Sob implacável ataque da Rússia, Ucrânia adota postura defensiva


Conforme as forças de Moscou retomam terras de onde foram expulsas no fim de 2022, os militares ucranianos adotaram a estratégia de combater ao mesmo tempo que recuam lentamente para posições mais fortificadas

Por Andrew E. Kramer

KHARKIV - Em um ponto alto para a Ucrânia na sua guerra contra a Rússia, quando o seu exército estava varrendo as forças russas do nordeste do país, um chefe da polícia de uma pequena cidade pendurou orgulhosamente uma bandeira ucraniana na prefeitura, recém-libertada.

Um ano e meio depois, o policial, Oleksiy Kharkivskyi, se viu correndo para as ruínas em chamas da mesma cidade, Vovchansk, na semana passada, para retirar de lá os poucos residentes restantes, enquanto as forças russas se aproximavam.

“Todo lugar por onde eles passam fica simplesmente arrasado”, disse Kharkivskyi a respeito do avanço das tropas russas, que retornaram à região com uma ferocidade digna de uma campanha de terra arrasada, desencadeando um dos maiores deslocamentos de pessoas desde os primeiros meses da guerra.

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As tropas russas cruzaram a fronteira entre a Rússia e a Ucrânia este mês e avançaram em direção à segunda maior cidade da Ucrânia, Kharkiv, com uma população de cerca de um milhão de pessoas. Analistas militares dizem que a Rússia não tem tropas para capturar a cidade, mas poderia avançar até que ela fique dentro do alcance da artilharia, desencadeando um fluxo maior de refugiados.

Do ponto de vista militar, a incursão parece ter como objetivo dispersar as já escassas e sub-equipadas forças da Ucrânia, desviando tropas da região de Donbass, no leste da Ucrânia, ainda vista como o alvo provável de uma ofensiva russa neste verão. Teve também o efeito desestabilizador de enviar milhares de pessoas perplexas e deprimidas da região fronteiriça para o interior da Ucrânia.

Moradores de Vovchansk e vilas partem de Kharkiv. Foto: Finbarr O'reilly/The New York Times
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Depois de mais de uma semana de combates ferozes, o exército ucraniano recuou para posições mais fortificadas, a cerca de oito quilômetros da fronteira, mantendo sua posição há vários dias. Estruturas ainda mais formidáveis – trincheiras, armadilhas de concreto para tanques e bunkers – ficam mais atrás.

Autoridades regionais dizem que o ataque forçou até agora o deslocamento de cerca de 8.000 pessoas, e está em curso um esforço frenético para retirar os retardatários, na sua maioria idosos, de cidades e aldeias no caminho do avanço russo.

Muitos fugiram de aldeias que ficam em frente às linhas defensivas, uma área entregue a escaramuças e emboscadas e fortemente bombardeada pela artilharia russa.

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Embora não seja uma estratégia ideal – e os relatos de comandantes e soldados sugerem que a Ucrânia a executou com alguns contratempos – a tática de se defender enquanto recua pequenos passos permite que uma força mais fraca inflija pesadas baixas aos atacantes. Aqueles que estão na ofensiva devem atacar fileiras e mais fileiras de posições à medida que avançam, afastando-se continuamente da cobertura e expondo-se à artilharia.

A Ucrânia, sofrendo com tropas insuficientes por causa da paralisação de meses na mobilização e com falta de munições, já que o congresso dos EUA adiou a aprovação de uma lei de gastos, usou a estratégia por necessidade, depois que as forças russas tomaram a cidade de Avdiivka em fevereiro.

Artilharia da Ucrânia na cidade de Vovchansk dispara contra posições da Rússia.  Foto: Finbarr O'reilly/The New York Times
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É claro que isso tem um custo em termos de território – e de infortúnio para aqueles que vivem no lado errado das fortificações para as quais os ucranianos provavelmente recuarão.

