'Se desigualdade cresce, há erro nas instituições', diz escritor polonês


Para autor de ‘Crises da Democracia’, eleição de Biden é esperança de que sistemas podem sobreviver

Por Fernanda Simas

A invasão do Congresso americano por extremistas pró-Donald Trump no dia em que o Senado confirmaria o democrata Joe Biden como novo presidente dos Estados Unidos jogou luz à discussão sobre a solidez da considerada a maior democracia do mundo. Para Adam Przeworski, autor do livro Crises da Democracia, agora os EUA não podem mais “se vender como bastião da democracia”.

A invasão do Congresso mostra fragilidade das instituições americanas? Acredito que a insurreição mostra mais sobre polarização na sociedade, a existência de uma fatia fanática considerável dentro da direita política. As regras das eleições americanas são incoerentes e incompletas, mas foram suficientes no passado. O que é novo é o candidato derrotado se recusar a ceder o poder, e isso abriu um conflito em torno dessas regras.

Migrantes aguardam em fila sob neve para receber comida em Bihac, Bósnia Foto: Kemal Softic/AP
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O sr. acredita que a democracia nos EUA está em perigo? A democracia sempre foi fraca nos EUA, em grande parte por conta da exclusão de grandes segmentos da população das instituições políticas. Os efeitos dessa crise são difíceis de prever. Por um lado, o governo Biden não será visto como legítimo por boa parte da sociedade. Por outro, deve haver uma forte coalizão bipartidária de centro para unificar o país. 

Qual o impacto do que ocorreu em outros países? Os Estados Unidos já haviam perdido muito de seu “soft power” por causa de Trump e, particularmente, de sua maneira em lidar com a pandemia. Agora, os EUA não têm mais condição de se vender como bastião da democracia, certamente não como um sistema que deva ser seguido por outros países. 

É possível a coexistência entre democracia e capitalismo? Muitas pessoas desde o século 17 pensavam que não, pelo fato de o capitalismo ser um sistema de economia desigual e a democracia, de igualdade política. Pensavam que a democracia era uma ameaça letal ao capitalismo. Mas, no fim, isso se provou não ser verdade. Temos 13 países no mundo nos quais o capitalismo e a democracia coexistiram por mais de 100 anos de forma relativamente pacífica. A relação sempre será tensa, haverá conflitos entre os sistemas de produção e distribuição de renda, mas a coexistência é possível.

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E com o socialismo? Em princípio, acho que é possível, acreditei toda minha vida que sim. Mas tivemos vários exemplos, principalmente em meados dos anos 60, que não funcionaram. Se por socialismo você se refere à centralização de recursos, não vimos um experimento que tenha sido bem-sucedido. 

Existe um ponto em comum entre crises democráticas de diferentes países? Democracia para mim é um sistema de resolução temporária de conflitos por meio de eleições. Para que esse sistema funcione, algo deve estar em jogo na eleição, mas não muita coisa. Se perder é muito doloroso para os perdedores e os vencedores não dão aos perdedores temporários uma chance de vitória no futuro, então as eleições não funcionam como um mecanismo, os conflitos saem das instituições e vão para as ruas.

E isso tem ocorrido? Alguns pensam que o aborto nunca deve ser legalizado, outros que ele deve ser permitido até os três meses. São visões diferentes, mas a questão é o que fazer quando há uma discordância. O que ocorre em diversos países, como nos Estados Unidos e no Brasil nos últimos 20 anos, é que a hostilidade também aumentou. As pessoas se olham como inimigas. A hostilidade está dentro dos empregos, das famílias. As pessoas não conseguem conversar sobre política.

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Essa polarização leva ao surgimento de “outsiders”? Nos EUA, no Brasil, na Itália, isso é verdade. Nos anos 80, pessoas votavam, os governos mudavam e a vida das pessoas não, principalmente das classes mais baixas. Então surgem aqueles que oferecem soluções mágicas, os famosos “curandeiros”. Esse é o cenário de Trump, do 5 Estrelas na Itália. E isso justifica o colapso dos tradicionais partidos de centro-esquerda e centro-direita. Veja o PSDB, está colapsado.

