No púlpito, Donald Trump faz muitas promessas estarrecedoras. Ele deportará imigrantes ilegais aos milhões; lançará mísseis contra os cartéis de drogas do México; usará o exército para reprimir os “lunáticos de extrema esquerda” que comandam o Partido Democrata. No entanto, o mandato de Trump como presidente, quaisquer que sejam seus méritos ou falhas, não foi o cataclismo que muitos democratas previram. A economia estava funcionando bem, até a pandemia começar. Não houve grandes crises de política externa. E embora Trump tenha tentado roubar a eleição presidencial de 2020, ele falhou.
Então, como seria um segundo mandato de Trump? Muitos eleitores descartarão a retórica exagerada de Trump como apenas isso: retórica. Eles podem ver a eleição como uma decisão equilibrada a respeito de qual candidato administraria melhor a economia, ou como uma escolha entre posições divergentes em questões como aborto e imigração. Mas Trump não só parece decidido a seguir adiante com algumas de suas declarações mais selvagens se eleito, mas também estaria em melhor posição para fazê-lo do que da vez anterior. Isso sugere outra maneira de olhar para a escolha dos Estados Unidos: até que ponto as coisas podem degringolar?
Kamala Harris, a vice-presidente em exercício, está concorrendo como candidata do status quo. Seu slogan não oficial é “Não vamos voltar atrás”. Trump, em contraste, sugere que uma mudança radical é necessária e que ele a fornecerá. Com toda a probabilidade, se retornar à Casa Branca, ele terá problemas para implementar muitas de suas ideias mais extremas, assim como em seu primeiro mandato. Ele pode ser bloqueado pelo Congresso, pelos tribunais e pela burocracia, ou se distrair com eventos ou ser dissuadido por assessores, ou ser frustrado por sua própria incompetência. Mas há uma chance — não desprezível — de que ele possa ter sucesso em implementar algumas das coisas sobre as quais fala, com consequências desastrosas para a economia dos Estados Unidos, suas instituições e o mundo. Os temores de que ele possa causar danos permanentes à democracia americana e ao Estado de Direito não são absurdos.
Experiência de batalha
Após oito anos de incorporação às instituições, o trumpismo está muito mais organizado do que quando invadiu o Salão Oval em 2017. A pauta de Trump foi desacelerada na época por acólitos inexperientes que não conheciam o suficiente o direito administrativo e o funcionamento do serviço público para fazer as coisas acontecerem. Além disso, Trump, querendo fazer sua administração parecer distinta, indicou nomes importantes para cargos do alto escalão, embora eles frequentemente discordassem de suas ideias.
Os líderes de uma segunda administração Trump, por outro lado, seriam veteranos leais. Muitos deles chegariam ao cargo com planos já em mente. Os arquitetos do Projeto 2025 — uma pauta política de 900 páginas para o próximo governo Trump elaborada pela Heritage Foundation, um centro de estudos estratégicos trumpista — se desentenderam com Trump depois que os democratas começaram a usar o documento para atacá-lo. Mas Trump, no entanto, abraça a ideia subjacente de que ele deve retornar ao cargo com pessoal pré-selecionado e planos detalhados. Também parece provável que a decisão recente da Suprema Corte estabelecendo imunidade extremamente ampla para presidentes o encoraje.
Os planos econômicos de Trump são certamente ousados, mas não no bom sentido. A primeira iteração da economia trumpista teve a sorte de ser implementada durante um período de alto crescimento e baixa inflação. Sua próxima encarnação não seria apenas adotada em circunstâncias menos benignas, mas também seria de natureza muito mais disruptiva. Sua campanha está propondo um segundo aumento muito maior nas tarifas, cortes generosos de impostos, um choque na oferta de mão de obra na forma de deportações em massa, e ataques à independência do Federal Reserve.
Todas essas são ideias terríveis. “Normalmente, se estamos cortando mão de obra imigrante, tentamos obter bens de fora. E se estamos cortando bens de fora, tentamos obter mão de obra imigrante. Se cortarmos ambos, quase certamente teremos inflação, se não estagflação”, diz Adam Posen do Peterson Institute for International Economics, um centro de estudos estratégicos. O banco JPMorgan Chase estimou que um aumento de tarifa pela metade do que Trump está defendendo reduziria de um terço a meio ponto porcentual do crescimento do PIB em seu primeiro ano, e aumentaria a inflação em 1,5 a 2 pontos porcentuais.
