Blanche Fixler sobreviveu ao Holocausto porque sua tia a mandou para um orfanato aos 6 anos quando os nazistas invadiram a Europa durante a Segunda Guerra Mundial.
Sua mãe, avó e dois irmãos mais velhos foram assassinados com 450.000 outros judeus no campo de extermínio de Belzec, na Polônia, e seu pai foi para um campo de trabalhos forçados na Sibéria.
Ela se mudou para os Estados Unidos após a guerra e presumiu que todas as lembranças de sua família haviam desaparecido há muito tempo, especialmente porque o apartamento de sua família na Cracóvia foi saqueado pelos nazistas durante a ocupação alemã.
Fixler, agora com 86 anos e morando em Nova York, sempre desejou ter fotos de seus primeiros anos de vida.
Então, em agosto, ela recebeu um telefonema que a surpreendeu: alguém havia encontrado duas fotos de grupos em que ela aparecia como uma garotinha na França. Uma das fotos, tirada logo após o fim da guerra, incluía sua tia e dois primos.
“Significou mais do que você pode imaginar”, disse Fixler, que quando criança se chamava Bronia Bruenner.
A ligação veio de Daniel Patt, engenheiro de software do Google e fundador de um site chamado From Numbers to Names (De números a nomes), que usa inteligência artificial para encontrar fotos antigas de entes queridos e parentes perdidos durante o Holocausto.
“Foi incrível que ele tenha se encarregado de fazer essa gentileza”, ela disse, acrescentando que ele entregou as fotos em mãos para ela em Nova York em outubro.
O site de Patt tem links para arquivos que contêm cerca de 500.000 fotos de museus como o Yad Vashem – o World Holocaust Remembrance Center e o United States Holocaust Memorial Museum. Qualquer um pode fazer um upload de uma foto de uma vítima ou sobrevivente do Holocausto para o site, e ele irá comparar a foto com seus arquivos.
“Uma busca pode levar a fotos nunca antes vistas de um ente querido”, disse Patt, 40, que mora na área da baía de São Francisco. “É uma forma de trazer essa pessoa de volta a seus entes queridos e sentir que ela ainda está com eles de alguma forma.”
Depois que uma foto é carregada, a tecnologia de reconhecimento facial encontra as 10 melhores correspondências em potencial entre as fotos dos arquivos.
“Todos podem fazer uma busca rápida de 34.000 fotos nos arquivos em cerca de cinco segundos”, disse Patt, observando que pesquisas de pedidos especiais também são feitas uma vez por dia para comparar rostos com todas as 500.000 fotos.
“O custo é muito proibitivo agora para que todos pesquisem todas as 500.000 imagens toda vez que acessam o site”, ele disse.
Patt fez uma busca por fotos de Fixler depois que viu uma postagem no Twitter do United States Holocaust Memorial Museum sobre ela, que incluía uma foto antiga dela com sua tia.
“Decidi pesquisar a foto no site e encontrei duas fotos da época da Segunda Guerra Mundial para Blanche”, ele disse.
Ele então rastreou o número de telefone dela e ligou para contar o que encontrou. Quando ele mostrou as fotos, ela confirmou que eram de fato ela e sua família.
“Foi um dia especial e inesquecível”, disse Patt. “Blanche cantou uma musiquinha que ela lembrava da época do orfanato depois de ver as fotos.”
Patt disse que se inspirou para fazer o From Numbers to Names após uma visita em 2016 ao museu de história judaica POLIN na Polônia, de onde são seus ancestrais.
“Três dos meus avós são sobreviventes do Holocausto”, ele disse. “E pelo que sabemos, meu bisavô foi trancado em uma sinagoga e queimado vivo pelos nazistas.”
Enquanto olhava para as paredes do museu cobertas com fotos de famílias judias cujas vidas foram dilaceradas pelo regime nazista, Patt disse que ficava se perguntando sobre os rostos nas molduras.
“Pensei: ‘Estou olhando fotos de alguns membros da minha família sem nem perceber?’”, ele disse. “Ocorreu-me que, com a tecnologia que temos hoje, poderíamos encontrar correspondências com fotos de museus de todo o mundo.”
Patt lançou From Numbers to Names em abril de 2021 e começou a baixar fotos das coleções do museu do Holocausto quando se deparava com elas online.
“É simples de usar e gratuito”, ele disse, observando que planeja adicionar mais arquivos ao site à medida que forem disponibilizados.
Fixler disse que foi apenas por causa de sua tia, Rosa Berger, que ela sobreviveu ao Holocausto.
Ela foi morar com sua tia quando tinha 4 anos, depois que as deportações para campos de concentração começaram no gueto de Cracóvia. A família de Fixler se refugiou em um bunker subterrâneo.
“Minha mãe tinha medo de que eu chorasse e entregasse todo mundo, então pediu a um bom samaritano que me levasse até minha tia, que vivia sob um nome falso”, ela disse.
Fixler disse que morava com sua tia nos arredores de Cracóvia até que a dona do apartamento disse às autoridades alemãs que suspeitava que Rosa Berger estava abrigando uma criança judia.