É possível acabar com a crise da democracia? Acho que na maioria dos países a democracia não está em perigo. Nos últimos 20 anos, mais ou menos, houve um aumento claro de partidos radicais de direita, mas parece que o apoio para esse tipo de radicalismo de direita fica sempre na faixa de 20% a 25%. O fato é que as instituições representativas tradicionais não funcionam muito bem. Se você é uma pessoa pobre no Brasil, no México, na Espanha, na Grécia, e se pergunta o que essas instituições fizeram por você ao longo da vida, a resposta será “muito pouco”. Desigualdade em alta é sintoma de algo errado com as instituições. Acho que essa crise veio para ficar, mas não ameaça a existência da democracia na maior parte dos países. De alguma forma, a eleição nos EUA é uma esperança, a democracia estará mais fraca, mas vai sobreviver. 

O que o sr. pensa de política e religião estarem lado a lado? O que me impressiona é que a religião permeie a política nos EUA e no Brasil atualmente. Os valores tradicionais da família foram ameaçados e alguns partidários de Bolsonaro, por exemplo, defendem a família tradicional. Se você olhar nas pesquisas dos EUA, uma das grandes diferenças na forma de votar está no fato de as pessoas serem casadas ou não. Isso é o que está em jogo. As pessoas se sentem ameaçadas em seu “jeito tradicional de levar a vida” e a religião é uma espécie de linguagem com a qual esses valores são transmitidos. Essa é uma nova divisão. As diferenças religiosas sempre existiram, mas nunca foram colocadas à venda. 

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Tirar líderes autoritários do poder demanda o que? É uma questão de educação, mas também de organização, mobilização. O problema na maioria dos países é que as oposições estão extremamente divididas. Parte do motivo de ser tão difícil remover alguns líderes é a oposição rachada, como na Venezuela, no Brasil. 

Falando de alguns países, como o sr. classifica a situação de Cuba? Cuba é um caso muito, muito particular. É uma relíquia do passado, que de alguma forma sobreviveu. Antigos países comunistas ou colapsaram ou passaram por reformas gerais, como a China e Vietnã de forma bem sucedida. Cuba não teve uma reforma, ou teve muito pequena, e de alguma forma sobreviveu. Acredito que parte da situação atual é responsabilidade dos EUA. Acho que Cuba não tem muita opção. Se eles se abrem, vão ter uma injeção massiva de capitalismo, desigualdade, racismo vindo dos EUA e dos cubanos emigrantes. Então, não acho que eles tenham muita opção. Existiram momentos de abertura e quando ocorreram houve uma tentativa de reforma, mas acho que é uma situação impossível. 

E a China? Eu não sou tão anti-China como muitos são. É um governo brutal, um governo autoritário. O que fazem com os muçulmanos é brutal. A repressão aos ativistas é brutal, mas é um país de 1,4 bilhão de pessoas no qual as pessoas comem cada vez mais e as pessoas não se matam.Quando começo a pensar em China X Índia, os chineses brutalmente mantêm a prosperidade e a segurança e acho que são bem sucedidos nisso. Eu acredito na democracia, no direito de as pessoas se expressarem, escolherem seus governos, mas os chineses foram bem sucedidos em diversos de objetivos que não compartilhamos.

A invasão do Congresso americano por extremistas pró-Donald Trump no dia em que o Senado confirmaria o democrata Joe Biden como novo presidente dos Estados Unidos jogou luz à discussão sobre a solidez da considerada a maior democracia do mundo. Para Adam Przeworski, autor do livro Crises da Democracia, agora os EUA não podem mais “se vender como bastião da democracia”.

A invasão do Congresso mostra fragilidade das instituições americanas? Acredito que a insurreição mostra mais sobre polarização na sociedade, a existência de uma fatia fanática considerável dentro da direita política. As regras das eleições americanas são incoerentes e incompletas, mas foram suficientes no passado. O que é novo é o candidato derrotado se recusar a ceder o poder, e isso abriu um conflito em torno dessas regras.

Migrantes aguardam em fila sob neve para receber comida em Bihac, Bósnia Foto: Kemal Softic/AP

O sr. acredita que a democracia nos EUA está em perigo? A democracia sempre foi fraca nos EUA, em grande parte por conta da exclusão de grandes segmentos da população das instituições políticas. Os efeitos dessa crise são difíceis de prever. Por um lado, o governo Biden não será visto como legítimo por boa parte da sociedade. Por outro, deve haver uma forte coalizão bipartidária de centro para unificar o país. 

Qual o impacto do que ocorreu em outros países? Os Estados Unidos já haviam perdido muito de seu “soft power” por causa de Trump e, particularmente, de sua maneira em lidar com a pandemia. Agora, os EUA não têm mais condição de se vender como bastião da democracia, certamente não como um sistema que deva ser seguido por outros países. 

É possível a coexistência entre democracia e capitalismo? Muitas pessoas desde o século 17 pensavam que não, pelo fato de o capitalismo ser um sistema de economia desigual e a democracia, de igualdade política. Pensavam que a democracia era uma ameaça letal ao capitalismo. Mas, no fim, isso se provou não ser verdade. Temos 13 países no mundo nos quais o capitalismo e a democracia coexistiram por mais de 100 anos de forma relativamente pacífica. A relação sempre será tensa, haverá conflitos entre os sistemas de produção e distribuição de renda, mas a coexistência é possível.

E com o socialismo? Em princípio, acho que é possível, acreditei toda minha vida que sim. Mas tivemos vários exemplos, principalmente em meados dos anos 60, que não funcionaram. Se por socialismo você se refere à centralização de recursos, não vimos um experimento que tenha sido bem-sucedido. 

Existe um ponto em comum entre crises democráticas de diferentes países? Democracia para mim é um sistema de resolução temporária de conflitos por meio de eleições. Para que esse sistema funcione, algo deve estar em jogo na eleição, mas não muita coisa. Se perder é muito doloroso para os perdedores e os vencedores não dão aos perdedores temporários uma chance de vitória no futuro, então as eleições não funcionam como um mecanismo, os conflitos saem das instituições e vão para as ruas.

E isso tem ocorrido? Alguns pensam que o aborto nunca deve ser legalizado, outros que ele deve ser permitido até os três meses. São visões diferentes, mas a questão é o que fazer quando há uma discordância. O que ocorre em diversos países, como nos Estados Unidos e no Brasil nos últimos 20 anos, é que a hostilidade também aumentou. As pessoas se olham como inimigas. A hostilidade está dentro dos empregos, das famílias. As pessoas não conseguem conversar sobre política.

Essa polarização leva ao surgimento de “outsiders”? Nos EUA, no Brasil, na Itália, isso é verdade. Nos anos 80, pessoas votavam, os governos mudavam e a vida das pessoas não, principalmente das classes mais baixas. Então surgem aqueles que oferecem soluções mágicas, os famosos “curandeiros”. Esse é o cenário de Trump, do 5 Estrelas na Itália. E isso justifica o colapso dos tradicionais partidos de centro-esquerda e centro-direita. Veja o PSDB, está colapsado.

É possível acabar com a crise da democracia? Acho que na maioria dos países a democracia não está em perigo. Nos últimos 20 anos, mais ou menos, houve um aumento claro de partidos radicais de direita, mas parece que o apoio para esse tipo de radicalismo de direita fica sempre na faixa de 20% a 25%. O fato é que as instituições representativas tradicionais não funcionam muito bem. Se você é uma pessoa pobre no Brasil, no México, na Espanha, na Grécia, e se pergunta o que essas instituições fizeram por você ao longo da vida, a resposta será “muito pouco”. Desigualdade em alta é sintoma de algo errado com as instituições. Acho que essa crise veio para ficar, mas não ameaça a existência da democracia na maior parte dos países. De alguma forma, a eleição nos EUA é uma esperança, a democracia estará mais fraca, mas vai sobreviver. 

O que o sr. pensa de política e religião estarem lado a lado? O que me impressiona é que a religião permeie a política nos EUA e no Brasil atualmente. Os valores tradicionais da família foram ameaçados e alguns partidários de Bolsonaro, por exemplo, defendem a família tradicional. Se você olhar nas pesquisas dos EUA, uma das grandes diferenças na forma de votar está no fato de as pessoas serem casadas ou não. Isso é o que está em jogo. As pessoas se sentem ameaçadas em seu “jeito tradicional de levar a vida” e a religião é uma espécie de linguagem com a qual esses valores são transmitidos. Essa é uma nova divisão. As diferenças religiosas sempre existiram, mas nunca foram colocadas à venda. 

Tirar líderes autoritários do poder demanda o que? É uma questão de educação, mas também de organização, mobilização. O problema na maioria dos países é que as oposições estão extremamente divididas. Parte do motivo de ser tão difícil remover alguns líderes é a oposição rachada, como na Venezuela, no Brasil. 

Falando de alguns países, como o sr. classifica a situação de Cuba? Cuba é um caso muito, muito particular. É uma relíquia do passado, que de alguma forma sobreviveu. Antigos países comunistas ou colapsaram ou passaram por reformas gerais, como a China e Vietnã de forma bem sucedida. Cuba não teve uma reforma, ou teve muito pequena, e de alguma forma sobreviveu. Acredito que parte da situação atual é responsabilidade dos EUA. Acho que Cuba não tem muita opção. Se eles se abrem, vão ter uma injeção massiva de capitalismo, desigualdade, racismo vindo dos EUA e dos cubanos emigrantes. Então, não acho que eles tenham muita opção. Existiram momentos de abertura e quando ocorreram houve uma tentativa de reforma, mas acho que é uma situação impossível. 

E a China? Eu não sou tão anti-China como muitos são. É um governo brutal, um governo autoritário. O que fazem com os muçulmanos é brutal. A repressão aos ativistas é brutal, mas é um país de 1,4 bilhão de pessoas no qual as pessoas comem cada vez mais e as pessoas não se matam.Quando começo a pensar em China X Índia, os chineses brutalmente mantêm a prosperidade e a segurança e acho que são bem sucedidos nisso. Eu acredito na democracia, no direito de as pessoas se expressarem, escolherem seus governos, mas os chineses foram bem sucedidos em diversos de objetivos que não compartilhamos.

A invasão do Congresso americano por extremistas pró-Donald Trump no dia em que o Senado confirmaria o democrata Joe Biden como novo presidente dos Estados Unidos jogou luz à discussão sobre a solidez da considerada a maior democracia do mundo. Para Adam Przeworski, autor do livro Crises da Democracia, agora os EUA não podem mais “se vender como bastião da democracia”.

A invasão do Congresso mostra fragilidade das instituições americanas? Acredito que a insurreição mostra mais sobre polarização na sociedade, a existência de uma fatia fanática considerável dentro da direita política. As regras das eleições americanas são incoerentes e incompletas, mas foram suficientes no passado. O que é novo é o candidato derrotado se recusar a ceder o poder, e isso abriu um conflito em torno dessas regras.

Migrantes aguardam em fila sob neve para receber comida em Bihac, Bósnia Foto: Kemal Softic/AP

O sr. acredita que a democracia nos EUA está em perigo? A democracia sempre foi fraca nos EUA, em grande parte por conta da exclusão de grandes segmentos da população das instituições políticas. Os efeitos dessa crise são difíceis de prever. Por um lado, o governo Biden não será visto como legítimo por boa parte da sociedade. Por outro, deve haver uma forte coalizão bipartidária de centro para unificar o país. 

Qual o impacto do que ocorreu em outros países? Os Estados Unidos já haviam perdido muito de seu “soft power” por causa de Trump e, particularmente, de sua maneira em lidar com a pandemia. Agora, os EUA não têm mais condição de se vender como bastião da democracia, certamente não como um sistema que deva ser seguido por outros países. 

É possível a coexistência entre democracia e capitalismo? Muitas pessoas desde o século 17 pensavam que não, pelo fato de o capitalismo ser um sistema de economia desigual e a democracia, de igualdade política. Pensavam que a democracia era uma ameaça letal ao capitalismo. Mas, no fim, isso se provou não ser verdade. Temos 13 países no mundo nos quais o capitalismo e a democracia coexistiram por mais de 100 anos de forma relativamente pacífica. A relação sempre será tensa, haverá conflitos entre os sistemas de produção e distribuição de renda, mas a coexistência é possível.

E com o socialismo? Em princípio, acho que é possível, acreditei toda minha vida que sim. Mas tivemos vários exemplos, principalmente em meados dos anos 60, que não funcionaram. Se por socialismo você se refere à centralização de recursos, não vimos um experimento que tenha sido bem-sucedido. 

Existe um ponto em comum entre crises democráticas de diferentes países? Democracia para mim é um sistema de resolução temporária de conflitos por meio de eleições. Para que esse sistema funcione, algo deve estar em jogo na eleição, mas não muita coisa. Se perder é muito doloroso para os perdedores e os vencedores não dão aos perdedores temporários uma chance de vitória no futuro, então as eleições não funcionam como um mecanismo, os conflitos saem das instituições e vão para as ruas.