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É duvidoso se Trump conseguiria colocar todos os seus planos em prática. O presidente tem autoridade para aumentar tarifas por motivos de segurança nacional ou como retaliação por práticas comerciais desleais. A promessa de Trump de uma tarifa geral de 20% sobre todas as importações e 60% sobre as importações da China não parece realmente se encaixar nessas definições. Mas enquanto os tribunais debatessem essa questão, as empresas sofreriam uma interrupção ruinosa, presumivelmente piorada por tarifas retaliatórias impostas por outros países. Alguns assessores acham que Trump aumentaria as tarifas gradualmente, como um meio de extrair concessões de parceiros comerciais. Isso pode apenas prolongar a agonia, no entanto, e não reduziria os riscos de uma guerra comercial.
Os cortes de impostos do contribuinte individual que Trump sancionou em 2017 devem expirar no ano que vem, e ele teria de negociar com o Congresso para prorrogá-los. Ele quer renovar todos eles, bem como acabar com a tributação de gorjetas, horas extras e pagamentos da Previdência Social. Se Trump ganhar a presidência, nosso modelo eleitoral dá aos democratas uma chance de 34% de controlar a Câmara dos Representantes. Eles têm planos diferentes e menos perdulários. Além disso, se Trump conduzisse os EUA para um curso fiscal ainda mais irresponsável do que o atual, os mercados de títulos poderiam eventualmente se rebelar, levando a uma reavaliação.
Deportações em massa da magnitude que Trump propôs também são improváveis de acontecer. O governo federal simplesmente não teria capacidade de caçar e deportar milhões de pessoas, a menos que Trump alistasse as forças armadas ou delegasse a tarefa às autoridades policiais estaduais e locais. Haveria alvoroço público, resistência de Estados e cidades liderados pelos democratas e intermináveis desafios legais. “Não acho que exista um mundo, mesmo na fantasia de Donald Trump, em que você realmente tente enviar (…) agentes do ICE de porta em porta, para reunir 12 milhões de moradores deste país e deportá-los”, diz Mike Johnston, o prefeito democrata de Denver. “Simplesmente não há capacidade de infraestrutura para isso, e Denver nunca participaria disso.” A escassez em indústrias que dependem de mão de obra imigrante, como agricultura, construção e matadouros, também seria inflacionária.
Sem reservas
Se o Federal Reserve apertasse a política monetária para neutralizar as pressões inflacionárias de tarifas mais altas, uma força de trabalho em declínio ou gastos extravagantes, Trump estaria disposto a atacar o banco central. Alguns em sua órbita já estão sugerindo que um governo Trump enfraqueça Jerome Powell, o presidente do Federal Reserve cujo mandato no cargo expira em 2026 (mas não sua participação como membro de seu conselho), nomeando um presidente “sombra” para fazer recomendações menos agressivas sobre taxas de juros. No entanto, um ataque ao Fed quase certamente horrorizaria os mercados. “O mercado de ações é um mecanismo de feedback muito eficaz e instantâneo para a política econômica que proporciona uma restrição à maluquice das tarifas, uma restrição às maluquices contra o Fed, mas provavelmente não muita restrição a uma política fiscal insustentável”, diz Jason Furman, um ex-formulador de políticas democrata que agora é professor de economia na Universidade Harvard.
Mesmo supondo que Trump acabaria por ceder, diluindo ou abandonando algumas dessas políticas, ele ainda poderia causar enormes danos nesse processo. Muitos cenários otimistas dependem de mercados afundando, inflação disparando ou crescimento em queda para conter seu entusiasmo. Além disso, não existe uma quantidade de deportações, aumentos de tarifas ou críticas ao Fed que seja boa para a economia; a única questão é quanto dano Trump infligiria. Se ele realmente se mantiver firme, inflação, taxas de juros mais altas e recessão seriam a consequência.
A política externa também apresenta riscos alarmantes. Embora os conselheiros de Trump possam tentar esboçar doutrinas claras em alinhamento aproximado com a retórica dos “EUA em primeiro lugar”, seu chefe acha que a política externa tem sucesso ou fracasso em decorrência da força da personalidade, não das políticas. Seu estilo estocástico é inconsistente e imprevisível. “Se o ex-presidente Trump for reeleito, pagaremos um enorme preço sob a forma de caos” enquanto os aliados se esforçam para descobrir quais serão as políticas dele, diz Kori Schake, do American Enterprise Institute, outro centro de estudos estratégicos. Se durante o primeiro mandato dele o mundo estava relativamente calmo, Trump retornaria desta vez enquanto os Estados Unidos lidam com guerras no Oriente Médio e na Ucrânia.
Trump diz que sua presença dominante seria suficiente para resolver a guerra na Ucrânia em 24 horas após sua eleição — antes mesmo de ser empossado. É difícil de avaliar o que isso significa, se é que significa alguma coisa. Os principais candidatos para os principais cargos de segurança nacional em um segundo governo Trump têm uma ampla gama de visões a respeito da Ucrânia. Mike Pompeo, ex-secretário de Estado e potencial futuro secretário de defesa, defende dar à Ucrânia uma imensa ajuda de US$ 600 bilhões em armamento para forçar a Rússia a se sentar à mesa de negociações. J.D. Vance, que seria vice-presidente, parece pensar que qualquer dólar gasto na Ucrânia é um dólar desperdiçado. É enlouquecedor tentar prever a quem Trump finalmente dará ouvidos: muitas vezes sua visão é decidida pela última pessoa a falar com ele.
Não importa quem seja eleito presidente, parece cada vez mais provável que a Ucrânia tenha de abandonar ou pelo menos adiar sua ambição de recuperar grande parte do território que a Rússia roubou. Dada a hostilidade dos republicanos à ajuda militar para a Ucrânia proposta pelo governo Biden, parece improvável que uma Câmara dos Representantes liderada pelos republicanos aprovasse outra grande soma — e é difícil imaginar Trump protestando de forma muito estridente. Mas um abandono abrupto e aleatório da Ucrânia pelos americanos encorajaria Vladimir Putin, o ditador da Rússia, e aumentaria o risco que ele representa para seus vizinhos.
Há muitos outros cenários de pesadelo. Trump poderia, na prática, anular a garantia de segurança coletiva no cerne da aliança da Otan ao se recusar a conter mais agressões russas? Ele se recusaria a enviar forças americanas para ajudar Taiwan no caso de um bloqueio ou invasão por parte da China? Israel teria total liberdade para fazer o que quisesse no Oriente Médio, incluindo atacar instalações iranianas de produção de petróleo e armas nucleares? Tudo isso é possível. Trump tem uma profunda aversão à guerra, mas também um forte desejo de não parecer fraco.
Algumas tendências vagas, mas preocupantes, podem ser adivinhadas. “Seria de se pensar que a função de reação dos EUA é mais escalonada por seguir uma doutrina de paz pela força”, diz Jon Lieber, do Eurasia Group, uma consultoria geopolítica. Nem Trump nem o partido dele estão inclinados a assinar quaisquer iniciativas internacionais significativas envolvendo as mudanças climáticas. Mas o mais importante são as possibilidades que não podem ser descartadas: de uma capitulação forçada da Ucrânia, do colapso da Otan, de uma expansão da guerra no Oriente Médio e assim por diante.
Talvez o mais sério de tudo sejam as ameaças que Trump representa para a democracia americana e o estado de direito. Não há dúvidas quanto aos seus instintos autocráticos. Para permanecer no poder após sua derrota eleitoral em 2020, Trump tentou subornar autoridades eleitorais e fomentou uma multidão, levando ao saque do Capitólio por seus apoiadores em 6 de janeiro de 2021. Ele não se retratou desde então, e ainda insiste que a eleição foi roubada; chama os condenados por crimes em 6 de janeiro de “prisioneiros políticos” e prometeu perdoá-los; ele pensou no cancelamento das licenças de emissoras críticas; descreve seus adversários políticos como um “inimigo interno” que ele talvez precise enfrentar usando força militar. Um número surpreendente daqueles que trabalham em estreita colaboração com Trump fica horrorizado. Nos dias mais recentes, John Kelly, um ex-chefe de gabinete, se tornou o mais recente a descrevê-lo como “fascista”.
A verdadeira questão, em vez disso, é se as instituições dos Estados Unidos seriam capazes de restringi-lo. Os tribunais e a constituição dos EUA seriam o melhor controle para os caprichos autocráticos de Trump. Os muitos processos de Trump buscando anular o resultado da eleição em 2020 acabaram não levando a lugar nenhum. Trump não conseguiria fazer o Congresso adotar mudanças constitucionais, permitindo-lhe um terceiro mandato, por exemplo. Nem teria muita influência sobre governos estaduais liderados por democratas. Embora tenha consolidado seu controle do Partido Republicano, tornando quase impossível que ele seja acusado, ainda haveria alguns republicanos no Congresso que resistiriam aos seus piores instintos.