“Minha tia tinha lindos cabelos loiros e falava bem alemão, então eles não a incomodavam”, ela disse. “Mas as pessoas se perguntavam sobre mim o tempo todo.”
Soldados nazistas revistaram o apartamento de Berger várias vezes, mas sua tia Rosa sempre conseguiu escondê-la, disse Fixler.
Quando ela tinha 6 anos, disse que sua tia a escondeu sob uma colcha e uma grande tábua dentro da cama.
“Ela arrumava a cama muito bem, depois colocava outra colcha por cima e eu ficava deitada embaixo da tábua, quieta como um rato”, lembrou Fixler. “Eu dizia a mim mesma: ‘Se você respirar, espirrar ou tossir, está morta.’”
Quando sua tia Rosa achou que a situação havia se tornado muito perigosa, Fixler foi transportada para orfanatos na Polônia, Hungria e França. Sua tia, que deu à luz durante a guerra, veio morar com ela por um tempo em um orfanato fora de Paris, ela disse.
Uma foto que apareceu durante a busca de Patt mostra Fixler vivendo em um campo para deslocados em Barbizon, na França, após o fim da Segunda Guerra Mundial. Seu pai acabou se juntando a ela e os dois imigraram para os Estados Unidos.
“Eu tinha um instinto de viver e não estava amargurada com a guerra”, disse Fixler, contando que sua tia acabou se juntando a eles nos Estados Unidos.
“Minha tia foi minha salvadora – consegui sobreviver por causa dela e de Deus”, ela disse. “Sou muito grata ao Daniel por ter mais fotos desse período da minha vida.”
Patt disse que é uma honra ajudar os sobreviventes – e seus descendentes – a encontrar elos importantes com o passado.
“Geralmente são fotos nunca antes vistas”, disse Patt. “Cada uma traz algum sentimento de proximidade com seus entes queridos.”
Patt recentemente ajudou o ator Josh Gad a encontrar uma foto antiga de sua avó Evelyn Greenblatt, uma sobrevivente do Holocausto que morreu em 2008. Ele se deparou com uma postagem no Instagram que Gad havia escrito em 2018 sobre seus avós e decidiu procurar fotos adicionais, usando a foto do casamento que Gad havia postado.
Gad, conhecido por seus papéis em “Frozen”, “A Bela e a Fera” e a série de comédia “Avenue 5″ na HBO Max, disse que sua mãe estava fazendo algumas pesquisas e se deparou com outra foto, uma imagem borrada de um mulher que ela pensou que poderia ser Greenblatt. Gad e sua família se perguntaram se era sua avó quando adolescente.
“Era uma foto que minha mãe havia encontrado, mas estava tão distorcida que não poderíamos dizer com certeza se era ela”, disse Gad.
Patt pesquisou a foto do casamento dos Greenblatts em seu site e localizou uma versão nítida da foto de Evelyn Greenblatt sobre a qual Gad havia se perguntado. Ele então fez uma segunda pesquisa e encontrou outra foto com a bisavó de Gad, Sarah Rosenberg, que morreu em um campo de concentração.
“Minha família e eu choramos quando Daniel nos contou sobre as fotos”, disse Gad, 41. “Ver essas imagens nítidas foi como viajar no tempo. Pude ver minha avó quando jovem, como se a foto tivesse sido tirada ontem.”
A foto de sua avó usando um distintivo judaico exigido pelos nazistas em seu casaco também deixou seu coração apertado, ele disse.
“Havia a compreensão de que esta foto dela foi tirada no gueto judeu pouco antes de ela ser enviada para os campos”, disse Gad. “Sua vida estava prestes a mudar para sempre porque ela iria passar por esses horrores.”
Gad disse que é grato todos os dias por sua avó ter sobrevivido e seguido em frente com uma vida feliz e gratificante.
“Por causa do Holocausto, muitos de nós não pudemos ver imagens de famílias que foram, em muitos casos, exterminadas”, ele disse. “Graças ao Daniel e a esta nova tecnologia, finalmente conseguimos preencher molduras com fotos deste período de destruição e perda que de outra forma não seriam vistas.”
Uma família escondeu sua Bíblia em um sótão enquanto os nazistas invadiam. Quase 80 anos depois, ela foi entregue aos herdeiros da família.
Patt agora passa a maior parte de seu tempo livre em From Numbers to Names e recebe ajuda de cerca de uma dúzia de voluntários. Ele disse que recentemente recebeu uma bolsa para um projeto piloto educacional que permitirá que os alunos ajudem sua equipe a localizar mais fotos para as famílias.
“O plano é que eles ajudem a comparar todas as quase 500.000 fotos arquivadas online entre si”, ele disse. “Queremos pegar cada rosto nos arquivos e compará-los com todos os outros rostos da coleção, na esperança de encontrar mais nomes para combinar com os rostos.”
Ele disse que quanto mais tempo passa com as fotografias, mais impactante seu projeto se torna para ele.
“Tenho dificuldade em encontrar palavras para o que aconteceu durante o Holocausto”, acrescentou Patt. “É importante adicionar rostos aos números e compartilhar essas fotos com o mundo.” /TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES