MOSCOU - Parentes dos reservistas convocados pela Rússia para apoiar a ofensiva na Ucrânia se despediram de seus filhos, pais, maridos e namorados do lado de fora de um centro de recrutamento de São Petersburgo na quarta-feira, 28. Reunidas em frente a uma delegacia da polícia militar na antiga capital imperial russa, conversaram em voz baixa, às vezes se aproximando da cerca que separa o local da rua, para tentar ver os reservistas que já estão do outro lado.
“É apenas um treinamento, né?” pergunta uma mulher sexagenária a sua vizinha.
“Acho que sim, mas ninguém sabe, pode ser que fiquem na retaguarda”, responde Svetlana Antonova, de 55 anos, cujo filho de 27 anos se apresentou na terça-feira, 27, após ter recebido a convocação no sábado, 24.
A convocação de reservistas impulsionou um êxodo de homens russos em idade de combate a países vizinhos, principalmente ex-repúblicas soviéticas da Ásia Central e do Cáucaso. O Kremlin chegou a despachar forças de segurança para vários pontos da fronteira com a Geórgia e a Mongólia para entregar aos homens russos em fuga suas cartas de convocação. O Kremlin também parou de emitir, na quarta-feira, 28, passaportes para pessoas que foram convocados.
Imagens de satélite mostraram longas filas de carros saindo da Rússia. No domingo, a espera para entrar na Geórgia chegou a 48 horas. No auge, mais de 3.000 veículos estavam na fila para cruzar a fronteira, informou a mídia estatal russa, citando autoridades locais.
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Nikita, reservista de 25 anos, e Alina, sua namorada de 22, mantém suas mãos unidas através da cerca, com lágrimas nos olhos. “Não sei o que dizer a ele, estou em estado de choque”, confessa Alina, sem tirar os olhos do namorado.
“Não me surpreendi com a convocação. Se tenho que ir, tenho que ir”, garante Nikita, que cumpriu serviço militar há alguns anos.
Para Galina, de 65 anos, e sua família, a mobilização é “mais um duro golpe”, já que sua filha está em tratamento contra o câncer, seu genro foi convocado e a filha de ambos tem apenas 12 anos.
“Ele trabalhava no setor da construção civil. No Exército foi franco-atirador”, conta Galina, ao lado da neta Micha. “Como será a vida agora e por quanto tempo? Não sei”, lamenta.
“Disseram que os enviariam à base militar próxima a Zelenogorsk”, nos arredores de São Petersburgo, afirmou Galina, acrescentando que a família não pensou em fugir da mobilização. “Não, em absoluto. Não temos para onde ir”.
A convocação de Putin aos reservistas ocorre em um contexto de recuo russo nos campos de batalha no leste da Ucrânia, provocada por uma contraofensiva de Kiev para retomar territórios ocupados por Moscou no começo da guerra.
Em paralelo, o Kremlin chancelou a realização de referendos nos territórios parcialmente ocupados, a fim de testar a adesão da população a uma anexação à Rússia. Levados a cabo em meio à denúncias de coação de moradores da região e classificada como uma “encenação” por países do Ocidente, o referendo teve um resultado favorável a Moscou: segundo os organizadores, 97% votaram pelo sim.
Putin afirmou que vai reconhecer o resultado do referendo durante uma cerimônia em Moscou, marcada para às 15h (09h em Brasília). A principal repercussão do reconhecimento pelo Kremlin de que as províncias são parte do território russo é que qualquer ação militar no local passará a ser considerada uma violação à integridade territorial do país, hipótese prevista na doutrina militar russa para o uso de armamentos nucleares.
Temor e alívio além da fronteira
Em meio ao êxodo russo impulsionado pelo anúncio da convocação dos reservistas, o posto de fronteira de Vaalimaa foi um dos mais utilizados por aqueles que buscaram escapar para a Finlândia, um dos únicos países da União Europeia que ainda recebia cidadãos russos com vistos de turista. A travessia deve se tornar mais complicada a partir de agora, após a decisão do governo finlandês de negar a entrada aos russos, mesmo que com visto, a partir da meia-noite (local) de segunda-feira.
“Acabo de passar. Não sei como os outros vão fazer. É muito triste”, disse Andrei Stepanov, um russo de 49 anos, originário de Samara, perto da fronteira com o Casaquistão.
“Já estamos atrás de um cortina de ferro. Agora esta cortina ficará ainda mais rígida”, suspira Aleksander Veselov, um sexagenário de São Petersburgo. Estima-se que entre 7 mil e 8 mil pessoas cruzam a fronteira todos os dias, a maioria pelo posto de Vaalimaa.
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Medida foi tomada no país pela última vez na 2ª Guerra, quatro regiões controladas por Moscou na Ucrânia anunciaram referendos para integração a Rússia
Para Oleg, dono de um bar em Moscou, muitos temem que a fronteira “seja fechada para sempre e que tenham que viver em um Estado totalitário”. Para ele, a ordem de mobilização foi apenas “o primeiro sinal” de um fechamento de fronteiras previsto para os próximos dias.
“Não posso dizer que estou feliz”, admitiu Vadim, que chegou de ônibus de Moscou. “Pelo menos estou aqui”, afirma.
Ele deixou sua mãe e seu apartamento mas espera retornar a seu país no futuro. “Fiquei preocupado porque ouvi dizer que muitos jovens foram levados à força e não puderam escapar da mobilização”, comentou./ Com AFP