Vasily Holoborodko, 65 anos, um mecânico de aviões aposentado, permaneceu na sua fazenda enquanto observava os soldados construírem armadilhas para tanques e trincheiras no lado errado da sua propriedade – longe da fronteira russa.

Quando o ataque veio, ele logo foi pego no meio da luta. Holoborodko correu em busca de segurança na quinta feira, passando por casas em chamas e tanques explodidos – e pelas linhas defensivas fortificadas.

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“Mal conseguimos sair”, disse ele. Na pressa de fugir, ele deixou para trás suas galinhas, seu gato e seu cachorro, “e seja o que Deus quiser”.

As aldeias espalhadas por florestas de pinheiros ao norte de Kharkiv são pitorescas misturas de casas térreas pintadas em cores vivas, com jardins recém-plantados. A retirada em combate, por mais sensata que seja do ponto de vista militar, significou entregar algumas delas à ruína.

“As táticas dos russos mudaram radicalmente em comparação com 2022″, disse o capitão Petro Levkovskiy, chefe do Estado-Maior do batalhão operacional da 13ª Brigada da Ucrânia, referindo-se à invasão daquele mês de fevereiro. Naquela altura, observou ele, “eles vieram em colunas, marchando para Kharkiv, porque pensaram que seriam bem recebidos”. A Rússia ocupou a zona fronteiriça até setembro de 2022.

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Este mês, bombardeios de artilharia pesada vindos do outro lado da fronteira com a Rússia anunciaram o mais novo ataque. “Eles usam a artilharia de longo alcance, destroem tudo, depois atacam com pequenos grupos, mas em grande número, vindos de diferentes direções”, disse o capitão Levkovskiy.

Em uma viagem para o norte em direção à fronteira de Kharkiv na semana passada, picapes e veículos blindados aceleravam na mesma direção, enquanto carros lotados de pessoas, sacolas de roupas e caixas de transporte de animais de estimação corriam para o sul.

Incêndios florestais queimavam os pinheiros, e a fumaça subia das aldeias em chamas mais ao norte.

Respingos de terra de novos ataques de artilharia salpicaram a estrada. A janela para a retirada de civis das áreas em frente às fortificações da Ucrânia está se fechando.

Cenas de angústia se desenrolavam conforme as pessoas deixavam suas casas e, às vezes, seus animais de estimação, abandonando tudo de uma hora para a outra.

Quando uma equipe de retirada chegou à sua casa em Bilyi Kolodyaz, Pavel Nelup, 30 anos, rapidamente jogou uma mochila no carro e entrou no veículo enquanto a artilharia ecoava nas proximidades.

“Desta vez é mais assustador”, disse ele a respeito dos mais recentes ataques russos. “Agora entendemos que eles não deixarão ninguém vivo.”

Seu pastor alemão, deixado para trás por falta de espaço, olhou para ele de uma abertura sob a cerca, choramingando.

Uma vizinha, Elena Konovalova, 58 anos, apareceu para se despedir de Nelup. “Meu querido, até mais”, disse ela. “Você vai ficar bem.”

Vitaly Kylchik, capelão da 110ª Brigada de Defesa Territorial que ajuda nas retiradas, insistiu para que ela partisse logo também.

“Não fiquem sentados esperando como as pessoas em Vovchansk”, disse ele a respeito da cidade ao norte, de onde subiam nuvens de fumaça negra. A prefeitura onde a bandeira foi orgulhosamente pendurada após a libertação está agora em ruínas, disseram moradores.

Daria Sorokoletova, 40 anos, moradora de Vovchansk, fugiu na quarta feira. Assim que ela saiu de casa, um projétil de artilharia atingiu-a, explodindo-a em pedacinhos.

“Não há mais nada lá”, disse ela. “Não há para onde voltar.”

Mesmo com seus cidadãos sendo forçados a abandonar suas casas, o governo ucraniano tem defendido a estratégia de recuo para as linhas defensivas. A Rússia avançou cerca de 130 quilômetros quadrados e capturou cerca de uma dúzia de aldeias, muitas delas agora em escombros.

Na sexta feira, o presidente Volodmir Zelensky, da Ucrânia, disse que a ofensiva russa atingiu, mas não cruzou, a primeira linha de defesa, para além dessas aldeias.

“A primeira linha não é a fronteira”, disse Zelensky. “É impossível construir ali porque o nosso pessoal estava morrendo” sob o fogo de artilharia enquanto cavavam fortificações e colocavam minas, um esforço que começou em 2022, mas que se intensificou nos últimos meses.

Moradores que deixaram vilas perto de Vovchansk esperam transporte para Kharkiv. Foto: Finbarr O'reilly/The New York Times
Pessoas que deixaram vilas perto de Vovchansk olham roupas em centro de ajuda humanitária em Kharkiv.  Foto: Finbarr O'reilly/The New York Times

Os generais têm pela frente um jogo de adivinhação. O avanço da Rússia depende de quantos soldados cada lado mobilizar. Para a Ucrânia, esse cálculo significa deslocar os defensores de outros potenciais focos de ataque.

“A guerra é interativa”, disse Johan Norberg, analista militar sênior da Agência de Pesquisa em Defesa da Suécia, em uma entrevista por telefone. “O que os ucranianos fazem ou deixam de fazer é tão importante quanto o que os russos fazem.” A captura da cidade de Kharkiv, disse ele, exigiria que a Rússia se comprometesse a mobilizar “não apenas alguns milhares, mas centenas de milhares” de soldados.

Os residentes se sentem menos seguros. Depois que a Ucrânia recuperou sua aldeia, Staryi Saltiv, em 2022, Mykhaylo Voinov, 63 anos, e sua mulher, Olena Voinova, 54 anos, consertaram o telhado de casa, taparam danos causados por estilhaços e substituíram janelas quebradas. Em um quintal minuciosamente cuidado, o canto dos pássaros se misturava ao estrondo da artilharia.

Barricadas anti-tanque e cerca de concertina perto de Vovchansk.  Foto: Finbarr O'reilly/The New York Times

“Vivemos nossa vida plenamente, mesmo sabendo que a qualquer momento teremos que fazer as malas e partir”, disse Voinova. “Claro que é muito difícil, mas esta é a nossa terra, estamos sempre prontos para reconstruir de novo e de novo.”

Em um sinal do êxodo, Elena Bubenko, 59 anos, que acolhe cães de rua e animais de estimação que os seus vizinhos colocaram sob seus cuidados antes de fugir, está agora cuidando de 116 cães na aldeia de Tsykuni, a norte de Kharkiv.

Se as tropas ucranianas precisarem recuar para além da sua aldeia, ela disse que compreenderá e espera apenas poder retirar os animais a tempo.

“Eles deveriam defender as suas próprias vidas”, e não as aldeias, disse ela. “Caso contrário, quem sobrará para lutar por nós?” / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

KHARKIV - Em um ponto alto para a Ucrânia na sua guerra contra a Rússia, quando o seu exército estava varrendo as forças russas do nordeste do país, um chefe da polícia de uma pequena cidade pendurou orgulhosamente uma bandeira ucraniana na prefeitura, recém-libertada.

Um ano e meio depois, o policial, Oleksiy Kharkivskyi, se viu correndo para as ruínas em chamas da mesma cidade, Vovchansk, na semana passada, para retirar de lá os poucos residentes restantes, enquanto as forças russas se aproximavam.

“Todo lugar por onde eles passam fica simplesmente arrasado”, disse Kharkivskyi a respeito do avanço das tropas russas, que retornaram à região com uma ferocidade digna de uma campanha de terra arrasada, desencadeando um dos maiores deslocamentos de pessoas desde os primeiros meses da guerra.

As tropas russas cruzaram a fronteira entre a Rússia e a Ucrânia este mês e avançaram em direção à segunda maior cidade da Ucrânia, Kharkiv, com uma população de cerca de um milhão de pessoas. Analistas militares dizem que a Rússia não tem tropas para capturar a cidade, mas poderia avançar até que ela fique dentro do alcance da artilharia, desencadeando um fluxo maior de refugiados.

Do ponto de vista militar, a incursão parece ter como objetivo dispersar as já escassas e sub-equipadas forças da Ucrânia, desviando tropas da região de Donbass, no leste da Ucrânia, ainda vista como o alvo provável de uma ofensiva russa neste verão. Teve também o efeito desestabilizador de enviar milhares de pessoas perplexas e deprimidas da região fronteiriça para o interior da Ucrânia.

Moradores de Vovchansk e vilas partem de Kharkiv. Foto: Finbarr O'reilly/The New York Times

Depois de mais de uma semana de combates ferozes, o exército ucraniano recuou para posições mais fortificadas, a cerca de oito quilômetros da fronteira, mantendo sua posição há vários dias. Estruturas ainda mais formidáveis – trincheiras, armadilhas de concreto para tanques e bunkers – ficam mais atrás.

Autoridades regionais dizem que o ataque forçou até agora o deslocamento de cerca de 8.000 pessoas, e está em curso um esforço frenético para retirar os retardatários, na sua maioria idosos, de cidades e aldeias no caminho do avanço russo.

Muitos fugiram de aldeias que ficam em frente às linhas defensivas, uma área entregue a escaramuças e emboscadas e fortemente bombardeada pela artilharia russa.

Embora não seja uma estratégia ideal – e os relatos de comandantes e soldados sugerem que a Ucrânia a executou com alguns contratempos – a tática de se defender enquanto recua pequenos passos permite que uma força mais fraca inflija pesadas baixas aos atacantes. Aqueles que estão na ofensiva devem atacar fileiras e mais fileiras de posições à medida que avançam, afastando-se continuamente da cobertura e expondo-se à artilharia.

A Ucrânia, sofrendo com tropas insuficientes por causa da paralisação de meses na mobilização e com falta de munições, já que o congresso dos EUA adiou a aprovação de uma lei de gastos, usou a estratégia por necessidade, depois que as forças russas tomaram a cidade de Avdiivka em fevereiro.

Artilharia da Ucrânia na cidade de Vovchansk dispara contra posições da Rússia.  Foto: Finbarr O'reilly/The New York Times

É claro que isso tem um custo em termos de território – e de infortúnio para aqueles que vivem no lado errado das fortificações para as quais os ucranianos provavelmente recuarão.

Vasily Holoborodko, 65 anos, um mecânico de aviões aposentado, permaneceu na sua fazenda enquanto observava os soldados construírem armadilhas para tanques e trincheiras no lado errado da sua propriedade – longe da fronteira russa.

Quando o ataque veio, ele logo foi pego no meio da luta. Holoborodko correu em busca de segurança na quinta feira, passando por casas em chamas e tanques explodidos – e pelas linhas defensivas fortificadas.

“Mal conseguimos sair”, disse ele. Na pressa de fugir, ele deixou para trás suas galinhas, seu gato e seu cachorro, “e seja o que Deus quiser”.

As aldeias espalhadas por florestas de pinheiros ao norte de Kharkiv são pitorescas misturas de casas térreas pintadas em cores vivas, com jardins recém-plantados. A retirada em combate, por mais sensata que seja do ponto de vista militar, significou entregar algumas delas à ruína.

“As táticas dos russos mudaram radicalmente em comparação com 2022″, disse o capitão Petro Levkovskiy, chefe do Estado-Maior do batalhão operacional da 13ª Brigada da Ucrânia, referindo-se à invasão daquele mês de fevereiro. Naquela altura, observou ele, “eles vieram em colunas, marchando para Kharkiv, porque pensaram que seriam bem recebidos”. A Rússia ocupou a zona fronteiriça até setembro de 2022.

Este mês, bombardeios de artilharia pesada vindos do outro lado da fronteira com a Rússia anunciaram o mais novo ataque. “Eles usam a artilharia de longo alcance, destroem tudo, depois atacam com pequenos grupos, mas em grande número, vindos de diferentes direções”, disse o capitão Levkovskiy.

Em uma viagem para o norte em direção à fronteira de Kharkiv na semana passada, picapes e veículos blindados aceleravam na mesma direção, enquanto carros lotados de pessoas, sacolas de roupas e caixas de transporte de animais de estimação corriam para o sul.

Incêndios florestais queimavam os pinheiros, e a fumaça subia das aldeias em chamas mais ao norte.

Respingos de terra de novos ataques de artilharia salpicaram a estrada. A janela para a retirada de civis das áreas em frente às fortificações da Ucrânia está se fechando.

Cenas de angústia se desenrolavam conforme as pessoas deixavam suas casas e, às vezes, seus animais de estimação, abandonando tudo de uma hora para a outra.

Quando uma equipe de retirada chegou à sua casa em Bilyi Kolodyaz, Pavel Nelup, 30 anos, rapidamente jogou uma mochila no carro e entrou no veículo enquanto a artilharia ecoava nas proximidades.

“Desta vez é mais assustador”, disse ele a respeito dos mais recentes ataques russos. “Agora entendemos que eles não deixarão ninguém vivo.”

Seu pastor alemão, deixado para trás por falta de espaço, olhou para ele de uma abertura sob a cerca, choramingando.

Uma vizinha, Elena Konovalova, 58 anos, apareceu para se despedir de Nelup. “Meu querido, até mais”, disse ela. “Você vai ficar bem.”

Vitaly Kylchik, capelão da 110ª Brigada de Defesa Territorial que ajuda nas retiradas, insistiu para que ela partisse logo também.

“Não fiquem sentados esperando como as pessoas em Vovchansk”, disse ele a respeito da cidade ao norte, de onde subiam nuvens de fumaça negra. A prefeitura onde a bandeira foi orgulhosamente pendurada após a libertação está agora em ruínas, disseram moradores.

Daria Sorokoletova, 40 anos, moradora de Vovchansk, fugiu na quarta feira. Assim que ela saiu de casa, um projétil de artilharia atingiu-a, explodindo-a em pedacinhos.

“Não há mais nada lá”, disse ela. “Não há para onde voltar.”

Mesmo com seus cidadãos sendo forçados a abandonar suas casas, o governo ucraniano tem defendido a estratégia de recuo para as linhas defensivas. A Rússia avançou cerca de 130 quilômetros quadrados e capturou cerca de uma dúzia de aldeias, muitas delas agora em escombros.

Na sexta feira, o presidente Volodmir Zelensky, da Ucrânia, disse que a ofensiva russa atingiu, mas não cruzou, a primeira linha de defesa, para além dessas aldeias.

“A primeira linha não é a fronteira”, disse Zelensky. “É impossível construir ali porque o nosso pessoal estava morrendo” sob o fogo de artilharia enquanto cavavam fortificações e colocavam minas, um esforço que começou em 2022, mas que se intensificou nos últimos meses.

Moradores que deixaram vilas perto de Vovchansk esperam transporte para Kharkiv. Foto: Finbarr O'reilly/The New York Times
Pessoas que deixaram vilas perto de Vovchansk olham roupas em centro de ajuda humanitária em Kharkiv.  Foto: Finbarr O'reilly/The New York Times

Os generais têm pela frente um jogo de adivinhação. O avanço da Rússia depende de quantos soldados cada lado mobilizar. Para a Ucrânia, esse cálculo significa deslocar os defensores de outros potenciais focos de ataque.

“A guerra é interativa”, disse Johan Norberg, analista militar sênior da Agência de Pesquisa em Defesa da Suécia, em uma entrevista por telefone. “O que os ucranianos fazem ou deixam de fazer é tão importante quanto o que os russos fazem.” A captura da cidade de Kharkiv, disse ele, exigiria que a Rússia se comprometesse a mobilizar “não apenas alguns milhares, mas centenas de milhares” de soldados.

Os residentes se sentem menos seguros. Depois que a Ucrânia recuperou sua aldeia, Staryi Saltiv, em 2022, Mykhaylo Voinov, 63 anos, e sua mulher, Olena Voinova, 54 anos, consertaram o telhado de casa, taparam danos causados por estilhaços e substituíram janelas quebradas. Em um quintal minuciosamente cuidado, o canto dos pássaros se misturava ao estrondo da artilharia.

Barricadas anti-tanque e cerca de concertina perto de Vovchansk.  Foto: Finbarr O'reilly/The New York Times

“Vivemos nossa vida plenamente, mesmo sabendo que a qualquer momento teremos que fazer as malas e partir”, disse Voinova. “Claro que é muito difícil, mas esta é a nossa terra, estamos sempre prontos para reconstruir de novo e de novo.”

Em um sinal do êxodo, Elena Bubenko, 59 anos, que acolhe cães de rua e animais de estimação que os seus vizinhos colocaram sob seus cuidados antes de fugir, está agora cuidando de 116 cães na aldeia de Tsykuni, a norte de Kharkiv.

Se as tropas ucranianas precisarem recuar para além da sua aldeia, ela disse que compreenderá e espera apenas poder retirar os animais a tempo.

“Eles deveriam defender as suas próprias vidas”, e não as aldeias, disse ela. “Caso contrário, quem sobrará para lutar por nós?” / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

KHARKIV - Em um ponto alto para a Ucrânia na sua guerra contra a Rússia, quando o seu exército estava varrendo as forças russas do nordeste do país, um chefe da polícia de uma pequena cidade pendurou orgulhosamente uma bandeira ucraniana na prefeitura, recém-libertada.

Um ano e meio depois, o policial, Oleksiy Kharkivskyi, se viu correndo para as ruínas em chamas da mesma cidade, Vovchansk, na semana passada, para retirar de lá os poucos residentes restantes, enquanto as forças russas se aproximavam.

“Todo lugar por onde eles passam fica simplesmente arrasado”, disse Kharkivskyi a respeito do avanço das tropas russas, que retornaram à região com uma ferocidade digna de uma campanha de terra arrasada, desencadeando um dos maiores deslocamentos de pessoas desde os primeiros meses da guerra.

As tropas russas cruzaram a fronteira entre a Rússia e a Ucrânia este mês e avançaram em direção à segunda maior cidade da Ucrânia, Kharkiv, com uma população de cerca de um milhão de pessoas. Analistas militares dizem que a Rússia não tem tropas para capturar a cidade, mas poderia avançar até que ela fique dentro do alcance da artilharia, desencadeando um fluxo maior de refugiados.

Do ponto de vista militar, a incursão parece ter como objetivo dispersar as já escassas e sub-equipadas forças da Ucrânia, desviando tropas da região de Donbass, no leste da Ucrânia, ainda vista como o alvo provável de uma ofensiva russa neste verão. Teve também o efeito desestabilizador de enviar milhares de pessoas perplexas e deprimidas da região fronteiriça para o interior da Ucrânia.

Moradores de Vovchansk e vilas partem de Kharkiv. Foto: Finbarr O'reilly/The New York Times

Depois de mais de uma semana de combates ferozes, o exército ucraniano recuou para posições mais fortificadas, a cerca de oito quilômetros da fronteira, mantendo sua posição há vários dias. Estruturas ainda mais formidáveis – trincheiras, armadilhas de concreto para tanques e bunkers – ficam mais atrás.

Autoridades regionais dizem que o ataque forçou até agora o deslocamento de cerca de 8.000 pessoas, e está em curso um esforço frenético para retirar os retardatários, na sua maioria idosos, de cidades e aldeias no caminho do avanço russo.

Muitos fugiram de aldeias que ficam em frente às linhas defensivas, uma área entregue a escaramuças e emboscadas e fortemente bombardeada pela artilharia russa.

Embora não seja uma estratégia ideal – e os relatos de comandantes e soldados sugerem que a Ucrânia a executou com alguns contratempos – a tática de se defender enquanto recua pequenos passos permite que uma força mais fraca inflija pesadas baixas aos atacantes. Aqueles que estão na ofensiva devem atacar fileiras e mais fileiras de posições à medida que avançam, afastando-se continuamente da cobertura e expondo-se à artilharia.

A Ucrânia, sofrendo com tropas insuficientes por causa da paralisação de meses na mobilização e com falta de munições, já que o congresso dos EUA adiou a aprovação de uma lei de gastos, usou a estratégia por necessidade, depois que as forças russas tomaram a cidade de Avdiivka em fevereiro.

Artilharia da Ucrânia na cidade de Vovchansk dispara contra posições da Rússia.  Foto: Finbarr O'reilly/The New York Times

É claro que isso tem um custo em termos de território – e de infortúnio para aqueles que vivem no lado errado das fortificações para as quais os ucranianos provavelmente recuarão.

Vasily Holoborodko, 65 anos, um mecânico de aviões aposentado, permaneceu na sua fazenda enquanto observava os soldados construírem armadilhas para tanques e trincheiras no lado errado da sua propriedade – longe da fronteira russa.

Quando o ataque veio, ele logo foi pego no meio da luta. Holoborodko correu em busca de segurança na quinta feira, passando por casas em chamas e tanques explodidos – e pelas linhas defensivas fortificadas.

“Mal conseguimos sair”, disse ele. Na pressa de fugir, ele deixou para trás suas galinhas, seu gato e seu cachorro, “e seja o que Deus quiser”.

As aldeias espalhadas por florestas de pinheiros ao norte de Kharkiv são pitorescas misturas de casas térreas pintadas em cores vivas, com jardins recém-plantados. A retirada em combate, por mais sensata que seja do ponto de vista militar, significou entregar algumas delas à ruína.

“As táticas dos russos mudaram radicalmente em comparação com 2022″, disse o capitão Petro Levkovskiy, chefe do Estado-Maior do batalhão operacional da 13ª Brigada da Ucrânia, referindo-se à invasão daquele mês de fevereiro. Naquela altura, observou ele, “eles vieram em colunas, marchando para Kharkiv, porque pensaram que seriam bem recebidos”. A Rússia ocupou a zona fronteiriça até setembro de 2022.

Este mês, bombardeios de artilharia pesada vindos do outro lado da fronteira com a Rússia anunciaram o mais novo ataque. “Eles usam a artilharia de longo alcance, destroem tudo, depois atacam com pequenos grupos, mas em grande número, vindos de diferentes direções”, disse o capitão Levkovskiy.

Em uma viagem para o norte em direção à fronteira de Kharkiv na semana passada, picapes e veículos blindados aceleravam na mesma direção, enquanto carros lotados de pessoas, sacolas de roupas e caixas de transporte de animais de estimação corriam para o sul.

Incêndios florestais queimavam os pinheiros, e a fumaça subia das aldeias em chamas mais ao norte.

Respingos de terra de novos ataques de artilharia salpicaram a estrada. A janela para a retirada de civis das áreas em frente às fortificações da Ucrânia está se fechando.

Cenas de angústia se desenrolavam conforme as pessoas deixavam suas casas e, às vezes, seus animais de estimação, abandonando tudo de uma hora para a outra.

Quando uma equipe de retirada chegou à sua casa em Bilyi Kolodyaz, Pavel Nelup, 30 anos, rapidamente jogou uma mochila no carro e entrou no veículo enquanto a artilharia ecoava nas proximidades.

“Desta vez é mais assustador”, disse ele a respeito dos mais recentes ataques russos. “Agora entendemos que eles não deixarão ninguém vivo.”

Seu pastor alemão, deixado para trás por falta de espaço, olhou para ele de uma abertura sob a cerca, choramingando.

Uma vizinha, Elena Konovalova, 58 anos, apareceu para se despedir de Nelup. “Meu querido, até mais”, disse ela. “Você vai ficar bem.”

Vitaly Kylchik, capelão da 110ª Brigada de Defesa Territorial que ajuda nas retiradas, insistiu para que ela partisse logo também.

“Não fiquem sentados esperando como as pessoas em Vovchansk”, disse ele a respeito da cidade ao norte, de onde subiam nuvens de fumaça negra. A prefeitura onde a bandeira foi orgulhosamente pendurada após a libertação está agora em ruínas, disseram moradores.

Daria Sorokoletova, 40 anos, moradora de Vovchansk, fugiu na quarta feira. Assim que ela saiu de casa, um projétil de artilharia atingiu-a, explodindo-a em pedacinhos.

“Não há mais nada lá”, disse ela. “Não há para onde voltar.”

Mesmo com seus cidadãos sendo forçados a abandonar suas casas, o governo ucraniano tem defendido a estratégia de recuo para as linhas defensivas. A Rússia avançou cerca de 130 quilômetros quadrados e capturou cerca de uma dúzia de aldeias, muitas delas agora em escombros.

Na sexta feira, o presidente Volodmir Zelensky, da Ucrânia, disse que a ofensiva russa atingiu, mas não cruzou, a primeira linha de defesa, para além dessas aldeias.

“A primeira linha não é a fronteira”, disse Zelensky. “É impossível construir ali porque o nosso pessoal estava morrendo” sob o fogo de artilharia enquanto cavavam fortificações e colocavam minas, um esforço que começou em 2022, mas que se intensificou nos últimos meses.

Moradores que deixaram vilas perto de Vovchansk esperam transporte para Kharkiv. Foto: Finbarr O'reilly/The New York Times
Pessoas que deixaram vilas perto de Vovchansk olham roupas em centro de ajuda humanitária em Kharkiv.  Foto: Finbarr O'reilly/The New York Times

Os generais têm pela frente um jogo de adivinhação. O avanço da Rússia depende de quantos soldados cada lado mobilizar. Para a Ucrânia, esse cálculo significa deslocar os defensores de outros potenciais focos de ataque.

“A guerra é interativa”, disse Johan Norberg, analista militar sênior da Agência de Pesquisa em Defesa da Suécia, em uma entrevista por telefone. “O que os ucranianos fazem ou deixam de fazer é tão importante quanto o que os russos fazem.” A captura da cidade de Kharkiv, disse ele, exigiria que a Rússia se comprometesse a mobilizar “não apenas alguns milhares, mas centenas de milhares” de soldados.

Os residentes se sentem menos seguros. Depois que a Ucrânia recuperou sua aldeia, Staryi Saltiv, em 2022, Mykhaylo Voinov, 63 anos, e sua mulher, Olena Voinova, 54 anos, consertaram o telhado de casa, taparam danos causados por estilhaços e substituíram janelas quebradas. Em um quintal minuciosamente cuidado, o canto dos pássaros se misturava ao estrondo da artilharia.

Barricadas anti-tanque e cerca de concertina perto de Vovchansk.  Foto: Finbarr O'reilly/The New York Times

“Vivemos nossa vida plenamente, mesmo sabendo que a qualquer momento teremos que fazer as malas e partir”, disse Voinova. “Claro que é muito difícil, mas esta é a nossa terra, estamos sempre prontos para reconstruir de novo e de novo.”

Em um sinal do êxodo, Elena Bubenko, 59 anos, que acolhe cães de rua e animais de estimação que os seus vizinhos colocaram sob seus cuidados antes de fugir, está agora cuidando de 116 cães na aldeia de Tsykuni, a norte de Kharkiv.

Se as tropas ucranianas precisarem recuar para além da sua aldeia, ela disse que compreenderá e espera apenas poder retirar os animais a tempo.

“Eles deveriam defender as suas próprias vidas”, e não as aldeias, disse ela. “Caso contrário, quem sobrará para lutar por nós?” / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

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