Sanções contribuíram para o aumento de autocracias e conflitos no mundo, afirma pesquisadora


Em novo livro escrito com colegas da Universidade Johns Hopkins, a antropóloga Narges Bajoghli analisou o impacto das sanções americanas na sociedade iraniana e outros países

Por Carolina Marins
Foto: Divulgação
Entrevista comNarges Bajoghli Antropóloga e professora assistente na Universidade Johns Hopkins

Sanções têm sido utilizadas como alternativas a guerras desde a 1ª Guerra, mas no final terminaram levando para um mundo mais conflituoso e autocrático. É o que aponta a antropóloga Narges Bajoghli, professora assistente na Universidade Johns Hopkins em entrevista ao Estadão.

Ela é autora do livro “How sanctions work: Iran and the impact of economic warfare” (Como as sanções funcionam: Irã e o impacto da guerra econômica, em tradução livre), junto com os pesquisadores Vali Nasr, Djavad Salehi-Isfahani e Ali Vaez, publicado em fevereiro deste ano.

“Como vemos no caso da Venezuela, no caso do Irã e cada vez mais no caso da Rússia, assim como em qualquer outro tipo de guerra, sanções acabam realmente fortalecendo aqueles que já estão no poder”, explicou à pesquisadora. “No Irã há shoppings de luxo e prédios surgindo em todos os principais centros urbanos do país. Mas ao mesmo tempo, vemos a população ficando mais pobre.”

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Iranianos carregam uma enorme bandeira palestina em uma manifestação anual para marcar o Dia de Quds, ou Dia de Jerusalém, em apoio aos palestinos em Teerã em 5 de abril Foto: Vahid Salemi/AP

“Esses países entendem que os EUA, mesmo que não estejam envolvidos em uma guerra aberta com eles, estão envolvidos em uma espécie de guerra econômica, e eles começam a reagir de forma bastante agressiva. “E isso está aumentando o conflito em virtualmente todas essas diferentes regiões onde estamos vendo isso acontecer”, completa.

Confira a entrevista na íntegra:

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Vou começar com a pergunta que lança o livro: Como as sanções funcionam?

Em Washington, desde o início do século 21, as sanções aumentaram em mais de 900%. E devido às experiências dos EUA nas guerras pós 11 de setembro e à população dos EUA se tornando cada vez mais avessa ao envio de tropas para guerras, o que vimos acontecer é que os EUA e a Europa Ocidental, mas liderados pelos EUA, respondem às crises de política externa usando sanções, como uma forma de fazer ‘algo’ mas sem enviar tropas ao terreno. Então, a questão em Washington DC e nessas capitais sempre foi: ‘será que as sanções funcionam ou não?’ Seja por críticos ou defensores dela. Mas concluímos, como acadêmicos que não é se as sanções funcionam, essa é a pergunta errada, a pergunta certa é: como as sanções funcionam? O que elas estão realmente fazendo nas sociedades? Porque elas estão fazendo alguma coisa. E o que descobrimos é que elas não levam às intenções de política externa dos formuladores de políticas. O que as sanções devem fazer: elas devem ser tão duras a ponto de forçar uma mudança de comportamento pelo governo, para que o governo dê um passo atrás e diga, ‘ok, vou sentar à mesa com você’, ou então elas exercem uma pressão tão grande sobre a sociedade para que a sociedade se levante para forçar uma mudança de regime ou pressionar por uma mudança de comportamento no Estado. Mas o que descobrimos é que, sempre que isso levou a esse tipo de situação, a repressão foi mais intensa pelo Estado, porque o Estado alvo se vê em uma guerra econômica com o Estado que impõe as sanções. O que nos leva a uma resposta maior para ‘como as sanções funcionam’ é que elas são outra forma de guerra, e precisamos entender isso e prestar atenção nisso, já que países maiores que o Irã, por exemplo Rússia e China, estão sendo sancionados. E isso é algo que devemos nos importar, mesmo que não nos importemos com o Irã, temos que nos importar com o fato de que as sanções são como uma guerra e o que estão causando ao redor do mundo.

Por que o Irã foi o estudo de caso do livro?

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Escolhemos o Irã porque, no momento em que começamos a fazer esta pesquisa, o presidente Trump estava no poder nos EUA e impôs sanções extremas sobre o Irã, algo que tornou o Irã o país mais sancionado do mundo. Além de o Irã ter estado sob uma forma ou outra de sanções dos EUA, Europa ou da ONU desde 1979, desde a Revolução Iraniana. É um longo período de tempo e de muita pressão, então, de certa forma, tornou-se o melhor exemplo para nós analisarmos.

E como as sanções afetaram o Irã e a sociedade iraniana nesses 45 anos?

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As sanções, assim como qualquer outro fenômeno social, impactam as pessoas de forma diferente na sociedade com base em quem são, de que classe socioeconômica vêm, qual gênero, etc. Então, para mim como antropóloga no livro, eu realmente queria prestar muita atenção em mostrar como as sanções funcionam de forma abrangente, tanto para aqueles que já estão em situações precárias, como mães solteiras, quanto para aqueles ligados ao Estado, seja o establishment militar, entidades comerciais ou o Estado político e seus defensores. E então, uma das coisas que mostramos é que as sanções na verdade aumentam a riqueza econômica daqueles no poder e daqueles alinhados à elite militar e política tremendamente, astronomicamente, e enfraquecem e empobrecem o resto da sociedade, especialmente a classe média. E isso é algo que vimos no Iraque sob as sanções da ONU, é algo que começamos a ver de uma maneira enormemente na Venezuela. Isso é algo que as sanções fazem, como elas funcionam: elas empobrecem a classe média e aumentam em números astronômicos a riqueza daqueles ligados à elite militar e política do Estado.

Hoje temos uma infinidade de países sancionados, por EUA, UE, ONU, incluindo potências como Rússia e China, que têm se voltado cada vez mais para si para contornar essas sanções. Isso faz com que as sanções percam propósito?

Sim, e uma das coisas que apontamos no livro é que, em primeiro lugar, o maior aspecto que temos que entender sobre as sanções é que elas são pegajosas. Então, uma vez que os EUA impõem sanções, seja de que maneira for, seja de forma direcionada ou não, é extremamente difícil suspendê-las porque elas são implementadas por diferentes agências do governo dos EUA. Sob o governo de Obama, vimos isso com a assinatura do acordo nuclear com o Irã. Ele suspendeu algumas sanções, mas na verdade não conseguiu suspender a grande maioria porque elas não estavam sob seu poder. Os países aprenderam que uma vez que são alvo de sanções pelos EUA, a probabilidade de permanecerem sancionados por um longo período de tempo é bastante alta, e eles aprendem uns com os outros. Países como o Irã, como a Rússia, como outros que estão sendo sancionados, estão dizendo para si mesmos: ‘Bem, se é tão difícil sair delas, então precisamos encontrar maneiras de continuar o comércio através de nossos países e com nossos países que sejam imunes às sanções dos EUA’. E assim, eles estão criando, por exemplo, agora entre a Rússia e o Irã, estão criando enormes sistemas de transporte e infraestrutura que percorrem toda a Eurásia, que vão atravessando a Eurásia para construir economias longe da pressão das sanções dos EUA, e isso está começando a ter e já está tendo efeitos de longo prazo na estabilidade desse tipo de comércio, está construindo infraestruturas para uma estabilidade de longo prazo desse tipo de comércio.

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Quanto à confiabilidade das sanções: nós vimos com a guerra da Rússia na Ucrânia que houve sanções ao comércio de petróleo e gás russo, mas a Europa continuou de certa forma utilizando energia vinda da Rússia, seja gás por outras vias, gás liquefeito, até urânio para usinas nucleares. Isso não torna a aplicação de sanções uma política muito mais para ser vista do que cumprida de verdade?