E isso tem ocorrido? Alguns pensam que o aborto nunca deve ser legalizado, outros que ele deve ser permitido até os três meses. São visões diferentes, mas a questão é o que fazer quando há uma discordância. O que ocorre em diversos países, como nos Estados Unidos e no Brasil nos últimos 20 anos, é que a hostilidade também aumentou. As pessoas se olham como inimigas. A hostilidade está dentro dos empregos, das famílias. As pessoas não conseguem conversar sobre política.

Essa polarização leva ao surgimento de “outsiders”? Nos EUA, no Brasil, na Itália, isso é verdade. Nos anos 80, pessoas votavam, os governos mudavam e a vida das pessoas não, principalmente das classes mais baixas. Então surgem aqueles que oferecem soluções mágicas, os famosos “curandeiros”. Esse é o cenário de Trump, do 5 Estrelas na Itália. E isso justifica o colapso dos tradicionais partidos de centro-esquerda e centro-direita. Veja o PSDB, está colapsado.

É possível acabar com a crise da democracia? Acho que na maioria dos países a democracia não está em perigo. Nos últimos 20 anos, mais ou menos, houve um aumento claro de partidos radicais de direita, mas parece que o apoio para esse tipo de radicalismo de direita fica sempre na faixa de 20% a 25%. O fato é que as instituições representativas tradicionais não funcionam muito bem. Se você é uma pessoa pobre no Brasil, no México, na Espanha, na Grécia, e se pergunta o que essas instituições fizeram por você ao longo da vida, a resposta será “muito pouco”. Desigualdade em alta é sintoma de algo errado com as instituições. Acho que essa crise veio para ficar, mas não ameaça a existência da democracia na maior parte dos países. De alguma forma, a eleição nos EUA é uma esperança, a democracia estará mais fraca, mas vai sobreviver. 

O que o sr. pensa de política e religião estarem lado a lado? O que me impressiona é que a religião permeie a política nos EUA e no Brasil atualmente. Os valores tradicionais da família foram ameaçados e alguns partidários de Bolsonaro, por exemplo, defendem a família tradicional. Se você olhar nas pesquisas dos EUA, uma das grandes diferenças na forma de votar está no fato de as pessoas serem casadas ou não. Isso é o que está em jogo. As pessoas se sentem ameaçadas em seu “jeito tradicional de levar a vida” e a religião é uma espécie de linguagem com a qual esses valores são transmitidos. Essa é uma nova divisão. As diferenças religiosas sempre existiram, mas nunca foram colocadas à venda. 

Tirar líderes autoritários do poder demanda o que? É uma questão de educação, mas também de organização, mobilização. O problema na maioria dos países é que as oposições estão extremamente divididas. Parte do motivo de ser tão difícil remover alguns líderes é a oposição rachada, como na Venezuela, no Brasil. 

Falando de alguns países, como o sr. classifica a situação de Cuba? Cuba é um caso muito, muito particular. É uma relíquia do passado, que de alguma forma sobreviveu. Antigos países comunistas ou colapsaram ou passaram por reformas gerais, como a China e Vietnã de forma bem sucedida. Cuba não teve uma reforma, ou teve muito pequena, e de alguma forma sobreviveu. Acredito que parte da situação atual é responsabilidade dos EUA. Acho que Cuba não tem muita opção. Se eles se abrem, vão ter uma injeção massiva de capitalismo, desigualdade, racismo vindo dos EUA e dos cubanos emigrantes. Então, não acho que eles tenham muita opção. Existiram momentos de abertura e quando ocorreram houve uma tentativa de reforma, mas acho que é uma situação impossível. 

E a China? Eu não sou tão anti-China como muitos são. É um governo brutal, um governo autoritário. O que fazem com os muçulmanos é brutal. A repressão aos ativistas é brutal, mas é um país de 1,4 bilhão de pessoas no qual as pessoas comem cada vez mais e as pessoas não se matam.Quando começo a pensar em China X Índia, os chineses brutalmente mantêm a prosperidade e a segurança e acho que são bem sucedidos nisso. Eu acredito na democracia, no direito de as pessoas se expressarem, escolherem seus governos, mas os chineses foram bem sucedidos em diversos de objetivos que não compartilhamos.

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