Por essas razões, alguns cientistas políticos acham que as instituições americanas absorverão tranquilamente o choque de uma segunda presidência de Trump. Dos 40 governos populistas ao redor do mundo entre 1985 e 2020 identificados por Kurt Weyland, da Universidade do Texas, apenas sete se transformaram em autoritarismo. E esses países infelizes tinham instituições fracas e sofreram crises precipitantes. “Eu não pensaria que Trump seria capaz de causar mais danos em um segundo governo do que causou no primeiro”, diz Weyland. Os democratas podem controlar a Câmara dos Representantes, garantindo um governo dividido desde o início. Mas, mesmo que os republicanos começassem um segundo mandato de Trump no controle de ambas as câmaras do Congresso, os democratas provavelmente se sairiam bem nas eleições intercalares em 2026, restringindo Trump pelo restante de sua presidência.
Mesmo que o risco de um colapso catastrófico na democracia americana seja baixo, um segundo mandato de Trump ainda corroeria as instituições democráticas. Benjamin Wittes, editor-chefe da Lawfare, uma publicação de segurança nacional, alerta que Trump seria um perigo maior para o estado de direito por três motivos: primeiro, “os adultos não estarão na sala”, ao contrário de seu primeiro mandato; segundo, “ele parece muito obcecado por vingança, pelo menos retoricamente”, após suportar quatro processos criminais separados; e terceiro, ele será encorajado por seu triunfo “em parte legalmente e em parte eleitoralmente contra as forças que tentaram contê-lo”.
É quase certo que Trump rejeitará as acusações federais contra si mesmo. Ele também deve perdoar os manifestantes de 6 de janeiro. Ele prometeu acabar com a independência do Departamento de Justiça, uma norma desde o escândalo de Watergate. Isso permitiria que ele iniciasse investigações de seus inimigos políticos, o que parece provável. “Há todo um conjunto de considerações de segunda ordem que fluem disso. Ao saber que esses tipos de processos seletivos são uma possibilidade, calibramos nosso comportamento de forma muito diferente”, diz Brendan Nyhan, do Dartmouth College.
Intimidante
A noção de que Trump pode usar as instituições do Estado para intimidar potenciais críticos foi levantada esta semana, quando Jeff Bezos, o bilionário dono do Washington Post, impediu o jornal de publicar um endosso à candidata Kamala. Bezos disse que estava tentando reforçar a reputação de independência do jornal, e não tentando ganhar as graças de Trump, mas cerca de um décimo dos assinantes do Post chegaram à conclusão oposta e cancelaram suas assinaturas. Há também o risco de que extremistas violentos, como a milícia Proud Boys, se sintam encorajados a perseguir os adversários políticos de Trump.
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Trump também deve tentar deixar sua marca na burocracia federal. Ele pode invocar uma autoridade conhecida como Anexo F, que lhe permitiria demitir muitos servidores públicos de baixo escalão. Ele também falou em demitir os principais generais dos Estados Unidos, que ele considera muito “lacradores”. Há uma chance de que ele tente pressionar Powell a renunciar ou reivindique a autoridade (legalmente inédita) para demiti-lo. Tudo isso politizaria partes do governo que estavam relativamente livres de tal intromissão até agora.
Esses cenários podem parecer banais em comparação com uma eleição roubada ou a instituição de uma ditadura, mas teriam consequências graves. A aplicação seletiva da lei com motivação política não seria apenas uma injustiça em si, mas também uma ameaça ao poder econômico dos Estados Unidos, assustando empresas e desencorajando investimentos. Além disso, esses abusos dificilmente parariam quando Trump deixasse o cargo. Dada a polarização política das décadas mais recentes, uma vez que um dos partidos americanos tenha quebrado uma norma, o outro provavelmente seguirá o exemplo, mesmo que apenas para se manter competitivo. A confiança no estado de direito seria difícil de restaurar.
Muitos americanos acham hipocrisia os queixumes democratas a respeito dos riscos de outro mandato de Trump. Eles acham que os democratas usaram o sistema de Justiça contra Trump, e não o contrário. Eles veem o mandato de Biden como uma ladainha de falhas de política externa muito piores do que qualquer coisa que ocorreu sob o comando de Trump. Aos olhos deles, o aumento da inflação sob Biden é prova de que Trump é um melhor gestor econômico. Há algum mérito em todas essas alegações — e talvez um segundo mandato de Trump não seja mais catastrófico do que o primeiro. Mas votar em Trump com base nessa suposição seria extremamente arriscado para os EUA e o mundo./ TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL