A convocação de reservistas para a guerra na Ucrânia feita na manhã desta quarta-feira, 21, pelo presidente Vladimir Putin desencadeou protestos em toda Rússia e uma corrida aos aeroportos do país. Os protestos, que mostravam cartazes que pediam para Putin ser enviado às trincheiras, foram reprimidos e pelo menos 1,2 mil pessoas em 38 cidades foram presas, segundo a OVD-Info, um órgão de defesa dos direitos humanos. As passagens aéreas para alguns países esgotaram ou tiveram um crescimento exponencial no preço.
Convocadas em parte pelo líder da oposição russa, Aleksei Navalni, e pelo grupo anti guerra Vesna (“Primavera” em russo), as manifestações desafiam a legislação da Rússia, que criminaliza protestos anti guerra. Cartazes exibiam frases como “Deixe nossos filhos viverem!”, “Abrace-me se você também estiver com medo”. Em Novosibirsk, um homem foi detido pelos policiais ao dizer: “Não quero morrer por Putin e nem por você”.
A criminalização foi aprovada em março pelos deputados russos, como parte de uma estratégia interna de Putin que busca manter a guerra o mais distante possível do cotidiano da Rússia para não incitar uma oposição ao conflito. Um levantamento da OVD-Info contabiliza pelo menos 16,5 mil pessoas presas acusadas de ‘atividades antiguerra’ desde então.
Milhares protestaram no país quando o conflito eclodiu, em 24 de fevereiro, mas as manifestações foram rapidamente dissuadidas pelas agências russas. Desde então, grande parte dos russos estavam passivos com relação à guerra, mas as declarações de Putin, que também incluem uma guerra nuclear com o Ocidente, aproximou o conflito do dia-a-dia da população e causou a insatisfação.
Semelhante ao Brasil, a maioria dos homens russos em idade militar são legalmente considerados reservistas. Os homens de 18 a 27 anos precisam cumprir um ano de serviço militar. Embora o ministro da Defesa russo, Serguei Shoigu, tenha dito que apenas aqueles com experiência militar anterior são elegíveis para serem convocados, parte do povo russo teme que possa haver um recrutamento futuro.
Uma pesquisa encomendada pela organização de Aleksei Navalni, divulgada por ele horas após o discurso de Putin, afirma que quase metade dos entrevistados discordam da convocação militar feita por Putin.
Putin ameaça guerra nuclear
Uma petição contra a “mobilização total e parcial” reuniu quase 300 mil assinaturas na noite desta quarta-feira, 21. “Acho que as pessoas não conseguiram se livrar do choque – simplesmente não conseguiam acreditar que haveria uma mobilização anunciada”, disse uma das organizadoras da petição, moradora de São Petersburgo. “Até ontem pensamos que isso não poderia acontecer”, acrescentou.
Antes dos protestos, o gabinete do procurador-geral da Rússia chegou a divulgar um comunicado afirmando que manifestações não autorizadas podem resultar em até 15 anos de prisão sob a acusação de informações falsas sobre a guerra na Ucrânia. Entretanto, isso não impediu que os russos fossem às ruas.
Voos para fora da Rússia esgotam e preços disparam
Além dos protestos, parte dos russos correram para comprar passagens de avião para fora do país ou externaram nas redes sociais o interesse de se mudar após as declarações de Putin. As passagens para destinos que não precisam de vistos, como Turquia, Emirados Árabes Unidos, Armênia e Cazaquistão, se esgotaram nos próximos dias e sofreram um aumento rápido de preços.
Segundo o site da Aeroflot, companhia aérea nacional da Rússia, não há passagens para Istambul ou Yerevan, capital da Armênia, para esta semana. A companhia opera até oito voos diários para as duas cidades.
Os preços de passagens de Moscou para destinos como Istambul e Dubai cresceram minutos após as declarações de Putin, chegando a U$ 9,1 mil (R$ 47 mil) na classe econômica.
No aplicativo de mensagens Telegram, diversos canais discutem as possibilidades de mudança e a situação da fronteira. Algumas mensagens externavam o medo de que o Kremlin pudesse fechar as fronteiras em breve para homens em idade militar.
A agência de notícias russa Interfaz afirmou que o porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, disse que não comentaria sobre a situação das fronteiras para potenciais recrutas e pediu que a população esperasse que a lei fosse esclarecida.
Parte dos russos também expressaram raiva nas redes sociais por países da União Europeia tentarem bani-los, mesmo aqueles que tentam escapar da máquina de guerra de Putin. Isso inclui Estônia, Letônia e Lituânia, que fazem fronteira com a Rússia e proibiram neste mês os russos de entrarem no país por terra, fechando uma das rotas mais acessíveis.
A Letônia disse na quarta-feira que não emitirá vistos humanitários ou outros para cidadãos russos que desejam evitar a mobilização. “Viajar pela Europa é um privilégio, mas lutar contra a Ucrânia é um dever”, escreveu o empresário russo de mídia Ilia Krasilshchik.
A Finlândia, o único país da UE com fronteira terrestre com a Rússia que ainda permite a passagem de russos, disse que a situação na fronteira continua normal. Recentemente, o país reduziu em 90% o número de vistos de turista emitidos para russos.
Durante meses desde o início da guerra, Putin evitou o recrutamento obrigatório, mesmo que limitado, para preservar o senso de normalidade na Rússia. No entanto, os recentes reveses russos no nordeste da Ucrânia levaram os nacionalistas pró-guerra cada vez mais expressivos a exigir que o Kremlin reforce seus esforços. /AP, NYT