, particularmente o setor automobilístico após os fabricantes ocidentais abandonarem os negócios na Rússia. Mas as importações de veículos chineses estão ganhando terreno.

Viagens ao exterior são dolorosamente caras e limitadas por banimentos de vistos e linhas aéreas, mas os ricos, como sempre, conseguem viajar, e os cidadãos com rendas modestas não podem nem sonhar com tamanho gasto.

Duas russas com sacolas de compras na mão aproveitam um dia ensolarado em Moscou, Rússia  Foto: Alexander Zemlianichenko/AP

Em relação à pressão sobre o rublo, a Rússia, um dos maiores produtores de petróleo do mundo, está ganhando menos com os barris que vende em razão das sanções ocidentais. Isso está diminuindo o saldo comercial positivo do país em relação ao restante do mundo porque empresas e cidadãos russos também estão comprando mais produtos do exterior.

Ganhar mais com exportações do que gasta com importações tipicamente sustenta o rublo. Ainda que o superávit comercial em queda tenha ocasionado um declínio gradual no valor da moeda, Moscou tem se beneficiado porque um câmbio enfraquecido na realidade ajuda o governo a pagar suas contas.

Isso ocorre porque dólares obtidos com o petróleo podem ser trocados por uma quantidade maior de rublos a serem gastos em agências do governo, salários de funcionários e pensões.

Mas, para desgosto do Kremlin, o valor a moeda despencou demais — com US$ 1 valendo 100 rublos em 14 de agosto, um nível psicologicamente importante. Isso fez com que o Banco Central russo determinasse um grande aumento na taxa de juro, de 3,5 pontos porcentuais, destinado a frear a demanda local por importações. O dólar baixou para 92 rublos nos dias seguintes ao pico, mas tem subido constantemente desde então; na quarta-feira, US$ 1 era negociado a 96 rublos.

Ainda que mais enfraquecido em relação aos níveis do ano passado, de aproximadamente 60 rublos por US$ 1, o câmbio mais baixo não configurará uma crise contanto que uma queda-livre possa ser evitada.

Na Praça Lubianskaia, em Moscou, uma loja da Bentley, especializada em carros de luxo, segue operando normalmente, apesar das sanções do Ocidente  Foto: Alexander Zemlianichenko/AP

O Kremlin tem trabalhado para blindar sua economia contra sanções desde que anexou a península ucraniana da Crimeia, em 2014, transferido a produção de alimentos para empresas locais, banindo importações de produtores da União Europeia, e pressionado manufaturas a obter componentes localmente.

Graças aos ganhos do petróleo, o governo tem pouca dívida e reservas robustas, apesar de aproximadamente metade do montante ter sido congelado por sanções.

A médio prazo, contudo, a economia russa enfrenta uma “combustão lenta”, sob pressão das sanções e dos gastos de guerra de Putin, afirmou Robin Brooks, economista-chefe do Instituto de Finanças Internacionais.

“O dilema, de um lado, é que ele tem de gastar muito dinheiro — travar uma guerra é supercaro”, afirmou Brooks. “Como você equilibra a necessidade de dinheiro e o aumento da taxa de juro para evitar que a situação fuja do controle? Na minha visão, não há nenhuma boa solução.”

O petróleo russo enfrenta banimentos do Ocidente e é submetido a um teto de preço imposto pelo Grupo dos Sete sobre vendas para outras nações. O G-7 poderia “tornar essa contrapartida muito mais difícil para Putin” baixando o teto de preço de US$ 60 para US$ 50 o barril, reduzindo os ganhos da Rússia com o petróleo, afirmou Brooks.

Isso “colocaria ainda mais pressão sobre o rublo, pressionaria ainda mais o Banco Central russo a elevar taxas de juro e tornaria essa contrapartida muito mais difícil”, afirmou ele.

No curto prazo, o declínio do rublo “não é sinal de que a Rússia está prestes a entrar em uma grande crise financeira”, afirmou Chris Weafer, diretor-executivo e analista de economia russa da firma de consultoria Macro-Advisory Ltd.

Sem investimento estrangeiro na moeda, o Kremlin é capaz de influenciar o câmbio simplesmente dizendo a exportadores controlados pelo Estado quando vender moeda estrangeira em troca de rublos, afirmou Weafer. Além disso, os preços do petróleo russo aumentaram recentemente, diminuindo os descontos que Moscou tinha que conceder a clientes na Índia e na China.

Aumentar taxas de juro para impulsionar o rublo “asfixia a economia privada — ou a parte da economia que não é relacionada à guerra e às indústrias de defesa — para que recursos suficientes sobrem para a guerra continuar”, disse Janis Kluge, especialista em economia russa do Instituto Alemão de Assuntos Internacionais e de Segurança, de Berlim. “É uma clara priorização da parte do governo a esta guerra em detrimento do bem-estar dos lares”, afirmou ele.

No médio prazo, as escolhas de Putin erodirão o crescimento econômico e colocarão mais pressão sobre o rublo a longo prazo, afirmou Kluge. Sem o investimento estrangeiro necessário para produzir mercadorias complexas, a Rússia produzirá domesticamente menos do que necessita e importará mais. “E isso significa que no futuro os cidadãos russos não conseguirão manter o mesmo nível, o mesmo estilo de vida de antes”, afirmou Kluge. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

ASSOCIATED PRESS - A oscilação no valor do rublo russo expôs uma rachadura na fortificada economia do presidente Vladimir Putin, uma vulnerabilidade rapidamente rebocada pela equipe econômica do Kremlin em um movimento que permitiu à moeda uma retomada, pelo menos por agora.

Mas o remendo — um aumento emergencial na taxa de juro — não é capaz de ocultar o dilema no coração da economia russa: como financiar o Exército sem minar a moeda nacional e superaquecer a economia com uma corrosiva e politicamente embaraçosa inflação.

A vida em Moscou aparenta normalidade apesar das amplas sanções ligadas à guerra na Ucrânia e da saída de centenas de empresas ocidentais.

Moscovitas aproveitam a cidade de Moscou e tomam sorvete na Praça Vermelha Foto: Alexander Zemlianichenko/AP

As mesas na calçada dos restaurantes e bares na popular Rua Bolshaia Nikitskaia estavam lotadas numa noite recente de moradores bem vestidos desfrutando do clima ameno de agosto. Música alta de DJs bombava no jardim de um restaurante próximo. Num primeiro olhar, os shopping centers não mudaram, mas no lugar de Zara e H&M, os consumidores encontram as novas marcas de roupa Maag e Vilet.

E a loja de donuts Krunchy Dream poderia facilmente ser confundida com a Krispy Kreme que ficava anteriormente naquele mesmo nicho do shopping Evropeiski, até a logomarca é parecida. Na ausência do Apple Pay, os bancos fornecem chips adesivos que possibilitam pagamentos pelo celular.

Medidores econômicos críticos também se situam em níveis normais. O índice de desemprego está baixo, o crescimento econômico vai melhor do que muitos haviam antecipado e a inflação está moderada segundo os padrões russos — 4% em julho — apesar de castigar cidadãos de renda limitada.

Habitantes de Moscou, onde criticar o Exército pode resultar em cadeia, alguns informando apenas o primeiro nome, expressaram uma combinação entre inquietação e resignação.

Pessoas sentam em um restaurante em Moscou. A vida na capital da Rússia parece normal, mesmo com a guerra e as sanções econômicas impostas por países do Ocidente  Foto: Alexander Zemlianichenko/

O aposentado Vladimir Cheremesiev, de 68 anos, recordou que as dificuldades posteriores ao colapso da União Soviética, em 1991, tinham se adiado por muitos anos. “Eu considero que, apesar de ser pensionista e não ganhar muito, ainda não sinto tanto”, afirmou Cheremesiev. “Mas há ansiedade — às vezes minha pressão arterial aumenta.”

Preços

Outros notaram como os preços têm mudado constantemente.

A empresária Yuliana, de 38 anos, mostrou-se mais preocupada: “Nossa condição se deteriorou rapidamente, isso é ruim. (…) Isso não vai acabar hoje, amanhã ou depois de amanhã. Eu acho que mais de uma geração pagará por essa história.”

Empresas em busca de insumos estão apelando para alternativas.

Andrei Lavrov, dono da clínica dental Ateliê do Sorriso, afirmou que tem de comprar itens para sutura e silicone da Ásia, porque usa “bastante” os materiais importados.

“Mas, a propósito, nenhum desastre aconteceu”, afirmou ele. “Se algo deixa de ser fornecido é facilmente substituído por meio de canais paralelos.”

Alguns itens de sutura fabricados na Rússia são “material de qualidade muito alta”, afirmou ele, e a indústria local encontra maneiras de atender à demanda: “Uma certa substituição está ocorrendo.”

Pessoas caminham por uma casa de câmbio ao lado de um banner do exército russo com uma propaganda estimulando os russos a servirem no exército em meio a guerra na Ucrânia Foto: Alexander Zemlianichenko/AP

Ainda assim, as importações russas vão sendo retomadas conforme mercadorias chegam por meio de países como Cazaquistão e Armênia, evitando sanções. O gasto do governo com militares e programas sociais está distribuindo dinheiro para indivíduos e empresas que usam parte do montante para importar produtos.

Crises de escassez laboral, ocasionadas pelos russos que deixam o país, também estão sustentando o valor dos salários, ao mesmo tempo que hipotecas subsidiadas pelo governo ajudam a manter a atividade do setor imobiliário.

Alguns impactos na economia são óbvios, particularmente o setor automobilístico após os fabricantes ocidentais abandonarem os negócios na Rússia. Mas as importações de veículos chineses estão ganhando terreno.

Viagens ao exterior são dolorosamente caras e limitadas por banimentos de vistos e linhas aéreas, mas os ricos, como sempre, conseguem viajar, e os cidadãos com rendas modestas não podem nem sonhar com tamanho gasto.

Duas russas com sacolas de compras na mão aproveitam um dia ensolarado em Moscou, Rússia  Foto: Alexander Zemlianichenko/AP

Em relação à pressão sobre o rublo, a Rússia, um dos maiores produtores de petróleo do mundo, está ganhando menos com os barris que vende em razão das sanções ocidentais. Isso está diminuindo o saldo comercial positivo do país em relação ao restante do mundo porque empresas e cidadãos russos também estão comprando mais produtos do exterior.

Ganhar mais com exportações do que gasta com importações tipicamente sustenta o rublo. Ainda que o superávit comercial em queda tenha ocasionado um declínio gradual no valor da moeda, Moscou tem se beneficiado porque um câmbio enfraquecido na realidade ajuda o governo a pagar suas contas.

Isso ocorre porque dólares obtidos com o petróleo podem ser trocados por uma quantidade maior de rublos a serem gastos em agências do governo, salários de funcionários e pensões.

Mas, para desgosto do Kremlin, o valor a moeda despencou demais — com US$ 1 valendo 100 rublos em 14 de agosto, um nível psicologicamente importante. Isso fez com que o Banco Central russo determinasse um grande aumento na taxa de juro, de 3,5 pontos porcentuais, destinado a frear a demanda local por importações. O dólar baixou para 92 rublos nos dias seguintes ao pico, mas tem subido constantemente desde então; na quarta-feira, US$ 1 era negociado a 96 rublos.

Ainda que mais enfraquecido em relação aos níveis do ano passado, de aproximadamente 60 rublos por US$ 1, o câmbio mais baixo não configurará uma crise contanto que uma queda-livre possa ser evitada.

Na Praça Lubianskaia, em Moscou, uma loja da Bentley, especializada em carros de luxo, segue operando normalmente, apesar das sanções do Ocidente  Foto: Alexander Zemlianichenko/AP

O Kremlin tem trabalhado para blindar sua economia contra sanções desde que anexou a península ucraniana da Crimeia, em 2014, transferido a produção de alimentos para empresas locais, banindo importações de produtores da União Europeia, e pressionado manufaturas a obter componentes localmente.

Graças aos ganhos do petróleo, o governo tem pouca dívida e reservas robustas, apesar de aproximadamente metade do montante ter sido congelado por sanções.