Sim e eu acho que especialmente com países como a Rússia, porque é uma economia muito maior e estava inserida na economia europeia e ocidental de uma maneira muito mais forte do que o Irã desde a Revolução. Por causa disso, as sanções começam a se tornar ineficaz, porque se a Europa for sancionar completamente a energia russa, a Europa vai entrar em uma profunda crise econômica. E isso é uma das coisas que mostramos no livro, que as sanções na verdade vão contra o que esteve na vanguarda da ordem internacional liberal dos últimos 30 a 40 anos, que foi a globalização. E assim, se a globalização é o desenvolvimento, as sanções acabam criando autarquia, acabam criando relações econômicas e comerciais que são um afastamento de um formato globalizado precisamente porque os EUA têm usado o dólar como uma arma.

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Você usou a palavra autarquia, as sanções estão criando líderes autocráticos mais fortes?

Após a 1ª Guerra, a Europa e os EUA desenvolveram sanções como uma alternativa à guerra, depois de verem o que aconteceu. Mas, como vemos no caso da Venezuela, no caso do Irã e cada vez mais no caso da Rússia, assim como em qualquer outro tipo de guerra, sanções acabam realmente fortalecendo aqueles que já estão no poder. Então, Nicolás Maduro, por exemplo, e aqueles à frente de seu establishment militar, se tornam mais ricos enquanto a população venezuelana fica mais pobre e há uma enorme crise migratória que acontece por causa disso. E por quê? Acho que isso é muito importante de entender porque isso também se relaciona, acho que na verdade, a muita coisa que é muito intuitiva na América Latina, que é o fato de que quando um país é sancionado, como Venezuela, Irã, Rússia, ele não vai levantar as mãos e dizer ‘ok, nós, nos desculpe por ter te deixado bravo, vamos voltar à mesa’. Todos esses países e sistemas políticos construíram sua cultura política como resistência com o que chamam de ‘bullying imperialista’. Eles vão descobrir maneiras de burlar as sanções. E o que significa burlar as sanções? Significa que se o comércio com seu país se torna sancionável, significa que muitas empresas não querem fazer negócios com você e, portanto, você tem que recorrer a um mercado paralelo e pagar muito mais caro pelos produtos que entram e saem. Nesse tipo de mercado há muita corrupção acontecendo, há muito dinheiro que está indo e vindo, e esse dinheiro está indo para as mãos de quem? Da elite político-militar, por dois motivos: um é porque fazer esse tipo de comércio é tão caro que a classe empresarial independente é esmagada, eles não podem competir com esses preços no mercado. Apenas aqueles ligados às elites políticas podem, porque têm o respaldo da economia nacional, eles podem se dar ao luxo de pagar esses preços. E quando se trata de produtos sancionados que precisam passar pelos portos, quem controla os portos? O establishment militar. Então, eles também estão recebendo comissões nisso. O dinheiro está fluindo nesses países e eles precisam começar a lavá-lo de diferentes maneiras, é por isso que você vê, por exemplo, o regime Maduro ou os Castro ou os iranianos ou o Putin e seus oligarcas.... seus filhos todos dirigindo Lamborghinis nessas cidades, nesses países sancionados. No Irã há shoppings de luxo e prédios surgindo em todos os principais centros urbanos do país. Mas ao mesmo tempo, vemos a população ficando mais pobre. Então, quando eles se revoltam, quando há crises e eles se revoltam na Venezuela, em Cuba e no Irã as pessoas estão se levantando contra a pressão econômica são reprimidas, porque esses Estados sancionados se veem em guerra econômica. Por se verem em guerra, eles tratam sua própria população como parte desse olhar de guerra. Então, a população precisa ser reprimida e mantida em silêncio porque, caso contrário, a pressão dela na verdade pode ajudar o ‘inimigo’ deles, o exterior que está sancionando-os, a sair vitorioso. Então, o que argumentamos é que as sanções são uma guerra por precisamente essas razões.

O presidente russo, Vladimir Putin, discursa na reunião anual do Conselho do Ministério do Interior da Rússia em Moscou Foto: Sergei Savostyanov/Sputnik/Kremlin via AP

Você diz que as sanções foram criadas como alternativa às guerras, mas nunca tivemos tantas guerras e autocracias no mundo como agora...

Exatamente. E porque esses países entendem que os EUA, mesmo que não estejam envolvidos em uma guerra aberta com eles, estão envolvidos em uma espécie de guerra econômica, eles começam a reagir de forma bastante agressiva. E isso está aumentando o conflito em virtualmente todas essas diferentes regiões onde estamos vendo isso acontecer. Mas o conflito assume diferentes formas. Por exemplo, nas Américas, está vindo das enormes dinâmicas sociais que estão ocorrendo, nos relacionamentos, nas crises migratórias; no Oriente Médio, está tomando a forma de uma guerra mais acalorada entre o Irã e Israel e os aliados dos Estados Unidos na região. A Rússia também. Veja, a Rússia não foi impedida pelas sanções dos EUA contra o Irã, e acabou atacando a Ucrânia e temos o que temos lá agora. Não estamos argumentando que tudo é culpa das sanções, mas estamos dizendo que as sanções são um pilar muito importante da política internacional que precisamos prestar atenção, assim como estamos prestando atenção nas formas mais quentes de guerra.

Não estamos prestando atenção suficiente?

Eu não acho que nós realmente entendemos completamente como elas funcionam. E isso foi parte do nosso objetivo com este livro. Quando você lê as sanções, como o Departamento do Tesouro dos EUA as publica, elas são realmente difíceis de entender. Elas são escritas por advogados e são muito abstratas. E então, as sanções, como os próprios formuladores de políticas de sanções americanas escreveram e falaram, uma das vantagens é que você não consegue ver as repercussões. Como quando uma bomba cai em algum lugar, você consegue ver o dano que ela causa, mas as sanções, porque são ao longo do tempo e porque elas se infiltram na economia e em todos os diferentes setores da sociedade, são uma forma invisível de guerra. E então, o que queríamos fazer era realmente trazer as sanções para o nível humano, levar o leitor para dentro do Irã e fazê-lo ver na prática o que está fazendo com as pessoas de diferentes estratos da sociedade, e então mostrar isso com a pesquisa empírica que te leva a uma visão mais ampla novamente, para que você possa ver isso de forma comparativa. Nosso principal objetivo é ajudar a desenvolver uma linguagem mais ampla para entender e falar sobre sanções porque o debate precisa acontecer, quer as pessoas concordem ou não, precisa haver um debate real, que não esteja apenas limitado aos círculos estreitos de especialistas em sanções em Washington ou Bruxelas. Precisa ser uma conversa global ampla, porque está tendo consequências globais amplas.

Vimos que a Rússia, uma vez sancionada, se voltou para a Índia. Até o próprio Brasil já teve intercorrências com os EUA por sua relação com o Irã. Como essa discussão sobre sanções inclui o Sul Global?

A Nicarágua está atualmente sob sanções dos EUA, mas os próprios EUA não estão implementando suas próprias sanções na Nicarágua porque precisam do comércio, da manufatura e das fábricas na Nicarágua. Eles dependem disso para seus próprios mercados, precisam da mão de obra barata na Nicarágua, então na verdade não estão implementando suas próprias sanções. Por exemplo, os EUA não vão interferir no comércio de carne entre o Brasil e o Irã, ou em outros tipos de comércio que ocorrem porque não vale a pena no momento. Mas eles sempre podem utilizar isso se quiserem e precisarem pressionar o Brasil por algo, podem dizer: ‘se você fizer essas coisas, então vamos colocar pressão sobre você pelo comércio que faz conosco’. É uma arma econômica nesse sentido e ela é utilizada em momentos como, por exemplo, com a Coreia do Sul e o Irã. A Coreia do Sul precisava do petróleo iraniano e os EUA colocaram pressão suficiente sobre a Coreia do Sul, que teve que parar de comprar petróleo iraniano e começaram a buscar alternativas em outros lugares. A razão pela qual a Coreia do Sul queria fazer comércio com o Irã é porque estão mais próximos um do outro e há muita coisa que eles precisam um do outro, e o Irã tem um grande mercado para os produtos sul-coreanos. Mas os EUA podem usar essa arma econômica quando precisam, então não é como se isso estivesse sempre acontecendo de forma equilibrada em todo o mundo. E acho que é por isso, por exemplo, que o Brasil decidiu querer fazer comércio com a China em moeda local após as sanções da Rússia, porque o Brasil e a China pensam: ‘por que vamos permitir que nosso comércio seja uma arma potencial para os EUA?’, e é aí que acho que o Sul global está tentando dizer que ‘estamos cansados disso, precisamos ter nosso próprio comércio indo e vindo’. E isso está criando resistência e está criando essas realidades.

O presidente dos EUA, Joe Biden, com o primeiro-ministro israelense Binyamin Netanyahu, em Tel-Aviv, Israel, em 18 de outubro de 2023 Foto: Miriam Alster/Reuters

Até agora falamos em sanções a inimigos. Mas quais são as repercussões em caso de aliados, como Israel? Biden tem sido cada vez mais pressionado pela opinião pública a impor sanções à Israel por sua guerra em Gaza, inclusive o fez com colonos israelenses.

Essa é uma ótima pergunta. Eu responderia a isso de duas maneiras: uma é que precisamos entender que as sanções são palavras no papel. Então elas precisam ser ativadas. Não é como se você desse uma ordem para uma bomba ser lançada e é disparada, as sanções na verdade precisam sair das palavras e se tornarem ações. Como isso acontece? Quando Biden tem dito esse tipo de coisa, seja sobre os colonos na Cisjordânia ou, como você mencionou, para que isso seja ativado e comece a funcionar nos sistemas bancários, precisa haver uma mudança discursiva paralela. Isso é parte do que tentamos mostrar no livro sobre o Irã. Os Estados Unidos tiveram que tornar o Irã radioativo para o mercado europeu, porque os europeus estavam fazendo comércio e queriam fazer comércio com o Irã por causa de sua proximidade e recursos, mas os EUA tiveram que torná-lo proibido. Então, além de impor sanções, eles tiveram que travar uma guerra discursiva paralela contra o Irã para torná-lo radioativo. Uma coisa é ser uma retórica do presidente dos EUA, outra coisa que teríamos que ver é se há uma mudança discursiva paralela para tornar Israel um Estado com o qual não se deve fazer comércio. Isso é em um nível. Não é apenas a retórica das sanções, você também precisa tornar as sanções possíveis na prática. Então, temos que ver se essa mudança ocorre. Torna-se muito difícil imaginar que esse tipo de guerra discursiva semelhante aconteça com um aliado.

Mas aqui está o outro lado disso, o que muitas vezes é apontado como uma história de sucesso são as sanções à África do Sul. Era um aliado próximo do Ocidente e há muitos especialistas que apontam as sanções contra a África do Sul como finalmente sendo o que começa a quebrar o sistema de apartheid. Mas a diferença aqui, ou não a diferença, mas a diferença na maneira como você faz essa pergunta, é que no caso da África do Sul, isso foi um movimento liderado de baixo para cima para impor sanções, você tem movimentos semelhantes acontecendo na Palestina na verdade, então para pensar sobre isso, acho que todos nós teríamos que ver as diferenças entre isso vindo do establishment político em direção a um aliado, porque acho que isso é extremamente difícil, pois eles teriam que tornar esse espaço não negociável e eu não vejo isso acontecendo.

Faz diferença impor sanções ao Estado e à pessoas específicas?

Existe na guerra a ideia de bomba ampla e bomba inteligente ou direcionada, esses tipos de terminologias Nós também temos isso nas sanções econômicas, em que se fala que sanções direcionadas são diferentes das sanções amplas, ou que sanções por abusos aos direitos humanos acabam sendo diferentes das sanções, por exemplo, a uma entidade terrorista. Todas essas são questões muito boas e válidas. Mas o que descobrimos é que, por causa de como as sanções funcionam (as sanções são apenas regulamentações escritas em uma série de documentos e são escritas por advogados e financistas), elas têm que ser promulgadas e a maneira como essas sanções são promulgadas é que agora existem escritórios de compliance que se tornaram um empreendimento gigante, em todos os principais bancos e corporações ao redor do mundo que estão prestando atenção se sua empresa faz algum tipo de negócio com alguma entidade sancionada, porque se fizerem, perdem acesso a grandes mercados como os Estados Unidos. Então, na prática, não importa se a sanção é direcionada ou ampla, porque ela faz é tornar os negócios com aquele país radioativo. Nenhum banco, seguradora ou corporação multinacional vai arriscar perder acesso ou sofrer grandes multas pelos EUA para negociar com o Irã, Zimbábue ou Venezuela. E então é isso que vemos como o espaço de retórica e discurso, há uma diferença entre direcionado e amplo, mas infelizmente, na prática, não há muita diferença.

Sanções têm sido utilizadas como alternativas a guerras desde a 1ª Guerra, mas no final terminaram levando para um mundo mais conflituoso e autocrático. É o que aponta a antropóloga Narges Bajoghli, professora assistente na Universidade Johns Hopkins em entrevista ao Estadão.

Ela é autora do livro “How sanctions work: Iran and the impact of economic warfare” (Como as sanções funcionam: Irã e o impacto da guerra econômica, em tradução livre), junto com os pesquisadores Vali Nasr, Djavad Salehi-Isfahani e Ali Vaez, publicado em fevereiro deste ano.

“Como vemos no caso da Venezuela, no caso do Irã e cada vez mais no caso da Rússia, assim como em qualquer outro tipo de guerra, sanções acabam realmente fortalecendo aqueles que já estão no poder”, explicou à pesquisadora. “No Irã há shoppings de luxo e prédios surgindo em todos os principais centros urbanos do país. Mas ao mesmo tempo, vemos a população ficando mais pobre.”

Iranianos carregam uma enorme bandeira palestina em uma manifestação anual para marcar o Dia de Quds, ou Dia de Jerusalém, em apoio aos palestinos em Teerã em 5 de abril Foto: Vahid Salemi/AP

“Esses países entendem que os EUA, mesmo que não estejam envolvidos em uma guerra aberta com eles, estão envolvidos em uma espécie de guerra econômica, e eles começam a reagir de forma bastante agressiva. “E isso está aumentando o conflito em virtualmente todas essas diferentes regiões onde estamos vendo isso acontecer”, completa.

Confira a entrevista na íntegra:

Vou começar com a pergunta que lança o livro: Como as sanções funcionam?

Em Washington, desde o início do século 21, as sanções aumentaram em mais de 900%. E devido às experiências dos EUA nas guerras pós 11 de setembro e à população dos EUA se tornando cada vez mais avessa ao envio de tropas para guerras, o que vimos acontecer é que os EUA e a Europa Ocidental, mas liderados pelos EUA, respondem às crises de política externa usando sanções, como uma forma de fazer ‘algo’ mas sem enviar tropas ao terreno. Então, a questão em Washington DC e nessas capitais sempre foi: ‘será que as sanções funcionam ou não?’ Seja por críticos ou defensores dela. Mas concluímos, como acadêmicos que não é se as sanções funcionam, essa é a pergunta errada, a pergunta certa é: como as sanções funcionam? O que elas estão realmente fazendo nas sociedades? Porque elas estão fazendo alguma coisa. E o que descobrimos é que elas não levam às intenções de política externa dos formuladores de políticas. O que as sanções devem fazer: elas devem ser tão duras a ponto de forçar uma mudança de comportamento pelo governo, para que o governo dê um passo atrás e diga, ‘ok, vou sentar à mesa com você’, ou então elas exercem uma pressão tão grande sobre a sociedade para que a sociedade se levante para forçar uma mudança de regime ou pressionar por uma mudança de comportamento no Estado. Mas o que descobrimos é que, sempre que isso levou a esse tipo de situação, a repressão foi mais intensa pelo Estado, porque o Estado alvo se vê em uma guerra econômica com o Estado que impõe as sanções. O que nos leva a uma resposta maior para ‘como as sanções funcionam’ é que elas são outra forma de guerra, e precisamos entender isso e prestar atenção nisso, já que países maiores que o Irã, por exemplo Rússia e China, estão sendo sancionados. E isso é algo que devemos nos importar, mesmo que não nos importemos com o Irã, temos que nos importar com o fato de que as sanções são como uma guerra e o que estão causando ao redor do mundo.

Por que o Irã foi o estudo de caso do livro?

Escolhemos o Irã porque, no momento em que começamos a fazer esta pesquisa, o presidente Trump estava no poder nos EUA e impôs sanções extremas sobre o Irã, algo que tornou o Irã o país mais sancionado do mundo. Além de o Irã ter estado sob uma forma ou outra de sanções dos EUA, Europa ou da ONU desde 1979, desde a Revolução Iraniana. É um longo período de tempo e de muita pressão, então, de certa forma, tornou-se o melhor exemplo para nós analisarmos.

E como as sanções afetaram o Irã e a sociedade iraniana nesses 45 anos?

As sanções, assim como qualquer outro fenômeno social, impactam as pessoas de forma diferente na sociedade com base em quem são, de que classe socioeconômica vêm, qual gênero, etc. Então, para mim como antropóloga no livro, eu realmente queria prestar muita atenção em mostrar como as sanções funcionam de forma abrangente, tanto para aqueles que já estão em situações precárias, como mães solteiras, quanto para aqueles ligados ao Estado, seja o establishment militar, entidades comerciais ou o Estado político e seus defensores. E então, uma das coisas que mostramos é que as sanções na verdade aumentam a riqueza econômica daqueles no poder e daqueles alinhados à elite militar e política tremendamente, astronomicamente, e enfraquecem e empobrecem o resto da sociedade, especialmente a classe média. E isso é algo que vimos no Iraque sob as sanções da ONU, é algo que começamos a ver de uma maneira enormemente na Venezuela. Isso é algo que as sanções fazem, como elas funcionam: elas empobrecem a classe média e aumentam em números astronômicos a riqueza daqueles ligados à elite militar e política do Estado.

Hoje temos uma infinidade de países sancionados, por EUA, UE, ONU, incluindo potências como Rússia e China, que têm se voltado cada vez mais para si para contornar essas sanções. Isso faz com que as sanções percam propósito?

Sim, e uma das coisas que apontamos no livro é que, em primeiro lugar, o maior aspecto que temos que entender sobre as sanções é que elas são pegajosas. Então, uma vez que os EUA impõem sanções, seja de que maneira for, seja de forma direcionada ou não, é extremamente difícil suspendê-las porque elas são implementadas por diferentes agências do governo dos EUA. Sob o governo de Obama, vimos isso com a assinatura do acordo nuclear com o Irã. Ele suspendeu algumas sanções, mas na verdade não conseguiu suspender a grande maioria porque elas não estavam sob seu poder. Os países aprenderam que uma vez que são alvo de sanções pelos EUA, a probabilidade de permanecerem sancionados por um longo período de tempo é bastante alta, e eles aprendem uns com os outros. Países como o Irã, como a Rússia, como outros que estão sendo sancionados, estão dizendo para si mesmos: ‘Bem, se é tão difícil sair delas, então precisamos encontrar maneiras de continuar o comércio através de nossos países e com nossos países que sejam imunes às sanções dos EUA’. E assim, eles estão criando, por exemplo, agora entre a Rússia e o Irã, estão criando enormes sistemas de transporte e infraestrutura que percorrem toda a Eurásia, que vão atravessando a Eurásia para construir economias longe da pressão das sanções dos EUA, e isso está começando a ter e já está tendo efeitos de longo prazo na estabilidade desse tipo de comércio, está construindo infraestruturas para uma estabilidade de longo prazo desse tipo de comércio.

Quanto à confiabilidade das sanções: nós vimos com a guerra da Rússia na Ucrânia que houve sanções ao comércio de petróleo e gás russo, mas a Europa continuou de certa forma utilizando energia vinda da Rússia, seja gás por outras vias, gás liquefeito, até urânio para usinas nucleares. Isso não torna a aplicação de sanções uma política muito mais para ser vista do que cumprida de verdade?

Sim e eu acho que especialmente com países como a Rússia, porque é uma economia muito maior e estava inserida na economia europeia e ocidental de uma maneira muito mais forte do que o Irã desde a Revolução. Por causa disso, as sanções começam a se tornar ineficaz, porque se a Europa for sancionar completamente a energia russa, a Europa vai entrar em uma profunda crise econômica. E isso é uma das coisas que mostramos no livro, que as sanções na verdade vão contra o que esteve na vanguarda da ordem internacional liberal dos últimos 30 a 40 anos, que foi a globalização. E assim, se a globalização é o desenvolvimento, as sanções acabam criando autarquia, acabam criando relações econômicas e comerciais que são um afastamento de um formato globalizado precisamente porque os EUA têm usado o dólar como uma arma.

Você usou a palavra autarquia, as sanções estão criando líderes autocráticos mais fortes?

Após a 1ª Guerra, a Europa e os EUA desenvolveram sanções como uma alternativa à guerra, depois de verem o que aconteceu. Mas, como vemos no caso da Venezuela, no caso do Irã e cada vez mais no caso da Rússia, assim como em qualquer outro tipo de guerra, sanções acabam realmente fortalecendo aqueles que já estão no poder. Então, Nicolás Maduro, por exemplo, e aqueles à frente de seu establishment militar, se tornam mais ricos enquanto a população venezuelana fica mais pobre e há uma enorme crise migratória que acontece por causa disso. E por quê? Acho que isso é muito importante de entender porque isso também se relaciona, acho que na verdade, a muita coisa que é muito intuitiva na América Latina, que é o fato de que quando um país é sancionado, como Venezuela, Irã, Rússia, ele não vai levantar as mãos e dizer ‘ok, nós, nos desculpe por ter te deixado bravo, vamos voltar à mesa’. Todos esses países e sistemas políticos construíram sua cultura política como resistência com o que chamam de ‘bullying imperialista’. Eles vão descobrir maneiras de burlar as sanções. E o que significa burlar as sanções? Significa que se o comércio com seu país se torna sancionável, significa que muitas empresas não querem fazer negócios com você e, portanto, você tem que recorrer a um mercado paralelo e pagar muito mais caro pelos produtos que entram e saem. Nesse tipo de mercado há muita corrupção acontecendo, há muito dinheiro que está indo e vindo, e esse dinheiro está indo para as mãos de quem? Da elite político-militar, por dois motivos: um é porque fazer esse tipo de comércio é tão caro que a classe empresarial independente é esmagada, eles não podem competir com esses preços no mercado. Apenas aqueles ligados às elites políticas podem, porque têm o respaldo da economia nacional, eles podem se dar ao luxo de pagar esses preços. E quando se trata de produtos sancionados que precisam passar pelos portos, quem controla os portos? O establishment militar. Então, eles também estão recebendo comissões nisso. O dinheiro está fluindo nesses países e eles precisam começar a lavá-lo de diferentes maneiras, é por isso que você vê, por exemplo, o regime Maduro ou os Castro ou os iranianos ou o Putin e seus oligarcas.... seus filhos todos dirigindo Lamborghinis nessas cidades, nesses países sancionados. No Irã há shoppings de luxo e prédios surgindo em todos os principais centros urbanos do país. Mas ao mesmo tempo, vemos a população ficando mais pobre. Então, quando eles se revoltam, quando há crises e eles se revoltam na Venezuela, em Cuba e no Irã as pessoas estão se levantando contra a pressão econômica são reprimidas, porque esses Estados sancionados se veem em guerra econômica. Por se verem em guerra, eles tratam sua própria população como parte desse olhar de guerra. Então, a população precisa ser reprimida e mantida em silêncio porque, caso contrário, a pressão dela na verdade pode ajudar o ‘inimigo’ deles, o exterior que está sancionando-os, a sair vitorioso. Então, o que argumentamos é que as sanções são uma guerra por precisamente essas razões.

O presidente russo, Vladimir Putin, discursa na reunião anual do Conselho do Ministério do Interior da Rússia em Moscou Foto: Sergei Savostyanov/Sputnik/Kremlin via AP

Você diz que as sanções foram criadas como alternativa às guerras, mas nunca tivemos tantas guerras e autocracias no mundo como agora...

Exatamente. E porque esses países entendem que os EUA, mesmo que não estejam envolvidos em uma guerra aberta com eles, estão envolvidos em uma espécie de guerra econômica, eles começam a reagir de forma bastante agressiva. E isso está aumentando o conflito em virtualmente todas essas diferentes regiões onde estamos vendo isso acontecer. Mas o conflito assume diferentes formas. Por exemplo, nas Américas, está vindo das enormes dinâmicas sociais que estão ocorrendo, nos relacionamentos, nas crises migratórias; no Oriente Médio, está tomando a forma de uma guerra mais acalorada entre o Irã e Israel e os aliados dos Estados Unidos na região. A Rússia também. Veja, a Rússia não foi impedida pelas sanções dos EUA contra o Irã, e acabou atacando a Ucrânia e temos o que temos lá agora. Não estamos argumentando que tudo é culpa das sanções, mas estamos dizendo que as sanções são um pilar muito importante da política internacional que precisamos prestar atenção, assim como estamos prestando atenção nas formas mais quentes de guerra.

Não estamos prestando atenção suficiente?

Eu não acho que nós realmente entendemos completamente como elas funcionam. E isso foi parte do nosso objetivo com este livro. Quando você lê as sanções, como o Departamento do Tesouro dos EUA as publica, elas são realmente difíceis de entender. Elas são escritas por advogados e são muito abstratas. E então, as sanções, como os próprios formuladores de políticas de sanções americanas escreveram e falaram, uma das vantagens é que você não consegue ver as repercussões. Como quando uma bomba cai em algum lugar, você consegue ver o dano que ela causa, mas as sanções, porque são ao longo do tempo e porque elas se infiltram na economia e em todos os diferentes setores da sociedade, são uma forma invisível de guerra. E então, o que queríamos fazer era realmente trazer as sanções para o nível humano, levar o leitor para dentro do Irã e fazê-lo ver na prática o que está fazendo com as pessoas de diferentes estratos da sociedade, e então mostrar isso com a pesquisa empírica que te leva a uma visão mais ampla novamente, para que você possa ver isso de forma comparativa. Nosso principal objetivo é ajudar a desenvolver uma linguagem mais ampla para entender e falar sobre sanções porque o debate precisa acontecer, quer as pessoas concordem ou não, precisa haver um debate real, que não esteja apenas limitado aos círculos estreitos de especialistas em sanções em Washington ou Bruxelas. Precisa ser uma conversa global ampla, porque está tendo consequências globais amplas.

Vimos que a Rússia, uma vez sancionada, se voltou para a Índia. Até o próprio Brasil já teve intercorrências com os EUA por sua relação com o Irã. Como essa discussão sobre sanções inclui o Sul Global?

A Nicarágua está atualmente sob sanções dos EUA, mas os próprios EUA não estão implementando suas próprias sanções na Nicarágua porque precisam do comércio, da manufatura e das fábricas na Nicarágua. Eles dependem disso para seus próprios mercados, precisam da mão de obra barata na Nicarágua, então na verdade não estão implementando suas próprias sanções. Por exemplo, os EUA não vão interferir no comércio de carne entre o Brasil e o Irã, ou em outros tipos de comércio que ocorrem porque não vale a pena no momento. Mas eles sempre podem utilizar isso se quiserem e precisarem pressionar o Brasil por algo, podem dizer: ‘se você fizer essas coisas, então vamos colocar pressão sobre você pelo comércio que faz conosco’. É uma arma econômica nesse sentido e ela é utilizada em momentos como, por exemplo, com a Coreia do Sul e o Irã. A Coreia do Sul precisava do petróleo iraniano e os EUA colocaram pressão suficiente sobre a Coreia do Sul, que teve que parar de comprar petróleo iraniano e começaram a buscar alternativas em outros lugares. A razão pela qual a Coreia do Sul queria fazer comércio com o Irã é porque estão mais próximos um do outro e há muita coisa que eles precisam um do outro, e o Irã tem um grande mercado para os produtos sul-coreanos. Mas os EUA podem usar essa arma econômica quando precisam, então não é como se isso estivesse sempre acontecendo de forma equilibrada em todo o mundo. E acho que é por isso, por exemplo, que o Brasil decidiu querer fazer comércio com a China em moeda local após as sanções da Rússia, porque o Brasil e a China pensam: ‘por que vamos permitir que nosso comércio seja uma arma potencial para os EUA?’, e é aí que acho que o Sul global está tentando dizer que ‘estamos cansados disso, precisamos ter nosso próprio comércio indo e vindo’. E isso está criando resistência e está criando essas realidades.

O presidente dos EUA, Joe Biden, com o primeiro-ministro israelense Binyamin Netanyahu, em Tel-Aviv, Israel, em 18 de outubro de 2023 Foto: Miriam Alster/Reuters

Até agora falamos em sanções a inimigos. Mas quais são as repercussões em caso de aliados, como Israel? Biden tem sido cada vez mais pressionado pela opinião pública a impor sanções à Israel por sua guerra em Gaza, inclusive o fez com colonos israelenses.

Essa é uma ótima pergunta. Eu responderia a isso de duas maneiras: uma é que precisamos entender que as sanções são palavras no papel. Então elas precisam ser ativadas. Não é como se você desse uma ordem para uma bomba ser lançada e é disparada, as sanções na verdade precisam sair das palavras e se tornarem ações. Como isso acontece? Quando Biden tem dito esse tipo de coisa, seja sobre os colonos na Cisjordânia ou, como você mencionou, para que isso seja ativado e comece a funcionar nos sistemas bancários, precisa haver uma mudança discursiva paralela. Isso é parte do que tentamos mostrar no livro sobre o Irã. Os Estados Unidos tiveram que tornar o Irã radioativo para o mercado europeu, porque os europeus estavam fazendo comércio e queriam fazer comércio com o Irã por causa de sua proximidade e recursos, mas os EUA tiveram que torná-lo proibido. Então, além de impor sanções, eles tiveram que travar uma guerra discursiva paralela contra o Irã para torná-lo radioativo. Uma coisa é ser uma retórica do presidente dos EUA, outra coisa que teríamos que ver é se há uma mudança discursiva paralela para tornar Israel um Estado com o qual não se deve fazer comércio. Isso é em um nível. Não é apenas a retórica das sanções, você também precisa tornar as sanções possíveis na prática. Então, temos que ver se essa mudança ocorre. Torna-se muito difícil imaginar que esse tipo de guerra discursiva semelhante aconteça com um aliado.

Mas aqui está o outro lado disso, o que muitas vezes é apontado como uma história de sucesso são as sanções à África do Sul. Era um aliado próximo do Ocidente e há muitos especialistas que apontam as sanções contra a África do Sul como finalmente sendo o que começa a quebrar o sistema de apartheid. Mas a diferença aqui, ou não a diferença, mas a diferença na maneira como você faz essa pergunta, é que no caso da África do Sul, isso foi um movimento liderado de baixo para cima para impor sanções, você tem movimentos semelhantes acontecendo na Palestina na verdade, então para pensar sobre isso, acho que todos nós teríamos que ver as diferenças entre isso vindo do establishment político em direção a um aliado, porque acho que isso é extremamente difícil, pois eles teriam que tornar esse espaço não negociável e eu não vejo isso acontecendo.

Faz diferença impor sanções ao Estado e à pessoas específicas?

Existe na guerra a ideia de bomba ampla e bomba inteligente ou direcionada, esses tipos de terminologias Nós também temos isso nas sanções econômicas, em que se fala que sanções direcionadas são diferentes das sanções amplas, ou que sanções por abusos aos direitos humanos acabam sendo diferentes das sanções, por exemplo, a uma entidade terrorista. Todas essas são questões muito boas e válidas. Mas o que descobrimos é que, por causa de como as sanções funcionam (as sanções são apenas regulamentações escritas em uma série de documentos e são escritas por advogados e financistas), elas têm que ser promulgadas e a maneira como essas sanções são promulgadas é que agora existem escritórios de compliance que se tornaram um empreendimento gigante, em todos os principais bancos e corporações ao redor do mundo que estão prestando atenção se sua empresa faz algum tipo de negócio com alguma entidade sancionada, porque se fizerem, perdem acesso a grandes mercados como os Estados Unidos. Então, na prática, não importa se a sanção é direcionada ou ampla, porque ela faz é tornar os negócios com aquele país radioativo. Nenhum banco, seguradora ou corporação multinacional vai arriscar perder acesso ou sofrer grandes multas pelos EUA para negociar com o Irã, Zimbábue ou Venezuela. E então é isso que vemos como o espaço de retórica e discurso, há uma diferença entre direcionado e amplo, mas infelizmente, na prática, não há muita diferença.

Sanções têm sido utilizadas como alternativas a guerras desde a 1ª Guerra, mas no final terminaram levando para um mundo mais conflituoso e autocrático. É o que aponta a antropóloga Narges Bajoghli, professora assistente na Universidade Johns Hopkins em entrevista ao Estadão.

Ela é autora do livro “How sanctions work: Iran and the impact of economic warfare” (Como as sanções funcionam: Irã e o impacto da guerra econômica, em tradução livre), junto com os pesquisadores Vali Nasr, Djavad Salehi-Isfahani e Ali Vaez, publicado em fevereiro deste ano.

“Como vemos no caso da Venezuela, no caso do Irã e cada vez mais no caso da Rússia, assim como em qualquer outro tipo de guerra, sanções acabam realmente fortalecendo aqueles que já estão no poder”, explicou à pesquisadora. “No Irã há shoppings de luxo e prédios surgindo em todos os principais centros urbanos do país. Mas ao mesmo tempo, vemos a população ficando mais pobre.”

Iranianos carregam uma enorme bandeira palestina em uma manifestação anual para marcar o Dia de Quds, ou Dia de Jerusalém, em apoio aos palestinos em Teerã em 5 de abril Foto: Vahid Salemi/AP

“Esses países entendem que os EUA, mesmo que não estejam envolvidos em uma guerra aberta com eles, estão envolvidos em uma espécie de guerra econômica, e eles começam a reagir de forma bastante agressiva. “E isso está aumentando o conflito em virtualmente todas essas diferentes regiões onde estamos vendo isso acontecer”, completa.

Confira a entrevista na íntegra:

Vou começar com a pergunta que lança o livro: Como as sanções funcionam?

Em Washington, desde o início do século 21, as sanções aumentaram em mais de 900%. E devido às experiências dos EUA nas guerras pós 11 de setembro e à população dos EUA se tornando cada vez mais avessa ao envio de tropas para guerras, o que vimos acontecer é que os EUA e a Europa Ocidental, mas liderados pelos EUA, respondem às crises de política externa usando sanções, como uma forma de fazer ‘algo’ mas sem enviar tropas ao terreno. Então, a questão em Washington DC e nessas capitais sempre foi: ‘será que as sanções funcionam ou não?’ Seja por críticos ou defensores dela. Mas concluímos, como acadêmicos que não é se as sanções funcionam, essa é a pergunta errada, a pergunta certa é: como as sanções funcionam? O que elas estão realmente fazendo nas sociedades? Porque elas estão fazendo alguma coisa. E o que descobrimos é que elas não levam às intenções de política externa dos formuladores de políticas. O que as sanções devem fazer: elas devem ser tão duras a ponto de forçar uma mudança de comportamento pelo governo, para que o governo dê um passo atrás e diga, ‘ok, vou sentar à mesa com você’, ou então elas exercem uma pressão tão grande sobre a sociedade para que a sociedade se levante para forçar uma mudança de regime ou pressionar por uma mudança de comportamento no Estado. Mas o que descobrimos é que, sempre que isso levou a esse tipo de situação, a repressão foi mais intensa pelo Estado, porque o Estado alvo se vê em uma guerra econômica com o Estado que impõe as sanções. O que nos leva a uma resposta maior para ‘como as sanções funcionam’ é que elas são outra forma de guerra, e precisamos entender isso e prestar atenção nisso, já que países maiores que o Irã, por exemplo Rússia e China, estão sendo sancionados. E isso é algo que devemos nos importar, mesmo que não nos importemos com o Irã, temos que nos importar com o fato de que as sanções são como uma guerra e o que estão causando ao redor do mundo.

Por que o Irã foi o estudo de caso do livro?

Escolhemos o Irã porque, no momento em que começamos a fazer esta pesquisa, o presidente Trump estava no poder nos EUA e impôs sanções extremas sobre o Irã, algo que tornou o Irã o país mais sancionado do mundo. Além de o Irã ter estado sob uma forma ou outra de sanções dos EUA, Europa ou da ONU desde 1979, desde a Revolução Iraniana. É um longo período de tempo e de muita pressão, então, de certa forma, tornou-se o melhor exemplo para nós analisarmos.

E como as sanções afetaram o Irã e a sociedade iraniana nesses 45 anos?

As sanções, assim como qualquer outro fenômeno social, impactam as pessoas de forma diferente na sociedade com base em quem são, de que classe socioeconômica vêm, qual gênero, etc. Então, para mim como antropóloga no livro, eu realmente queria prestar muita atenção em mostrar como as sanções funcionam de forma abrangente, tanto para aqueles que já estão em situações precárias, como mães solteiras, quanto para aqueles ligados ao Estado, seja o establishment militar, entidades comerciais ou o Estado político e seus defensores. E então, uma das coisas que mostramos é que as sanções na verdade aumentam a riqueza econômica daqueles no poder e daqueles alinhados à elite militar e política tremendamente, astronomicamente, e enfraquecem e empobrecem o resto da sociedade, especialmente a classe média. E isso é algo que vimos no Iraque sob as sanções da ONU, é algo que começamos a ver de uma maneira enormemente na Venezuela. Isso é algo que as sanções fazem, como elas funcionam: elas empobrecem a classe média e aumentam em números astronômicos a riqueza daqueles ligados à elite militar e política do Estado.

Hoje temos uma infinidade de países sancionados, por EUA, UE, ONU, incluindo potências como Rússia e China, que têm se voltado cada vez mais para si para contornar essas sanções. Isso faz com que as sanções percam propósito?

Sim, e uma das coisas que apontamos no livro é que, em primeiro lugar, o maior aspecto que temos que entender sobre as sanções é que elas são pegajosas. Então, uma vez que os EUA impõem sanções, seja de que maneira for, seja de forma direcionada ou não, é extremamente difícil suspendê-las porque elas são implementadas por diferentes agências do governo dos EUA. Sob o governo de Obama, vimos isso com a assinatura do acordo nuclear com o Irã. Ele suspendeu algumas sanções, mas na verdade não conseguiu suspender a grande maioria porque elas não estavam sob seu poder. Os países aprenderam que uma vez que são alvo de sanções pelos EUA, a probabilidade de permanecerem sancionados por um longo período de tempo é bastante alta, e eles aprendem uns com os outros. Países como o Irã, como a Rússia, como outros que estão sendo sancionados, estão dizendo para si mesmos: ‘Bem, se é tão difícil sair delas, então precisamos encontrar maneiras de continuar o comércio através de nossos países e com nossos países que sejam imunes às sanções dos EUA’. E assim, eles estão criando, por exemplo, agora entre a Rússia e o Irã, estão criando enormes sistemas de transporte e infraestrutura que percorrem toda a Eurásia, que vão atravessando a Eurásia para construir economias longe da pressão das sanções dos EUA, e isso está começando a ter e já está tendo efeitos de longo prazo na estabilidade desse tipo de comércio, está construindo infraestruturas para uma estabilidade de longo prazo desse tipo de comércio.

Quanto à confiabilidade das sanções: nós vimos com a guerra da Rússia na Ucrânia que houve sanções ao comércio de petróleo e gás russo, mas a Europa continuou de certa forma utilizando energia vinda da Rússia, seja gás por outras vias, gás liquefeito, até urânio para usinas nucleares. Isso não torna a aplicação de sanções uma política muito mais para ser vista do que cumprida de verdade?

Sim e eu acho que especialmente com países como a Rússia, porque é uma economia muito maior e estava inserida na economia europeia e ocidental de uma maneira muito mais forte do que o Irã desde a Revolução. Por causa disso, as sanções começam a se tornar ineficaz, porque se a Europa for sancionar completamente a energia russa, a Europa vai entrar em uma profunda crise econômica. E isso é uma das coisas que mostramos no livro, que as sanções na verdade vão contra o que esteve na vanguarda da ordem internacional liberal dos últimos 30 a 40 anos, que foi a globalização. E assim, se a globalização é o desenvolvimento, as sanções acabam criando autarquia, acabam criando relações econômicas e comerciais que são um afastamento de um formato globalizado precisamente porque os EUA têm usado o dólar como uma arma.

Você usou a palavra autarquia, as sanções estão criando líderes autocráticos mais fortes?

Após a 1ª Guerra, a Europa e os EUA desenvolveram sanções como uma alternativa à guerra, depois de verem o que aconteceu. Mas, como vemos no caso da Venezuela, no caso do Irã e cada vez mais no caso da Rússia, assim como em qualquer outro tipo de guerra, sanções acabam realmente fortalecendo aqueles que já estão no poder. Então, Nicolás Maduro, por exemplo, e aqueles à frente de seu establishment militar, se tornam mais ricos enquanto a população venezuelana fica mais pobre e há uma enorme crise migratória que acontece por causa disso. E por quê? Acho que isso é muito importante de entender porque isso também se relaciona, acho que na verdade, a muita coisa que é muito intuitiva na América Latina, que é o fato de que quando um país é sancionado, como Venezuela, Irã, Rússia, ele não vai levantar as mãos e dizer ‘ok, nós, nos desculpe por ter te deixado bravo, vamos voltar à mesa’. Todos esses países e sistemas políticos construíram sua cultura política como resistência com o que chamam de ‘bullying imperialista’. Eles vão descobrir maneiras de burlar as sanções. E o que significa burlar as sanções? Significa que se o comércio com seu país se torna sancionável, significa que muitas empresas não querem fazer negócios com você e, portanto, você tem que recorrer a um mercado paralelo e pagar muito mais caro pelos produtos que entram e saem. Nesse tipo de mercado há muita corrupção acontecendo, há muito dinheiro que está indo e vindo, e esse dinheiro está indo para as mãos de quem? Da elite político-militar, por dois motivos: um é porque fazer esse tipo de comércio é tão caro que a classe empresarial independente é esmagada, eles não podem competir com esses preços no mercado. Apenas aqueles ligados às elites políticas podem, porque têm o respaldo da economia nacional, eles podem se dar ao luxo de pagar esses preços. E quando se trata de produtos sancionados que precisam passar pelos portos, quem controla os portos? O establishment militar. Então, eles também estão recebendo comissões nisso. O dinheiro está fluindo nesses países e eles precisam começar a lavá-lo de diferentes maneiras, é por isso que você vê, por exemplo, o regime Maduro ou os Castro ou os iranianos ou o Putin e seus oligarcas.... seus filhos todos dirigindo Lamborghinis nessas cidades, nesses países sancionados. No Irã há shoppings de luxo e prédios surgindo em todos os principais centros urbanos do país. Mas ao mesmo tempo, vemos a população ficando mais pobre. Então, quando eles se revoltam, quando há crises e eles se revoltam na Venezuela, em Cuba e no Irã as pessoas estão se levantando contra a pressão econômica são reprimidas, porque esses Estados sancionados se veem em guerra econômica. Por se verem em guerra, eles tratam sua própria população como parte desse olhar de guerra. Então, a população precisa ser reprimida e mantida em silêncio porque, caso contrário, a pressão dela na verdade pode ajudar o ‘inimigo’ deles, o exterior que está sancionando-os, a sair vitorioso. Então, o que argumentamos é que as sanções são uma guerra por precisamente essas razões.

O presidente russo, Vladimir Putin, discursa na reunião anual do Conselho do Ministério do Interior da Rússia em Moscou Foto: Sergei Savostyanov/Sputnik/Kremlin via AP

Você diz que as sanções foram criadas como alternativa às guerras, mas nunca tivemos tantas guerras e autocracias no mundo como agora...

Exatamente. E porque esses países entendem que os EUA, mesmo que não estejam envolvidos em uma guerra aberta com eles, estão envolvidos em uma espécie de guerra econômica, eles começam a reagir de forma bastante agressiva. E isso está aumentando o conflito em virtualmente todas essas diferentes regiões onde estamos vendo isso acontecer. Mas o conflito assume diferentes formas. Por exemplo, nas Américas, está vindo das enormes dinâmicas sociais que estão ocorrendo, nos relacionamentos, nas crises migratórias; no Oriente Médio, está tomando a forma de uma guerra mais acalorada entre o Irã e Israel e os aliados dos Estados Unidos na região. A Rússia também. Veja, a Rússia não foi impedida pelas sanções dos EUA contra o Irã, e acabou atacando a Ucrânia e temos o que temos lá agora. Não estamos argumentando que tudo é culpa das sanções, mas estamos dizendo que as sanções são um pilar muito importante da política internacional que precisamos prestar atenção, assim como estamos prestando atenção nas formas mais quentes de guerra.

Não estamos prestando atenção suficiente?

Eu não acho que nós realmente entendemos completamente como elas funcionam. E isso foi parte do nosso objetivo com este livro. Quando você lê as sanções, como o Departamento do Tesouro dos EUA as publica, elas são realmente difíceis de entender. Elas são escritas por advogados e são muito abstratas. E então, as sanções, como os próprios formuladores de políticas de sanções americanas escreveram e falaram, uma das vantagens é que você não consegue ver as repercussões. Como quando uma bomba cai em algum lugar, você consegue ver o dano que ela causa, mas as sanções, porque são ao longo do tempo e porque elas se infiltram na economia e em todos os diferentes setores da sociedade, são uma forma invisível de guerra. E então, o que queríamos fazer era realmente trazer as sanções para o nível humano, levar o leitor para dentro do Irã e fazê-lo ver na prática o que está fazendo com as pessoas de diferentes estratos da sociedade, e então mostrar isso com a pesquisa empírica que te leva a uma visão mais ampla novamente, para que você possa ver isso de forma comparativa. Nosso principal objetivo é ajudar a desenvolver uma linguagem mais ampla para entender e falar sobre sanções porque o debate precisa acontecer, quer as pessoas concordem ou não, precisa haver um debate real, que não esteja apenas limitado aos círculos estreitos de especialistas em sanções em Washington ou Bruxelas. Precisa ser uma conversa global ampla, porque está tendo consequências globais amplas.

Vimos que a Rússia, uma vez sancionada, se voltou para a Índia. Até o próprio Brasil já teve intercorrências com os EUA por sua relação com o Irã. Como essa discussão sobre sanções inclui o Sul Global?

A Nicarágua está atualmente sob sanções dos EUA, mas os próprios EUA não estão implementando suas próprias sanções na Nicarágua porque precisam do comércio, da manufatura e das fábricas na Nicarágua. Eles dependem disso para seus próprios mercados, precisam da mão de obra barata na Nicarágua, então na verdade não estão implementando suas próprias sanções. Por exemplo, os EUA não vão interferir no comércio de carne entre o Brasil e o Irã, ou em outros tipos de comércio que ocorrem porque não vale a pena no momento. Mas eles sempre podem utilizar isso se quiserem e precisarem pressionar o Brasil por algo, podem dizer: ‘se você fizer essas coisas, então vamos colocar pressão sobre você pelo comércio que faz conosco’. É uma arma econômica nesse sentido e ela é utilizada em momentos como, por exemplo, com a Coreia do Sul e o Irã. A Coreia do Sul precisava do petróleo iraniano e os EUA colocaram pressão suficiente sobre a Coreia do Sul, que teve que parar de comprar petróleo iraniano e começaram a buscar alternativas em outros lugares. A razão pela qual a Coreia do Sul queria fazer comércio com o Irã é porque estão mais próximos um do outro e há muita coisa que eles precisam um do outro, e o Irã tem um grande mercado para os produtos sul-coreanos. Mas os EUA podem usar essa arma econômica quando precisam, então não é como se isso estivesse sempre acontecendo de forma equilibrada em todo o mundo. E acho que é por isso, por exemplo, que o Brasil decidiu querer fazer comércio com a China em moeda local após as sanções da Rússia, porque o Brasil e a China pensam: ‘por que vamos permitir que nosso comércio seja uma arma potencial para os EUA?’, e é aí que acho que o Sul global está tentando dizer que ‘estamos cansados disso, precisamos ter nosso próprio comércio indo e vindo’. E isso está criando resistência e está criando essas realidades.

O presidente dos EUA, Joe Biden, com o primeiro-ministro israelense Binyamin Netanyahu, em Tel-Aviv, Israel, em 18 de outubro de 2023 Foto: Miriam Alster/Reuters

Até agora falamos em sanções a inimigos. Mas quais são as repercussões em caso de aliados, como Israel? Biden tem sido cada vez mais pressionado pela opinião pública a impor sanções à Israel por sua guerra em Gaza, inclusive o fez com colonos israelenses.

Essa é uma ótima pergunta. Eu responderia a isso de duas maneiras: uma é que precisamos entender que as sanções são palavras no papel. Então elas precisam ser ativadas. Não é como se você desse uma ordem para uma bomba ser lançada e é disparada, as sanções na verdade precisam sair das palavras e se tornarem ações. Como isso acontece? Quando Biden tem dito esse tipo de coisa, seja sobre os colonos na Cisjordânia ou, como você mencionou, para que isso seja ativado e comece a funcionar nos sistemas bancários, precisa haver uma mudança discursiva paralela. Isso é parte do que tentamos mostrar no livro sobre o Irã. Os Estados Unidos tiveram que tornar o Irã radioativo para o mercado europeu, porque os europeus estavam fazendo comércio e queriam fazer comércio com o Irã por causa de sua proximidade e recursos, mas os EUA tiveram que torná-lo proibido. Então, além de impor sanções, eles tiveram que travar uma guerra discursiva paralela contra o Irã para torná-lo radioativo. Uma coisa é ser uma retórica do presidente dos EUA, outra coisa que teríamos que ver é se há uma mudança discursiva paralela para tornar Israel um Estado com o qual não se deve fazer comércio. Isso é em um nível. Não é apenas a retórica das sanções, você também precisa tornar as sanções possíveis na prática. Então, temos que ver se essa mudança ocorre. Torna-se muito difícil imaginar que esse tipo de guerra discursiva semelhante aconteça com um aliado.

Mas aqui está o outro lado disso, o que muitas vezes é apontado como uma história de sucesso são as sanções à África do Sul. Era um aliado próximo do Ocidente e há muitos especialistas que apontam as sanções contra a África do Sul como finalmente sendo o que começa a quebrar o sistema de apartheid. Mas a diferença aqui, ou não a diferença, mas a diferença na maneira como você faz essa pergunta, é que no caso da África do Sul, isso foi um movimento liderado de baixo para cima para impor sanções, você tem movimentos semelhantes acontecendo na Palestina na verdade, então para pensar sobre isso, acho que todos nós teríamos que ver as diferenças entre isso vindo do establishment político em direção a um aliado, porque acho que isso é extremamente difícil, pois eles teriam que tornar esse espaço não negociável e eu não vejo isso acontecendo.

Faz diferença impor sanções ao Estado e à pessoas específicas?

Existe na guerra a ideia de bomba ampla e bomba inteligente ou direcionada, esses tipos de terminologias Nós também temos isso nas sanções econômicas, em que se fala que sanções direcionadas são diferentes das sanções amplas, ou que sanções por abusos aos direitos humanos acabam sendo diferentes das sanções, por exemplo, a uma entidade terrorista. Todas essas são questões muito boas e válidas. Mas o que descobrimos é que, por causa de como as sanções funcionam (as sanções são apenas regulamentações escritas em uma série de documentos e são escritas por advogados e financistas), elas têm que ser promulgadas e a maneira como essas sanções são promulgadas é que agora existem escritórios de compliance que se tornaram um empreendimento gigante, em todos os principais bancos e corporações ao redor do mundo que estão prestando atenção se sua empresa faz algum tipo de negócio com alguma entidade sancionada, porque se fizerem, perdem acesso a grandes mercados como os Estados Unidos. Então, na prática, não importa se a sanção é direcionada ou ampla, porque ela faz é tornar os negócios com aquele país radioativo. Nenhum banco, seguradora ou corporação multinacional vai arriscar perder acesso ou sofrer grandes multas pelos EUA para negociar com o Irã, Zimbábue ou Venezuela. E então é isso que vemos como o espaço de retórica e discurso, há uma diferença entre direcionado e amplo, mas infelizmente, na prática, não há muita diferença.

Entrevista por Carolina Marins

Jornalista formada pela ECA-USP. Repórter da editoria de Internacional, com interesse em América Latina. Já fiz coberturas in loco na Argentina, em Israel e na Ucrânia

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