A médio prazo, contudo, a economia russa enfrenta uma “combustão lenta”, sob pressão das sanções e dos gastos de guerra de Putin, afirmou Robin Brooks, economista-chefe do Instituto de Finanças Internacionais.

“O dilema, de um lado, é que ele tem de gastar muito dinheiro — travar uma guerra é supercaro”, afirmou Brooks. “Como você equilibra a necessidade de dinheiro e o aumento da taxa de juro para evitar que a situação fuja do controle? Na minha visão, não há nenhuma boa solução.”

O petróleo russo enfrenta banimentos do Ocidente e é submetido a um teto de preço imposto pelo Grupo dos Sete sobre vendas para outras nações. O G-7 poderia “tornar essa contrapartida muito mais difícil para Putin” baixando o teto de preço de US$ 60 para US$ 50 o barril, reduzindo os ganhos da Rússia com o petróleo, afirmou Brooks.

Isso “colocaria ainda mais pressão sobre o rublo, pressionaria ainda mais o Banco Central russo a elevar taxas de juro e tornaria essa contrapartida muito mais difícil”, afirmou ele.

No curto prazo, o declínio do rublo “não é sinal de que a Rússia está prestes a entrar em uma grande crise financeira”, afirmou Chris Weafer, diretor-executivo e analista de economia russa da firma de consultoria Macro-Advisory Ltd.

Sem investimento estrangeiro na moeda, o Kremlin é capaz de influenciar o câmbio simplesmente dizendo a exportadores controlados pelo Estado quando vender moeda estrangeira em troca de rublos, afirmou Weafer. Além disso, os preços do petróleo russo aumentaram recentemente, diminuindo os descontos que Moscou tinha que conceder a clientes na Índia e na China.

Aumentar taxas de juro para impulsionar o rublo “asfixia a economia privada — ou a parte da economia que não é relacionada à guerra e às indústrias de defesa — para que recursos suficientes sobrem para a guerra continuar”, disse Janis Kluge, especialista em economia russa do Instituto Alemão de Assuntos Internacionais e de Segurança, de Berlim. “É uma clara priorização da parte do governo a esta guerra em detrimento do bem-estar dos lares”, afirmou ele.

No médio prazo, as escolhas de Putin erodirão o crescimento econômico e colocarão mais pressão sobre o rublo a longo prazo, afirmou Kluge. Sem o investimento estrangeiro necessário para produzir mercadorias complexas, a Rússia produzirá domesticamente menos do que necessita e importará mais. “E isso significa que no futuro os cidadãos russos não conseguirão manter o mesmo nível, o mesmo estilo de vida de antes”, afirmou Kluge. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

ASSOCIATED PRESS - A oscilação no valor do rublo russo expôs uma rachadura na fortificada economia do presidente Vladimir Putin, uma vulnerabilidade rapidamente rebocada pela equipe econômica do Kremlin em um movimento que permitiu à moeda uma retomada, pelo menos por agora.

Mas o remendo — um aumento emergencial na taxa de juro — não é capaz de ocultar o dilema no coração da economia russa: como financiar o Exército sem minar a moeda nacional e superaquecer a economia com uma corrosiva e politicamente embaraçosa inflação.

A vida em Moscou aparenta normalidade apesar das amplas sanções ligadas à guerra na Ucrânia e da saída de centenas de empresas ocidentais.

Moscovitas aproveitam a cidade de Moscou e tomam sorvete na Praça Vermelha Foto: Alexander Zemlianichenko/AP

As mesas na calçada dos restaurantes e bares na popular Rua Bolshaia Nikitskaia estavam lotadas numa noite recente de moradores bem vestidos desfrutando do clima ameno de agosto. Música alta de DJs bombava no jardim de um restaurante próximo. Num primeiro olhar, os shopping centers não mudaram, mas no lugar de Zara e H&M, os consumidores encontram as novas marcas de roupa Maag e Vilet.

E a loja de donuts Krunchy Dream poderia facilmente ser confundida com a Krispy Kreme que ficava anteriormente naquele mesmo nicho do shopping Evropeiski, até a logomarca é parecida. Na ausência do Apple Pay, os bancos fornecem chips adesivos que possibilitam pagamentos pelo celular.

Medidores econômicos críticos também se situam em níveis normais. O índice de desemprego está baixo, o crescimento econômico vai melhor do que muitos haviam antecipado e a inflação está moderada segundo os padrões russos — 4% em julho — apesar de castigar cidadãos de renda limitada.

Habitantes de Moscou, onde criticar o Exército pode resultar em cadeia, alguns informando apenas o primeiro nome, expressaram uma combinação entre inquietação e resignação.

Pessoas sentam em um restaurante em Moscou. A vida na capital da Rússia parece normal, mesmo com a guerra e as sanções econômicas impostas por países do Ocidente  Foto: Alexander Zemlianichenko/

O aposentado Vladimir Cheremesiev, de 68 anos, recordou que as dificuldades posteriores ao colapso da União Soviética, em 1991, tinham se adiado por muitos anos. “Eu considero que, apesar de ser pensionista e não ganhar muito, ainda não sinto tanto”, afirmou Cheremesiev. “Mas há ansiedade — às vezes minha pressão arterial aumenta.”

Preços

Outros notaram como os preços têm mudado constantemente.

A empresária Yuliana, de 38 anos, mostrou-se mais preocupada: “Nossa condição se deteriorou rapidamente, isso é ruim. (…) Isso não vai acabar hoje, amanhã ou depois de amanhã. Eu acho que mais de uma geração pagará por essa história.”

Empresas em busca de insumos estão apelando para alternativas.

Andrei Lavrov, dono da clínica dental Ateliê do Sorriso, afirmou que tem de comprar itens para sutura e silicone da Ásia, porque usa “bastante” os materiais importados.

“Mas, a propósito, nenhum desastre aconteceu”, afirmou ele. “Se algo deixa de ser fornecido é facilmente substituído por meio de canais paralelos.”

Alguns itens de sutura fabricados na Rússia são “material de qualidade muito alta”, afirmou ele, e a indústria local encontra maneiras de atender à demanda: “Uma certa substituição está ocorrendo.”

Pessoas caminham por uma casa de câmbio ao lado de um banner do exército russo com uma propaganda estimulando os russos a servirem no exército em meio a guerra na Ucrânia Foto: Alexander Zemlianichenko/AP

Ainda assim, as importações russas vão sendo retomadas conforme mercadorias chegam por meio de países como Cazaquistão e Armênia, evitando sanções. O gasto do governo com militares e programas sociais está distribuindo dinheiro para indivíduos e empresas que usam parte do montante para importar produtos.

Crises de escassez laboral, ocasionadas pelos russos que deixam o país, também estão sustentando o valor dos salários, ao mesmo tempo que hipotecas subsidiadas pelo governo ajudam a manter a atividade do setor imobiliário.

Alguns impactos na economia são óbvios, particularmente o setor automobilístico após os fabricantes ocidentais abandonarem os negócios na Rússia. Mas as importações de veículos chineses estão ganhando terreno.

Viagens ao exterior são dolorosamente caras e limitadas por banimentos de vistos e linhas aéreas, mas os ricos, como sempre, conseguem viajar, e os cidadãos com rendas modestas não podem nem sonhar com tamanho gasto.

Duas russas com sacolas de compras na mão aproveitam um dia ensolarado em Moscou, Rússia  Foto: Alexander Zemlianichenko/AP

Em relação à pressão sobre o rublo, a Rússia, um dos maiores produtores de petróleo do mundo, está ganhando menos com os barris que vende em razão das sanções ocidentais. Isso está diminuindo o saldo comercial positivo do país em relação ao restante do mundo porque empresas e cidadãos russos também estão comprando mais produtos do exterior.

Ganhar mais com exportações do que gasta com importações tipicamente sustenta o rublo. Ainda que o superávit comercial em queda tenha ocasionado um declínio gradual no valor da moeda, Moscou tem se beneficiado porque um câmbio enfraquecido na realidade ajuda o governo a pagar suas contas.

Isso ocorre porque dólares obtidos com o petróleo podem ser trocados por uma quantidade maior de rublos a serem gastos em agências do governo, salários de funcionários e pensões.

Mas, para desgosto do Kremlin, o valor a moeda despencou demais — com US$ 1 valendo 100 rublos em 14 de agosto, um nível psicologicamente importante. Isso fez com que o Banco Central russo determinasse um grande aumento na taxa de juro, de 3,5 pontos porcentuais, destinado a frear a demanda local por importações. O dólar baixou para 92 rublos nos dias seguintes ao pico, mas tem subido constantemente desde então; na quarta-feira, US$ 1 era negociado a 96 rublos.

Ainda que mais enfraquecido em relação aos níveis do ano passado, de aproximadamente 60 rublos por US$ 1, o câmbio mais baixo não configurará uma crise contanto que uma queda-livre possa ser evitada.

Na Praça Lubianskaia, em Moscou, uma loja da Bentley, especializada em carros de luxo, segue operando normalmente, apesar das sanções do Ocidente  Foto: Alexander Zemlianichenko/AP

O Kremlin tem trabalhado para blindar sua economia contra sanções desde que anexou a península ucraniana da Crimeia, em 2014, transferido a produção de alimentos para empresas locais, banindo importações de produtores da União Europeia, e pressionado manufaturas a obter componentes localmente.

Graças aos ganhos do petróleo, o governo tem pouca dívida e reservas robustas, apesar de aproximadamente metade do montante ter sido congelado por sanções.

A médio prazo, contudo, a economia russa enfrenta uma “combustão lenta”, sob pressão das sanções e dos gastos de guerra de Putin, afirmou Robin Brooks, economista-chefe do Instituto de Finanças Internacionais.

“O dilema, de um lado, é que ele tem de gastar muito dinheiro — travar uma guerra é supercaro”, afirmou Brooks. “Como você equilibra a necessidade de dinheiro e o aumento da taxa de juro para evitar que a situação fuja do controle? Na minha visão, não há nenhuma boa solução.”

O petróleo russo enfrenta banimentos do Ocidente e é submetido a um teto de preço imposto pelo Grupo dos Sete sobre vendas para outras nações. O G-7 poderia “tornar essa contrapartida muito mais difícil para Putin” baixando o teto de preço de US$ 60 para US$ 50 o barril, reduzindo os ganhos da Rússia com o petróleo, afirmou Brooks.

Isso “colocaria ainda mais pressão sobre o rublo, pressionaria ainda mais o Banco Central russo a elevar taxas de juro e tornaria essa contrapartida muito mais difícil”, afirmou ele.

No curto prazo, o declínio do rublo “não é sinal de que a Rússia está prestes a entrar em uma grande crise financeira”, afirmou Chris Weafer, diretor-executivo e analista de economia russa da firma de consultoria Macro-Advisory Ltd.

Sem investimento estrangeiro na moeda, o Kremlin é capaz de influenciar o câmbio simplesmente dizendo a exportadores controlados pelo Estado quando vender moeda estrangeira em troca de rublos, afirmou Weafer. Além disso, os preços do petróleo russo aumentaram recentemente, diminuindo os descontos que Moscou tinha que conceder a clientes na Índia e na China.

Aumentar taxas de juro para impulsionar o rublo “asfixia a economia privada — ou a parte da economia que não é relacionada à guerra e às indústrias de defesa — para que recursos suficientes sobrem para a guerra continuar”, disse Janis Kluge, especialista em economia russa do Instituto Alemão de Assuntos Internacionais e de Segurança, de Berlim. “É uma clara priorização da parte do governo a esta guerra em detrimento do bem-estar dos lares”, afirmou ele.

No médio prazo, as escolhas de Putin erodirão o crescimento econômico e colocarão mais pressão sobre o rublo a longo prazo, afirmou Kluge. Sem o investimento estrangeiro necessário para produzir mercadorias complexas, a Rússia produzirá domesticamente menos do que necessita e importará mais. “E isso significa que no futuro os cidadãos russos não conseguirão manter o mesmo nível, o mesmo estilo de vida de antes”, afirmou Kluge. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

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